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terça-feira, 24 de março de 2009

O PACIENTE



Dispa-se!, ordenou o médico. O paciente despiu-se pacientemente. Um tórax enfezado, uma barriga desmesurada, umas pernitas de barro. Auscultou-o, examinou-lhe ouvidos, olhos, boca, língua, fígado, intestinos, dói-lhe aqui? Sim, e aqui? Sim, senhor doutor.
O médico voltou a sentar-se, mandou-o vestir-se, escrevinhou longo tempo. O paciente impacientava-se. Por fim, passou-lhe a receita para as mãos e disse: Hum…
O paciente tossiu, limpou as mãos suadas às calças e interrogou docilmente: É mau, senhor doutor? Recebeu como resposta o monossílabo rouco e profundo: Hum…
Na receita figuravam exames, muitos exames: de engenharia financeira, de Economia produtiva, de créditos malparados, de endividamento insolvente, de retórica e propaganda.
Consultou um psiquiatra tal como fora prescrito. Ao fim de três horas penosas foi-lhe diagnosticada Ansiedade Geral crónica, psicose maníaco-depressiva, originada por uma debilidade hereditária , agravada por alterações metabólicas e endócrinas. Na fase maníaca o paciente mostrava desinibição extralimite da vontade compulsiva de rapinar e na fase melancólica a inibição atingiu as áreas produtivas da economia real. Manifestava igualmente uma fraqueza patológica do Eu dos outros, sobretudo árabes, chineses e revolucionários, a quem dirige um ódio visceral. Incapaz de contacto social pacífico e tolerante, desenvolve rapidamente comportamentos de agressividade, investindo e encomendando Ao Complexo industrial militar instrumentos sofisticados de matança. Ainda há pouco tempo este, o tal Complexo, gastava por ano um milhão de milhões de dólares. Um sinal inquietante da evolução da doença apresentava-se nas duas guerras coloniais sustentadas no Médio Oriente, que ajudam a afundar o Império, isto é, o paciente.
Os resultados dos exames foram definitivos: eminência de um colapso geral do sistema, depressão crónica, quedas produtivas e financeiras, impotência para entender e prever, ineficácia para enfrentar a realidade com os instrumentos normais ou já aplicados pelo célebre médico Keynes, o estado social arruinado propositadamente (sintoma alarmante de paixão patológica pelo sector privado).
O corpo já ostentava bolhas especulativas, o ventre inchara com as injecções de dinheiros do Estado, isto é, dos cidadãos contribuintes, o comportamento tornara-se parasitário, acumulando lucros gigantescos por meios especulativos e, por sua vez, os parasitas afogavam o corpo, intoxicando-o, com sinais de apodrecimento imparáveis.
Consultou um psicólogo, à força, obrigado pelos confrades, grandes ratazanas que esperavam o momento para saltarem do navio e salvarem o coiro. No termo de vinte consultas o especialista conseguiu levá-lo a entender de uma vez por todas que o problema residia numa crise cíclica de superprodução, sobrecapacidade produtiva face a uma procura global que foi decrescendo. A droga financeira de que o paciente abusou, se foi a salvação antes, envenenou-lhe o corpo.
Não se suicidou: mandou matar mais umas centenas de milhar, exigiu do Estado mais uns biliões que este, solícito, logo pagou, subtraiu para si uma dose e fez um cruzeiro pelos mares do sul.
Quando regressou, quase podre, envenenado, coberto de parasitas, mas tisnado pelo sol, ordenou que os jornalistas lhe viessem beijar os pés e proferiu um discurso sobre a salvação do mundo, escutado devotamente por milhões de crentes. Conquistou a maioria e a presidência.
Nesta altura ignora-se quanto tempo de vida sobra ao Sistema. Digo: corpo.

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