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domingo, 26 de abril de 2009

ENSAIO SOBRE AS CORES

Azul

Da minha janela vejo o azul.
O resto pertence à cidade.
Entras. Trazes o céu pela mão.
Lá fora, os abutres afiam o bico.

Vermelho

Não evoco o sangue mas a romã.
Uma melancia fendida a meio.
Maçã, cereja, morango.
A tua boca canta como a cascata na escarpa.

Castanho

Castanho escuro com tons de oiro.
Castanhas na lareira. Melancolia.
Vem meu amor, de palavras despida.
Antes delas sinto-te.

Violeta

Acaricio o corpo da terra. O tacto.
Na infância as minhas mãos eram ávidas.
Como recuperar tanta avidez?
No teu olhar desassombrado,
perfila-se uma sombra.

Amarelo

No verão reverdeço
quando o trigo amadurece.
Sedentos rebanhos
perseguem uma fonte.
Nas nossas bocas. Tanto sol.

Negro

A mão sobre o teu púbis
desenha a abóboda de uma catedral.
Santificado seja o teu nome.
A Deus -nada- nada dou.

Roxo

Falo-te de minha mãe, lua martirizada.
Dela herdei esta dor indefinida,
como quem sente que a vida
é uma criança que a morte interrompeu.
Contigo brinco de novo.

Laranja

Flor de laranjeira
na memória colhida.
Ó terra prometida!
Desejo-te mais do que te espero.
A minha ilha afundada
recolhe toda a inocência.

Lilás

Certo dia, era criança, sentado
na margem do rio Côa,
tive a visão do que seria,
um mundo pasmado em paz eterna.
Que outro eu seria?

Oiro

Teus longos cabelos ao sol,
soprando ligeira a maresia,
vertiam oiro nos meus dedos.
Nesse tarde ninguém se afogou.
O mar, uma criança parecia.


Verde

Verde,
o vale, a aldeia no sopé da montanha.
Sobre nenúfares caminha o Pensamento.
Energia e matéria, nada mais
foi preciso para um universo nascer
e outro morrer.

Prata

Os teus pés dançam sobre as águas
sem que, no entanto, a leveza seja o teu destino.
Também as ondas são, às vezes, tão mansas que disfarçam
a força com que batem no outro lado do mundo.

Todas as cores

O bater das asas dos teus pés levantam-me da terra dura e árida onde teimam em medrar pensamentos inúteis, ressentimentos, ciúmes, feridas de Narciso, espadas de Tântalo, rochedos de Sísifo, grilhões de Prometeu, boceta de Pandora, diabos, espectros, fantasmas...Fico leve, ligeiro, fugaz; porém, preciso, instantâneo, intempestivo, nómada, cavalo alado, toiro investindo contra Ariadna, sensitivo, presente, ao mesmo tempo trémulo e determinado, indiferente à passagem implacável do tempo. Tu és, nesse instante em que o Mito se actualiza, em que o Acontecimento realiza a Diferença Pura, o passado e o futuro, ou o Presente que congela o Passado e abre caminho à flecha do tempo.

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