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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

ELOGIO DA POESIA

Ler poesia é difícil
mais difícil é fazê-la.
É mais fácil ouvir música,
mais fácil ainda ver escultura
mais do que ver teatro.
Aqueles que cantam bem a poesia
não são inferiores aos poetas que cantam.
Dizer bem a poesia também não é fácil.
Há muita poesia na rua,
mas os grandes poetas são raros.
A poesia pode chegar às massas,
devia chegar,
Neruda comoveu auditórios operários com a sua.
Nerudas, porém são muito escassos,
oiro ou diamante,
sem a ganância e a morte que estas pedras provocam.
Os poetas matam-se a si próprios, mas ninguém mata por eles.
Alguns não se matam nem sofrem mais que muitos,
vivem comodamente, burgueses, aristocratas,
e contudo criaram objectos de sublime sensibilidade.
Reaccionários, conservadores, revolucionários,
contrariando sistemas e regimes,
as suas mensagens são mais directas nos seus romances,
mais subtis nos seus poemas.
É no seu tom triste que se expõem,
nas suas metáforas,
na musicalidade dos seus versos.
Quando gostamos de um poema
sentimo-lo com a inteligência.
Perturba, encanta, ou desafia.
Os grandes poetas falam sempre do mesmo sentimento
(o mais complexo dos sentimentos): do amor.
Do amor por um ser amado, ou por todos seres,
pelas coisas amadas, perdidas ou maltratadas,
pelo pão, pelas cebolas -sim, pelas cebolas!-,
pelo vinho, pelas searas de trigo, pelo antiquíssimo
chiar das carroças puxadas pelos bois, pelo cheiro da bosta,
pelas vítimas inocentes de uma guerra,
de todas as guerras (por isso são mal compreendidos por uns e por outros!)
pelos que sofrem de injustiça e morrem de inanição,
ao pé de um poço que não lhes pertence ou de um celeiro.
Os piores poemas dos grandes poetas são os escritos panfletários,
cheios de doutrina, de propaganda, de moral edificante.
Neruda, que era comunista, não publicava os maus poemas.
Que existe de comum entre um Neruda e um Fernando Pessoa?
Tudo os diferenciava.
Que existe de comum?
O modo como fazem tanger as cordas da nossa sensibilidade.
Por isso preferimos um ou o outro conforme o que estamos sentindo,
conforme o apelo urgente dos acontecimentos.
Porque a grande poesia é um acontecimento,
desassossega, aviva o amor ou a decisão de agir,
mas ela mesma dá-nos uma viva sensibilidade
relativamente aos acontecimentos.
A matemática é dificílima? Que nada,
a poesia é bem mais.
Se o não fosse
não valia a pena.
Quanto mais fácil e escorreita pareça,
mais trabalhosa foi.
É admirável a poesia popular,
repentista ou sedimentada por longas gerações;
porém,não nos iludamos: confessar sentimentos apenas
sem trabalho algum sobre as palavras, as metáforas, os símbolos,os ritmos,
equivale a escrever cartas de amor,
que são todas ridículas.

1 comentário:

Meg disse...

Mais uma vez me surpreendes.
Poesia nas palavras de um "Poeta"?
Quando é que tenho tempo para mergulhar a fundo na "espuma das palavras"?
Ler-te é uma descoberta... e sempre muito gratificante.

Beijo

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