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domingo, 2 de agosto de 2009

A identidade sem rumo

A época em que nos encontramos, designada «pós-modernidade» ou da globalização total, caracteriza-se por transformações profundas nos comportamentos, na acção social e nas instituições sociais, isto é, muito do que a Modernidade construiu. Na Economia a globalização financeira, nomeadamente especulativa, o neo-liberalismo com o dogma do mercado livre, o desemprego maciço e o emprego precário, a deslocalização das empresas, a tentativa de dissolução dos contratos colectivos de trabalho, etc. Os estados-nação tão sólidos parecem hoje dissolver-se no ar. O Estado-Providência mingua sob os golpes de governantes que obedecem aos directórios europeus. As lógicas do mercado e correlativa publicidade reduzem tudo a mercadoria, cujo destino é necessariamente o consumo imediato, segundo os ditames da acumulação e reprodução infinita do capital. A crise do sistema capitalista veio, instalou-se e está para durar, rasgando compromissos, engordando comprometidos, impondo aos trabalhadores europeus soluções sem alternativas, com os olhos postos nos imensos mercados potenciais do chamado Terceiro Mundo.
«Portugal mudou», declarava uma série televisiva, e quanto ao facto não há discussão. Tecnologias da comunicação, isto é telemóveis, colocam-nos em lugar cimeiro, relativamente falando. O Estado-mínimo, corta, sacode responsabilidades e deveres, descentralizando serviços sociais, privatizando o mais que pode. A falência do sistema de Ensino, da Saúde, da Segurança Social, encobre responsáveis, mas descobre vítimas. A propaganda culpabiliza, mente, divide, acusa sem pudor. As chamadas «classes médias» endividam-se, hipotecam, assistem ao abaixamento -rebaixamento- do seu status.
Sumariamente estatuto é o conjunto de comportamentos que uma pessoa espera dos outros, pelo facto de ocupar determinada posição social; resulta da posição de ordem social dentro de um grupo. O conjunto dos comportamento adequados a uma determinada posição é o papel dessa pessoa que ocupa uma determinada posição na ordem social. Assiste-se, portanto, às mudanças nos estatutos (tradicionais ou adquiridos) e nos papéis desempenhados. Os papéis podem manter-se, mas o estatuto degrada-se, comparativamente com o aparecimento de novos estatutos de valor socialmente superior. A coesão social encontra-se fragmentada, os ressentimentos e as invejas acumulam-se, os comportamentos perdem hábitos, a insegurança instala-se, as expectativas recuam, as certezas claudicam. Difunde-se o medo: da pobreza, da solidão e abandono, da exlusão.
A identidade social é a soma de todas as relações de inclusão ou exclusão em relação a todos os grupos constitutivos de uma sociedade; é sempre o resultado da classificação do indivíduo ou grupo na hierarquia social. Os processos de identificação social – processos pelos quais cada membro de uma sociedade identifica, sem grande risco de erro, a identidade social de um outro membro – dependem do funcionamento do sistema cultural interiorizado por todos os membros de uma mesma sociedade.
Por conseguinte, a identidade (quase sempre atribuída) anda a sofrer tratos de polé. Uns perderam-na já, outros vão perdê-la, e a outros é atribuída nova identidade. O mundo pessoal dissolve-se, de repente por vezes. O conformismo social comprime como um céu de cimento ou indiferencia como um rolo compressor. A propaganda dissemina os consensos convenientes.
Escreveu o velho Tucídides que «os poderosos fazem o que querem, os fracos sofrem como devem». A propaganda ideológica é uma arma insidiosa e invasora -não há espaço privado que não sucumba-, a opinião pública uma opinião fabricada, o pensamento único assemelha-se ao pronto-a-vestir que passa por «bom-senso», a indústria do espectáculo maquilha-se de «cultura» (que até o é, porém industrial), e reproduzem-se estereótipos e preconceitos, desigualdades e classes sociais. Em lugar da autonomia individual fomenta-se o individualismo que equivale à uniformidade e à submissão a múltiplas formas de poder. Sociedades de controlo onde a singularidade e o Novo constituem uma utopia. Utopia é também a Sociedade da Comunicação Universal e Emancipada. O que temos à frente dos olhos é a «sociedade em rede», onde os poderosos não têm rosto nem responsabilidade.
Tradições já se foram, grupos e movimentos sociais que há décadas permitiam sentimentos de pertença esboroam-se ou são substituídos por pólos de encontros «virtuais», minorias buscam espaço e indícios de identificação uns nos outros em forma de «tribos», «irmandades». É provável que o tipo de construção de identidade mais importante seja a identidade destinada à resistência. Ignoro qual seja o seu destino aqui e amanhã.

2 comentários:

Meg disse...

Mais do que uma identidade sem rumo não estaremos já despojados dela?
Pelo menos é o que me parece já estar a acontecer... quem é quem, o quê...?
Tu ignoras o que vai acontecer aqui e amanhã, eu atrevo-me a dizer que o caos está no horizonte,
que o pior está ainda para vir...
Por mais optimista que seja, não consigo ver nada de bom para o futuro. Grandes transformações na sociedade são inevitáveis.
E este teu texto veio confirmar os meus receios.

Um abraço

Meg disse...

Não é nada secreto...

http://versoeprosa.ning.com/profile/meggy33.

Há aqui muita gente muito bonita!

Um abraço

Viagem à Polónia

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Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

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Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.