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sábado, 31 de outubro de 2009

Porquê?

O post sobre Espinosa justifica-se neste blog. Primeiro, porque dedico particular atenção à filosofia; segundo, porque Espinosa é o filósofo que mais amo, o maior e melhor de todos na minha opinião, que nenhum grande pensador ignorou (desde Hegel a Deleuze, passando por Einstein); terceiro, porque o livro de José saramago, CAIM, vem destapar velhas querelas que deviam ser sempre novas. O último livro de Saramago é para mim dos melhores, se não for o melhor de todos, pela sua concisão, rigor filosófico, estrutura narrativa empolgante. Confirma a sua posição insuperável de o melhor romancista português de todos os tempos e o maior actualmente do mundo. O seu estilo inimitável, único e pioneiro, expressa temas clássicos que há muito tempo não viamos ser tratados. Saramago é escritor e é filósofo, porque o filosofar não é alheio à boa literatura, pode ser mesmo esta uma das suas formas de se exprimir. A grande literatura trouxe-nos sempre profundas reflexões sobre os temas que interessam à filosofia, desde a ética e a política à religião.
Espinosa inaugurou o moderno método de crítica aos textos bíblicos. Somente séculos depois outros métodos, especialmente científicos, como a arqueologia e outros ramos da História, a antropologia cultural, etc., têm vindo a explicar muito do que na Bíblia era considerado inquestionável e verdadeiro. De resto, lembremos que a Igreja ensinou e obrigou a acreditar-se que era o sol que rodava à volta da Terra, baseando-se em histórias bíblicas, tal como obrigava ( e ainda obriga em certos países) a acreditar que Adão e Eva existiram, criados por Deus, apesar de Darwin. Ter fé é uma coisa, negar a evidência é outra coisa bem diferente. Dificilmente encontrariamos uma prova mais irrefutável da estupidez do que a proibição do uso do preservativo.
Contudo, fulgura (e fulmina) no romance de saramago outra questão candente, que Espinosa tratou no século dezassete: a natureza de Deus, isto é, do Deus da Bíblia (o Deus verdadeiro para três religiões). E leva-nos a reflectir, indirectamente, sobre o Alcorão, ou seja, sobre a natureza de Maomé. O Antigo Testamento é um livro repleto de crueldades, sectarismo violento, sanguinário, e rígida obediência. E o Alcorão? E a epopeia sanguinária das Igrejas Reformadas, de Lutero, Calvino, Mórmons, etc.? Ceramente que há bons conselhos na Bíblia e no Alcorão, sobretudo no Novo Testamento, e, por via deles, actos de nobreza moral praticados por crentes, em todas as religiões. São esses bons crentes que devem separar o trigo do joio.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Bento de Espinosa


Bento de Espinoza
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Bento de Espinoza
ברוך שפינוזה

Nascimento 24 de Novembro de 1632
Amsterdão, Países Baixos
Morte 21 de Fevereiro de 1677
Haia, Países Baixos
Nacionalidade neerlandês
Ocupação artesão, teólogo, filósofo
Magnum opus Ética
Escola/tradição Espinozismo (fundador), racionalismo, eudemonismo, cartesianismo
Principais interesses Ética, Metafísica, Teoria do Conhecimento, Teologia, Lógica
Idéias notáveis Monismo, Panteísmo, Conatus, interpretação metafórica da Bíblia
Influências Zenão de Cítio, Maimónides, Ibn Ezra, Gersónides, Descartes, Giordano Bruno, Maquiavel, Hobbes
Influenciados Leibniz, Diderot, Kant, Schelling, Fichte, Hegel, Goethe, Karl Marx, Schopenhauer, Nietzsche, Walter Benjamin, Bergson, Albert Einstein, Deleuze, Antonio Negri

Bento de Espinoza[1] (também Benedito Espinoza; em hebraico: ברוך שפינוזה, transl. Baruch de Spinoza) foi um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. Nasceu nos Países Baixos em uma família judaica portuguesa e é considerado o fundador do criticismo bíblico moderno.


Vida
Nasceu em Amsterdã no seio da família judaica, de portugueses foragidos da perseguição pela Inquisição.

Foi profundo estudioso da Bíblia, do Talmude e de obras de judeus como Maimónides, Ben Gherson, Ibn Reza, Hasdai Crescas, Ibn Gebirol, Moisés de Córdoba e outros. Também se dedicou ao estudo de Sócrates, Platão, Aristóteles, Demócrito, Epicuro, Lucrécio e também de Giordano Bruno;

Ganhou a fama pelas suas posições do panteísmo (Deus, natureza naturante) e do monismo neutro, e ainda devido ao fato da sua ética ter sido escrita sob a forma de postulado e definições, como se fosse um tratado de geometria.

Excomunhão
No verão de 1656, foi excomungado na Sinagoga Portuguesa de Amsterdã pelos seus postulados a respeito de Deus em sua obra, defendendo que Deus é o mecanismo imanente da natureza e do universo, e a Bíblia uma obra metafórico-alegórica que não pede leitura racional e que não exprime a verdade sobre Deus.

Conforme Will Durant, sua Excomunhão pelos judeus de Amesterdã, tal como ocorrera com as atitudes que levaram à retração e posterior suicídio de Uriel da Costa em 1647, fora como que um gesto de "gratidão" por parte dos judeus com o povo holandês.

Embora os pensamentos de Spinoza e da Costa não fossem totalmente estranhos ao judaísmo, vinham contra os pilares da crença cristã. Os judeus, perseguidos por toda Europa na época, haviam recebido abrigo, proteção e tolerância dos protestantes dos Países Baixos e, assim, não poderiam permitir no seio de sua comunidade um pensador tido como herege.

Pós excomunhão
Após a sua excomunhão adotou o primeiro nome Benedictus ("Bendito", a tradução do seu nome original - Baruch - para o latim).

Para sua subsistência chegou a trabalhar com polimento de lentes, durante os períodos em que viveu em casas de famílias em Outerdek (próximo a Amsterdã) e em Rhynsburg. Nesta última localidade escreveu suas principais obras.

Uma vez que as reações públicas ao seu Tratado Teológico-Político não lhe eram favoráveis, absteve-se de publicar seus trabalhos. A Ética foi publicada após sua morte, na Opera Postuma editada por seus amigos.

Morte
Morreu num domingo, 21 de fevereiro de 1677, aos quarenta e quatro anos, vitimado pela tuberculose. Morava então com a família Van den Spyck, em Haia. A família havia ido à igreja e o deixara com o amigo Dr. Meyer. Ao voltarem, encontraram-no morto.

Traços físicos
Conforme Colerus que o conheceu em Rhynsburg, Spinoza "era de mediana estatura, feições regulares, pele morena, cabelos pretos e crespos, sobrancelhas negras e bastas, denunciando claramente a descendência de judeus Sefaradim ou sefaraditas(Originalmente naturais da Espanha). No trajar muito descuidado, a ponto de quase se confundir com os cidadãos da mais baixa classe".

Reconhecimento

Estátua de Spinoza em Haia.Suas obras o fizeram reconhecido em vida, recebeu cartas de figuras proeminentes como Henry Oldenburg da Royal Society of England, do jovem nobre alemão, o inventor Von Tschirnhaus, do cientista holandês Huygens, de Leibnitz, do médico Louis Meyer de Haia, do rico mercador De Vries de Amsterdã.

Luís XIV lhe ofereceu uma larga pensão para que Spinoza lhe dedicasse um livro. O filósofo recusou polidamente.

O príncipe de Condé, na chefia do exército da França que invadira a Holanda novamente convidou-o a aceitar uma pensão do rei da França e ser apresentado a vários admiradores. Spinoza desta vez aceitou a honraria, mas se viu em dificuldades ao retornar a Haia, por causa dessa suposta "traição". Porém, logo o povo, ao perceber que se tratava de um filósofo, um inofensivo, se acalmou.

O monumento feito em homenagem a Spinoza, em Haia foi assim comentado por Renan em 1882:

"Maldição sobre o passante que insultar essa suave cabeça pensativa. Será punido como todas as almas vulgares são punidas – pela sua própria vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, do seu pedestal de granito, apontará a todos o caminho da bem-aventurança por ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aqui passar dirá em seu coração: Foi quem teve a mais profunda visão de Deus"

O retrato de Spinoza foi impresso nas antigas notas de 1000 florins dos Países Baixos, até a introdução do euro, em 2002.

Obra
Livros
a) Publicados "post mortem":

Escritos em Latim:

Ética demonstrada à maneira dos geômetras (Ethica Ordine Geometrico Demonstrata) - escrito em Rhynsburg; Conteúdo:
A natureza de Deus
Matéria e Espírito
Inteligência e Moral
Religião e Imortalidade
Tratado Político (Tractatus Politicus)
Tratado Político (depois incluído na Ética;
Tratado do Arco-íris
Escritos em Holandês:

Um breve Tratado sobre Deus e o Homem (foi um esboço da Ética);
b) Publicados em vida:

Melhoramento do Intelecto (De Intellectus Emendatione) - Ensaio
Príncípios da Filosofia Cartesiana
Tratado sobre a Religião e o Estado (Tractatus theologico politicus)
[editar] Conteúdo filosófico
Spinoza defendeu que Deus e Natureza eram dois nomes para a mesma realidade, a saber, a única substância em que consiste o universo e do qual todas as entidades menores constituem modalidades ou modificações. Ele afirmou que Deus sive Natura ("Deus ou Natureza" em latim) era um ser de infinitos atributos, entre os quais a extensão (sob o conceito atual de matéria) e o pensamento eram apenas dois conhecidos por nós.

A sua visão da natureza da realidade, então, fez tratar os mundos físicos e mentais como dois mundos diferentes ou submundos paralelos que nem se sobrepõem nem interagem mas coexistem em uma coisa só que é a substância. Esta formulação é uma solução pampsíquica relacionada à particular concepção panteísta de Spinoza. Pampsiquismo ou fenômeno psicofísico é, segundo Umberto Padovani, a influência recíproca entre alma e o corpo, concepção historicamente ligada ao monismo.

Spinoza também propunha uma espécie de determinismo, segundo o qual absolutamente tudo o que acontece ocorre através da operação da necessidade, e nunca da contingência. Para ele, até mesmo o comportamento humano seria totalmente determinado, sendo então a liberdade a nossa capacidade de saber que somos determinados e compreender por que agimos como agimos. Deste modo, a liberdade para Spinoza não é a possibilidade de dizer "não" àquilo que nos acontece, mas sim a possibilidade de dizer "sim" e compreender completamente por que as coisas deverão acontecer de determinada maneira.

A filosofia de Spinoza tem muito em comum com o estoicismo, mas difere muito dos estóicos num aspecto importante: ele rejeitou fortemente a afirmação de que a razão pode dominar a emoção. Pelo contrário, defendeu que uma emoção pode ser ultrapassada apenas por uma emoção maior. A distinção crucial era, para ele, entre as emoções activas e passivas, sendo as primeiras aquelas que são compreendidas racionalmente e as outras as que não o são.

Substância
Para Spinoza, a substância não possui causa fora de si, ela é uma causa não-causada, ou seja, uma causa em si. Ela é singular a ponto de não poder ser concebida por outra coisa que não ela mesma. Por não ser causada por nada, a substância é totalmente independente, livre de qualquer outra coisa, pois sua existência basta-se em si mesma.Ou seja, a substância, para que o entendimento possa formar seu conceito, não precisa do conceito de outra coisa. A substância é absolutamente infinita, pois se não o fosse, precisaria ser limitada por outra substância da mesma natureza.

Pela proposição V da Parte I da Ética, ele afirma: "Uma substância não pode ser produzida por outra substância", portanto, não existe nada que limite a substância, sendo ela, então, infinita. Da mesma forma, a substância é indivisível, pois, do contrário, ao ser dividida ela, ou conservaria a natureza da substância primeira, ou não. Se conservasse, então uma substância formaria outra, o que é impossível de acordo com a proposição VI; se não conservasse, então a substância primeira perderia sua natureza, logo, deixaria de existir, o que é impossível pela proposição 7, a saber: "à natureza de uma substância pertence o existir". Assim, a substância é indivisível.

Assim, sendo da natureza da substância absolutamente infinita existir e não podendo ser dividida, ela é única, ou seja, só há uma única substância absolutamente infinita ou Deus.

A influência
Spinoza ficou considerado como maldito por muitos anos após sua morte. Quem recuperou sua reputação foi o crítico Lessing em seus diálogos com Jacobi em 1784. Na seqüência, o filósofo foi citado, elogiado e inspirou pessoas como os teólogos liberais Herder e Schleiermacher, o poeta católico Novalis, o grande Goethe;

Da combinação da epistemologia de Kant saíram os "panteísmos" de Fichte, Schelling e de Hegel. Influenciou os conceitos de Schopenhauer, Nietzsche e Bergson em seus "vontade de vencer", "vontade de poder" e "élan vital", respectivamente. Inspirou o pensador inglês Coleridge, ainda os conterrâneos, poeta Wordsworth e também Shelley.

Referências
1.↑ A forma Espinosa também é utilizada.
Bibliografia
Sobre Espinoza
Gabriel Albiac, 1987. La sinagoga vacía: un estudio de las fuentes marranas del espinosismo. Madrid: Hiperión D.L. ISBN 84-7517-214-8
Etienne Balibar, 1985. Spinoza et la politique ("Spinoza and politics") Paris: PUF.
Boucher, Wayne I., 1999. Spinoza in English: A Bibliography from the Seventeenth Century to the Present. 2nd edn. Thoemmes Press.
Boucher, Wayne I., ed., 1999. Spinoza: Eighteenth and Nineteenth-Century Discussions. 6 vols. Thommes Press.
Damásio, António 2003. Looking for Spinoza: Joy, Sorrow, and the Feeling Brain, Harvest Books,ISBN 978-0-15-602871-4
Gilles Deleuze, 1968. Spinoza et le problème de l'expression. Trans. "Expressionism in Philosophy: Spinoza".
———, 1970. Spinoza - Philosophie pratique. Transl. "Spinoza: Practical Philosophy".
Della Rocca, Michael. 1996. Representation and the Mind-Body Problem in Spinoza. Oxford University Press. ISBN 0-19-509562-6
Will Durant. 1955 História da Filosofia - 10a Edição
Garrett, Don, ed., 1995. The Cambridge Companion to Spinoza. Cambridge Uni. Press.
Gatens, Moira, and Lloyd, Genevieve, 1999. Collective imaginings: Spinoza, past and present. Routledge. ISBN 0-415-16570-9, ISBN 0-415-16571-7
Gullan-Whur, Margaret, 1998. Within Reason: A Life of Spinoza. Jonathan Cape. ISBN 0-224-05046-X
Hampshire, Stuart 1951. Spinoza and Spinozism, OUP, 2005 ISBN 978-0-19-927954-8
Lloyd, Genevieve, 1996. Spinoza and the Ethics. Routledge. ISBN 0-415-10781-4, ISBN 0-415-10782-2
Kasher, Asa, and Shlomo Biderman. "Why Was Baruch de Spinoza Excommunicated?"
Arthur O. Lovejoy, 1936. "Plenitude and Sufficient Reason in Leibniz and Spinoza" in his The Great Chain of Being. Harvard University Press: 144-82 (ISBN 0-674-36153-9). Reprinted in Frankfurt, H. G., ed., 1972. Leibniz: A Collection of Critical Essays. Anchor Books.
Pierre Macherey, 1977. Hegel ou Spinoza, Maspéro (2nd ed. La Découverte, 2004).
———, 1994-98. Introduction à l'Ethique de Spinoza. Paris: PUF.
Matheron, Alexandre, 1969. Individu et communauté chez Spinoza, Paris: Minuit.
Nadler, Steven, 1999. Spinoza: A Life. Cambridge Uni. Press. ISBN 0-521-55210-9
Antonio Negri, 1991. The Savage Anomaly: The Power of Spinoza's Metaphysics and Politics.
———, 2004. Subversive Spinoza: (Un)Contemporary Variations).
Michael Hardt, trans., University of Minnesota Press. Preface, in French, by Gilles Deleuze, available here.
Pierre-Francois Moreau, 2003, Spinoza et le spinozisme, PUF (Presses Universitaires de France)
Goce Smilevski: Conversation with SPINOZA. Chicago: Northwestern University Press, 2006.
Stoltze, Ted and Warren Montag (eds.), The New Spinoza Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997.
Yovel, Yirmiyahu, "Spinoza and Other Heretics", Princeton, Princeton University Press, 1989.
Marilena Chaui, "Espinoza, uma filosofia da liberdade", São Paulo, Moderna, 1995.
Marilena Chaui, "A Nervura do real. Imanência e liberdade em Espinoza", São Paulo, Cia. das Letras, 1999.
Marilena Chaui, "Política em Espinoza", São Paulo, Cia. das Letras, 2003.
[editar] Traduções
Para o português
Ética. Tradução de Thomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
Victor Civita. Editor. Os Pensadores: Espinoza. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 3a edição.
Inclui as seguintes obras: Pensamentos Metafísicos, Tratado da Correção do Intelecto, Ética, Tratado Político, Correspondência. Inclui também "Espinoza: Vida e Obra", de Marilena de Souza Chauí.
Para o francês
Spinoza. Oeuvres III: Éthique. Paris: GF-Flammarion, 1965. Tradução Charles Appuhn.
Estudos introdutórios
Sobre a filosofia de Spinoza
Stuart Hampshire. 1951. London: Penguin Books, 1953, reimpressão.
Sobre a Ética
Charles Appuhn. "Notice sur l'Éthique". Em: Spinoza, Oeuvres III: Éthique. Paris: GF-Flammarion, 1965.
Tópicos spinozanos
Subjetividade, intersubjetividade e individualidade
Martial Gueroult. 1974. Spinoza II: L'Âme. Millau: Aubier, 2001.
Alexandre Matheron. 1969. Individu et Communauté chez Spinoza. Paris: Les Editions de Minuit, 1988, V+647 páginas.
Nova edição da obra original à qual foi acrescida uma advertência na qual o autor diz que nada modifica no texto e remete aos seus outros trabalhos para maiores desenvolvimentos dos estudos spinozanos presentes no livro.
Alexandre Matheron. 1986. Anthropologie et Politique au 17e siècle. Vrin.
Liberdade
Robert Sleigh Jr., Vere Chappell e Michael Della Rocca. "Determinism and human freedom." Em Daniel Garber e Michael Ayers, editores, The Cambridge history of seventeenth-century philosophy, volume II, capítulo 33. Cambridge, New York e Melbourne: Cambridge University Press, 1998.
O trecho sobre liberdade em Spinosa vai da página 1226 à página 1236.
Sabedoria
Alexandre Matheron. 1971. Le Christ et le Salut des Ignorants chez Spinoza. Aubier-Montaigne.
Ver também
O Wikimedia Commons possui multimedia sobre Bento de EspinozaO Wikiquote tem uma coleção de citações de ou sobre: Baruch de Espinoza.Sinagoga Portuguesa de Amsterdão
Beth Haim
Ligações externas
A Wikipédia possui o:
Portal de Filosofia

Spinoza e a Filosofia (em português)
Museu Casa de Espinoza (em neerlandês)
Substância, Liberdade e existência, Revista Sens Public
Refutation of Spinoza by Leibniz In full at Google Books
The Ethics An easily readable version.
Vereniging Het Spinozahuis
The Spinoza Net
Spinoza and Spinozism - BDSweb
Theologico-Political%20Treatise A Theologico-Political Treatise -English Translation
HyperSpinoza
Internet Encyclopedia of Philosophy - Spinoza
Immortality in Spinoza
The Rationalists : Life, bibliography, links on Spinoza.
Biography of Spinoza
An Interview With Rebecca Goldstein, Author of "Betraying Spinoza: The Renegade Jew Who Gave Us Modernity" California Literary Review
Spinoza Mind of the Modern. Audio from Radio Opensource
Stanford Encyclopedia of Philosophy:
Spinoza
Spinoza's Psychological Theory
Dutch Spinoza Museum in Rijnsburg
Obras de Baruch Spinoza no Projeto Gutenberg
Obtido em "http://pt.wikipedia.org/wiki/Bento_de_Espinoza"
Categorias: Epistemólogos | Filósofos políticos | Judeus dos Países Baixos | Judeus de Portugal | MetafísicosVistas

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

ESPINOSA - "ÉTICA"

Definições
III. Por substância entendo o que existe em si e por si é concebido, isto é, aquilo cujo conceito não carece do conceito de outra coisa do qual deva ser formado.
IV. Por atributo entendo o que o intelecto percebe da substância como constituindo a essência dela.
V. Por modo entendo as afecções da substância, isto é, o que existe noutra coisa pela qual também é concebido.
VI. Por Deus entendo o ente absolutamente infinito, isto é, uma substância que consta de infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita.
…………………………………………………………………………………………………………………………………………………
Proposição V
Na Natureza não podem ser dadas duas ou mais substâncias com a mesma propriedade ou atributo.
Proposição XIV
Afora Deus, não pode ser dada nem ser concebida nenhuma substância.
Proposição XV
Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus nada pode existir nem ser concebido.
Escólio da Demonstração da Proposição XXIX
Antes de prosseguir, quero explicar, ou melhor advertir, o que deve entender-se por Natureza naturante e por Natureza naturada. Do já exposto até aqui, penso estar estabelecido que deve entender-se por Natureza naturante o que existe em si e é concebido por si, ou por outras palavras, aqueles atributos da substância que exprimem uma essência eterna e infinita, isto é (…), Deus, enquanto é considerado como causa livre.
Por Natureza naturada, porém, entendo tudo aquilo que resulta da necessidade da natureza de deus, ou por outras palavras, de qualquer dos atributos de Deus, isto é, todos os modos dos atributos de Deus, enquanto são considerados como coisas que existem em Deus e não podem existir nem ser concebidas sem Deus.
………………………………………………………………………………………………………………………………………………….
Deus sive Natura. Deus é a única substância e tudo o que se dá na realidade existe nele e não pode existir nem conceber-se fora dele (I, Prop. XIV e XV). Deus é o mesmo que dizer Natureza. Natureza onde tudo é determinado segundo causas e efeitos, isto é, uma ordem, mas uma ordem inteligível (a que a razão humana pode aceder, virá a aceder gradualmente). A racionalidade não tem limites, excepto a infinitude do Universo. Tudo se pode deduzir, explicar e compreender, servindo-nos de um método adequado, sem recurso a profetas e dogmas, pela nossa cabeça, pelo nosso próprio pensar. É o que fez Espinosa: demonstra a natureza de Deus (Natureza) à maneira dos geómetras (pela lógica). Ao pensar assim, pensa como Deus pensa, isto é, cientificamente, ou, se se preferir, filosoficamente. Livro algum diz melhor o que Deus (Natureza) é do que o Método racional. Se tudo é determinado conforme a causalidade, se tudo é Natureza e nada mais existe fora dela, os milagres não podem existir. A Bíblia (Antigo Testamento)é tão somente o Livro de um povo que se diz eleito: os hebreus, e o seu Deus ordena uma coisa principal: a obediência. Obediência à Lei (inventada por um povo particular para seu uso particular).

Bem a propósito

Vale a pena recordar Guerra Junqueiro, poeta do século passado, célebre e polémico em vida, silenciado pela ditadura fascista-clerical, esquecido agora nas escolas e livrarias. O autor do inesquecível poema «O Melro».

Guerra Junqueiro

Tenho uma crença firme, uma crença robusta,
Num Deus que há-de guardar por sua própria mão
Numa jaula de ferro a alma de Locusta,
Num relicário d'ouro a alma de Platão.

Mas também acredito, embora isso vos pese,
E me julgueis talvez o maior dos ateus,
Que no Universo inteiro ha uma só diocese
E uma só catedral com um só bispo - Deus.

E muito embora a vossa igreja se contriste
E a excomunhão papal nos abrase e destrua,
A análise é feroz como uma lança em riste
E a verdade cruel como uma espada nua,

Cultos, religiões, bíblias, dogmas, assombros,
São como a cinza vã que sepultou Pompeia.
Exumemos a fé desse montão de escombros,
Desentulhemos Deus dessa aluvião de areia.

E um dia a humanidade inteira, oceano em calma,
Há-de fazer, na mesma aspiração reunida,
Da razão e da fé os dois olhos da alma,
Da verdade e da crença os dois pólos da vida.

A crença é como o luar que nas trevas flutua;
A razão é do Céu o esplêndido farol:
Para a noite da morte é que Deus nos deu Lua
Para o dia da vida é que Deus fez o Sol.

ESPINOSA

Baruch de Espinosa nasceu em Amsterdão a 24 de Novembro de 1632 de uma família hebraica que foi expulsa de Portugal no século XVI e que emigrou para a Holanda. Frequentou as aulas da escola talmúdica de Amsterdão, deu-se com os círculos dos cristão liberais e dos livres-pensadores, trabalhou no negócio do pai, após a morte deste oferecer a sua parte da herança à sua irmã e tornou-se polidor de lentes até à sua morte em 1677 (com 44 anos, de tuberculose). Publicou, entre outras, as seguintes obras: Tratado da Reforma do Entendimento (1661); Tratado Teológico-Político (1670); Tratado Político (inacabado) (1677). A Ética (1661-1671) que não será publicada em vida por decisão do seu autor, para não acirrar demasiado os seus inimigos e detractores, é a sua obra máxima, do mais puro recorte filosófico que fará dele para os séculos vindouros o «Príncipe dos filósofos», no dizer de Deleuze. O seu Tratado Teológico-Político valeu-lhe a excomunhão da igreja judaica e a Ética foi alvo desde a primeira edição até aos nossos dias dos mais violentos insultos («cão judeu, «miserável»), ou dos mais intolerantes silêncios (não ser ensinado nas Universidades ou então reduzido a clichés grosseiros, o que é igual ou pior).

terça-feira, 27 de outubro de 2009

As igrejas

Li a entrevista, publicada pelo Expresso, de Saramago com um professor da U. Católica. Encerra com as condescendentes palavras de Saramago de que dois homens de boa fé podem entender-se. Certamente que sim, certamente que muitos de nós tivemos amigos entre os padres e bastantes mais entre os crentes. É estulto negar que sempre houve sacerdotes cheios de sinceridade e bondade. Entre os crentes, mais numerosos ainda o são. Porém a questão não é, nem era, essa. O tema é a Igreja, as igrejas. Convencer um crente da não existência de deus é, quase sempre, tão inútil como convencer um ateu da existência de deus. Mas já não é tão difícil e inútil convencer um crente de que o seu deus não pode ser igual àquele que pintam na Bíblia. De que o seu deus não pode (não poderia) nunca comprazer-se com as igrejas que falam e mandam em nome dele.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

ESPINOSA

«A que ponto o medo ensandece os homens!O medo é a causa que origina, conserva e alimenta a superstição.»
«Precisamente porque o vulgo persiste na sua miséria é que nunca está muito tempo tranquilo e só lhe agrada o que é novidade e o que ainda não o enganou, inconstância esta que tem sido a causa de inumeráveis tumultos e guerras atrozes.»
«O homem comum chama, portanto, milagres ou obras de Deus aos factos insólitos da natureza e, em parte por devoção, em parte pelo desejo de contrariar os que cultivam as ciências da natureza, prefere ignorar as causas naturais das coisas e só anseia por ouvir falar do que mais ignora e que, por isso mesmo, mais admira.»

sábado, 24 de outubro de 2009

Desabafo

Li no «Cantigueiro» do Samuel um excelente post dele próprio sobre o ataque despudorado de que foi vítima a jovem deputada estreante do PCP, Rita Rato, que me alertou para a entrevista que o «Correio da Manhã» lhe fez. Aconselho uma visita ao «Cantigueiro», um blog da minha preferência. Faço registar aqui um abraço de solidariedade à Rita, igual ao que o Samuel lhe enviou, no meu caso sem a pretensão de que ela o venha a receber. O «Correio da Manhã» é um cano de esgoto, com as normais excepções. As rasteiras e as perguntas armadilhadas (às vezes, aliás, a pergunta é já uma afirmação)são o pão-nosso de cada dia contra os comunistas,extraídas do manual da guerra-fria que esses senhoritos decoraram. A «Visão», por exemplo, ataca esta semana o José Saramago com o argumento (?) de que o "estalinismo" matou mais gente que a Inquisição. O mesmo veneno requentado e pronto a servir (que diriam se o Saramago fosse do BE ou do PS?). «Caim»,o livro de Saramago, é uma valente pedrada no charco deste país pantanoso, minado de corruptos e hipócritas. Sabiam que o «Tratado teológico-Político», de Espinosa, não se encontrava representado na bibioteca da Universidade Católica quando lá o procurei propositadamente? E porquê? Porque Espinosa escreveu a primeira análise crítica da Bíblia (Antigo Testamento),obra-prima, pedra angular de todas as críticas posteriores, que lhe mereceu ser perseguido e caluniado até aos nossos dias por católicos e judeus.
Se o PCP estivesse mirrado e residual (como se esforçam os seus inimigos!)não gastavam uma linha com ele. Ou talvez, ainda assim, o empurrassem a pontapé para o cemitério da História. Porque não atacam os ex-maoístas do PSD e do BE e as ligações noutros tempos de chefes do PS com a CIA? Porque atacam cidadãos que nada têm que ver com a China ou a Coreia do Norte, nem nunca tiveram qualquer passado estalinista,e são tantos, minha nossa!, tantos!
Neste país são mais os hipócritas e mentirosos, os vendidos e os bufos, que as moscas que se fartam na merda.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A MINHA GERAÇÃO

A minha geração não sabia o sabor da coca-cola, proibida mais a cobiçava. Bebia pirolitos e laranjadas, e quando calhava. Não acorria ao MacDonnald, nem enfardava fast-food. Levava um naquito de pão para a escola, com uma sardinha ou apenas um sabor a toucinho, pequeno-almoço e almoço. Não via nos cinemas filmes porno, proibidos mais os cobiçavam. Não conhecia telemóveis, consolas e internet. Jogava-se às cartas e bebia-se vinho tinto. Não praticava surf, íamos para a pesca do bacalhau. Não calçava ténis de marca, andava-se descalço. Levávamos porrada na escola, não estudávamos nos colégios, saíamos pedreiros e electricistas. A minha geração não esperava dezoito anos para conduzir um automóvel, recebia uma enxada nova no dia do aniversário. Não nos beijávamos nos bancos dos jardins, esfregávamo-nos no desvão das escadas. Proferíamos os mesmos palavrões que os meninos de agora, porém evitando os ouvidos dos adultos. Jogávamos à pedrada uns contra os outros nos lugares onde hoje os meninos fazem rapel. Não fazíamos wild-surf, lançávamo-nos das escarpas sobre os rios, em pelota. Aos vinte anos escrevinhava-se cartas para as futuras noivas, amontoados nos paquetes a caminho do Ultramar. Sonhava-se com elas debaixo do fogo da metralha. Alguns ambicionavam ser rambos e regressavam como inválidos. Desejavam esconder-se no chão quando as granadas explodiam à volta, e era realmente a sete palmos de terra que os esperava o destino. Organizávamos greves nas universidades entre o medo e a coragem e acordávamos sobressaltados quando alguém nos batia à porta. A minha geração saltava a cerca e as fronteiras, regressando mais velha e desenraizada. Ousávamos fazer greves nas fábricas e alguns desapareciam sem deixar rasto. Não aprendemos a tocar piano nem conhecíamos música clássica, Elvis abanou-nos, os Beatles encantavam-nos, os Rolling Stones provocavam-nos uma agitação quase dolorosa, os hippies seduziam-nos, a erva animava-nos, o Zeca Afonso lançou-nos para a aventura. No dia 25 de Abril já éramos crescidos e maduros. Colhemos o trigo que semeáramos.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

DIÁRIO DE CARLOS - 5

O teu funeral distinguiu-te como uma figura pública. Foste acompanhada por senhoras e senhores importantes das artes, da política, da alta sociedade. Nem um zé ninguém, uma operária, a mulher da portaria, esteve lá. Eras uma mulher de sucesso. O maior inútil ali presente terei sido eu, para aquele mundo bem sucedido. Não pintavas, mas vendias. Não fotografavas, mas vendias. Com que charme e persuasão! Em vinte anos fizeste uma carreira notável. Ignorava a tua conta bancária, mas sabia-a choruda, bastava ver-te no regresso das tuas compras, apenas tuas, apenas para a tua pessoa, e a cabeleireira, as massagens, o clube, as viagens. No velório não olhei para ti sequer uma vez, não por crueldade, mas por compaixão. Por mim talvez. Aquilo que vira em ti durante meses de agonia chegara para meu sofrimento. Descobriste com alguma surpresa o quanto sofri por ti. Chegaste a julgar que eu te amava muito, perguntaste, eu respondo que sim, mas menti. Não, não te amava, há anos que não te amava já. Nunca soube ao certo se as amantes que tive te provocaram o desamor que os teus amantes me provocaram a mim. Se o resultado fosse equivalente porque não me deixaste? Não precisavas de mim pela fortuna, eras tu que a acumulavas; nem pelas viagens, eras tu que as fazias e raramente comigo, nem pelos amigos, a maior parte eram teus, e os meus não te interessaram nunca, todos eles tinham defeitos para ti, frequentemente os mesmos: uns derrotados da vida (ultimamente era assim que os classificavas a quase todos), uns boémios e umas galdérias. Gabavas os teus pintores, os teus fotógrafos, os teus críticos de arte, os teus professores universitários, os teus empresários. Esses sim, representavam o alvo da tua admiração e da tua cobiça, por aquilo que criavam uns, por aquilo que representavam, outros. Foste para a cama com quantos? Talvez não muitos. Às vezes, para me irritares, insinuavas que sim, com fulano e beltrano, mas sempre desconfiei que fosse treta. No fundo eras uma mulher frígida, ou quase, ou passaste a sê-lo. Sedutora, mas indiferente aos fogos da paixão. Por ventura eles julgavam-te fácil, ardente, mas enganaram-se. Eras um fogo para ser visto, não para aqueceres.

Não tenho saudades de ti, tenho e não tenho. Amei-te não te amei. Tu foste a floresta onde me perdi, o predador e eu a presa, eu o predador, tu a presa, tu foste as lágrimas e o riso, a alvorada e o anoitecer, o rumo e o rumor, a pegada na areia, os orgasmos ao espelho, as fantasias e os temores, o pequeno-almoço na cama, os piqueniques de burgueses, a torreira dos Algarves, os cabelos na almofada, os vómitos na sanita, os sonos despertos à tua cabeceira, a lividez da lua na tua face, os amantes que tiveste e não tiveste, a foice da morte.

domingo, 18 de outubro de 2009

VERDE PÁLIDO

Deitaste-te na minha cama



O mar era verde e a pálida lua


Convidava-nos ao amor


Não fosse o mar tão fundo


E a lua tão morta.






A lua tão morta


O mar tão fundo


Tão verde a minha cama


Tão pálida a minha sorte


Não fosse tão grande o mundo


Não fosse tão certa a nossa morte.






Era azul a minha sorte


Tão pequeno o mundo


Não fosses tu a pálida lua


Não fosses tu o mar tão fundo.






Tão verde


A nossa sorte


Tão pálida a nossa morte.







ÉTICA

Os filósofos têm procurado a origem da ética em diversos lugares: na consciência ou no inconsciente; na Espécie ou na herança individual; no livre arbítrio ou nas relações de produção; na razão ou no hábito; em Deus ou na Vontade de Poder; na sociedade ou na natureza; na Razão da História ou na história individual...esqueceram-se de procurá-la na linguagem. Logo que o homem articulou as primeiras frases com sentido formou-se a ética. Por isso os xamanes atribuíam tanta importância à palavra e os crentes ao nome do seu deus. O mito da Babel faz todo o sentido. A criança antes da linguagem não possui ética. Os animais não a possuem. Com a linguagem se exprimiu o «meu» e o «teu». Não é tanto o que fizémos que vale, mas aquilo que os outros dizem que fizémos.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O Mercado livre

A EDP ( Empresa que detém o monopólio da electricidade) anuncia aumentos do preço ao consumidor com o argumento de que foi menor a procura. Só surpreende quem julga viver no único mundo possível, quem nunca se deu ao trabalho de entender que este argumento denuncia a natureza rapace do capitalismo monopolista, isto é, do falso mercado livre. É o proprio mercado capitalista que promove os monopólios e os carteis, numa guerra feroz entre os capitalistas e quando o Estado é ele mesmo o quartel-general do capitalismo monopolista. Porém, entre os eleitores que lhes deram a vitória eleitoral hão-de estar operários, camponeses, micro, pequenos e médios empresários (os restantes votaram numa grossa proporção no PSD...). Amén.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

NA HORA DA NOSSA MORTE (cont.)

DIÁRIO DE MARTA  3

Fiquei boquiaberta. A conversa com a Carla deixou-me perturbadíssima. A Carla é uma amiga minha, muito jovem, não é, talvez, ainda uma amiga, conhecia-a há muito pouco tempo, viajamos no mesmo autocarro para Lisboa, não gosto de conduzir, prefiro o transporte público, vou a Lisboa uma, duas vezes, quando calha, faço isso como uma fuga de mim própria e dos outros, desta cidade que cresce mas é pequena, onde proliferam os medíocres e os maledicentes, a inveja, vou à capital espairecer, os bons espectáculos de teatro ou dança distraem-me, embora por vezes chore com os dramas quando me tocam nas feridas, no fracasso do meu casamento, na morte da Gisela. Da Carla sei que trabalha e estuda em Lisboa, é simpática e pareceu-me tímida, a diferença de idades em vez de nos afastar aproximou-nos, provavelmente uma simpatia e confiança à primeira vista daquelas que ninguém sabe explicar. Ontem fomos as duas assistir ao espectáculo de dança da Olga Roriz. Temos essa afinidade pela dança, bem assim como pelo teatro. Danço sozinha, em casa, quantas vezes! Com o meu ex-marido íamos dançar frequentemente. A Carla é mais freguesa das discotecas, naturalmente para uma jovem, do que eu. Teatro experimentei-o há muito tempo, todavia ficou-me esse «bichinho» que nunca mais nos abandona. Fomos então as duas deliciar-nos com essa «Nortada» estupenda da Olga, e ficámos na conversa depois num barzinho confortável. É certo que as mulheres apreciam falar, conversar, sobretudo, umas com as outras (nos homens observo a mesma atitude, mas não sei se somos realmente diferentes), e as conversas são como as cerejas que se tiram do cabaz, contou-me mais pormenores, fui eu que puxei o assunto talvez para evitar que a Gisela viesse ao tema, sobre a empresa onde trabalha em part-time, uma empresa de arquitectos, é nessa actividade que ela está quase formada, desenham casas evidentemente, e pontes, etc., o administrador é um tal Vasconcelos, irritadiço e chato para os arquitectos subordinados, para ela nem tanto, anda sempre a pegar-se com um que se chama Carlos, um indivíduo do qual a Carla hesitou em falar, denunciou uma tão curiosa hesitação, baixando os olhos quando o referiu, que me obrigou a perguntar mais sobre ele. Prendeu-se-lhe a língua e deixou no ar apenas uma vaga insinuação, entre o elogio e um estranho rancor, estranho nela, que me parecia isenta em relação a tais sentimentos…Não insisti. Mudou de assunto, algo constrangida, e passou a convidar-me a ir visitar uma galeria de arte, vai lá com o namorado para a semana, não sou tão apreciadora ou conhecedora de artes plásticas como ela julga que sou, mas aceitei, vi nela interesse em apresentar-me o parceiro (essa súbita mudança de tema, em que passou do tal Carlos para o namorado pareceu-me sintomática). Foi então que a conversa ganhou um rumo inesperado: disse que o namorado conhecia o dono da galeria, faz-lhe uns fretes para ganhar uns cobres porque também anda a terminar os estudos, o tipo da galeria chama-se Bártolo…E aí, a minha curiosidade acendeu-se: como é esse tipo? Descreveu-me um indivíduo mais baixo do que alto, quase calvo, o resto do cabelo cortado à escovinha, vestindo-se de maneira exótica, que tanto parecia gay como não…Um corisco caiu-me no alto da cabeça como um martelo! Esse tipo conheço-o! Viu-o duas vezes com a minha mãe numa geladaria de Lisboa, bem conhecida aliás. Da segunda vez vi-os de mãos dadas. Assim mesmo. Nunca falei à minha mãe sobre isto, achei aquilo estúpido e ridículo. Mas à Carla perguntei de rompante se sabia algo sobre a vida pessoal desse tal Bártolo, se era casado, gay, se tinha uma amante. A Carla não sabia ao certo, o namorado contara qualquer coisa sobre isso, dele ter uma amante, uma senhora casada que o visitava na galeria, contudo não sabia descrevê-la, ela nunca a vira.


Desta conversa restam-me uma incerteza e uma certeza: a primeira é que o tal Bártolo lhe fora apresentado pelo arquitecto Carlos, com quem ela tivera, seguramente, uma relação íntima; a segunda, é que a minha mãe, a própria, tem um amante! Incrível. E, todavia, nada mais verdadeiro. A minha mãe. Começava a compreender as saídas frequentes dela e os amuos do meu pai quando o encontrava sozinho no apartamento, fechado como um túmulo, com o copo de uísque na mão. O uísque que não largava há anos e que contribuiu e muito para a catástrofe do seu casamento.

Rainer Maria Rilke (1875-1926)

Amo as horas sombrias do meu ser
em que os meus sentidos se aprofundam;
nelas encontrei, como em velhas cartas,
o meu dia a dia já vivido,
ultrapassado e vasto como numa lenda.

Elas me ensinam que possuo espaço
p´ra uma intemporal Segunda vida.
E por vezes sou como a árvore
que, madura e rumorosa, sobre uma campa
cumpre o sonho que a criança de outrora
(abraçada por suas cálidas raízes)
perdeu em tristezas e canções.

CANÇÃO ( Madagáscar)

Se é para ti,
sou o ovo da cotovia à beira do caminho.
Se é para outro qualquer,
sou o pequeno pássaro que dorme numa ilha longínqua.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Da política

Os partidos socialistas (operários), formados nas últimas décadas do século dezanove, cindiram-se nos começos do s. vinte em dois: partidos comunistas e partidos social-democratas (ou trabalhistas). Em 1917 um partido comunista tomou o poder na Rússia, outro, o alemão, foi derrotado e destroçado na Alemanha (a famosa Rosa Luxemburg, cujo pensamento mantem toda a actualidade). Os sociais democratas tergiversaram muito: desde um apoio hesitante à Rússia revolucionária até ao silêncio comprometido relativamente à ascensão do partido nazi (nacional-socialismo, imagine-se!); desde a unidade da esquerda na Front Populaire em França (pesando embora algumas realizações notáveis como as férias para os trabalhadores, voltou a tergiversar no combate que não fez contra os nazis que ameaçavam a Europa e os fascistas que desencadearam a guerra civil na Espanha mártir). Os sociais-democratas realizaram importantes transformações nos países nórdicos com o apoio dos partidos comunistas (O Estado Previdência é uma reivindicação da Esquerda e uma realização da Rússia revolucionária que entusiasmou os trabalhadores de todo o mundo), mas não mudaram a estrutura capitalista (de resto, cada país tem a sua história particular, que ajudam a explicar porque se faz ou não se faz). O partido trabalhista israelita pouco tem que ver com o partido comunista israelita: o primeiro apoia, por regra, a política expansionista e anti-palestina (Isaac Rabin foi uma excepção, por isso foi assassinado). O partido trabalhista britânico foi o que foi sob o maestro Tony Blair. O neo-liberalismo foi lançado e apoiado pelos governos liderados pelos sociais-democratas, e está tudo dito.

As guerras ideológicas não terminaram

Não se entende o século dezanove sem se admitir e avaliar os confrontos ideológicos entre as doutrinas liberais e os dogmas monárquicos absolutistas (com a derrota destes firmam-se os impérios coloniais e os oligopólios capitalistas) e, logo depois, o confronto do sindicalismo revolucionários e das ideias socialistas com o liberalismo. Não se entende o século vinte sem se admitir e avaliar o confronto  das ideologias imperialistas (as guerras entre os capitalistas) e, desde logo, o confronto das ideias comunistas com as doutrinas capitalistas. As ideias são o guião e o palco onde se desenrolam as tragédias. Os capitalistas assistem ao espectáculo que encenaram e dirigem. Os povos são os cordeiros, os bodes expiatórios, a carne para canhão, os peões de brega. Quando eles estiveram, e estão, do outro lado da barricada, armados com a paixão, as ideias, as armas, é a catástrofe, o eixo do mal, os demónios à solta, o anti-cristo, os «colectivistas», os «gulags», as ditaduras, a violação das esposas sacrossantas, o terror, os saqueadores da sagrada propriedade privada, o pavor do mercado livre, as greves selvagens, a bomba atómica nas mãos de porteiros, as searas que deram tanto trabalho aos latifundiários nas mãos de camponeses ignorantes, as minas nas mãos dos mineiros, as fábricas nas mãos dos operários, é preciso que a virgem desça para anesteziar a populaça, é preciso que a foice e o martelo sejam amaldiçoados, é preciso que o povo perceba que não deve perceber, é preciso que se derrube o governo democrático, pacífico e nacionalista de Salvador Allende, se mate e se esfole, é preciso esmagar o avanço dos comunistas no Vietnam, na terra deles, na casa deles, incineradas as famílias, mulheres e crianças, em São Salvador, na Argentina, na Nicarágua, em Cuba, na China, na Coreia, destruir o inimigo principal:a URSS, o fortim donde partem todos os apoios. O Santo Padre abençoa a cruzada contra os ateus. Se antes fechou os santos olhos à chacina dos judeus porque mataram Cristo, fecha-os agora à matança pelos judeus dos inimigos do Ocidente. Te deum.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Objectividade, a quanto obrigas!

Neste século tem-se publicado bastantes estudos sobre a história da União Soviética e do seu colapso, muitos dos quais não são facilmente acessíveis. Tenho estado a ler um estudo editado pela Ed. Avante!, de Roger Keeran e Thomas Kenny, O Socialismo Traído, Por detrás do colapso da União Soviética. Recentemente li um outro, editado pela Campo da Comunicação, 2004, de S. Resnick e R. Wolff, Teoria de Classe e História, Capitalismo e Comunismo na URSS (a editora dicidiu colocar uma faixa de marqueting: «A primeira análise científica do desaparecimento da União Soviética»!!). As abordagens são completamente diferentes: no primeiro dos livros assistimos ao desenrolar das controvérsias no interior do PCUS, à volta das opções e orientações que se sucediam em alternância conforme os episódios críticos e os diferentes protagonistas principais (Estáline/Bukhárine/Tolstoi, Estalinismo/Kruchtchov, Kruchtchov/Bréjnev, enfatizando a figura crucial de Andrópov (se não tivesse falecido prematuramente a URSS muito provavelmente não sofreria a desagregação provocada por Gorbachov). Os autores inclinam-se abertamente para uma espécie de «terceira via» entre a opção pela indústria ligeira (de bens de consumo, agricultura) e a continuação da industrialização (fixada por Lénine e Estáline), liberalização política controlada, que seria a política de Andrópov, o qual trazia um elevado prestígio de intransigente investigador da corrupção. Citações extraídas integralmente dos documentos, resultados quantificados e estatísticas, fornecem consistência. Referindo o plano de reformas de Andrópov (ciando o discurso que este proferiu), os autores concluem e afirmam o sguinte:« Ao definir o problema dos bens de consumo, Andrópov distinguiu a sua abordagem da de Kruchtchov. Andrópov sublinhou que os padrões de vida não se reduziam à simples competição com o Ocidente por maiores salários e mais objectos materiais. Ao invés, os padrões de vida socialistas significavam muito mais:«o crescimento do nível de consciência e cultura», «consumo razoável», «uma dieta racional», serviços públicos de qualidade e «um uso moral e esteticamente adequado do tempo livre».
Abreviadamente existiriam assim, duas orientações opostas e já desde o tempo de Lénine: uma, que classificariamos (os autores classificam) de «direita» e, outra, «esquerdista».
O segundo livro, apontado acima, parece-nos usar uma fraseologia «esquerdista» para poder assim classificar o socialismo na URSS como «capitalismo de Estado», contudo as suas simpatias declaradas vão no sentido do enfraquecimento do papel director do Partido e da centralização da economia. Falaremos de novo deste livro controverso.
Tanto um como o outro (mas, sobretudo, o primeiro) contêm indicações precisas sobre o número de vítimas causadas pela repressão estalinista («Usando os arquivos soviéticos recentemente abertos, os estudiosos determinaram o número total de execuções de 1921 a 1953 em 799.455, muito abaixo dos milhões estimados por Robert Conquest, Roi Medvédev e outros académicos anti-soviéticos)».

Pensamentos intempestivos

Assimilar informações desenvolve a memória. Ordenar conhecimentos desenvolve o raciocínio. Pensar aumenta a consciência. Desta se fortalece a vigilância, a preocupação, o cuidado. Dar este passo é bom, mas bem melhor é dar o passo seguinte: agir em consequência.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Eleições autárquicas

Os resultados alcançados pela CDU nestas eleições autárquicas não foram bons de modo nenhum. Perdemos, por exemplo, uma Câmara da importância de Beja, e outras. O objectivo era manter posições e reforçarmo-nos com novas maiorias. Não conseguimos. Não ficámos melhor do que em 2005. Em Torres Vedras sofremos uma derrota considerável (eleito, fiquei quase sozinho na Assembleia Municipal...). Não vale a pena, portanto, transformarmos em vitória o que foi uma derrota. É verdade que continuamos a ser marginalizados pela poderosa comunicação de massas. É verdade que os partidos dominantes possuem meios que não estão ao nosso alcance. É verdade que as sondagens encomendadas visam propositadamente o nosso isolamento. É verdade que os eleitores são arrastados pela atracção pelos vencedores reais ou potenciais e, neste caso, das últimas legislativas tão próximas. Contudo, uma derrota é uma derrota, e uma frustração que semeia desilusões e cansaços. É preciso, portanto, análises objectivas que tomem em conta não só caso por caso, mas também os fenómenos nacionais. É preciso entender o que se passou em Beja (aí apesar de algumas vitórias parciais), e em Lisboa (para onde foram milhares de votos da CDU?) mas também a influência de factores gerais: simultaneamente, o impacto negativo que a massa dos eleitores da CDU estão a sofrer com essa derrota e com outras.É de evitar a todo o custo tanto os desânimos como os sectarismos. A seguir às análises objectivas (objectivas, insisto) têm de vir as mudanças necessárias. Impunha-se, portanto, a realização a breve prazo de um Encontro Nacional (principalmente do PCP), senão mesmo um Congresso. A onda de esperança não se concretizou tanto nas legislativas (porque é que fomos completamente ultrapassados pelo BE?), como nestas eleições. O que é que não fizémos bem? O que é que precisamos de mudar? Que fenómenos psico-sociais percorreram os eleitores, quais as motivações das suas atitudes, porque é que a nossa mensagem não passa suficientemente?

domingo, 11 de outubro de 2009

No mar

No mar estão três cavalos


Um é branco, outro é castanho, outro é negro.

Estão três cavalos no mar

O meu amor vem na espuma

Acabadinha de afogar.

Canção (América do Sul, Quíchuas)

Saber ninguém pode
o que o lago esconde
em seu fundo seio.
Assim guardes tu
o que saibas de outros.
Melhor inda: esquece-o.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Gilles Deleuze (1925-1995)

Obras: Mil Platôs, Capitalismo e Esquizofrenia (vol. 1,2,3,4 e 5), Editora 34, São Paulo, Brasil, 1997, 2002; Na mesma colecção (colecção Trans): Conversações; Crítica e Clínica; Bergosonismo; Empirismo e subjectividade. Na Editora Fim de Século, Portugal: Conversações, col. Entre Vistas. Na Relógio d´Água : Diferença e Repetição, prefácio de José Gil,2000; na Ed. Perspectivas: Lógica do Sentido, col. Estudos, Brasil, 2003.

Gilles Deleuze

«a filosofia nunca foi domínio reservado dos professores de filosofia. É filósofo aquele que se torna filósofo, quer dizer aquele que se interessa por essas criações muito especiais, na ordem dos conceitos.»
«...seria preciso saber o que se passa no domínio dos livros, na actualidade. Vivemos desde há alguns anos um período de reacção em todos os domínios. Não há razão para que a reacção poupe os livros. Estão em vias de nos fabricar um espaço literário, bem como um espaço judicial, um espaço económico, político, completamente reaccionários, pré-fabricados e esmagadores. (...) Os media têm nesse empreendimento um papel essencial, mas não exclusivo.(...) Como resistir a este espaço literário europeu em vias de constituição? Qual seria o papel da filosofia nesta resistência a um novo conformismo terrível?(...) Agora, o que me parece difícil é a situação  dos filósofos jovens, mas também de todos os escritores jovens, que estão a tentar criar alguma coisa. Correm o risco de ser antecipadamente asfixiados .»- G. Deleuze, in jornal Libération, 23.10.1980.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

MARCO AURÉLIO- Pensamentos

«Lembra-te há quanto tempo andas a adiar para mais tarde e quantas vezes os deuses te concederam prorrogas de que não aproveitas.
Cumpre-te compreender desde agora de que universo fazes parte, de que ser, condutor do mundo, és uma emanação e que a tua vida estás estreitamente circunscrita pelo tempo.
Se não aproveitas este momento para ganhares serenidade, o momento passará, tu irás com ele e não terás outra oportunidade.»

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Na Hora da Nossa Morte (cont.)-

Diário de Carlos 4

Morreu na cama, durante o sono. Ninguém ao seu lado para pedir socorro. E como saber, se a pessoa ao nosso lado aparenta simplesmente dormir? Ninguém sabe se teve um sobressalto, se pediu ajuda, se teve a noção de que ia morrer. A única doença - os diabetes - que quase não o incomodavam, matou-o. A mulher, minha mãe, fora levada numa ambulância nesse dia para Coimbra, julgando que era ela que ia morrer. Provavelmente a aflição matou-o. Alguém deu-me a notícia pelo telefone, o traço com que desenhava uma vivenda para um cliente saiu subitamente torto, pousei o telefone e fixei demoradamente a chuva que fustigava a janela ampla do gabinete. Avisei os colegas, a Carla de olhos claros abraçou-me com insuspeitado carinho, o Vasco de brinco na orelha e esguio como um cipreste pôs ambas as mãos nos meus ombros, não senti vontade de chorar mas, antes, uma desconcentração, atrapalhei-me a encontrar o caminho para a saída, deixei ir abaixo o automóvel, estacionei em frente de casa amolgando a porta de outro carro, fiz um saco de viagem com meia dúzia de roupas sem nexo e já em plena viagem é que informei a Sofia do que sucedera e para onde eu ia. A vila onde meu pai falecera e ia ser enterrado ficava a mais de duas centenas de quilómetros. Cinquenta quilómetros andados voltei para trás, dirigi-me ao local de trabalho da Sofia, abracei-me a ela e foi então que chorei. Partimos juntos depois dela preparar a sua maleta com mais demora.

O meu pai havia sido um bom pai para mim, talvez duro demais com os outros filhos, comigo fora sempre compreensivo, mesmo quando reprovei um ano escolar naquela idade em que só fazemos parvoíces. Fui dos meus irmãos o único a querer seguir os estudos e ele apoiou-me, apesar de não existirem meios para mos sustentar. Foi por ele que aprendi muito cedo a apreciar a grande literatura, foi por ele que comecei muito cedo a gostar dos jogos com as palavras. Então, via nelas as ondas ora bravas, ora mansas, do mar. Hoje, vejo apenas a espuma.

Ontem fui jantar com a Carla. Devia dizer: levei-a a jantar? Na verdade já não se leva mulher alguma a jantar, a não ser que ela viva naquele sertanejo onde está sepultado o meu pai. Convencemo-nos ambos que poderia surgir algo da nossa longa camaradagem de trabalho. Divorciada, solteira, os olhos vivos, o andar tímido, miúda, Carla é a fragilidade em pessoa. Sempre a pedir desculpa por existir, por estar ali ou acolá. Todavia, por detrás daquela mansidão natural, não há submissão consentida. Se fomos para o seu apartamento fingir que íamos beber um último copo, foi porque ela o quis. De resto, ela não bebe qualquer espécie de álcool. Se fizemos amor foi porque ela me pediu para dançarmos ao som do cd que colocou, e ela saberá porque o escolheu, Prophesy, de Gilio Sawhney. Versos graves e quase tristes sobre um ritmo erotizante. Desprendeu-se (porque não fiquei surpreendido?) soltou a sua natureza feminina, maneou as ancas estreitas, primeiro com alguma timidez, depois foi crescendo no espaço, libertou-se no tempo, a Carla, afinal, mostrava experiência de discotecas, e porque não havia de ser assim? Não olhava para mim quando ritmou os movimentos preliminares, depois olhava-me cada vez mais longa e fixamente, a Carla exibiu uma perfomance magnífica, um corpito fino e juvenil, as mamitas sem volume, aquele tipo de mulher-rapariguita que os jovens não reparam , excepto cara a cara, porque são claríssimos os seus olhos azuis, vistosa a sua abundante cabeleira de cores quentes, calculadas as suas palavras. Dela se pode dizer que vai à fonte insegura mas formosa.

Hoje penso nela assim: um pequeno vulcão adormecido, a metáfora gasta serve muito bem. Penso nela e desisto dela. A diferença brutal de idades não me permite alimentar ilusões. Não se trata de paixão (em ambos a paixão seria recíproca e fulminante), ou melhor: porque se tratam de paixões é que não posso, não devo, permitir que Cupido faça de mim um alvo fácil, é comum a sabedoria de que a mulher jovem é ciumenta e, eu, se o não for de início, tornar-me-ei logo que lhe dê a conhecer os primeiros sinais da velhice que avança inexorável. Antevejo o sofrimento que virá, um dia não muito longínquo, quando ela se vir cortejada por um rapaz da sua idade ou pouco mais, um amigo, um colega da universidade onde ela tenta alcançar o mestrado (trabalha connosco em part-time). Inevitável. A Carla só pode ser um episódio na minha vida, um anúncio apenas de felicidade, de rejuvenescimento, dessa potência activa, alegre, de existir, de que tanto necessito. Somente isto: um clarão na noite escura.

Amanhã é sexta feira, não vou produzir, não vou criar nada. Vou conduzir duzentos quilómetros, rever a campa onde meu pai foi sepultado há vinte anos, quando eu era tão jovem que acreditava no amor apaixonado.

Mercedes Sosa morreu! Conheci a canção «Gracias a la vida» na voz da sua criadora, Violeta Parra, e, depois, pela interpretação lindíssima de Mercedes Sosa.Através delas, através de Vitor Jara (assassinado pela ditadura militar fascista de Pinochet e sus muchachos ianques), eduquei-me.

Gracias a la vida


(Texto y música de Violeta Parra)



Canción-sirilla

Gracias a la vida,

que me ha dado tanto;

me dio dos luceros

que cuando los abro

perfecto distingo

lo negro del blanco,

y en el alto cielo

su fondo estrellado,

y en las multitudes

al hombre que yo amo.



Gracias a la vida,

que me ha dado tanto;

me ha dado el sonido

y el abecedario.

Con él, las palabras

que pienso y declaro:

"padre", "amigo", "hermano",

y "luz", alumbrando

la ruta del alma

del que estoy amando.



Gracias a la vida,

que me ha dado tanto;

me ha dado el oído

que en todo su ancho

graba, noche y día,

grillos y canarios,

martillos, turbinas,

ladridos, chubascos.

y la voz tan tierna

de mi bienamado.



Gracias a la vida,

que me ha dado tanto;

me dio el corazón,

que agita su marco

cuando miro el fruto

del cerebro humano,

cuando miro al bueno

tan lejos del malo,

cuando miro el fondo

te tus ojos claros.



Gracias a la vida,

que me ha dado tanto;

me ha dado la marcha

de mis pies cansados.

Con ellos anduve

ciudades y charcos,

playas y desiertos,

montañas y llanos,

y la casa tuya,

tu calle y tu patio.



Gracias a la vida,

que me ha dado tanto;

me ha dado la risa

y me ha dado el llanto.

Con ellos distingo

dicha de quebranto,

los dos materiales

que forman mi canto;

y el canto de ustedes,

que es el mismo canto;

y el canto de todos,

que es mi propio canto.



Gracias a la vida,

que me ha dado tanto.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

5 de Outubro

Quem organizou a Revolução foram oficiais de pequena patente, soldados, marinheiros, trabalhadores da capital. Deram a vida para plantarem a liberdade e a justiça social. Quem dela e deles se aproveitou foram os burgueses.
Quem organizou a Revolução do 25 de Abril foram os capitães, soldados, marinheiros, operários, camponeses, estudantes. Quem dela e deles se aproveitou foi o Capital.
Até quando?

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Mercedes Sosa - Gracias a la vida!

domingo, 4 de outubro de 2009

Pablo NERUDA

Não Me Sinto Mudar


Não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo.


O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos


cada dia mais raros são os meus cepticismos,


nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo


mental que derrubasse a canção dos meus dias


que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.


Não mudei. É um pouco mais de melancolia,


um pouco de tédio que me deram os homens.


Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.


As roseiras florescem, as mulheres partem


cada dia há mais meninas para cada conselho


para cada cansaço para cada bondade.


Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas


os vermes raivosos desfazem a dor,


todos os homens pedem de mais para amanhã


eu não peço nada nem um pouco de mundo.


Mas num dia amargo, num dia distante


sentirei a raiva de não estender as mãos


de não erguer as asas da renovação.


Será talvez um pouco mais de melancolia


mas na certeza da crise tardia


farei uma primavera para o meu coração.

Gramsci

«Pessimista da razão, optimista da vontade»

Programa Eleitoral CDU Municipais

Para a cultura:
- Iniciar uma verdadeira política de igualdade para a cultura, dedicando especial atenção à inclusão de cidadãos em situações de vulnerabilidade social (deficiência, imigração, minorias, desemprego, pobreza).
- Promover uma política cultural com a juventude: incentivar a formação e a participação dos jovens, atendendo à heterogeneidade das «juventudes».
- Criar um Conselho Municipal de Cultura, com autonomia, capacidade decisória e formas permanentes de consulta e participação.
- Incentivar e apoiar o desenvolvimento cultural em todas as freguesias do concelho.

sábado, 3 de outubro de 2009

Lutar vale sempre a pena

Realizámos hoje um debate sobre cultura local, políticas de cultura, cidades criativas. As presenças não destoavam, mas eram não eram muitas, o que é lamentável. Estavam artistas, mas faltaram bastantes, e intelectuais também, e operários. Faltaram a um debate intensamente participado, inteligente, sereno, plural, profundo e realista. Ganharam os que estiveram, perderam os que não foram. Molestava-os ter sido a CDU a organizá-lo? Porém, esteve quem não é aderente e não lhes caíram os parentes na lama...Alguns operários não vão porque julgam que não sabem nada, alguns intelectuais não foram porque julgam que já sabem tudo. Amén.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Correcção

corrijo: «consciente» e «relações»

DA CULTURA

A cultura hoje é bem mais do que a convencional classificação «cultura popular» e «cultura erudita». É a cultura anbiental e ecológica; a cultura industrial e comercial; a cultura entretenimento e espectáculo; a cultura política e cívica; a cultura da participação consicente e motivada como agentes da mudança: a cultura da inovação e da criação; a cultura da preservação e cuidado com o património histórico; a cultura dos lazeres e dos espaços públicos de convívio; a cultura de comunidade, de realções de pertença e inclusão...

ELEIÇÕES

Não pretendi, nem pretenderei, utilizar este meu blog como tribuna para agitação política de feitos imediatos, há outros muitos mais para esse propósito, porém não devo conservar o silêncio perante uma onda (relativa, vamos lá) de descrença, de uns, perante os resultados eleitorais, e de euforias desmesuradas de outros. Sendo que a derrota da maioria absoluta do PS, somada à relativa derrota do PSD, exprime uma clara derrota das políticas de direita tal como têm sido conduzidas, nos seus conteúdos profundamente anti-sociais e no seu estilo gravosamente anti-democrático. E é este dado decisivo que retira substância à descrença. Quanto à euforia de outros tantos, o tempo dirá, ou a ver vamos...
Vamos agora ao combate das eleições autárquicas.
Tenho amigos militantes do PS e do PSD, mas esses não seguem cegamente as cliques dominantes dos seus partidos. Não os ofendo. De resto, sabem de que lado estou.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.