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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

ANO NOVO

Um bom ano 2011 para cada um dos amigos.

O regime democrático, tal como está, representa os interesses das classes dominantes. É uma espécie de antecâmara dos grandes accionistas. O povo está alheado, a soberania não mais reside nele. As eleições, enquanto alternância dos dois partidos que se revezam no poder, não mais exprimem os reais interesses e aspirações de muitos que neles votam. É de toda a evidência. Portanto, algo vai pôdre no reino da dinamarca.
As potências europeias controlam os países periféricos, a economia material e imaterial, regulamentam-nos, limitam-nos, tal qual se obriga um náufrago a manter-se apenas à tona da água. É o imperialismo com nova face, mas, na essência, sempre o mesmo.
Se a História ensina alguma coisa, é a lição mestra da vida: se o mais fraco não resiste, cabe-lhe a sorte de ser escravo do senhor.
Resistamos, pois. Seja com mitos, crenças, utopias, esperanças, desde que sejam fraquezas que se transformam em forças, pequenas cobardias que se transfiguram em coragem, sonhos que sejam punhos que batem nas rochas como as ondas bravas do mar. 1792, 1917, 1974. Quem vê apenas a permanência, anda cego. Nada permanece idêntico e invariante. Jamais filósofo algum houve que tivesse sido completa e verdadeiramente pessimista. Aos optimistas fez Voltaire uma sátira definitiva.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Miguel de Unamuno

"Este é o templo da inteligência. E eu sou o seu sacerdote mais alto. Sois vós que profanais este sagrado recinto. Ganhareis, porque possuis mais do que a força bruta necessária. Mas não convencereis. Porque para convencer é necessário persuadir. E para persuadir é necessário possuir o que vos falta: razão e direito em vossa luta."


- Miguel de Unamuno citado em "O conflito das idéias" - Página 117, Voltaire Schilling - Editora AGE Ltda, 1999

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

GOYA

O Pai devorando os seus próprios filhos. Agamémnon sacrificando a sua filha Ifigénia. O homem triturando os seus descendentes. O inventor destruindo a espécie com as suas invenções. O Eixo do Bem massacrando, o Eixo do Mal aterrorizando. Pode escrever-se a História como uma longa lista de sofrimentos, crueldades, replicações, repetições, invariantes. Contudo, o que parece sempre vertival, declina-se, o que parece sempre contínuo, quebra-se, e tudo que parece sólido se dissolve no ar. O formato, o programa, a tese; mas eis que irrompe a antítese...

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Intervenção Social

Ainda as autarquias. Com um Orçamento restrictivo como o que temos, com a pobreza que alastra, com os deveres sociais a cargo de um Governo que as enjeita, resta a caridade pública...e as Associações de Solidariedade Social e as Autarquias agirem nessa área, embora estejam a ser atingidas fortemente pelas medidas de austeridade. As famílias passam dificuldades, as crianças passam fome, os estudantes não recebem ajudas. Refeições gratuitas nas escolas é uma medida urgente para os carenciados, assim como os transportes (tanto mais porque as suas residências ficam muitas vezes afastadas agora com os novos agrupamentos). Eis uma prioridade para os novos Planos 2011 das autarquias.

AUTRQUIAS

A indignação das autarquias perante o Orçamento do Estado para 2011 manifesta-se nos últimos Boletins da Associação Nacional Municípios Portugueses. O Governo retira-lhes mais 5% no valor das transferências, mas, na realidade, no espaço de cinco meses retira-lhes 227 milhões de euros, correspondentes a 8,6% das transferências. Os municípios em nada contribuiram para o défice público e é tanto mais injusta a medida governamental quanto a administração local realiza metade do investimento público com mais de 10% das receitas. Em alguns municípios a austeridade imposta pode vir a ser um autêntico garrote (tendo em conta os limites do endividamento regulamentados). O Conselho Geral da ANMP, reunido em Coimbra no dia 20 de Outubro, considerou "desastrosa para o Poder Local e para os Munícipes a Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 20011", rejeitando, em absoluto, "as novas reduções de receitas municipais" contidas naquele diploma - lê-se. Como se sabe, a proposta de lei é já lei, aprovada pelo PS e viablizada pelo PSD. Como se conciliam os interesses das autarquias PS e PSD com um Orçamento que viablizaram ems ede da Assembleia da República??

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

domingo, 19 de dezembro de 2010

sábado, 18 de dezembro de 2010

MANUEL GUSMÃO, um Poeta militante

HAVIA SÉCULOS




Havia séculos

e eram florestas sobre florestas escritas.

O canto cantava: era o incêndio do vento

folheando a memória da terra

essa maranha de raízes aéreas que nasciam enterrando

mais fundo as árvores anteriores;

essa teia nocturna de troncos e lianas, de ramos e folhas,

nervuras que os versos enervam irrespiráveis;

esse mapa em relevo lavrado pela paciência da luz

que atrasando-se recorta

estas estranhas esculturas do tempo:

os poemas selvagens

o máximo excesso de uma rosa aquática e frágil

sempre a nascer desfiladeiros

e falésias, fendas, quebradas, ravinas

vulcões que deflagram em écrans sucessivos

Havia séculos

e o cinema dos astros

acendia ampolas e bagas, campânulas, cápsulas, lâmpadas;

punha em música a infinita noite dos versos que longamente

escutam

aqueles que muito antes ou muito depois vieram ou virão

até estes anfiteatros que os desertos invadem.

Havia séculos

e / atravessando as ruínas dessa terra quente, as páginas

de água dessa rosa alucinada / havia esse:

o comum de nós que dos seus se dividindo, verso

a verso, procura ainda alguém. E assim

era de novo o início.

A grande migração das imagens — havia séculos —

desde há muito começara, desde sempre, já.

E sem cessar migrávamos nós, inquietos e perdidos

sem paz e sem lei, sem amos nem destino.


Migrações do Fogo, Editorial Caminho, Lisboa,2004
in Poemas & Poetas, blogspot.com

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Bananas

Para o patronato os despedimentos vão tornar-se mais fáceis. O FMI, a OCDE e os donos da União Europeia estão sempre de acordo, porque a mão que os alimenta é sempre a mesma: o grande capital. A sociologia "pós-modernista" anda por aí a afirmar que as classes sociais já não existem. As políticas neo-liberais demonstram o contrário. Ele há "pensadores" que pensam o que os donos querem.

D.José Policarpo, cardeal e chefe da Igreja, confessa que «Não percebe porque hão de ser os funcionáios públicos a pagar a fatura». É sempre de aplaudir quando a Igreja se coloca do lado dos mais fracos. Ganha o respeito dos que deixaram de nela acreditar.

Os documentos publicados pela Wikileaks demonstram o que já se sabia: os governos de Portugal permitiram que o nosso território fosse sobrevoado por aviões da CIA com prisioneiros de Guantánamo. Portanto, os nossos governantes mentiram. Hoje, quando estão à vista de todos os documentos secretos, continuam a mentir. Não é de admirar quando eles próprios apoiaram (ilegalmente) a invasão do Iraque a fizeram-nos acreditar na patranha das «armas de destruição maciça». Mentam à vontade, pois sabem que ninguém os responsabilizará. Pelo contrário, ascendem a altas chefias na União Europeia. Portugal é uma República das bananas.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A implosão de mais uma utopia reaccionária

«Ora, o que tem acontecido-sobretudo com o euro e as suas regras demasiado rígidas- é que os mais ricos têm beneficiado milhões, talvez biliões por ano, enquanto os menos desenvolvidos crescem pouco (ou nada), veem definhar os fundos de coesão e o investimento europeu, e estão condenados ao défice orçamental excessivo e a um endividamento cada vez maior». Quem escreveu isto não foi um partido ou cidadão da Esquerda, português ou de outro país dependente, mas Diogo Freitas do Amaral (in «Visão»). Basta ser inteligente e não mentiroso, e não se estar enfeudado à meia dúzia de grupos económicos que têm sacado fabulosos lucros com a crise do euro e a crise de solvência dos países dependentes. Basta um pouco de respeito pela soberania nacional. Claro que censura a partir de posições da Direita: congratula-se com a Cimeira da NATO e os seus resultados e encara a China como um inimigo económico -"desleal"- de que a Europa precisa de se defender. É o imperialismo, senhor Professor! Da Alemanha (que tão bem você estigmatiza), neste caso.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Dizem-nos: Desiste Não vale a pena A maioria decidiu A democracia é isto A legitimidade do voto.


Além disso, Quem manda são os de fora E é de fora que a crise veio. Dizem-nos.

Também nos diziam quando eu era petiz Que o inferno existia para os maus

E que o Pai Natal descia pela chaminé abaixo.

Quando me fiz grande Ainda me diziam: O Salazar salvou-nos da guerra A ditadura não cairia jamais Era melhor ficar quietinho.

Sempre o medo, a ignorância, a apatia. O que ontem era o terror da ditadura

É hoje a mentira da democracia.

Simplesmente não gosto de ficar quietinho Com a alma a apodrecer.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Os nossos sucessos

Os resultados escolares comparativos organizados pela PISA e OCDE e divulgados recentemente, permitiram ao eng. Sócrates um auto-elogio (num político já se tolera) e um elogio aos professores portugueses. Neste caso é intolerável, porque é de um cinismo descarado, vindo de um chefe de um governo que lançou o caos nas escolas portuguesas e converteu boa parte dos mestres em ovelhas domesticadas e medrosas. Quanto ao primeiro caso os resultados referem-se a anos anteriores aos efeitos das políticas da educação, portanto, não as avaliam, não há lugar para auto-elogios.
Qualquer professor desperto sabe que os alunos não melhoraram a sua perfomance escolar ultimamente, senão por meros estratagemas para manter a fachada e cumprir ordens ou requisitos de avaliação dos professores Este ensino orienta-se por critérios desumanizantes e completamente elitistas. As escolas privadas que alcançam os tops dos rankings (falando assim à modernaça) são fábricas de robots. Este capitalismo de casino o que quer é mão de obra barata, acéfala, inculta e obediente, com palas nos olhos como se faziam às mulas.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

WIKILEAKS

Não matem o mensageiro por revelar verdades incómodas




por Julian Assange [*]

WIKILEAKS merece protecção, não ameaças e ataques.


Em 1958 o jovem Rupert Murdoch, então proprietário e editor do jornal The News, de Adelaide, escreveu: "Na corrida entre o segredo e a verdade, parece inevitável que a venda sempre vença".
A sua observação talvez reflicta o desmascaramento feito pelo seu pai, Keith Murdoch, de que tropas australianas estavam a ser sacrificadas inutilmente nas praias de Galipoli por comandantes britânicos incompetentes. Os britânicos tentaram calá-lo mas Keith Murdoch não foi silenciado e os seus esforços levaram ao término da desastrosa campanha de Galipoli.
Aproximadamente um século depois, WikiLeaks está também a publicar destemidamente factos que precisam ser tornados públicos.
Criei-me numa cidade rural em Queensland onde as pessoas falavam dos seus pensamentos directamente. Elas desconfiavam do governo como de algo que podia ser corrompido se não fosse vigiado cuidadosamente. Os dias negros de corrupção no governo de Queensland antes do inquérito Fitzgerald testemunham do que acontece quando políticos amordaçam os media que informam a verdade.
Estas coisas ficaram em mim. WikiLeaks foi criado em torno destes valores centrais. A ideia, concebida na Austrália, era utilizar tecnologias da Internet de novas maneiras a fim de relatar a verdade.
WikiLeaks cunhou um novo tipo de jornalismo: jornalismo científico. Trabalhamos com outros media para levar notícias às pessoas, assim como para provar que são verdadeiras. O jornalismo científico permite-lhe ler um artigo e então clicar online para ver o documento original em que se baseia. Esse é o modo como pode julgar por si próprio: Será verdadeiro este artigo? Será que o jornalista informou com rigor?
Sociedades democráticas precisam de meios de comunicação fortes e WikiLeaks faz parte desses media. Os media ajudam a manter o governo honesto. WikiLeaks revelou algumas verdades duras acerca das guerras do Iraque e Afeganistão, e desvendou notícias acerca da corrupção corporativa.
Há quem diga que sou anti-guerra: para que conste, não sou. Por vezes os países precisam ir à guerra e há guerras justas. Mas não há nada mais errado do que um governo mentir ao seu povo acerca daquelas guerras, pedindo então a estes mesmos cidadãos para porem as suas vidas e os seus impostos ao serviço daquelas mentiras. Se uma guerra é justificada, então digam a verdade e o povo decidirá se a apoia.
Se já leu algum dos registos da guerra do Afeganistão ou do Iraque, algum dos telegramas da embaixada dos EUA ou algumas das histórias acerca das coisas que WikiLeaks informou, considere quão importante é para todos os media ter capacidade para relatar estas coisas livremente.
WikLeaks não é o único divulgador dos telegramas de embaixadas dos EUA. Outros media, incluindo The Guardian britânico, The New York Times, El Pais na Espanha e Der Spiegel na Alemanha publicaram os mesmos telegramas.
Mas é o WikiLeaks, como coordenador destes outros grupos, que tem enfrentado os ataques e acusações mais brutais do governo dos EUA e dos seus acólitos. Fui acusado de traição, embora eu seja australiano e não cidadão dos EUA. Houve dúzias de apelos graves nos EUA para eu ser "removido" pelas forças especiais estado-unidenses. Sarah Palin diz que eu deveria ser "perseguido e capturado como Osama bin Laden", um projecto de republicano no Senado dos EUA procura declarar-me uma "ameaça transnacional" e desfazer-se de mim em conformidade. Um conselheiro do gabinete do primeiro-ministro do Canadá apelou na televisão nacional ao meu assassinato. Um bloguista americano apelou a que o meu filho de 20 anos, aqui na Austrália, fosse sequestrado e espancado por nenhuma outra razão senão a de atingir-me.
E os australianos deveriam observar com nenhum orgulho o deplorável estímulo a estes sentimentos por parte de Julia Gillard e seu governo. Os poderes do governo australiano parecem estar à plena disposição dos EUA quer para cancelar meu passaporte australiano ou espionar ou perseguir apoiantes do WikiLeaks. O procurador-geral australiano está a fazer tudo o que pode para ajudar uma investigação estado-unidense destinada claramente a enquadrar cidadãos australianos e despachá-los para os EUA.
O primeiro-ministro Gillard e a secretária de Estado Hillary Clinton não tiveram uma palavra de crítica para com as outras organizações de media. Isto acontece porque The Guardian, The New York Times e Der Spiegel são antigos e grandes, ao passo que WikiLeaks ainda é jovem e pequeno.
Nós somos os perdedores. O governo Gillard está a tentar matar o mensageiro porque não quer que a verdade seja revelada, incluindo informação acerca do seu próprio comportamento diplomático e político.
Terá havido alguma resposta do governo australiano às numerosas ameaças públicas de violência contra mim e outros colaboradores do WîkLeaks? Alguém poderia pensar que um primeiro-ministro australiano defendesse os seus cidadãos contra tais coisas, mas houve apenas afirmações de ilegalidade completamente não fundamentadas. O primeiro-ministro e especialmente o procurador-geral pretendem cumprir seus deveres com dignidade e acima da perturbação. Fique tranquilo, aqueles dois pretendem salvar as suas próprias peles. Eles não conseguirão.
Todas as vezes que WikiLeaks publica a verdade acerca de abusos cometidos por agências dos EUA, políticos australianos cantam um coro comprovadamente falso com o Departamento de Estado: "Você arriscará vidas! Segurança nacional! Você põe tropas em perigo!" Mas a seguir dizem que não há nada de importante no que WikiLeaks publica. Não pode ser ambas as coisas, uma ou outra. Qual é?
Nenhuma delas. WikiLeaks tem um historial de publicação quatro anos. Durante esse tempo mudámos governos, mas nem uma única pessoa, que se saiba, foi prejudicada. Mas os EUA, com a conivência do governo australiano, mataram milhares de pessoas só nestes últimos meses.
O secretário da Defesa dos EUA, Robert Gates, admitiu numa carta ao congresso estado-unidense que nenhumas fontes de inteligência ou métodos sensíveis haviam sido comprometidos pela revelação dos registos de guerra afegãos. O Pentágono declarou que não havia evidência de que as informações do WikiLeaks tivessem levado qualquer pessoa a ser prejudicada no Afeganistão. A NATO em Cabul disse à CNN que não podia encontrar uma única pessoa que precisasse de proteger. O Departamento da Defesa australiano disse o mesmo. Nenhuma tropa ou fonte australiana foi prejudicada por qualquer coisa que tivéssemos publicado.
Mas as nossas publicações estavam longe de serem não importantes. Os telegramas diplomáticos dos EUA revelam alguns factos estarrecedores:
Os EUA pediram aos seus diplomatas para roubar material humano pessoal e informação de responsáveis da ONU e de grupos de direitos humanos, incluindo DNA, impressões digitais, escanerização de íris, números de cartão de crédito, passwords de Internet e fotos de identificação, violando tratados internacionais. Presumivelmente, diplomatas australianos na ONU também podem ser atacados.
O rei Abdula da Arábia Saudita pediu que os EUA atacassem o Irão.
Responsáveis na Jordânia e no Bahrain querem que o programa nuclear do Irão seja travado por quaisquer meios disponíveis.
O inquérito do Iraque na Grã-Bretanha foi viciado para proteger "US interests".
A Suécia é um membro encoberto da NATO e a partilha da inteligência dos EUA é resguardada do parlamento.
Os EUA estão a agir de forma agressiva para conseguir que outros países recebam detidos libertados da Baia de Guantanamo. Barack Obama só concordou em encontrar-se com o presidente esloveno se a Eslovénia recebesse um prisioneiro. Ao nosso vizinho do Pacífico, Kiribati, foram oferecidos milhões de dólares para aceitar detidos.
Na sua memorável decisão no caso dos Pentagon Papers, o Supremo Tribunal dos EUA declarou: "só uma imprensa livre e sem restrições pode efectivamente revelar fraude no governo". Hoje, a tempestade vertiginosa em torno do WikiLeaks reforça a necessidade de defender o direito de todos os media revelarem a verdade.


08/Dezembro/2010

[*] Editor-chefe do WikiLeaks.

( do blog ANOVIS ANOPHELIS)

Oração

Vinte anos depois o seu corpo está intacto.
Não é o cadáver de uma santa,
mas o corpo vivo de uma mulher pecadora.
(Ó, que gostosa pecadora!)
Mais pequei eu
nela
como um herege, um iconoclasta,
pequei não sei quantas vezes,
sem mágoa e sem arrependimento.
(Ó, a fogueira do seu cabelo!)
o céu é testemunha
muda.
Vinte anos depois e pecaria outra vez
sem remorso, sem ciúme, sem medo.
Ajoelharia a seus pés como um crente
O céu abrir-se-ia num largo sorriso de compaixão
porque sabe que somos assim
feitos de terra, água e fogo.
Sem remissão.

sábado, 4 de dezembro de 2010

JÚLIO RESENDE

Sá Carneiro

Faz trinta anos que Sá carneiro morreu num desastre de aviação. Com ele morreu Adelino Amaro da Costa, seu ministro da Defesa, contra o qual o atentado foi muito provavelmente dirigido. Atentado homicida com toda a certeza, conforme indiciam os relatórios. Causas obscuras relacionadas com armamentos e negócios com o dito, que o Ministro da Defesa estaria a a comprometer.
Sá Carneiro foi morto em plena campanha eleitoral para a presidência da República, na qual apoiava um candidato reaccionário, millitar e militarista, autoritário e com um passado político nebuloso. Venceu Ramalho Eanes e a ofensiva ultra-direitista foi travada.
Sá Carneiro, depois de uma aproximação calculista à Oposição Democrática e ao 25 de Abril, revelou-se logo a seguir um político ambicioso, manobrador, voluntarista, colado a todos os golpismos de Spínola e forçando pelo seu arrivismo um estado de guerra civil. Sá Carneiro representou a contra-revolução.
Por isso surpreendeu-me o texto do secretário-geral da CGTP, Carvalho da Silva, no último número da revista "Visão". Qual o propósito?

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Eric Hobsbawm

Eric Hobsbawm é um historiador incontornável. «A Era das Revoluções», «A Era do Capital», «A Era do Imperio» e «A Era dos Extremos», constituem obras de leitura obrigatória. Na "Relógio D'Água" saíu recentemente mais um título: «Ensaios sobre a Hstória», compilação de conferências, algumas de há muitos anos. Neste encontramos um penetrante texto :« Que devem os historiadores a Karl Marx?», onde se pode ler:« ...só posso afirmar a minha convicção de que a abordagem de Marx é ainda a única que nos permite dar conta de toda a extensão da história humana, formando por isso o ponto de partida mais fecundo para as nossas análises contemporâneas». A conferência é de 1968, em plena efervescência social. Contudo, a exposição não se deixa ofuscar pela conjuntura e conserva uma honestidade e rigor que ainda hoje se lê com perfeita actualidade. Em toda a sua extensa bibliografia não se vislumbra um parti-pris, que acomete quantas vezes os historiadores. Isto não significa que a historiografia tenha de ser neutra e eclética (é para desconfiar quando o pretende): o grande historiador - Eric Hobsbawm- conserva, julgo eu, ele que goza de grande longevidade, ( os últimos escritos, autobiográficos atestam), um humanismo crítico e despojado de utopias, racionalista, que ele sempre tomou como legado da Modernidade, isto é, do Iluminismo. O pós-modernismo que despreza a Modernidade, não passou por ele.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Solidariedade

« Já lá estavam quando ocorreu o terramoto, em 12 de Janeiro passado: eram cerca de 400, os médicos cubanos que, desde 1998, gratuitamente, levavam por diante, no Haiti, um Plano Integral de Saúde que envolveu, ao longo dos anos, cerca de 6 000 cooperantes cubanos e cerca de 400 jovens médicos haitianos formados gratuitamente em Cuba.


No próprio dia 12, dia do terramoto, juntaram-se-lhes, idos de Cuba, 60 especialistas em catástrofes e, todos, gratuitamente, protagonizaram a mais importante assistência médica e sanitária às vítimas do terramoto – que causara 250 mil mortos e mais de 1, 5 milhões de desalojados.

Os média dos EUA – e, por obediência canina, os média de todo o mundo capitalista – que se fartaram de anunciar, enaltecer, louvar e propagandear apoios e mais apoios, solidariedade e mais solidariedade, particularmente os dólares prometidos por Obama/Clinton, silenciaram cirurgicamente o mais importante de todos os apoios, a única verdadeira solidariedade: a presença e a acção, gratuita, dos médicos e enfermeiros cubanos no Haiti.

Mais do que isso: a cadeia norte-americana Fox News chegou a afirmar, mesmo, que «Cuba é dos poucos países do Caribe que não prestam qualquer apoio ao Haiti»…

Quanto aos anunciados apoios em dinheiro, além de ficarem muito aquém das verbas propagandeadas, os que chegaram tiveram destinos vários, parte deles nada tendo a ver com o apoio às vítimas do terramoto… A solidariedade capitalista tem destas coisas…

Certo, certo – e constante, e permanente – foi o sempre silenciado apoio gratuito, a sempre silenciada solidariedade de facto dos 400 médicos e enfermeiros cubanos.



Agora, desde Outubro, o martirizado povo haitiano sofre uma epidemia de cólera – doença que não era detectada no país há mais de um século – que já matou mais de 1600 pessoas e provocou a hospitalização de 30 mil das 200 mil afectadas, e que ameaça intensificar-se.

E mais uma vez… os apoios, a solidariedade…

Dos anunciados 164 milhões de dólares… chegaram uns 19 milhões… e diz-se que «os apoios «chegam a conta-gotas à espera do resultado das eleições» que hoje se realizam no Haiti…

Raio de solidariedade esta que só se concretiza se as vítimas votarem «bem»...

Certo, certo – e constante, e permanente – continua a ser o sempre silenciado e gratuito, a sempre silenciada solidariedade de facto dos médicos e enfermeiros cubanos – os 400 que já lá estavam, mais os 500 que para lá foram enviados logo que eclodiu a epidemia de cólera, mais os 300 que, por decisão do Governo de Cuba, se lhes juntarão, hoje – sejam quais forem os resultados eleitorais.»
 
Fernando Samuel- Cravo de Abril
A casa




Já a lua se apagou sob o lençol negro

Enquanto me recolho no covil das palavras

Na chama da língua que emudece.

Fui.

Uma chuva ácida castiga o mundo

Como um deus cruel a seus filhos

Que o não amam.

Quem a mim amar possa

Ofereço um ramo de oliveira.

Inimigo meu pode dormir tranquilo

Que as minhas palavras não matam.

Inofensivo vou

Pela chuva como uma criança perdida.

Onde fica a minha casa?

Em que lugar sonhado, minha mãe, meu pai?

Que o céu se abra como um útero

E chova leite e mel sobre os submissos

E se abra a terra como uma deusa misericordiosa

Para a sementeira de um mundo novo.

Que morra eu, sim,

Que morra,

Mas a casa se habite.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Os grevistas

O sr. ministro da economia não reconhece que houve uma greve geral, terá havido, quando muito, uma greve «minoritária e parcial». A sra. ministra do trabalho não reconhece que houve uma greve geral, se não «o país teria parado». Temos, portanto, dois ministros, pelo menos, a defender uma greve geral, a sério. Lastimam, portanto, que tivesse sido apenas parcial. Censuram os sindicatos por não serem capazes de fazer parar o país. A sra. ministra do trabalho tem autoridade na matéria: representa os trabalhadores que administram os monopólios, os accionistas dos oligopólios, os incansáveis jogadores da Bolsa, os corajosos investidores dos off-shores, os inventivos gestores das empresas públicas com ou sem parcerias com os privados, os exaustos banqueiros. O sr. ministro da economia anda atarefadíssimo com uma economia sem crescimento;por isso, exige mais trabalho de organização aos sindicatos.
Donde se conclui que o governo é que sabe fazer greves. Só eles sabem como fazer parar um país.

VELASQUEZ - Vénus ao espelho

terça-feira, 23 de novembro de 2010

televisões

O modo como a SIC transmite as reportagens antes da Greve Geral são reveladoras do controlo que sobre ela exercem os seus patrões (todos os entrevistados protestam contra a greve). Da RTP nem vale a pena falar, porque é a "voz do dono" (como aqueles discos vinil antigos que traziam estampado um cão com a frase"A voz do dono"). Telenovelas medíocres, futebol à farta, publicidade, notícias facciosas, espectáculos para entreter o pagode. Os media constituem realmente um "quarto poder", sendo o primeiro o capital financeiro.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Interseccionismo

Interseccionismo




Movimento literário de vanguarda criado por Fernando Pessoa e que se caracteriza pela intersecção no poema de vários níveis simultâneos de realidade: a interior e a exterior, a objectiva e a subjectiva, o sonho e a realidade, o presente e o passado, o eu e o outro, etc. Poema paradigmático desta estética, Chuva Oblíqua exemplifica esta técnica de intercalamento que permite "o desdobramento possível de imagens vindas do exterior ou da nossa consciência, de proveniência visual ou auditiva, de experiências reais ou de sonho, etc., criando-se no poema [...] registos ou séries imagísticas objectivamente diferentes mas devidamente ordenados" (GUIMARÃES, Fernando - O Modernismo Português e a sua Poética , Lello, Porto, 1999, pp.71-72).

domingo, 21 de novembro de 2010

F. PESSOA - "Chuva oblíqua"

Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito

E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios

Que largam do cais arrastando nas águas por sombra

Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...

O porto que sonho é sombrio e pálido

E esta paisagem é cheia de sol deste lado...

Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio

E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...

Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...

O vulto do cais é a estrada nítida e calma

Que se levanta e se ergue como um muro,

E os navios passam por dentro dos troncos das árvores

Com uma horizontalidade vertical,

E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...

Não sei quem me sonho...

Súbito toda a água do mar do porto é transparente

E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,

Esta paisagem toda, renque de árvores, estrada a arder em aquele porto.

E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa

Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem

E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,

E passa para o outro lado da minha alma...

TIZIANO Vecellio -venere di urbino-1538

sábado, 20 de novembro de 2010

A Cimeira

Em jeito de balanço em cima dos acontecimentos, atrevo-me a concluir que estas cimeiras da NATO em Lisboa foram uma vitória para os E.U. que subordinaram a UE às suas finalidades e estratégias. Saíram reforçados e apoiados, escapando do descrédito nas guerras do Iraque e do Afeganistão, atraíram a Rússia e ameaçaram o Irão e todos os que se oponham ao imperialismo (ou ao Império, se preferirem). Obama ganhou uns pontos depois da derrota eleitoral. Sócrates está satisfeito e espera que o Banco Central europeu lhe compre agora alguma da dívida.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Dia Internacional da Filosofia

«Só é possível tornar-se filósofo, não sê-lo. Assim que se acredita sê-lo, cessa-se de se tornar filósofo.»
F. von Schlegel (1772-1829)

«Na verdade, a filosofia é nostalgia, o desejo de sentir-se em casa em qualquer lugar»
Novalis (1772-1801), Fragmentos

«A filosofia ensina a agir, não a falar.»
Séneca (4 a.C.-65 d.C.), Cartas a Lucílio

«Interrogado sobre o que havia aprendido com a filosofia, disse:« A fazer, sem ser comandado, aquilo que os outros fazem apenas por medo da lei.»
Aristóteles ( 384-322 a.C.), citado em Diógenes Laércio, Vidas dos filósofos, Aristóteles, V, 20.

Vítima das bombas da NATO- foto de Maso Notarianni, Hospital em Lashkar Gah

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Somos pacifistas, mas não submissos!

Este é um blog da cultura, não é uma tribuna, nem um estado de alma. Mas a cultura é cidadania e esta é o valor da paz, da solidariedade, da justiça social. Os senhores da guerra, que querem o mundo como palco das suas tropelias, vão realizar uma cimeira, uma tribuna de guerra, demonstração de força, aviso aos mais fracos, ameaça aos insubmissos. É o imperialismo no seu trono.
Os povos querem a Paz, não querem morrer nas guerras dos ricos.

sábado, 13 de novembro de 2010

LÉO FERRÉ - Avec le temps

Avec le temps...


Avec le temps, va, tout s'en va

On oublie le visage et l'on oublie la voix

Le cœur, quand ça bat plus, c'est pas la peine d'aller

Chercher plus loin, faut laisser faire et c'est très bien



Avec le temps...

Avec le temps, va, tout s'en va

L'autre qu'on adorait, qu'on cherchait sous la pluie

L'autre qu'on devinait au détour d'un regard

Entre les mots, entre les lignes et sous le fard

D'un serment maquillé qui s'en va faire sa nuit

Avec le temps tout s'évanouit



Avec le temps...

Avec le temps, va, tout s'en va

Même les plus chouettes souv'nirs ça t'as une de ces gueules

A la gal'rie j'farfouille dans les rayons d'la mort

Le samedi soir quand la tendresse s'en va toute seule



Avec le temps...

Avec le temps, va, tout s'en va

L'autre à qui l'on croyait pour un rhume, pour un rien

L'autre à qui l'on donnait du vent et des bijoux

Pour qui l'on eût vendu son âme pour quelques sous

Devant quoi l'on s'traînait comme traînent les chiens

Avec le temps, va, tout va bien



Avec le temps...

Avec le temps, va, tout s'en va

On oublie les passions et l'on oublie les voix

Qui vous disaient tout bas les mots des pauvres gens

Ne rentre pas trop tard, surtout ne prends pas froid



Avec le temps...

Avec le temps, va, tout s'en va

Et l'on se sent blanchi comme un cheval fourbu

Et l'on se sent glacé dans un lit de hasard

Et l'on se sent tout seul peut-être mais peinard

Et l'on se sent floué par les années perdues

Alors vraiment... avec le temps... on n'aime plus

O CORAÇÃO DO POETA

tudo o que voa, trepa, se alça e plana sobre o Universo
aves, flores, perfumes, fontes, ramos dobrados,
mares, grutas, cumes, lugares habitados, vulcões, desertos
sombra e luz, noites e estações, nuvens, trovões,
neve e bruma passageira, furacões, chuvas generosas,
religião e ensinamentos, visões, sensações, silêncio e canto,
tudo isso vive e mexe em meu coração: uma liberdade
irmã da subtil magia dos filhos da eternidade.
no meu coração, aqui sem fundo nem medida,
a morte dança com os espectros da vida.
aqui sopram os terrores da noite,
treme o sofrimento das rosas
e, ao seu eco, ergue-se a arte.

Abû al-Qâsim al-Shâbbî (Tunísia, 1909-1934)
(Trad. de Adalberto Alves)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Há quem faça como as avestruzes...

O mundo está melhor?

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) publicou o último relatório sobre os indicadores do Desenvolvimento Humano. Portugal encontra-se bem nuns, menos bem noutros, mal em alguns. São estas diferenças, comparativas, que se deviam enfatizar. Estar mal nos indicadores relativos ao sucesso escolar e à escolaridade é mais grave do que outros indicadores, como é evidente. Que estamos melhor do que há quarenta ou trinta anos atrás, não é admiração nenhuma, sobretudo se comparararmos com a situação antes do 25 de Abril. O que importaria explicar, ou dizer, é que atingimos melhores indicadores mas não através do crescimento económico; pelo contrário, temos vindo a abrandar até à estagnação, e eliminámos grande parte das nossas estruturas produtivas( a pesca é só um exemplo). Em boa parte os nossos níveis de vida melhoraram sem correspondência no aumento regular e sólido das exportações, pelo contrário, importamos cerca de oitenta por cento do que comemos.
O jornal «Público» de 5 de Novembro último afirmava no seu editorial que o relatório do PNUD «mostra que a globalização e o alastramento do capitalismo foram uma boa notícia para centenas de milhões de pessoas na Ásia ou na América Latina. E mesmo na Europa ocidental e nos Estados Unidos(...)». Este gáudio puramente ideológico colide com todos os comentaristas e a própria percepção das pessoas, que de há uma dezenas de anos a esta parte têm vindo, de quadrantes vários, a desenhar um quadro a negro do capitalismo neo-liberal. Houve até um best-seller que se intitulava "O Horror Económico"...A globalização das comunicações é uma coisa, outra bem diferente é o mercado mudial capitalista sem regras e sem ética nenhuma. As pessoas vivem hoje melhor? Pergunte-se aos milhões de desempregados na Europa e nos Estados Unidos. Nem eles sabem como sair da crise...

domingo, 7 de novembro de 2010

Manuel Bandeira

Vou-me Embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada


Lá sou amigo do rei


Lá tenho a mulher que eu quero


Na cama que escolherei


Vou-me embora pra Pasárgada






Vou-me embora pra Pasárgada


Aqui eu não sou feliz


Lá a existência é uma aventura


De tal modo inconseqüente


Que Joana a Louca de Espanha


Rainha e falsa demente


Vem a ser contraparente


Da nora que eu nunca tive






E como farei ginástica


Andarei de bicicleta


Montarei em burro brabo


Subirei no pau-de-sebo


Tomarei banhos de mar!


E quando estiver cansado


Deito na beira do rio


Mando chamar a mãe-dágua


Pra me contar as histórias


Que no tempo de eu menino


Rosa vinha me contar


Vou-me embora pra Pasárgada






Em Pasárgada tem tudo


É outra civilização


Tem um processo seguro


De impedir a concepção


Tem telefone automático


Tem alcalóide à vontade


Tem prostitutas bonitas


Para a gente namorar






E quando eu estiver mais triste


Mas triste de não ter jeito


Quando de noite me der


Vontade de me matar


— Lá sou amigo do rei —


Terei a mulher que eu quero


Na cama que escolherei


Vou-me embora pra Pasárgada









sábado, 6 de novembro de 2010

Ah, o Banco Central!

O Banco Central Europeu decidiu-se finalmente a comprar parte da dívida pública portuguesa, para, assim, travar a especulação pelos mercados financeiros. É bem curioso que não ouvi uma única voz desses ilustres comentadores economistas da tv exigirem a utilização desse poder, desse instrumento da União Europeia que é o Banco Central. Ameaçam muito é com o FMI; aliás, até pedem que intervenha (sabendo nós o que o FMI costuma fazer por esse mundo fora, desde o Chile, Argentina, passando por Portugal duas vezes). Ora, se o Banco Central possui um poder inusitado (comprar dívidas públicas) para conter a sanha dos especuladores (a todo o momento especulam contra ou sobre o euro), porque esteve tanto tempo silencioso?
E, já agora, outra interrogação: se a China ofereceu-se para comprar a dívida de Portugal, porque não se ofereceu a Alemanha, essa potência que tanto tem lucrado com as crises dos outros?
Não sei se deva dizer mas quase que me repugna ouvir os comentadores, governantes e dirigentes de alguns partidos ameaçarem o povo com o monstro dos mercados sem rosto. Fazem-nos lembrar o "papão" das histórias que amedrontavam a nossa meninice: «Se não comeres a papa, vem aí o papão!»
Com fábulas e bolos se comem os tolos. Por enquanto apenas fábulas.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Manhã




O homem contorce-se numa tosse seca.

Na praça pela manhã os pombos aquecem-se.

A mulher dos pombos espalha as migalhas

Guardando a fome para si,

Novos e velhos sentam-se nos bancos,

Quem espera nunca alcança,

Uma garota brinca com uma boneca coçada,

Um achado que lhe alegrou o dia.

Um solista arranca do acordeão uma melodia

No chão um prato vazio agradece

E um cão lambe as feridas aos pés do dono.

Deus vela pelos desvalidos?

Intervir não está na sua condição.

Homens muito ricos conservam-no crucificado

Para que as mãos soltas não façam milagres.

Crucificadas multidões. Cautela!

O poder de multiplicar só ao capital foi concedido,

esse apetite insaciável canibal.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Da miséria de muitos se faz a riqueza de poucos

Os sinais de degradação social, fome e miséria não esperaram sequer pela entrada em vigor do Orçamento que vai reduzir Portugal a um país de indigência.

De facto, a penúria dos portugueses já vem por detrás, de crise sobre crise, e o Orçamento dos partidos que mais se têm governado enquanto desgovernam o país, apadrinhado pela banca, pelo embaixador dos EUA, por Sarkozy e pela Merkel, só vai agravar a míngua nacional a extremos nunca vistos, nem sequer nos tempos do governo do Bloco Central e da fome em Setúbal. Ontem, os jornais davam conta que já tinham disparado os pedidos de ajuda alimentar às Misericórdias, à Cruz Vermelha e ao Banco contra a Fome, ao mesmo tempo que se multiplicam os pedidos de ajuda de portugueses que se libertaram do álcool e da droga e que a crise levou a que caíssem de novo na dependência.

É este o país que José Sócrates vai deixar a quem vier a seguir, depois do PS apagar a luz bater com a porta. Um país condenado à degradação pela mais brutal insensibilidade social, pela subjugação a interesses alheios e opostos aos do país e do povo. Mas na verdade não é apenas este governo do PS que desentranhou Portugal do rol dos países com direito à dignidade. A política de desastre vem de longe e foi partilhada pelas três famílias políticas que governaram Portugal nos últimos 30 anos. Foi a política desastrosa que desmantelou em Portugal todo e qualquer resquício produtivo - acabou com a agricultura, com as pescas, com parte essencial da indústria, liquidou os transportes, arruinou o comércio. Essa política deliberada, que destinou Portugal a ser um país de especulação e de campos de golfe, é a causa da ruína do país e da miséria de milhões de portugueses.

Muitos o pensam, embora poucos o digam.

João Paulo Guerra, in "Diário Económico", on-line

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Presidenta

Gosta qu elhe chamem a Presidenta. Venceu as eleições. As mulheres esperam que ela não se esqueça das mulheres brasileiras que sobrevivem na miséria e na ignorância. Provavelmente o facto de ser a primeira mulher presidente de uma potência emergente pouco altera, como pouco alterou o facto de Obama ser afro-americano. Continuará Lula no seu melhor e no seu pior. Seria bom que, para começar, respeitasse os vinte milhões de brasileiros que votaram na candidata dos Verdes e admitisse que existe um grave problema ambiental no Brasil, no qual se situa a maior pulmão do planeta. Seria bom que não se esquecesse das favelas. Das enormes desigualdades sociais que permanecem num país tão rico cuja distribuição da riqueza é tão injusta. Lula desiludiu em muitos e importantes aspectos. Provavelmente a senhora presidenta desiludirá nos mesmos aspectos precisamente.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A Besta

Rotunda das Olaias, Lisboa. Quatro raparigas e um rapaz, militantes da JCP, pintam um mural, protegidos pela lei. Chegam polícias, que defendem a lei e os cidadãos que a cumprem, leva-nos para a esquadra. Ali, obrigam duas das jovens, menores de idade com certeza, a despirem-se totalmente. Um porta-voz oficial da PSP declara, em resposta aos protestos públicos que se seguiram, que o acto respeitou estrictamente a lei, na medida em que as vítimas poderiam transportar armas ou drogas. Seleccionaram duas delas, aos outros não procederam a essa revista "sumária" (sic).
A PSP demonstrou, assim, que os tiques fascistas permanecem, quer na velha geração, quer na nova. O fascismo é sempre não só torcionário como obsceno e aviltante. Sempre que militares ou polícias detêm a autoridade e as armas tendem a proceder como os carniceiros das prisões no Iraque ou em Guantanamo, no Chile ou no Portugal da PIDE-DGS. A guerra nos Balcãs demonstrou perfeitamente esse impulso irresistível para o mal absoluto.
É que a Besta dormita mas não dorme.
Imagine-se o que sucederia neste país doente, com uma democracia corrompida, se amanhã se instalasse de novo uma "democracia" musculada, autoritária, que alguns desejam para "salvar" Portugal da bancarrota.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A questão fundamental

Não é o controlo do déficit que é o mais importante.
Não é a sacanagem do Banco Central Europeu.
Não é o acordo ou o desacordo para alemão ver.

O que é fundamental
é descobrir onde está o embuste.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

AO FIM DO DIA (peça em quatro actos)

Personagens:

Uma mulher

Um homem

O filho pródigo



1º Acto



Mulher: Ouve só o que diz aqui “O Correio da Manhã”.

Homem: Não leio “O Correio da Manhã».

Mulher: Estás sempre a dizer isso. Mas eu bem te apanho a espreitar para dentro dele.

Homem: Não espreito para dentro de coisa nenhuma.

Mulher: Pois não, não espreitas para a professora que anda a posar nua…pois, pois…

Homem: Nem sei do que falas. E que tal deixares-me ouvir o noticiário?

Mulher: Fazemos o mesmo, António, fazemos o mesmo, tu vês e ouves, eu leio. Repetem-se uns aos outros. Devem ter uma única fonte onde todos vão beber.

Homem: Esse pasquim alimenta-se de produtos tóxicos.

Mulher: Tóxicos ou não, são factos, acontecimentos comuns. De resto, estamos a discutir por teimosia: eu quase nunca leio este jornal…

Homem: Nem esse, nem nenhum. Aos jornais que compro, folheia-os distraidamente enquanto pensas na morte da bezerra, aos telejornais nem sequer os ouves na cozinha.

Mulher: Duplamente enganado: na cozinha temos outro televisor, como devias saber…

Homem: Para as telenovelas.

Mulher: Não é verdade. Oiço as notícias, tu é que não sabes porque só entras na cozinha para cheirar o jantar na panela. E quanto à “morte da bezerra”, é uma expressão muito infeliz para designar os meus pensamentos.

Homem: É uma maneira de falar, nunca na minha vida pensei alguma vez que fosses burra. Eu sei em que pensas constantemente. E era isso que eu queria que deixasse de ser uma obsessão.

Mulher: O nosso filho…o Jorge.

Homem: Já to disse muitas vezes: ele só volta quando souber que um de nós está a morrer, ou já morto e enterrado.

Mulher: Não posso ouvir-te dizer essas coisas horríveis, António! Que pai és tu que desiste de reaver o filho? Que pai?

Homem: Um pai realista. O Jorge abandonou-nos faz agora um ano…um ano!

Mulher: Quando fez vinte anos…

Homem: Exacto. Sem mais nem menos. Ou melhor, depois de fazer todas as tropelias e mais alguma, de ser um mau estudante e um mau filho…

Mulher: Não exageres. Era um miúdo. Devias saber como são os jovens, também foste rapaz e não me consta que tivesses sido um santinho. Além disso, estás a ser muito injusto: o Jorge até foi um aluno razoável, escolheu um bom curso superior e segui-o…

Homem: Abandonou-o a meio. E o curso foi escolhido por ti…

Mulher: Essa é boa! Não me ajudaste a convencê-lo? Fomos realistas, queríamos o bem dele, era um curso com futuro, não uma ilusão que ele perseguia…

Homem: Como todos nós, quando temos dezoito anos.

Mulher: Quererás insinuar que a culpa foi nossa? Ou melhor, que foi só minha?

(Silêncio)

Mulher: Está um fim de tarde bonito…morre o verão, chega o Outono. Como aprecio as folhas cor de cobre das árvores nesta época! Melancolia, há melancolia no ar, como se a vida se despedisse…tanta gente tem o mundo! Nuns sítios agora faz sol, noutros é noite…Nuns, morre-se de fome, noutros, de fartura…Melancolia…Chegam até mim tantas lembranças! O primeiro beijo que me deste…que demos um ao outro, num desvão de escada, já lá vão vinte e cinco anos, não foste muito romântico, apanhaste-me desprevenida…sim, claro, não me fiz rogada, andávamos à deriva depois dos divórcios, trinta e cinco anos de idade cada um, a mesma idade…Vinte e cinco anos já se esfumaram, tão depressa passa o tempo…Não achas que a juventude é a melhor idade?...não falas, não respondes? Eu sei, perguntei-te isso provavelmente uma dúzia de vezes, é natural que nos lembremos dela quanto mais envelhecemos…Pareces indiferente a tudo, às recordações…Será que recordas ou evitas, foges das lembranças como o gato da água escaldada? É a idade, meu querido, é a idade! Quando a nossa relação estava no início, falávamos muito desses tempos anteriores…quando andávamos ambos no mesmo Liceu, colegas sem amizade especial um pelo outro…uma atracção que só chegou mais de vinte e cinco anos depois…porquê? Nunca o saberemos. Cada um seguiu a sua vida, cada um para o seu lado, casámos, não tivemos filhos, divorciámo-nos…e aqui estamos….tu, mergulhado num jornal que já deves ter lido duas vezes, e eu a escutar as folhas a caírem lá fora…melancolia. Lembras-te do professor de português do sétimo ano, baixote, que dava as aulas aos saltinhos pela sala? Sempre desconfiei que ele era medíocre e ridículo, porém conseguia entusiasmar-nos às vezes, sobretudo quando líamos uns para os outros as nossas redacções, pena que naqueles tempos as discussões nas aulas fossem escassas, domesticados que estávamos desde a escola primária. Não dizes nada? Lembras-te das acácias em flor nas avenidas de Lourenço Marques? Claro que te lembras…no fundo, és uma pessoa sensível…Que nos aconteceu, António? Fomos tão felizes! Quando o Jorge nasceu, os primeiros anos da sua meninice…tão traquina, tão esperto…como tudo mudou…Porque foi que ele desapareceu subitamente? Porquê? Que aconteceu nesse dia fatídico? Teve a ver connosco? Duvido, já o víamos irregularmente, desde que se mudara para a residência universitária. Que se passou naquela cabeça? Terá sido manipulado por alguém? Terá sido aquela galdéria com quem andava?

Homem: Lá voltas tu ao Jorge. Não há conversa que não chegue aí. Conhecemos acaso a tipa? Nunca a trouxe cá, mal sabemos quem era…vimo-la uma única vez e depressa.

Mulher: Por isso mesmo. Parece que ele tinha vergonha.

Homem: Se calhar, se calhar foi isso mesmo: vergonha…vergonha por ambos serem toxidependentes…

Mulher: Alto lá, António! Meteste na cabeça que o Jorge era toxicómano! Viste-o drogado?

Homem: Havia no quarto dele sinais mais do que suficientes disso. Quantas vezes fomos à residência e não o encontrámos? Cada vez desaparecia mais, até desaparecer de todo. Sim, acho que ele se envergonhava do seu estado, que não encontrava saída para o vício, talvez tenha começado a endividar-se, a roubar, para alimentar o vício.

Mulher: Horrível! Já eu mesma imaginei tudo isso que dizes, mas não me atrevia a pensá-lo em voz alta…é tão horrível!

(Silêncio)

Homem: (Folheando o jornal) Temos que nos distrair ambos senão damos em malucos. Resiste com coragem, não voltes a ter outra recaída…Foram precisos seis meses para te curares da depressão, não esqueças! Tem fé, ele há-de voltar para nós…nem que seja para nos mostrar o nosso primeiro netinho. Era bom, não era? Tem esperança. As loucuras da juventude hão de passar-lhe como passam as dos outros…tão depressa como passou a nossa juventude.

Mulher: Assim seja…É por causa do natal, já se aproxima a passos largos. Hoje que dia do mês é?

Homem: Dia vinte …de Novembro.

Mulher: É o natal, é…sem o Jorge…mais um natal sem ele.

2º Acto



(A mesma sala. Toca o telemóvel)

Mulher: É o meu! Ah, é a Emília!...Sim, estou…olá, está tudo bem contigo?...sim, cá estamos, curtindo a velhice…pois, pois, estamos ainda novos…sim, a saúde vai indo bem, os achaques do costume…pois, o verão terminou, chega a humidade…é…e o teu marido? Ah, compreendo, assustado com as taquicardias…claro, quem já teve já duas ou três, não admira…Mas diz, conta lá! Percebo na tua voz uma boa notícia…Sim, estou pronta para te ouvir, apre! Já estou a ficar nervosa! Diz lá…O quê? A sério? Não acredito!...Onde?...Tens a certeza que era ele?...Olha que podes ter confundido…já não o vemos vai para um ano…sei lá, podes ter confundido…pois, não foi assim há tanto tempo que ele tivesse de mudar muito…Ai, nem acredito! E como o achaste?...Mais magro?...Não te reconheceu?...ah, sim, não te viu, ou fingiu não ter visto…Andava depressa ou devagar? Como é que estava vestido?...Sim, pois, nada mal…Que notícia, Emília, que notícia! O Jorge! Não estava acompanhado com a galdéria com quem andava?...Pois, eu sei, simpatizavas com ela, eu sei, mas eu não…sempre a vi como uma galdéria…quantas vezes te disse, Emília, que os olhos dela não me enganavam…sim, disse-te isso, uma drogada, enfim, uma toxidependente…via-se naqueles olhos mortiços…Então ele ia sozinho…é bom sinal…Tá, adorei ouvir-te! Vou contar ao António…Beijinho para ti, um abraço para o Zé…e obrigado…fica bem, adeuzinho! (Larga o telemóvel) Ouviste, António? Percebeste?

Homem: Ouvi e não acredito. A Emília é míope, para não dizer que é outra coisa.

Mulher: Chiça, que tu andas mauzinho de todo! A Emília usa lentes de contacto, como eu, e tu usas óculos, ora…Ela deu-me a certeza, a certezinha, de que viu o Jorge…Onde? Na rua, num passeio…sim, devia andar mais gente por aí, sim, e depois? Era caso para ela se enganar? Eu cá acredito. E fico muito feliz! Muito! O Jorge está vivo e nem andava mal vestido…e, sobretudo, anda por cá, pela nossa terra, pela terra dele…Vou experimentar ligar-lhe.

Homem: Ó mulher, já experimentaste quinhentas vezes, já concluímos há um ror de tempo que ele mudou o número, não é por aí que conseguiremos chegar até ele.

Mulher: António, alguma coisa temos de fazer!

Homem: Certo, mas supõe que o encontramos…E se ele nos evitar?...sei lá, se fugir…nem sei que dizer…também estou nervoso como tu…quero vê-lo, mas receio o encontro…

Mulher: Qual receio, qual carapuça! Vamos procurá-lo, os pais não receiam os filhos. Não vai fugir de nós. Até acho que ele se mudou para cá com alguma intenção. Desconfio que o nosso filho anda desorientado, sozinho e precisa de nós.

Homem: Tens razão. Se ele se mudou do buraco onde vivia em qualquer cidade que ignoramos, é porque precisa de nós. Veste um casaco, metemo-nos no carro e passamos a cidade a pente fino. Talvez eu não tenha sido um bom pai, mas tu és uma mulher valente.

Mulher: Vamos então! O teu receio, António, é simples ressentimento, não leves a mal que to diga.

Homem: Será. Uma mãe perdoa mais depressa que um pai.

Mulher: Ou a mulher sabe perdoar porque neste caso não há nada para perdoar.





3º Acto



(Regressam. Despem os casacos. Têm um ar cansado)

Mulher: Vou fazer qualquer coisa para comermos.

Homem: Eu bem que te convidei para comermos lá fora.

Mulher: Depois de tantas voltas fracassadas, não me peças para me sentar num restaurante…E pela noite não sou capaz de andar por essas ruas à procura de um fantasma.

Homem: Bem dito: de um fantasma.

Mulher: não devia ter dito isso. Eu continuo a acreditar que ele anda por cá, tu é que não.

Homem: Mas procurá-lo-ei sempre que tu queiras.

Mulher: Eu sei, António, eu sei. Tenho-te sempre ao meu lado.

4º Acto

(A mesma sala. O homem dormita no sofá. A mulher assiste a qualquer coisa na tv. Som estridente da campainha da porta. O homem desperta com algum alvoroço. A mulher dirige-se à porta e espreita pelo visor)

Mulher: António! António! É o Jorge! O nosso filho!

Homem: (Pondo-se imediatamente de pé) Meu Deus!

Mulher: (Abre a porta, fica especada um instante e, num acto súbito, abraça o indivíduo esquálido, de roupa coçada, que a observa com timidez) Meu filho!

Jorge: Minha mãe!

(O pai aproxima-se e abraçam-se os três)

Homem: (Afastando-se um pouco para observar o filho) Vens com fome! Anda para a cozinha, a tua mãe vai arranjar-nos uma ceia.

Mulher: Talvez lhe apeteça um banhozinho quentinho primeiro, apetece-te meu filho?

Jorge: Ok, pode ser, mãe, pode ser.

Mãe: Então vá, enquanto eu preparo a ceia. Tens tudo no teu quartinho, Jorge, veste o pijama se preferires. Está tudo no mesmo sítio onde o deixaste…Nada mudou, pois não, António?

Homem: Nada mudou. Estava apenas à tua espera.

FIM

Nozes Pires

22 Outubro 2010

A mentira

O mentiroso deveria ter em mente que, para ser acreditado, precisa de dizer apenas as mentiras necessárias.
L. Svevo (1861-1928)

Na boca do mentiroso, até a verdade é suspeita.
J. Benavente Y Martinez (1866-1954)

A mentira, como o óleo, flutua à superfície da verdade.
H. Sienkiewicz (1846-1916)

Assim como o mentiroso está condenado a não ser acreditado quando diz a verdade, é privilégio de quem goza de boa reputação ser acreditado mesmo quando mente.
M. de Cervantes (1547-1616)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Ser moderno

Ser moderno hoje significa ter uma atitude amiga do Ambiente.
Ser ecologista militante, preocupado com a Cidade e com o mundo rural que a envolve. Não permitir que ela o sufoque. Transportar para o campo os bens da cidade, transportar para a cidade os bens do campo.
Defender energias limpas e fontes alternativas. Não desperdiçar a água, a terra, a electricidade, o sol.
Aprender a flora e a fauna da sua terra.
Preservar, cultivar, amar.
Lutar contra os desperdícios e o consumismo.
Lutar, acima de tudo, por causa de tudo, contra o Capital predador que rapina, esbulha, explora, degrada, desperdiça recursos humanos e naturais. É o pior inimigo. Tanto se encontra a Oeste como no extremo oriente. Tanto se encontra sob regimes capitalistas como sob regimes de "democracia popular". Nos EU e na China.
Lutar pela perservação do Ambiente natural é lutar contra a pobreza, a miséria, a ignorância.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O direito de resistência

Os senhores do grande capital pagarão muito menos que o povo trabalhador com estas medidas de austeridade ou Orçamento Geral do Estado. As medidas centram-se nos esbulho dos salários, na reducção substancial das obrigações do Estado com a Segurança Social, a Educação, Cultura e Ensino, nos investimentos públicos e nos deveres com as autarquias, no imposto do IVA (sobre o consumo) e nos impostos por via das receitas fiscais (em que os escalões mais baixos são os mais penalizados). Tudo que prejudique os grandes lucros e os dividendos não é mexido, ou apenas é beliscado para português ver. Uma minoria rica e poderosa continua rica e poderosa. O povo é expoliado. Sem qualquer culpa formada. A discriminação de classe fica bem à vista. Porém, a crer em sondagens parece que mais de metade da população acha bem. Que metade é essa? Qual o grau de obediência a que chegámos? Onde está a afirmação desses milhões de trabalhadores (nos quais se incluem pequenos empresários e agricultores)? Foram sondados os dois milhões de pobres, os 700 mil desempregados, os funcionários públicos, os trabalhadores a recibo verde ou contrato a prazo?
O filósofo John Locke, pai do Estado moderno liberal, não se esqueceu de reclamar para o povo -detentor da soberania- o direito de resistência contra o Estado que ofenda os direitos naturais inalienáveis (os únicos que não se podem ceder no contrato social).
O direito de resistência, repito.

domingo, 17 de outubro de 2010

Farsantes

Os bufões eram personagens das óperas-bufas. Há os comediantes, que personificam qualquer papel e há oscómicos que se esforçam por fazer rir. Há os oportunistas, os que se aproveitam de uma boa oportunidade para obterem qualquer ganho. Há os fantoches e os trauliteiros.
O presidente do Chile aproveitou a oportunidade de um drama que poderia ter sido uma horrível tragédia, para viajar à Europa alcandorando-se em herói. Os media fizeram-lhe o favor. Os mineiros, sem o saberem e provavelmente sem o quererem, deixaram-se "palmar" pelo seu presidente, um obscuro personagem da extrema-direita que se apresentou ao eleitorado como liberal. Na verdade foi um apoiante da ditadura do Pinochet assassino e tem um irmão que colaborou com a repressão sangrenta. Deste presidente (e provavelmente de anteriores) se deve a falta de segurança nas minas e a reabertura de minas que tinham  sido desactivadas, da mesma maneira que à sua política neo-liberal se deve a exploração desenfreada dos operários chilenos.
Levou uma pedra da mina que abateu com 33 mineiros dentro, para oferecer ao primeiro-ministro britânico, que lhe deve fazer bom uso, embora não se vislumbre qual.
O verdadeiro herói, o mineiro chefe-de-turno que liderou admiravelmente os seus camaradas soterrados, não acompanhou o seu presidente nesta viagem gloriosa.
Não sei se deva rir com tamanho comediante. A comoção que me provocou o drama dos mineiros e das suas famílias (explorada ate à exaustão pelos media, que se esqueciam sistematicamente de descrever as condições de trabalho no Chile) impede-me. Um bom bufão faz-me rir. Este farsante mete-me asco.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Viagem ao Parque Natural de Donhana

O Parque Nacional de Doñana situa-se na parte mais oriental da Província de Huelva, e estende-se por três províncias: Huelva na sua maior parte, mas também Sevilha e Cádiz. Doñana é a maior reserva biológica de Espanha, contando com a maior extensão de área protegida, com mais de 50000 hectares.




O Parque Nacional de Doñana engloba um total de 80000 hectares, entre os mais de 50000 hectares do próprio parque e os quase 30000 hectares dos arredores. Tal facto torna-o na área protegida mais importante de Espanha e numa das mais importantes da Europa. É uma zona uma enorme beleza, um dos mais importantes conjuntos de dunas da Europa e é o lugar onde se refugiam muitas espécies que se encontram em perigo de extinção.

Doñana é actualmente uma paragem obrigatória para milhares de aves migratórias que anualmente cruzam o Estreito de Gibraltar. Espécies que chegam vindas de todos os pontos da Europa e da Ásia, que por aqui passam e que continuam os seu caminho: flamingos, falcões, cegonhas negras ... bem como espécies que vivem nesta zona, tal como a Águia Imperial ou o Lince Ibérico ... Doñana dá abrigo a centenas e centenas de espécies, sejam elas terrestres ou marinhas, quer se trate ou não de aves, todas elas espécies que convivem no seio de um ecossistema único que há que preservar.

O Parque Nacional de Doñana é um tesouro não só devido à sua fauna, mas também devido à sua flora, às suas zonas litorais, às espécies autóctones e aos 30 quilómetros de praias selvagens que existem entre o Rio Guadalquivir e Matalascañas.

Para ir até ao Parque de Doñana, também conhecido como Coto de Doñana, pode aceder-se de barco, cruzando o Rio Guadalquivir.

O único sinal da presença do Homem dentro dos limites do Parque em mais de 30 km de praia é Torre Carboneras, uma pequena torre de vigilância, datada do século XVI. Deste ponto até ao interior do parque apenas se consegue chegar atravessando grandes dunas de areia e pinhais.

Antigamente, no local onde hoje é o coto, as famílias que aí habitavam viviam da pesca e do fabrico de carvão. Doñana é uma viagem pelo passado, pela Natureza, um passeio que chega até Matalascañas, onde começam as urbanizações.




terça-feira, 12 de outubro de 2010

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O medo

O medo suporta o lucro
como as ondas ruins suportam o navio
O medo é uma pistola apontada
à cabeça pelo próprio
O medo é uma receita
que se avia nas fábricas,
nas lojas,
nos guichês,
em toda a parte onde se trabalha.
O medo é sempre antigo
e sempre novo
como um espectro sem alma
errante, a sua casa
é a nossa casa.
A sua origem é a nossa origem.
Quando pedimos, o medo está lá.
Quando esperamos, o medo está lá.
Quando nos ajoelhamos, o medo está lá.
Sempre o medo.
Com ele construiram-se cidades,
quartéis,
muros
e estradas que não vão dar a parte nenhuma.
Com o medo conduzem-nos à socapa
sem medo
para o medo.

sábado, 2 de outubro de 2010

Um mundo às avessas

O povo não existe.
Se existisse, explodia nas ruas.
Portanto, é uma ficção inútil.
Não existem pobres nem ricos:
se existissem pobres, faleciam com a austeridade;
se existissem ricos, eram eles a pagar o déficit; como não são, não existem.
Não existem representantes do povo,
pois que o povo não existe.
Não governam, porque governar é distribuir a justiça;
visto que ela não existe,
também não há governo.

Por consequência não vale a pena temermos o futuro,
já que ele também não existe.

No entanto uma dúvida me atormenta:
se isto digo é porque em mim algo existe.
À cautela vou pensando que, se calhar,
existimos todos,
e tudo não passa de um sonho mau.
Ah, que o sol traga  a madrugada,
para eu marchar nas ruas com o meu povo!
Mostraremos aos crápulas
que é a nossa força unida
que faz nascer um país!

Affonso Romano de Sant'Ana

.







A implosão da mentira


Fragmento 1




Mentiram-me.Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente. Mentem
de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.
Mentem, sobretudo, impune/mente.


Não mentem tristes. Alegremente
mentem. Mentem tão nacional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.


Mentem.Mentem e calam. Mas suas frases
falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.


Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade
pela mentira, nem à democracia
pela ditadura.



Affonso Romano de Sant'Anna

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A caverna

A OCDE representa os mais altos interesses coligados do grande capital internacional, isto é imperialista. Que as grandes potências e as multinacionais falam pela boca desses especialistas em extorsão e exploração mundiais, todos sabem ou deviam saber. Vieram a Portugal dar a mão ao governo, o que demonstra que interesses defende e que política pretende prosseguir. Todos estão de acordo: Presidente da República, governo, oposição de direita, confederação dos patrões, UGT, mais todos esses comentadores de serviço, catedráticos ou administradores da Banca e dos grupos económicos lusitanos. Assim se dividisse o país: entre essa minoria e a imensa maioria dos trabalhadores assalariados, dos pequenos empresários, dos reformados e pensionistas. Se assim fosse, ou um dia vier a ser, esta pandilha havia de ser obrigada a dar ao povo aquilo que é do povo. Já se viram mudanças dessas, o que prova que não são impossíveis. Tal como nos ensinou Platão na sua imortal história da caverna, há que acreditar que, com esforço e esperança, a libertação das grilhetas e do buraco negro onde nos mantêm agrilhoados há de chegar. Quer eu ainda esteja vivo ou não.

domingo, 26 de setembro de 2010

José Carlos Ary dos Santos

Soneto presente

Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra donde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso dizer eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.

Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

PAUL ELUARD (1895-1952)

O Espelho de um instante


Ele dissipa o dia,
Ele mostra aos homens as imagens livres de aparências,
Ele rouba aos homens a possibilidade de se distraírem,
É duro como a pedra,
A pedra informe,
A pedra do movimento e da vista,
E o seu brilho é tal que as armaduras e as máscaras são falsificadas.
O que a mão pegou despreza assumir a forma da mão,
O que foi compreendido não mais existe,
O pássaro confundiu-se com o vento,
O céu com a sua verdade,
O homem com a sua realidade.


«Ta chevelure d'oranges»


A tua cabeleira de laranjas no vazio do mundo
No vazio dos vidros densos de silêncio
E de sombra onde as minhas mãos nuas te procuram os reflexos.


A forma do teu coração é quimérica
E o teu amor parece-se com o meu desejo perdido.
Ó suspiros de âmbar, sonhos, olhares.
Mas tu sempre estiveste comigo. A memória
Obscurece-se-me porque te vi chegar
E partir. O tempo serve-se de palavras como o amor.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mais uma!

A Santa Sé anda em maré de azar. Foram (ou são?) os crimes de pedofilia praticados sobre centenas (milhares?) de crianças órfãs, paupérrimas, infelizes. Agora é o seu Banco que está a ser investigado sob a suspeita de lavagem de dinheiro (sujo, pois claro; aquele que costuma acompanhar os negócios do tráfico de droga, prosituição, contrabando de armas). Quem tem a memória curta não se recorda do escândalo da bancarrota do mesmo Banco (claro, com outro registo) saqueado por administradores ligados à Máfia, um deles apareceu morto sob uma ponte do rio Tamisa, há uns anos atrás, eu cá lembro-me muito bem. E lembro-me inclusivamente das ligações espúrias do Banco ou do Vaticano com a Democracia Cristã, o tal partido italiano casado com as máfias.
No meu tempo de petiz o sr. padre-confessor obrigava-nos a rezar uma dúzia de padre-nossos e outra dúzia de avé-marias para nos salvarmos do fogo do inferno por causa de uns pequeninos pensamentos impuros. Que área do inferno está reservada para esses padres pedófilos e para os sacripantas do Banco? Um mosteiro nas Antilhas?

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Soberanias

O diktat da Comissão europeia do visto para fazer passar o Orçamento nacional obriga a uma reflexão aprofundada sobre a situação das soberanias nacionais. A título imediato provoca justamente a revolta e a indignação. É preocupante que as forças políticas dominantes baixem a cerviz e aceitem tamanha intrusão. Demonstram o servilismo que reina por cá e noutros governos europeus endividados, e quem efectivamente domina a União Europeia. A reflexão mais aprofundada passa pela controvérsia contemporânea sobre se a soberania se eclipsa ou não no quadro das transformações provocadas pela chamada «globalização». Anda por aí a correr a tese, dada como adquirida, segundo a qual as novas sociedades em-rede (M. Castells) substituem as entidades nacionais (o mercado mundial, as comunicações, os organismos internacionais) ou a tese similar que considera inútil, ou mesmo reaccionária, a luta por objectivos nacionais (A. Negri).
Ora, se é certo que a soberania tem vindo a decair face aos condicionalismos internacionais contemporâneos (quer se queira, quer não, estamos todos no mercado mundial), tais tendências contêm uma forte componente neo-imperialista, e os interesses das grandes potências e das multinacionais são bem visíveis. Em termos grossos poder-se-á conluir que a soberania dos países periféricos, mais pequenos ou mais pobres (da Europa ou do Sul), já não interessa, mas para as grandes potências (E.U., Japão, Alemanha, Inglaterra, França, China) ainda interessa-lhes e muito.

domingo, 19 de setembro de 2010

Bum!

Crise sistémica global


Primavera de 2011: Benvindo ao United States of Austerity


– Rumo ao grande descalabro do sistema económico e financeiro mundial



«O segundo trimestre de 2010 é bem caracterizado por um agravamento brutal da crise assinalado pelo fim da ilusão da retomada que foi alimentada pelos dirigentes ocidentais e pelos milhões de milhões engolidos pelos bancos e planos económicos de "estímulo" sem eficácia duradoura. Os próximos meses vão revelar uma realidade simples mas particularmente dolorosa: a economia ocidental e, em particular, a dos Estados Unidos , nunca saiu verdadeiramente da recessão . Os sobressaltos estatísticos registados desde o Verão de 2009 não foram senão as consequências passageiras de uma injecção maciça de liquidez num sistema tornado fundamentalmente insolvente, tal como o consumidor americano . No cerne da crise sistémica global desde a sua origem, os Estados Unidos vão portanto demonstrar nos próximos meses que estão novamente em vias de arrastar as economias e as finanças mundiais para o "coração das trevas" pois não chegaram a sair desta "Muito Grande Depressão estado-unidense" . Assim, no momento da saída dos sobressaltos políticos das eleições americanas de Novembro próximo, sobre o pano de fundo de taxas de crescimento tornadas negativas, o mundo vai ter de enfrentar a "Muito Grande Avaria" do sistema económico e financeiro mundial fundado há mais de 60 anos sobre a necessidade absoluta de a economia americana jamais se encontrar em recessão duradoura. Ora, o primeiro semestre de 2011 vai impor à economia americana uma cura de austeridade sem precedentes, mergulhando o planeta num novo caos financeiro, monetário, económico e social . Os próximos trimestre vão ser particularmente perigosos para o sistema económico e financeiro mundial. O patrão do Fed, Ben Bernanke, fez igualmente passar a mensagem tão diplomaticamente quanto possível aquando da recente reunião dos banqueiros centrais mundiais em Jackson Hole, no Wyoming: Apesar de a política de relançamento da economia americana ter fracassado, que seja o resto do mundo a continuar a financiar em perda os défices estado-unidenses e espera que num dado momento esta aposta venha a ser compensadora pois terá evitado um afundamento do sistema global, ou seja, os Estados Unidos vão monetizar a sua dívida e transformar em moeda de macacos o conjunto dos dólares e Títulos do Tesouro dos EUA possuídos pelo resto do planeta. Tal como toda potência acuada, os Estados Unidos doravante são obrigados a juntar a ameaça à pressão para poderem obter o que querem. Há apenas pouco mais de um ano, os dirigentes e responsáveis financeiros do resto do mundo dispuseram-se voluntariamente a "recolocar a flutuar o navio USA". Hoje contudo as coisas mudaram muito pois a bela garantia de Washington (tanto a do Fed como a da administração Obama) verificou-se não ser senão pura arrogância fundamentada sobre a pretensão de ter compreendido a natureza da crise e a ilusão de possuir os meios de dominá-la. Ora, o crescimento americano evapora-se trimestre após trimestre e tornar-se-á negativo a partir do fim de 2010, o desemprego não pára de crescer a estabilidade dos números oficiais e a saída em seis meses de mais de dois milhões de americanos do mercado do emprego (para o LEAP/E2020, o número real do desemprego doravante é de pelo menos 20%) , o mercado imobiliário americano continua deprimido a níveis historicamente baixos e vai retomar a sua queda a partir do 4º trimestre de 2010; enfim, como se pode facilmente imaginar nestas condições, o consumidor estado-unidense permanece e permanecerá ausente por longo tempo uma vez que a sua insolvência perdura e mesmo se agrava pois um americano em cada cinco não tem trabalho. Em primeiro lugar, há uma realidade popular muito sombria, uma verdadeira viagem "ao coração das trevas", que é a de dezenas de milhões de americanos (cerca de 60 milhões dependem agora de selos de alimentação) que doravante não têm mais emprego, nem casa, nem poupanças e que se perguntam como vão sobreviver nos próximos anos . Jovens , reformados, negros, operários, empregados administrativos , ... eles constituem esta massa de cidadãos em cólera que em Novembro próximo se vai exprimir brutalmente e mergulhar Washington num impasse político trágico. Apoiantes do movimento "Tea-Party" , novos secessionistas , ... eles querem "partir a máquina washingtoniana" (e por extensão a da Wall Street) sem entretanto ter propostas realizáveis para resolver a multidão de problemas do país . Assim, as eleições de Novembro de 2010 vão ser a primeira ocasião para esta "América que sofre" exprimir-se sobre a crise e suas consequências. E, recuperados ou não pelos republicanos ou pelos extremos, estes votos vão contribuir para paralisar ainda mais a administração Obama e o Congresso (que provavelmente oscilará para o lado republicano), não fazendo senão afundar o país num imobilismo trágico no momento em que todos os indicadores passam novamente para o vermelho. Esta expressão da cólera popular vai igualmente entrar em choque a partir de Dezembro com a publicação do relatório da comissão sobre o défice estabelecido pelo presidente Obama, que automaticamente vai colocar a questão dos défices no cerne do debate público do princípio de 2011 .


A título de exemplo, já se pode ver uma expressão bem particular desta cólera popular contra a Wall Street no facto de que os americanos desertaram da bolsa . A cada mês, são sempre mais os "pequenos accionistas" que deixam a Wall Street e os mercados financeiros deixando hoje mais de 70% das transacções nas mãos das grandes instituições e outros "high frequency traders" . Se se recorda a imagem tradicional de que a bolsa seria o tempo moderno do capitalismo, assiste-se então a um fenómeno de perda de fé que poderia ser comparável ao desgosto com grandes manifestações populares que o sistema comunista experimentou antes da sua queda.»

15 Setembro 2010
 (in http:// resistir.info/.)
(cortes e adaptações da minha responsabilidade - N.P.)

Viagem à Polónia

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Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

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Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.