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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Os Materialismos (Breve história)


Os materialismos do século XIX




Desde logo nos inícios do século os materialismos manifestaram-se em pensadores maiores e menores, suportando os ataques poderosos da influente filosofia alemã idealista (Kant, Fichte, Schelling) e romântica. Poderosos pois que a Filosofia Alemã dominou claramente na primeira metade do século e não largava um instante os calcanhares dos materialismos: Em certos casos não era assim tão difícil roer nos materialismos na medida em que as limitações destes eram evidentes (referimo-nos aos materialismos do século anterior). Havia, pois, que renovar as teses materialistas. As fontes de inspiração vieram de dentro e de fora. De dentro da filosofia a contribuição do empirismo francês e britânico foi flagrante, e veja-se o caso de L. Feuerbach (1804-1872), que constrói uma filosofia sensualista e sentimental extraordinariamente cativante ainda hoje («o homem é aquilo que come», «os que habitam uma choupana pensam de modo diferente daqueles que habitam um palácio»), tanto pela valorização do corpo, dos sentidos e dos sentimentos, como pela crítica da religião que desbravou decisivamente as vias modernas da compreensão desse fenómeno. Em França assistimos à emergência do chamado grupo dos «ideólogos» (investigavam a origem e natureza das ideias), discípulos de Condillac (século XVIII), Destutt de Tracy (1754-1836), Cabanis (1757-1808) e outros, cujas obras foram, e podem ainda ser, interpretadas no sentido materialista, em boa parte, por causa da defesa dos sentidos e do papel fundamental do cérebro, mais consistente do que o haviam feito os naturalistas do século anterior (Helvétius, d´Holbach, Condillac). Quer muitos sorriam ontem e hoje com o exagero da fórmula famosa de Cabanis: «o cérebro segrega o pensamento, como o fígado segrega a bílis», o facto é que a filosofia ia buscar sustento nas novas ciências e mantinha assim a aliança com a ciência que sempre fez do materialismo um adversário dos idealismos que separavam o pensamento relativamente ao físico. Certamente que as filosofias idealistas não ignoram as ciências, e sabemos isso desde Platão, o pai de todos os idealismos, contudo tendem a introduzir na matéria (Natureza) um qualquer princípio espiritual ou antropomórfico (é o caso da filosofia de Arturo Schopenhauer que coloca como fundamento e motor dos comportamentos vitais o Princípio da Vontade). Todavia, não é menos certo que as novas descobertas científicas reabrem os combates do materialismo contra o idealismo: as ciências da natureza, a biologia, a antropologia natural, que vão preparando o terreno para que nele brotasse em esplendor a obra revolucionária de Charles Darwin (tornou-se extremamente difícil, depois disso, defender-se, agora sem uma sorriso, teses «criacionistas»). A astronomia, a física da termodinâmica e do electromagnetismo que operou outra revolução, desta feita na Física (e, seguidamente, na Técnica). A arqueologia, a medicina, a química.

Os materialismos do século XIX que citámos, quase a totalidade a bem dizer, conservam orientações ora «contemplativas», como em Feuerbach, quer «biologistas», como em Cabanis, sendo que o «cientismo» e o «positivismo» (e de algum modo o empirismo) são forte e crescentemente notórios. Limitação de monta, a nosso ver. Além disto, as suas preocupações aparecem normalmente desligadas de engajamentos políticos. Entretanto, porém, a vida move-se, as mudanças económicas, sociais, políticas, marcam indelevelmente este século da Revolução Industrial, das revoluções liberais e da Comuna de Paris. Se alguns pensadores académicos e filósofos mais ou menos materialistas (raramente consequentes) não são sequer adeptos de ideais progressistas – Gobineau, por exemplo, na década de 50, defende abertamente o racismo- uma nova filosofia intervencionista e comprometida expande-se entre camadas sociais que, antes, não se mostravam conscientes da necessidade de uma filosofia e, menos ainda, de uma filosofia que fosse a deles. É verdade que já Diderot, no século anterior, desejava e apelava a uma filosofia do «homem comum», mas percebe-se que esse «homem» genérico era a Burguesia. O que se passa agora é de uma profunda novidade: as classes trabalhadoras entram no palco da história. Sectores, mais ou menos radicalizados, das pequenas burguesias tomam o papel de vanguardas nas lutas liberais e republicanas, amplos sectores convertem-se rapidamente aos ideais socialistas, um proletariado aguerrido e organizado faz a sua aparição e como que exige uma doutrina que brote do próprio movimento. As discussões teóricas mobilizam seitas de utópicos, tipógrafos, tecelões, mineiros, nos clubes mais ou menos secretos, nos sindicatos; a imprensa desempenhava cada vez mais um papel crucial; as agremiações cooperativas, cuja importância foi fundamental, dispunham dos seus periódicos independentes e dos seus próprios doutrinadores e prosélitos. Neste alfobre, que jamais existira, proliferam os programas, as utopias, os manifestos revolucionários, os apelos à revolução.

Se L. Feuerbach já declarava a sua filosofia como sendo «do Futuro», uma inversão do hegelianismo em direcção ao mundo terreno do indivíduo concreto, é com Karl Marx (1818-1883)e F. Engels (1820-1895) que toda a filosofia, toda ela sem excepção, chega ao seu termo. É como se ela alcançasse a sua plena maturidade e, logo a seguir, a sua erosão e decadência. Ao ponto de alguns concluírem que Marx não foi filósofo, isto é, por outras palavras, abandonasse a filosofia a partir de determinada altura. Na realidade, o que produziu Marx foi de facto uma ruptura com a filosofia tradicional, e esta ruptura deve-se a uma mudança radical do materialismo.

1 comentário:

Meg disse...

Zé,

Só falta uma poltrona... para me instalar, ler e meditar sobre os teus belos posts, ao som de Albinoni.

Um abraço

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Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.