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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Na Hora Da Nossa Morte (novela, cont.)

DIÁRIO DE MARTA – 14

Carpe diem. A convite da Carla, para festejar o aniversário dela, encontrei-me com ela e com uma dúzia de desconhecidos. Jantámos no Parque das Nações, no Rei da Cerveja, creio ser este o nome do restaurante, saíamos de lá já bem bebidos. Já a manhã nascia quando saímos de uma discoteca famosa nas Docas. Não me apercebi de qual dos amigos dela era o seu namorado, se calhar porque eu não parava de beber. Um deles, um rapaz de cabelos negros e barba curta caiu-me no goto. Fez-se a mim com um atrevimento que me seduziu. No dia seguinte, quando os vapores do álcool já se tinham evaporado da minha cabeça, fiquei a pensar nele, mas apercebi-me então que ele largava a Carla para se chegar a mim, largava-me para se chegar à Carla. Enfim, a confusão dos corpos era demasiada para se distinguir fosse o que fosse. Ainda por cima ainda lá estávamos quando soubemos que lá fora andavam indivíduos aos tiros uns aos outros. No regresso a casa deparei-me com carros incendiados e polícias a rodos. Dois dias passaram. O rapaz prometeu telefonar-me. Sinto-me infantil com esta ansiedade pueril. Será que me telefona?






DIÁRIO DO PROFESSOR RAMOS – 4


Ando ansioso por um telefonema da Marta, os nossos encontros têm sido uma aragem de ar fresco, é encantadora, aquela tristeza cuja causa ela oculta atrai-me, os seus olhos castanhos quentes e doces onde por vezes ainda faísca a rebeldia que a tornava tão singular nos tempos de estudante liceal, aqueles tiques que denunciavam a sua natureza insubmissa, conserva uns lábios carnudos que deveriam ter sido uma delícia para o Carlos de então, não sei a razão porque se separaram, afinal ela tinha tudo para agradar, ele era mais pragmático, distanciava-se dos choques entre pessoas e ideias, uma outra forma de inteligência, menos sonhadora, mais realista. Marta é agora uma mulher madura que nada parece fazer para se tornar sedutora, menos ainda sexi como agora se diz, e, contudo, a mim pelo menos, talvez a outro género de homens não, da idade dela ou mais novos, a mim, contudo, atrai-me. A minha idade abalou-me o atrevimento, a autoconfiança, mesmo assim vou arranjar à vontade para lhe telefonar mais vezes, não estar à espera que ela o faça, afinal sou o homem, tenho de ser eu a tomar a iniciativa, nisso as coisas ainda não mudaram muito por estas terras.


DIÁRIO DE CARLOS – 16


O Vasconcelos anda muito satisfeito comigo. O negócio da ponte correu bem para o escritório. «Agora é não parar ó Carlos!», disse-me ele com um sorriso de orelha a orelha. Até parece que se esqueceu que estamos numa crise sem fim à vista. O país à deriva e um mercado que anda encolhido e temeroso.


Uma, duas vezes, por semana, visito as obras da ponte, apesar de confiar no engenheiro que é tipo fixe e competente. Gosto de ver as coisas a andarem e ele próprio escuta bem os meus conselhos.


Trabalho duramente, acho que nunca me dediquei tanto como agora. Ando motivado. Cheio de ideias para novos projectos. Trago na cabeça um que me apaixona: o edifício para um Centro de Cultura, o Vasconcelos não me desanimou, «Ó homem, vamos em frente, em frente é que é caminho!». Uma Câmara Municipal propôs-me. O Vasconcelos foi logo lá ao sítio meter uma cunha, contra a minha vontade, mas ele é assim. Vou fazendo esboços. Não quero ver nada de outros para não copiar, copiamos até inconscientemente. Um Centro onde qualquer miúdo possa aprender qualquer que seja a arte: música, dança, teatro, artes plásticas. A Câmara pretendia inicialmente uma finalidade exclusiva: música, criar uma filarmónica juvenil e, claro está, de amadores. Uma boa ideia, porém contrapus que o edifício poderia albergar outras finalidades. Estão a discutir o orçamento. E eu vou sonhando. Tornei-me um sonhador.


À noite contracto prostitutas de luxo, pela internet. Para descarregar o stress. Amantes que me deram cabo da cabeça já tive o suficiente. Estas servem muito bem para as necessidades, sem os custos adicionais de uma amante.

1 comentário:

Meg disse...

Zé,

Continuo a seguir a novela com todo o interesse.
Gosto e pronto!

Um abraço

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Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

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Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.