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sábado, 6 de março de 2010

NA HORA DA NOSSA MORTE (Novela, cont.)



DIÁRIO DE MARTA -18


Há tanto tempo que não passeava! Não o fazia antes da morte da Gisela, por falta de tempo, de oportunidade, o serviço no hospital e a educação da minha filha ocupavam-me sem folgas, dizendo melhor: folguedos; não o fiz depois da sua morte, este ano e meio que já passou. Faço-o agora, com o Nuno, ele gosta de passear e eu necessito de me distrair das dores que trato no hospital e da dor que me persegue, agora mais calada e contida. O Nuno é jovem, o que quer é borga, boémia, eu sei e aceito, alinho e gosto. Conversas ligeiras e fúteis que me instalam no presente. Deambular nos Centros Comerciais que antes detestava e que hoje me fazem sentir comum, quero ser comum e vulgar e anónima. Olhar para as montras, entrar nas lojas, imagine-se! Precisamente o que não fazia parte do meu universo…Compro roupas para mim e para ele, ofereço-lhas, visto-o, sem reservas. Eu sei. Pressinto que esta relação é a prazo, um dia destes vai terminar e da pior maneira, mas construo uma cúpula de vidro à minha volta, protectora, transparente, uma doce e suave ilusão. Passeamos, comemos aqui e acolá onde nos apetece, pernoitamos em hotéis e pensões, desde a costa vicentina à Estremadura. Esta semana percorremos São Martinho do Porto, de que tanto gosto, fotografamo-nos defronte da bonita baía, dos barquitos em repouso, hospedámo-nos numa pensão acolhedora, fizemos amor entre brejeirices e fantasias. Em Torres Vedras subimos ao Varatojo, mostrei-lhe o convento de Santo António, que data de 1470,aì soube que nele se recolheram D.João II e D. Leonor, depois da morte do filho, com toda a certeza para sofrerem e fazerem o luto, como os compreendo! Eu que ainda não encerrei o luto pela Gisela…Subimos a seguir a outra colina ao Forte de S. Vicente, e imaginámos (talvez somente eu tenha imaginado, que sabe o Nuno disso?) a batalha fratricida e sangrenta entre os cabralistas e os setembristas em 1846. Descemos, cruzámos a estrada nacional, seguimos por estradas municipais e visitámos os vestígios do castro do Zambujal, do período calcolítico, mais de quatro mil anos nos contemplam aquelas pedras robustas que guardavam a vida quotidiana de uma povoação de artesãos primitivos. Tomámos depois a estrada para Santa Cruz, o oceano, as praias tão arenosas e tão brancas, descalçámo-nos a rir como petizes e atravessámos o arco do penedo do Guincho, as gaivotas em voo rasante aos gritos na sua faina interminável. Que belas são estas praias! Como é agradável calcorreá-las com os pés nus, sentir a viscosidade das algas verdes e espumosas! Regressámos pelas Termas do Vimeiro, percorrendo vagarosamente a estrada que bordeja o rio Alcabrichel.

Uma única mancha nestes passeios, nestas festas de amor: os constantes sms que o Nuno recebe e não comenta comigo, os telefonemas que ele não atende, que finge não ouvir. Pergunto-lhe e ele responde com palavras evasivas, é a minha mãe que não me larga! Diz ele, porém não acredito. Esse algo escondido da vida dele ensombra as horas em que estamos juntos, ensombra as noites em que não estamos juntos. Quem será? O ciúme é um veneno que se toma se quisermos, na dose que a paixão exigir. Felizes dos que não têm ciúmes.

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