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domingo, 11 de abril de 2010

Fábulas

«O álcool cria no homem um heroísmo muito superior à ideologia e à paixão; não sem razão é chamado de espírito» - G.P. Bona (escritor italiano, n. 1926


A Câmara Municipal de Torres Vedras decidiu em hora de iluminação comprar e trazer para a cidade um colossal garrafão. Tem o meu acordo. Não mo pediu, mas expresso-o com muito gosto. Se a escolha das obras de arte e sua exposição nos espaços públicos fossem «matéria de discussão» (conforme diriam os comentadores das televisões no seu linguajar comedido e prudente) o poder caía na rua, onde o caos do trânsito o estrafegava mais depressa que o diabo esfrega um olho. A democracia deixava de ser o poder representado, para ser a representação do poder, o que é bem diferente, não sei se me faço explicar.


Um garrafão é sempre uma obra de arte. Quer seja pelas mãos de uma artista inovadora, quer saia das mãos rudes de um artesão. É certo que o dito não é de vidro, mas permanece a forma. Com ela imagina-se a policromia do vidro penetrado pelos raios do sol, ou repleto pelo oiro ou pelo rubi de um vinho de apuradíssimas castas.


A autora pretendeu objectivar na obra os malefícios do alcoolismo. Não conseguiu fazer passar tal mensagem à Câmara Municipal e ainda bem. O que vamos admirar, pelo contrário, são os benefícios do belo e doce tintol. Instalado no esplendoroso espaço defronte do novo Mercado Municipal, estará no sítio adequado. Estimulados pelo monumento, abstraídos dos materiais com que propositadamente é feito para tirar a sede ao bebedor, iremos assaltar freneticamente os bares e adegas do Mercado. Como bem sabe a Câmara, a pulsão consumista reage impulsivamente ao espectáculo, à imagem esvaziada do seu conteúdo. O que se dá a ver é a verdade, a superfície – a luz, a cor- não possui profundidade real, é uma ilusão de óptica.


A obra de arte acrescenta valor ao novo Mercado. O edifício ombreia sem vergonha com os mais magníficos edifícios nacionais e estrangeiros. Nem Sisa Vieira, nem outro mestre vivo da mesma categoria, conseguiria fazer melhor. Nem outro mestre morto, Miguel Ângelo incluído. O arquitecto deve ter bebido uns copos para se inspirar.


Por todas estas razões, ditadas pelo mais puro serviço cívico, proponho à Câmara Municipal o seguinte:


1. Que a inauguração dos dois monumentos (Garrafão e Mercado) seja em simultâneo, convidando-se para o efeito o engenheiro Sócrates, o especialista, como se sabe, em projectos de imóveis de altíssimo gabarito (e, sobretudo, gratuitos). Deve-se acompanhar pelo senhor gestor António Mexia, com o medíocre ordenado que recebe deve andar sequioso.


2. Se for possível solicitava-se a colaboração de um submarino (desses que nos custaram umas contrapartidas de que já ninguém se lembrava), acostado em Porto Novo, para elevar o significado patriótico da coisa.


3. Que nesse dia de festa popular se distribuam gratuitamente garrafões com bom vinho da região, porque o néctar alegra as almas e torna-nos tolerantes para os pecados próprios e alheios. É que se nos acaba a tolerância entorna-se o copo…

1 comentário:

Manuel Veiga disse...

de gargalhada...

vivó tintol...hup... hup...

abraços

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