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domingo, 30 de setembro de 2012

Nogueira (José Félix Henriques).
 
n. 15 de Janeiro de 1825.
f.   23 de Janeiro de 1853.

 
Jornalista e escritor.
N. em Dois Portos a 15 de Janeiro de 1825, fal. em Lisboa em 23 de Janeiro de 1853. Era filho de Félix Henriques Nogueira e de D. Maria do Espírito Santo Henriques Nogueira. 
Possuidor de meios de fortuna que bastavam para lho assegurar uma existência independente, entregou-se com fervor ao estudo, e todo se dedicou à defesa das ideias, que no seu espírito acendera a revolução francesa de 1878, e que nunca renegou. A França sempre exerceu uma grande influência no espírito português, como em geral no espírito europeu. Em 1878 foram todos em Portugal mais ou menos republicanos, e até um pouco socialistas. Depois esses republicanos e esses socialistas foram tranquilamente deputados históricos e deputados regeneradores. José Félix Henriques Nogueira ficou sempre fiel a esses princípios. 
Aspirou à fundação da república em Portugal e em Espanha, e desejou ardente e sinceramente a organização da república federal ibérica. Trabalhou pela causa da associação, e aconselhou vivamente a fundação dum centro eleitoral operário. Nas eleições de 1851 apresentou a sua candidatura de deputado pelo círculo de Alenquer, e tinha a sua eleição bem figurada. Nessa ocasião lançou-se ardentemente na luta, publicando no Eco dos operários, de 11 de Outubro de 1851 uma Carta ao centro eleitoral operário, e a 22 desse mês e ano escreveu e publicou em folheto separado uma Carta programa aos membros do colégio eleitoral de Alenquer, e a 5 de Novembro seguinte na Revolução de Setembro um artigo intitulado Interesses agrícolas em que expunha as suas ideias sobre o futuro e o desenvolvimento da agricultura portuguesa, que ele sobretudo se propunha defender na câmara. Vencido, contudo, em segunda votação, protestou energicamente num artigo intitulado Ao país, exposição sobre a eleição de Alenquer, que saiu na Revolução de Setembro de 27 de Novembro do referido ano de 1851. Ficando fora do parlamento, Henriques Nogueira consagrou-se ao acabamento da publicação dum dos seus livros mais notáveis, Estudos sobre a Reforma em Portugal, obra em 2 volumes, que foi muito bem recebida no público, e a seu respeito escreveu António Feliciano de Castilho um artigo extremamente laudatório intitulado Boa Nova, que veio publicado no Almanaque democrático para 1852. Foi fundador deste almanaque Henriques Nogueira, o qual saiu quatro anos seguidos, de 1852 a 1855. Teve colaboradores, mas era ele o seu principal redactor. Ali escreveu artigos acerca de Ledru-Rollin, Mazzini, Kossuth, Raspail, Roberto Blum, Ricardo Cobden, Victor Hugo, Guilherme Pope, David d'Angers e Daniel Manin. Estudou ali também as questões do futuro da Península, da Ibéria, da As­sociação local, da organização o municipal e da administração central. Um dos seus maiores pen­samentos era o da federação ibérica. O ilustre democrata sonhava a fragmentação da Espanha em pequenas repúblicas, e a entrada depois de Portugal nessa federação devaneada por ele. 
Diz um dos seus biógrafos: "O entusiasta sonhador não via que preparava assim o caminho para a Ibéria sempre odiada, e justamente odiada pelos portugueses, que nestes povos latinos de tradições centralistas a república federal é apenas a transição para o cesarismo. Aceitar, mesmo nessas condições, a ligação com a Espanha é trair a causa da pátria. A separação de séculos, as barreiras invencíveis que se tem levantado entre os dois países peninsulares, faria sempre com que Portugal ficasse isolado no meio dessa confederação de repúblicas de interesses e de simpatias muito diferentes das nossas. Na federação democrática, da mesma forma que na monarquia seriamos sempre nós as vítimas. Pois no tempo dos Filipes não era também a nossa união com a Espanha até certo ponto federal? Não conservávamos a nossa autonomia administrativa, os nossos foros e privilégios? Não éramos, não fomos sempre governados, como se estipulara nas cortes de Tomar, ou por príncipes da casa real ou por vice-reis portugueses? E contudo, esses sessenta anos foram, e foram justamente, considerados na história sessenta anos de cativeiro." 
Em 1851, contudo, a Ibéria, debaixo desta nova forma, chegou a ter partidários dedicados. Foi o tempo em que se fundou a Revista Peninsular, onde Henriques Nogueira colaborou, em que Latino Coelho escreveu o prólogo do livro de D. Sinibaldo de Mas. O sentimento público, porém, revoltou-se contra estas tendências, e esses sonhos democráticos ibéricos desfizeram-se completamente. Em 1852 Henriques Nogueira tornou a apresentar a sua candidatura para deputado, desta vez pelo círculo de Torres Vedras. A 22 de Novembro desse ano publicou um folheto, ou alocução programa intitulada Aos eleitores do círculo de Torres Vedras. Novamente ficou vencido, e então muito desanimado, resolveu ir viajar, e em 1853 percorreu a Espanha, Franca, Bélgica, Alemanha é a Inglaterra. Começou a publicar as Recordações da sua viagem no 1.° vol. do Arquivo Pitoresco (1858), chegando ao capitulo X, ficando a maior parte inédita, porque a morte do autor veio interromper a publicação. 
Voltando da sua viagem, fundou em 1854 o jornal Progresso, em que largamente escreveu como redactor principal. O jornal era político, mas Henriques Nogueira dedicou mais a sua atenção às questões económicas do país, e substituiu o Almanaque democrático, que então publicava, por outro com o titulo de Almanaque do cultivador, que principiou em 1858, saindo o 2.° e ultimo em 1858. Nesses almanaques publicou Henriques Nogueira apreciáveis artigos, entre os quais se contam as Sinopses histórico agrícola e bibliográfico agrícola de Portugal, Interesses agrícolas e os Bancos Municipais, Uma visita a Tiptree-Hall e Dois dias em Grignon. Trabalhador incansável e sempre dedicado à defesa das ideias que sustentava, Henriques Nogueira andava reunindo elementos vastíssimos para uma obra que ia empreender, intitulada Ibéria histórica, que devia ser a história dos vestígios e memórias que nos restam em factos e escritos acerca da ideia da união de Portugal com a Espanha, debaixo do princípio político ou económico. Ao mesmo tempo escrevia o Catecismo democrático, que deixou manuscrito. 
Lidava nesta azafama sinceramente, no meio das simpatias e da estima de todos, mesmo dos adversários intransigentes das suas ideias, quando faleceu repentinamente, na idade de 33 anos, causando a sua morte a mais dolorosa surpresa, não só aos seus amigos, mas a toda a Lisboa. A imprensa da capital mostrou o mais vivo sentimento por tão inesperada morte, e um ano depois prestou-se à sua memória uma imponente homenagem. Sua mãe e seu tio mandaram construir no cemitério dos Prazeres, defronte do jazigo de Silvestre Pinheiro Ferreira, um túmulo para onde fossem trasladados os restos mortais do ilustre jornalista, realizando-se a trasladação no dia 21 de Janeiro de 1859. Muitos amigos do finado encarregaram o escultor Manuel Maria Bordalo Pinheiro de fazer um busto do finado, que foi posto no túmulo, onde se gravou a seguinte dedicatória:
 
A José Félix Henriques Nogueira, que tanto amou a pátria e em mais de oito anos de estudos políticos não visou nas suas viagens e multiplicados escritos senão a faze-la prosperar; por benigno consentimento de sua mãe, tomando parte neste testemunho de saudade, lhe consagram o busto que adorna este túmulo, alguns dos seus amigos, colaboradores e correligionários. Apóstolo fervoroso da liberdade, igualdade e fraternidade, foi estrénuo defensor da doutrina democrática e da ideia da federação política das Espanhas. O futuro julgará suas opiniões e as de muitos que lhe sobrevivem.
 
Por ocasião da sua morte, publicaram sentidos artigos os seguintes jornais Opinião, de Janeiro de 1858; Revolução de Setembro, no dia 26; Correio da Europa, no dia 31, etc. Da trasladação também publicaram artigos, nos respectivos dias, A Opinião, Revolução de Setembro, Futuro, Jornal do Comércio e Português. Também publicaram artigos biográficos: A Revista Peninsular, vol. II, pág. 381 a 384; Ilustração Luso-Brasileira, vol. II, págs. 30 e 31. Henriques Nogueira deixou trabalhos literários e políticos no Panorama, Eco dos Operários, Jornal da Associação Industrial Portuense, Revista Peninsular, Scalabitano, etc. 
Além dos livros já citados, escreveu: O Município no século XIX, Lisboa, 1856; a maior parte desta obra tinha saído no jornal Progresso, de 1855, e dela falara elogiosamente a Ibéria, jornal político de Madrid; a 24 de Março de 1856; Ericeira, no vol. III da 2.ª série do Panorama, pág. 335, com uma gravura; Revista histórico política de Portugal, por J. A. dos Santos e Silva, crítica literária na Revolução de Setembro, 12 de Agosto 1852; Necessidade da instrução primária, e vantagens do método Castilho, dito de leitura repentina; no Jornal da Associação Industrial Portuense, de 15 de Dezembro de 1852; Método Castilho, para o ensino rápido e aprazível do ler impresso, manuscrito e numeração, e do escrever, crítica literária na Revolução de Setembro, de 6 de Julho de 1853; Os novos franciscanos, esboceto político, publicado no Scalabitano de 23 de Abril de 1857; Instrução primária, fragmento no mesmo jornal de 21 de Junho do mesmo ano. 
Muitos anos depois, em 1880, prestou-se uma levantada homenagem à memória de Henriques Nogueira; uma associação democrática e de instrução, fundada nesse ano, tornava o nome de Club Henriques Nogueira. O célebre jornal de caricaturas o António Maria, esquecendo-se por um momento da sua índole galhofeira, recordou com respeito a memoria do ilustre escritor, e como se o nome de Bordalo Pinheiro tivesse de andar associado sempre a estas homenagens, assim como foi o seu pai, Manuel Maria Bordalo Pinheiro, que cinzelou o busto que se colocou sobre o túmulo, foi o filho Rafael Bordalo Pinheiro quem desenhou numa das páginas do António Maria esse mesmo busto, fazendo-lhe quase uma apoteose. Lê-se no Dicionário Popular, dirigido por Pinheiro Chagas, vol. VIII, pág. 439: “Bem sabemos que foi principalmente o espírito partidário que presidiu a esta homenagem, mas se o partido republicano vê apenas em Henriques Nogueira um dos precursores do movimento republicano federal do nosso país, a pátria, esquecendo o que podiam ter de ofensivo para o sentimento nacional algumas das suas ideias, vem nesse homem o apóstolo dedicado da instrução popular, do princípio da associação, o campeão dos interesses agrícolas do país e do desenvolvimento da vida municipal.”
 
Transcrito por Manuel Amaral
 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico, Volume V, págs. 82-83. Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2010 Manuel Amaral

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