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sábado, 10 de novembro de 2012

Documentos para estudar a história ( O editor não se obriga a concordar)


Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
Tradução do alemão por PG, revisão e edição por CN, 16.10.2012
_____________________________
Porque se desmoronou a RDA?1
Kurt Gossweiler
1993
No dia 7 de Outubro deste ano a RDA teria feito 44 anos.
No dia 3 de Outubro deste ano [1993], os actuais vencedores da História
festejaram o 3.º aniversário da vitoriosa anexação da RDA, chamada «adesão».
Por esta razão houve, nos media, comentários dos vencedores e dos vencidos
sobre a queda da RDA.
Porém, os comentários que mais me irritaram não foram os dos triunfantes
vencedores, mas sim os de membros do meu partido, o PDS, como o seguinte:
Reiner Oschmann: «O socialismo ferrugento, apoiado por nós, nem era
defensável, nem valia a pena ser defendido.»2
Para me recompor deste género de declarações de concordância com a derrota,
desenterrei um velho artigo escrito por Clodomiro Almeyda, presidente do Partido
Socialista do Chile, que procurou e encontrou asilo na RDA, fugindo ao fascismo de
Pinochet, sobre o dia da introdução do DM,3 em 2 de Julho de 1990, na então ainda
formalmente existente RDA:
«Na noite de 1 para 2 de Julho morreu de facto a República Democrática
Alemã. (…) Para nós, chilenos, que vivemos muitos anos na RDA, onde fomos
recebidos com hospitalidade generosa e solidária, desapareceu nesta noite a nossa
segunda Pátria, foi-nos retirado algo que amávamos e que já fazia parte de nós.
Desapareceu uma sociedade que – não obstante as suas deformações, deficiências
e fraquezas, que conhecíamos e lamentávamos – na sua essência era uma
sociedade democrática e que aspirava à igualdade.»4
Definido o tema – Porque se desmoronou a RDA? –, quero colocar a questão
desde o início: Estará o fim da RDA, na verdade, correctamente caracterizado com o
termo «colapso»?
Hanfried Müller, teólogo marxista cultíssimo e editor da revista Weißenseer
Blätter, conhecida muito para além de Berlim-Brandeburgo e talvez até famosa,
publicou aí há algum tempo um artigo intitulado: «Colapso, contra-revolução ou
1 Contribuição, até agora não publicada, para a homenagem ao 65.º aniversário de Dieter
Frielinghaus, em 14 de Novembro de 1993. [In: K. Gossweiler, Contra o Revisionismo,
Verlag zur Förderung der wissenschaftlichen Weltanschauung, Munique. 2.ª ed., 2004, pp.
387-398. (N.T.)]
2 Neues Deustchland, Editorial, 7.10.1993.
3 Deutsche Mark, moeda da RFA. (N.T.)
4 UZ, jornal do DKP (Partido Comunista Alemão), Essen, 28.9.1990.
2
ambos?», o qual foi também publicado no Neues Deutschland, numa versão
reduzida.5
Aí diz: «A palavra “colapso” desperta, em primeiro lugar, o pensamento para
razões internas: o colapso de um inválido ou a implosão de um edifício caindo
sobre si próprio. Se alguém for assassinado, não se fala de um “colapso”.
Diferentemente da palavra “colapso”, a palavra “contra-revolução” contém a
ideia de luta e inimigo, sim, de luta de classes e inimigo de classe (…)
Se alguém é derrotado numa contra-revolução, não encontra justamente a
própria culpa no facto de ter exercido o poder, mas sim em o ter perdido.»
E H.M. responde assim à sua pergunta do título: «Trata-se manifestamente de
ambos: o socialismo sucumbiu numa contra-revolução.»
Considero esta resposta correcta, apesar de provocar, talvez, protestos e levantar
a questão: Onde estava então a contra-revolução?
Mas se queremos manter a interrogação, então temos de perguntar: Porque não
resistiu a RDA à contra-revolução?
Contudo, na minha opinião, esta especificação ainda não é suficiente.
Afinal a RDA, desde o primeiro dia da sua existência, esteve sempre sob o fogo
do inimigo de classe imperialista, esteve sempre exposta às investidas da contrarevolução
e, na verdade, muito mais fortes e claras do que em 1989 – sem
sucumbir.
É preciso então perguntar ainda com maior precisão: Porque não continuou a
resistir à contra-revolução, depois de 40 anos de luta de defesa bem sucedida?
Os ataques da contra-revolução tornaram-se muito mais fortes – ou a força
interna de resistência afrouxou demasiadamente? Ou aconteceram ambas as
coisas?
Neste ponto, alguém atento poderia objectar: mas sem a protecção da União
Soviética e do seu exército, a RDA nunca podia ter resistido à pressão económica e
militar da superior RFA.
Isto é naturalmente correcto. Mais ainda, é não só válido para a RDA como para
todos os Estados europeus socialistas do CAME.6 A objecção aponta para o facto
muito importante e decisivo de que é impossível analisar o desenvolvimento de
cada país socialista só pelo seu desenvolvimento interno, pelas suas próprias
relações económicas e políticas.
Não foi só a RDA que se desmoronou, foi também a Polónia socialista, a
Hungria socialista, a Checoslováquia socialista, etc. e principalmente a União
Soviética socialista, a muralha de defesa de todos estes países.
Com isto deve também ser claro que a pergunta – Porque sucumbiu a RDA? –
tem de ser alargada para a questão: Porque sucumbiu o socialismo na Europa e na
União Soviética?
Porque venceu a contra-revolução em todos os países socialistas europeus?
O colapso da RDA não é um acontecimento singular, mas sim um aspecto de um
acontecimento colectivo e só pode ser compreendido e explicado enquanto tal.
Vejamos alguns chavões dos anticomunistas de todos os matizes,
nomeadamente: o sistema económico socialista é incapaz de funcionar e
5 Weißenseer Blätter 4/1992; Neues Deutschlan de 26/27.9.1992.
6 Conselho de Assistência Mútua Económica. (N. Ed.)
3
sobreviver porque se baseia na eliminação da regulação através do mercado, e o
sistema político do socialismo, o stalinismo – porque é uma ditadura criminosa,
uma burocracia ossificada – não podia terminar de outra forma sem ser na
catástrofe.
Estes chavões anticomunistas foram assumidos durante muito tempo pelo
movimento comunista como declarações indiscutivelmente correctas, porque
aparentemente eram confirmados pelo colapso do socialismo europeu.
Um breve olhar sobre os destinos do movimento comunista deverá revelar a
insustentabilidade de uma tal opinião primitiva e simplista.
Nós, comunistas da geração mais velha, sabemos por testemunho próprio que o
caminho do movimento comunista se ergueu de profundas derrotas e cruéis
perseguições às alturas das maiores vitórias históricas; os comunistas de todas as
gerações hoje vivas sofreram conjuntamente a experiência dolorosa da queda
profunda da altura da vitória, supostamente já impossível de anular, numa nova
derrota inaudita. A frase de Karl Liebknecht, «Nós comunistas estamos habituados
a ser lançados do cume para as profundezas,7 ganhou uma nova actualidade, em
que custa a acreditar.
A vitória da Revolução de Outubro na Rússia marcou indelevelmente o século
XX. No centro dos acontecimentos históricos deste século esteve, desde 1917, a luta
entre capitalismo e socialismo e esta luta – contrariamente às aparências e à
opinião dos desalentados – não está de forma nenhuma terminada.
A Alemanha pertence aos países em que as irradiações da vitória de Outubro
mais se fizeram sentir. Rosa Luxemburgo exprimiu este facto assim: «Nunca nos
devemos esquecer, quando vêm com as difamações contra os bolcheviques russos,
de lhes responder: onde aprendestes o ABC da vossa revolução de hoje? Fostes
buscá-lo aos russos: aos sovietes de operários e soldados!»8
A ideia do socialismo tinha penetrado tão fortemente nas mentes e nos corações
dos trabalhadores na Alemanha, que, em 1919-20, até a burguesia alemã se muniu
com uma falsificação socialista chamada «Partido Nacional-Socialista dos
Trabalhadores Alemães» (NSDAP), criação de todas as forças anti-socialistas e
contra-revolucionárias alemãs.
A irradiação da atracção da construção do socialismo na União Soviética foi
especialmente forte nos anos da crise económica mundial, que foram
simultaneamente anos do êxito, considerado impossível, do primeiro plano
quinquenal na União Soviética.
Num livro publicado em 1931, com o título O Fim do Capitalismo, de Ferdinand
Fried, um autor burguês, afirma-se que é necessário também na Alemanha passar
da economia não planificada para a planificada já que: «A Rússia [com o plano
quinquenal] passa por uma época de enormes investimentos, enquanto as fábricas
do resto do mundo se degradam por falta de actividade e o trigo tem de servir de
combustível.»9
No jornal social-democrata Vorwärts, de 23 de Outubro de 1932, podia ler-se
sob o título «Objectivo e caminho do socialismo»: «O mais valioso da experiência
russa é a comprovada possibilidade de execução da economia planificada.»
7 Karl Liebknecht, Discursos Escolhidos, Cartas e Artigos, Berlim, 1952, p. 530.
8 Rosa Luxemburgo, Eu fui, Eu sou, Eu serei!, Berlim, 1958, p. 105.
9 Ferdinand Fried, O Fim do Capitalismo, Jena, 1931, p. 260.
4
Dois meses antes, em 28 de Agosto de 1932, um tal J. P. Mayer escrevia no
mesmo jornal: «A longo prazo não há nenhum meio capitalista para dominar a
crise. O movimento socialista entra assim no estádio da realização. O socialismo
torna-se na questão de maior importância do presente, uma ordem actual de
vida.»
A convicção da superioridade do socialismo em construção na União Soviética
perante o capitalismo abalado pela crise era tão forte no movimento organizado do
operariado alemão que até o chefe social-democrata de direita teve de a levar em
conta numa campanha de massas designada «Socialismo é Tarefa do Presente!» –
mas naturalmente não de forma séria.
E então quando, entre 1941 e 1945, a União Soviética e o seu Exército Vermelho
deram provas de ser a força mais poderosa da coligação anti-Hitler, desferindo
perante os olhos de um mundo espantado golpes decisivos sobre o inimigo fascista
da humanidade – e isto depois de pesadas derrotas iniciais – aí, nenhum outro país
ou povo do planeta desfrutava de maior simpatia junto das pessoas simples que o
país e o povo soviéticos. Mesmo Churchill usou o entusiasmo das pessoas pela
União Soviética e os seus dirigentes para aumentar a sua própria popularidade,
chamando Stáline de seu amigo – «my friend Joe».
Facto é que a história mundial não conhece um segundo exemplo de um Estado e
de uma ordem social que tenha suportado tão longamente uma carga permanente e
passado tão duro e inimaginável exame como a União Soviética até à vitória sobre o
fascismo; mas também [não conhece] um segundo exemplo de realização tão
triunfal do mais difícil exame.
Quem nessa época tivesse afirmado que este Estado e esta ordem social não
podiam funcionar nem sobreviver seria olhado exactamente como alguém que
afirmasse em dia luminoso que era noite profunda.
E depois também, durante uma série de décadas, o movimento comunista e os
países socialistas mantiveram-se como uma força que, como nunca, deu um
impulso aos movimentos de emancipação da humanidade; pense-se só no seu papel
decisivo na destruição do vergonhoso sistema colonial ou na vitória do povo
vietnamita sobre a mais forte potência imperialista, os EUA.
E depois – esta decadência aparentemente súbita, este fim inglório!
Esta profunda queda do cume atingido em 1945 até ao poço sem fundo dos
últimos anos levanta questões inexplicáveis, perante as quais, em muitos lugares,
surge um sentimento de impotência.
Mas a recordação de um outro exemplo de um colapso inesperado na história do
movimento operário internacional e alemão, a recordação do colapso da II
Internacional, talvez ajude a chegar mais próximo da solução do enigma.
O Partido Social-Democrata Alemão, partido dirigente da II Internacional, tinhase
batido admiravelmente contra a Lei Anti-Socialista10 de Bismarck e alcançado
uma vitória brilhante sobre o «chanceler de ferro».
10 A Lei Anti-Socialista foi aprovada no Parlamento alemão em 18 de Outubro de 1879,
sob a vigência do chanceler imperial Otto von Bismarck. O diploma, oficialmente designado
Lei Contra o Perigo Público das Tentativas Sociais-Democratas (Gesetz gegen die
gemeingefährlichen Bestrebungen der Sozialdemokratie), proibiu todas as organizações
socialistas e a sua imprensa, o que obrigou os militantes a trabalharem na clandestinidade.
Na legalidade apenas se manteve a representação parlamentar social-democrata. Todavia, a
5
Logo em 1912, no seu Congresso em Basileia, a Internacional Socialista
sublinhou a sua determinação de lutar contra a eclosão da iminente guerra
imperialista e, caso ainda assim rebentasse, fazer tudo para a transformar em
guerra civil.
Mas quando em 1914 a guerra imperialista se tornou um facto, todas as direcções
dos partidos da Internacional – com a excepção dos bolcheviques e da esquerda
búlgara (tesniaki)11 – passaram-se com armas e bagagens para o campo dos
«defensores da pátria» e, juntamente com os imperialistas dos respectivos países,
incitaram os proletários contra os das «potências inimigas».
O que em 1914 pareceu uma derrocada «súbita», foi o resultado final de uma
longa e insidiosa decomposição dos partidos socialistas, que já Marx e Engels
tinham combatido na sua famosa carta circular, de Setembro de 1879, dirigida a
Bebel e Wilhelm Liebknecht e outros:
«Desde há quase 40 anos que pusemos em evidência a luta de classes como
poder motor próximo da história e, especialmente, a luta de classes entre a
burguesia e proletariado, como a grande alavanca do revolucionarismo social
moderno; é impossível, portanto, acompanharmos com pessoas que querem
riscar esta luta de classes do movimento.»12
Esta carta dirigia-se contra as tentativas de Eduard Bernstein, entre outros, de
tornar o SPD aceitável para a burguesia liberal, através da substituição do
postulado da luta de classes pela prédica da conciliação de classes, ou seja, através
da revisão dos princípios ideológicos do partido.
Todos sabemos que foi o revisionismo que provocou a decomposição da II
Internacional e que transformou a antiga social-democracia proletária e
revolucionária no «partido burguês dos trabalhadores», no «partido só reformas»
oportunista que, por fim, na Revolução de Novembro [1918], se confirmou como
defesa da contra-revolução burguesa, carniceiro dos operários e soldados
revolucionários, com um Noske13 como «cão de fila».
interdição não impediu a crescente popularidade dos socialistas, que continuaram a eleger
os seus candidatos como independentes. Foi neste período que Bismarck decidiu introduzir
o seguro de saúde, o seguro de desemprego e o seguro de acidentes, procurando reconciliar
os trabalhadores com o Estado e esvaziar os partidos operários. Apesar disso, em 1890,
após a resignação do chanceler, o Partido Operário Socialista da Alemanha (SAPD) é
legalizado e concorre às eleições com a designação de Partido Social-Democrata da
Alemanha (SPD). A Lei Anti-Socialista acabou por ser revogada e nos anos seguintes o SPD
continuou a crescer até se tornar o maior partido do Reichstag em 1912. (N. Ed.)
11 Os «tesniaki» foram uma espécie de bolcheviques búlgaros que, tal como a fracção
dirigida por Lénine, romperam a ala reformista do Partido Operário Social-Democrata
Búlgaro, constituindo, em 1903, um novo partido que manteve o nome, acrescido entre
parênteses das palavras «socialistas estritos» (тесни социалисти – tesni socialisti), donde
o acrónimo de «tesniaki» (тесняки). (N. Ed.)
12 Karl Marx e Friedrich Engels, Obras Escolhidas em três tomos, ed. Avante!, Lisboa,
1985, tomo III, p. 103. (N. Ed.)
13 Gustav Noske (1868-1946). Entrou para o SPD em 1884. Deputado ao Reichstag de
1906 a 1918. Especialista em assuntos militares e coloniais. Teve um papel decisivo na
repressão sangrenta da «Revolta dos Marinheiros» em Kiel, durante a Revolução de
Novembro de 1918 e nas insurreições de Janeiro de 1919. (N.T.)
6
O revisionismo, cujo núcleo político-ideológico é a substituição da luta de classes
pela conciliação de classes e a substituição do internacionalismo proletário pelo
nacionalismo burguês, envenena e desagrega o movimento operário revolucionário,
se não for expulso definitiva e atempadamente do seu seio.
Esta experiência conduziu os sociais-democratas revolucionários à cisão com a
social-democracia oportunista, no final da I Guerra Mundial, e à fundação de
partidos comunistas e da Internacional Comunista.
É natural questionar se o colapso do movimento comunista e dos Estados
socialistas, 70 anos depois, não se baseia num desenvolvimento idêntico ao do
colapso da II Internacional.
A tese da incapacidade funcional e de vida do socialismo pressupõe, não o
declarando, que o sistema dominante na URSS ou o modelo de Socialismo de 1917 a
1990, do início ao fim, se manteve, no fundamental, igual.
Na verdade, a União Soviética de 1985 a 1990 tem tão pouco em comum com a
de 1917 ou 1945, como o SPD da época de Marx e Engels com o SPD de Wels, Ebert
e Scheidemann.
A perspectiva de Gorbatchov e Chevardnádze está tão longe da de Lénine como a
perspectiva de Bernstein e Kaustky da de Marx e Engels.
Contudo, reconhecer isto logo em 1985 era muito difícil. Mas quando
Chevardnádze e Gorbatchov declararam na ONU que entendiam a política da
coexistência pacífica, não como uma forma particular da luta de classes, mas sim
como «princípio universal das relações entre estados», e quando anunciaram que
queriam «desideologizar as relações internacionais» (discurso de Chevardnádze
na 43ª Assembleia da ONU, Setembro de 1988), já quase não era possível deixar de
ver a passagem do marxismo-leninismo para o revisionismo conciliador de classes.
A aprovação da Guerra do Golfo norte-americana foi só a consequência prática e a
comprovação desta passagem.
Desde que o socialismo na União Soviética e ela própria foram liquidados,
Gorbatchov e os seus pares deixaram de ter vergonha em mostrar a sua maneira de
pensar anticomunista e em se congratularem com o seu papel activo na destruição
do Poder soviético. Na sua famosa entrevista à Spiegel, Gorbatchov, sincero,
declarou que as suas «simpatias políticas pertencem à social-democracia» e a um
«estado social do género do da Alemanha Federal».14
Para completar, seja citada ainda aqui uma declaração de Willy Brandt a um seu
amigo íntimo, em que transmitiu as suas impressões sobre uma conversa com
Gorbatchov, depois de regressar de uma visita a Moscovo em Maio de 1985 (!): «Já
vi muita coisa na minha vida», disse Brandt, «mas ainda não tinha visto um
anticomunista na direcção do Krémlin».15 Repare-se na data – Maio de 1985 –, um
mês depois de Gorbatchov assumir o cargo de secretário-geral do Partido
Comunista da União Soviética!
Não será isto importante e elucidativo também para responder à pergunta
«Quais as causas da destruição da RDA?»
Além disso, isto esclarece uma particularidade, de que raras pessoas
desconfiaram, mesmo entre os comunistas, nomeadamente o facto de os cabecilhas
das potências imperialistas, desde que Gorbatchov assumiu do cargo de secretário-
14 Spiegel 3/1993, p. 124.
15 L’Humanité de 10.10.1992
7
geral, manifestarem uma estima invulgar, deixando transparecer uma preocupação
suspeita sempre que a sua posição na direcção do Partido e do Estado parecia
ameaçada. Ao mesmo tempo que prometia fingidamente ao seu povo e a nós
comunistas de todo o mundo reconduzir de novo a União Soviética ao caminho
leninista e arrancar a URSS da estagnação para a vanguarda da civilização, aos
políticos imperialistas, Gorbatchov dizia a verdade sobre as suas opiniões e
desígnios.
Nessa altura, em meados dos anos 80, admirei-me muito quando Willy Brandt,
numa reunião da Internacional Socialista, de que era seu presidente, fez a
observação, como se fosse evidente, de que no centro da política mundial já não
estava o conflito Leste-Oeste, mas que em seu lugar apareceria o conflito Norte-Sul.
Hoje sei qual a origem da sua espantosa previsão. Com tais líderes como
Gorbatchov na direcção do PCUS, os Bush, Thatcher, Kohl e Brandt estavam
sempre mais bem informados sobre as intenções e próximos passos de Moscovo do
que nós, o povo simples, enganado e atraiçoado, e do que aqueles líderes dos países
socialistas que se mantiveram comunistas e procuraram combater as influências e
tendências revisionistas que sopravam de Moscovo.
Portanto, quando nos questionamos sobre as causas do desmoronamento do
socialismo, e com isso também da RDA, não podemos ignorar o facto de que, a
partir de um determinado momento – o mais tardar em 1985 –, o comando do
navio do socialismo na União Soviética já não estava nas mãos dos comunistas, mas
tinha sido transferido para os anticomunistas.
Isto torna explicável muito do que de ininteligível aconteceu. Mas
simultaneamente suscita uma nova questão não menos difícil de responder: como
afinal foi possível uma tal transferência? Não posso aqui ocupar-me desta questão.
Mas se nos lembrarmos das circunstâncias em que, na altura, foi possível e levada
por diante a degeneração da social-democracia revolucionária num partido de
trabalhadores burguês e oportunista, então isso pode ajudar-nos a colocar-nos no
rasto das causas da degeneração do movimento comunista.
Hoje, como no passado, a ideologia da conciliação de classes é a ideologia de
gente que não confia em que o movimento dos trabalhadores e o socialismo possam
derrotar o capitalismo com as suas próprias forças, ou seja, consideram o
capitalismo como a ordem social superior a longo prazo. A possibilidade da vitória
do revisionismo num partido socialista ou mesmo comunista existe pelo menos
enquanto o capitalismo for economicamente superior ao socialismo. Por isso, a luta
implacável contra o revisionismo é uma condição fundamental para a resistência do
socialismo contra um imperialismo superior economicamente. Lá onde esta luta é
posta de lado, ou que seja apenas enfraquecida e conduzida inconsequentemente, o
revisionismo obtém a possibilidade de conquistar o partido por dentro. Tal
conquista significa que o partido comunista fica nas mãos de anticomunistas e é
transformado num instrumento de descredibilização do partido e de
desmantelamento do socialismo. Foi exactamente isto que se passou em alguns
partidos comunistas, em primeiro lugar, no PCUS, o partido comunista dirigente.
Durante muito tempo, foi possível ridicularizar e excluir constatações deste
género, rotulando-as de «teoria primitiva da conspiração».
Mas desde que Gorbatchov e os seus cúmplices começaram a vangloriar-se
publicamente de terem aberto o caminho à restauração da «liberdade» ocidental
nos então países socialistas, é altura de os comunistas olharem com lucidez para as
8
consequências deste acontecimento monstruoso e rejeitarem versões históricas que
têm a marca dos anticomunistas revisionistas.
Ao invés de pretenderem revelar ao povo toda a verdade, como foi declarado, as
«revelações» históricas tiveram sobretudo o propósito de apresentar o passado
socialista do país às novas gerações, que não viveram este passado, nas cores mais
sombrias e repugnantes, para que ninguém tivesse a ideia de encarar como
alternativa a reconstituição do poder soviético – por muito mau que o presente se
apresentasse.
A rejeição da falsificação histórica anticomunista da era de Gorbatchov e agora
de Éltsine não significa que se deva fazer uma leitura unilateral da história do
período de Stáline. Mas, pelo menos para os comunistas, é urgente que se torne
claro que o anti-stalinismo dos revisionistas anticomunistas é completamente
hipócrita. Alegam condenar Stáline por omissões e crimes. Na verdade, condenamno
a partir da mesma posição e pelos mesmos «crimes» que os imperialistas o
condenam, isto é, do ponto de vista do anticomunismo e pelo crime de ter mantido
a União Soviética fora da sua área de poder.
Presenciamos hoje algo muito idêntico na RFA em relação à RDA. Esta é
caluniada de «Estado injusto», não porque pelo facto de que também havia
injustiças entre nós, mas porque tínhamos abolido a injustiça da ordem capitalista.
Não nos acusam pelo facto de termos praticado um socialismo imperfeito, mas
porque éramos socialistas, ou seja, ousámos desapossar o capital.
Resumindo: independentemente da quantidade de erros e da sua dimensão que
a RDA e a direcção do Estado e o Partido cometeram – e certamente não houve
poucos e entre eles grandes asneiras – não foram os próprios erros que lhe ditaram
a sentença de morte. Todos os países socialistas europeus estavam unidos com a
União Soviética para o que desse e viesse; com a sua derrocada, a queda de todos
eles era inevitável.
Os próprios erros têm, no entanto, de ser rigorosamente examinados e as suas
causas e consequências analisadas e interpretadas, no interesse da segunda
República Democrática Alemã Unificada, que chegará um dia, assim a Humanidade
sobreviva às devastações do capitalismo num planeta ainda habitável.
André Müller escreveu, no UZ (28.09.90), o seguinte necrológio do enterro da
RDA em 3 de Outubro de 1990: «Uma República Democrática Alemã regressará.
(…) Olhai em volta. Levantai a cabeça de novo! Vede como o capital se comporta,
livre de qualquer consideração, vede como é a sua enaltecida democracia. (…)
Não, a ideia da RDA não se deixará enterrar e se não sei como tudo continuará,
(…) sei, porém, que neste 3 de Outubro de 1990 não há nenhuma razão para não
nos reerguermos.» Isto ainda é mais válido em Outubro de 1993.

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