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quinta-feira, 14 de março de 2013

Pacto de agressão ou memorando de ajuda?


por Daniel Vaz de Carvalho
"Há duas maneiras de submeter e escravizar uma nação, uma é pela espada a outra é pela dívida";
"a dívida é uma arma contra os povos, os juros são as munições". 

John Adams, 1735-1826, 2º presidente dos EUA
(citado por John Perkins em "Confessions of an economic hitman")
Comentadores, deputados da maioria e do PS (os apoiantes da troika) falam em "memorando de ajuda", "resgate de ajuda" e ficam muito incomodados, por vezes têem tremuras de indignação, quando ouvem falar em "pacto de agressão". Talvez possam ser pruridos de má consciência.

Para eles a verdade oficial não é para ser contestada nem posta em dúvida. Será por conformismo? Por seguidismo oportunista? Ficaremos no grau zero do pensamento político, equivalente ao medieval domínio da escolástica e dos seus anátemas, se não colocarmos a questão nos seus fundamentos de cultura crítica: agressão ou ajuda?

Vejamos, quando a Alemanha nazi se rendeu aos aliados a sua dívida teve condições de baixo juro, longo prazo (mais de 30 anos, renegociáveis), serviço de dívida de 5% das exportações. A grande indústria e sectores estratégicos (energia, telecomunicações, transportes fundamentais) ficaram nas mãos do Estado. Em 1982, na RFA, o sector empresarial do Estado representava ainda 12,5% do VAB de todas as empresas.

Isto está nos antípodas das exigências da troika.

A Alemanha nazi e seus aliados fascistas (o Eixo) invadiram países, destruíram infraestruturas, massacraram populações, pilharam riquezas, impuseram governos colaboracionistas, instituíram um banco (o Reichbank) que tinha a seu cargo, a partir de uma moeda única para transações entre os países, organizar o processo de extorsão.

Hoje o BCE tem papel idêntico: a extorsão dos países fragilizados por tratados iníquos e antidemocráticos que governos irresponsáveis, colaboracionistas e que mentiram ao seus povos, aprovaram.

Comparemos então em que consiste a agressão a um país e ao seu povo com o pacto da troika.

AGRESSÃO / OCUPAÇÃO
PACTO DA TROIKA
Rendição incondicionalO pacto é considerado inegociável pelo governo.
Imposto um governo fiel executante das imposições do agressorO governo considera que o pacto é para cumprir custe o que custar
Parte relevante da atividade produtiva foi destruída ou encontra-se inoperativaParte relevante da atividade produtiva encontra-se parada ou funcionando em condições precárias devido às condições impostas
O país fica submetido a autoridades de ocupação com direito de sancionarem as suas políticasO governo está submetido a avaliação permanente das autoridades da troika quanto ao cumprimento do pacto, podendo ser sancionado.
O país atravessa grave crise económica e socialO país atravessa grave crise económica e social, profunda recessão e permanente estagnação.
Grande número de pessoas foram liquidadas perderam-se para a vida ativa (mortas, feridas, prisioneiras)Grande número de pessoas perderam-se para a vida ativa devido ao desemprego generalizado, de longa duração e sem esperança de se reduzir.
Os direitos dos cidadãos encontram-se restringidos.Os direitos e apoios sociais (educação, saúde, etc) são cada vez mais restringidos. O código laboral configura traços fascizantes tentando mesmo eliminar ou sobrepor-se à negociação coletiva.
A vida cultural decai, a pobreza alastra, o pensamento independente é reprimido por se opor aos agressores.A vida cultural decai, a pobreza alastra, o pensamento independente é marginalizado ou reprimido por se opor ao pacto.
A economia é posta a funcionar segundo os interesses do agressor.A economia é posta a funcionar segundo o definido no pacto. Empresas e património público são postos em condições de serem absorvidos pelo grande capital estrangeiro ou a este associado.
O Estado não está autorizado a estabelecer uma política económica.O Estado segundo o pacto não pode interferir no livre movimento de capitais nem influir na gestão ou controlo das empresas em que seja acionista e deve alienar as suas participações
A função do governo é sobretudo manter a "ordem" estabelecida pelo agressor e garantir a exploração do povo sem constrangimentos.O governo deve garantir a "ordem" estabelecida pelo pacto, assegurar a moderação salarial e eliminar direitos laborais. Situação definida como "pacote de exploração".
O essencial da economia é ser orientada para a exportação de acordo com as necessidades e os interesses do agressor e nas suas condições de troca desigual.A economia está a ser orientada para a exportação de acordo condições do pacto e tratados que as potências dominantes impõem. As exportações baseadas em mão-de-obra barata e sem direitos representam troca desigual.
A democracia, se formalmente existente, é mera fachada da opressão. O governo esforça-se prioritariamente por merecer a confiança do agressor.A democracia torna-se uma formalidade como fachada para impor o pacto; é reduzida às suas expressões mais simples. São instaurados sistemas de opressão (censura, marginalização) para garantir vinculação ao pacto, "darmos credibilidade" e "merecer a confiança dos mercados".
O agressor impõe deslocações massivas de mão-de-obra barata para a colocar vantajosamente ao seu serviçoAs condições de vida em consequência do pacto (e seus prolegómenos: PEC, tratados UE) impõem a emigração massiva, aliás explicitamente fomentada pelo governo de gestão do pacto (40 mil pessoas nos primeiros seis meses de 2012).
Doses massivas de propaganda são promovidas para intoxicação da opinião pública justificando agressão. É instituída a censura.Doses massivas de propaganda são promovidas para intoxicação da opinião pública justificando o pacto. É instituída a censura camuflada com o epíteto de "critério editorial".
É estabelecida uma aliança com os colaboracionistas, promovidos a elite política, económica e social.É estabelecida uma aliança com os mentores e apoiantes e colaboracionistas do pacto colocados ao seu serviço e promovidos a elite política, económica e social.
Desde o fim da 1ª guerra mundial os agressores têm tido invariavelmente como justificação ideológica o anticomunismo e a imposição do "mercado livre".O pacto tem como justificação ideológica o anticomunismo e o "mercado livre".
A Constituição é suspensa substituída pelas diretivas do agressor.As diretivas do pacto sobrepõem-se à Constituição.
O governo é mero fantoche cujo objetivo prioritário é drenar riqueza para as potências agressoras.O governo é mero fantoche cujo objetivo prioritário é drenar riqueza para as potências representadas no pacto… obviamente de agressão.
O pacto da troika atua como a bomba de neutrões que eliminava pessoas sem destruir edifícios. Neste caso as pessoas são eliminadas da vida ativa do país, pela pobreza, desemprego, marginalização, emigração massiva; as instalações ficam à mercê dos predadores que agem na esteira da agressão.

Dizem-nos a todas as horas que não havia – nem há – outra solução senão o pacto da troika. Mas este foi o argumento dos Petain, Laval, Quisling e outros nomes por demais repugnantes.

Outros foram os argumentos dos resistentes que lutaram contra a agressão aos seus países e venceram. Outros foram os argumentos de De Gaulle, Moulin, Vercors, Rochet, Togliatti (cito de cor) e tantos outros que a História venera e não merecem ser esquecidos.

Há de novo uma guerra europeia conduzida pela Alemanha, consequência direta do fim da RDA, que hoje se verifica ter sido essencial para a defesa dos interesses dos povos da Europa e da soberania dos países mais frágeis.

A ambição alemã de colocar a Europa a funcionar segundo os seus interesses de potência hegemónica teve, tal como no passado, a colaboração de governos completamente desacreditados traindo promessas e compromissos com seus povos. Porém, a Alemanha está a perder a guerra da globalização esquecendo, tal como os EUA, que a História mostra que o destino das nações agressoras foi sempre destruírem-se também a si próprias.

A UE está em desagregação, fala a várias vozes, a sua moeda única tem futuro mais que incerto, os tratados estão completamente desajustados das realidades, resta a repressão e o aumento da exploração para manter o domínio neoliberal ao serviço de uma finança predadora, usurária, corrupta, mas que tem ao seu serviço políticos incompetentes e sem palavra.

A compreensão de que estamos sujeitos a um pacto de agressão não é figura de retórica ou propaganda política, é uma base essencial para estabelecer um processo de recuperação da soberania e da democracia.

A ligação e a tomada de posições comuns entre países sujeitos a idênticos processos é também essencial. Os agressores fazem tudo para o evitar. O lema imperialista sempre foi: dividir para reinar.

A compreensão de que o nosso país, tal como outros em situação idêntica, é vítima de uma agressão externa é imediatamente compreensível se atentarmos no que será necessário realizar para a recuperação económica e social. Neste momento o país encontra-se com a indústria, a agricultura, as pescas, em processo de destruição e os serviços sociais a serem desmantelados. A sua recuperação vai exigir esforços não diferentes da reconstrução de um país que tivesse suportado uma agressão militar.

Essa reconstrução terá de ser e será feita, mas só poderá ser levada a cabo por forças consequentemente patrióticas e progressistas

Patrióticas, pois porão os interesses da sua Pátria acima de todos os outros incluindo diferenças ideológicas. Progressistas, pois colocarão os interesses e a felicidade de todo o povo acima dos interesses da oligarquia monopolista e especuladora, não se confundindo nem estabelecendo consensos com mercenários de interesses espúrios e estrangeiros ou com sicofantas e fala-baratos que tenham colaborado na desgovernação do país.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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