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terça-feira, 25 de março de 2014

Opiniões

Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
http://www.pelosocialismo.net
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Publicado em 2014/03/10, em: http://www.odiario.info/?p=3208&print=1
Colocado em linha em: 2014/03/24

Social-chauvinismo e euro-esquerda
ou tão amigos que eles são

João Vilela

A resposta à agudização da crise ucraniana e à ofensiva imperialista que
desencadeou a grave situação actual será certamente muito complexa do
ponto de vista político. Para as forças políticas que se reclamam da
representação dos interesses dos trabalhadores só pode existir um critério
seguro: o critério de classe, o critério do interesse do povo contra a exploração
interna e a dependência e a dominação exterior.
O Partido da Esquerda Europeia publicou um comunicado em que se pronuncia sobre
a questão da Ucrânia. Desse documento consta um elogio rasgado ao Partido
Comunista Ucraniano. Considerando que o Partido da Esquerda Europeia constitui a
agremiação política das forças euro-esquerdistas do nosso tempo, ver um partido
comunista ser elogiado por eles, até prova em contrário, depõe contra o partido
elogiado. Tanto mais quando, na espinha dorsal do PEE, estão partidos que de
comunistas só têm o nome (alguns já nem mesmo a foice e o martelo…). Examinemos
qual é a postura do Partido Comunista Ucraniano e quais os motivos que podem, nela,
torná-lo objecto de admiração do Partido da Esquerda Europeia, ao ponto de este sair
a terreiro apoiando publicamente as suas posições.
No comunicado citado acima, o PEE afirma que o PCU terá proposto como saída para
a crise política que a Ucrânia vive «um referendo que especifique o caminho a seguir
pelas relações exteriores» daquele país. Vim a verificar que tal proposta está
noticiada, com data de Setembro passado, aqui, num jornal ucraniano. Um
documento com uma proposta de igual teor, aparentemente produzido pela estrutura
do PCU, surge traduzido neste blogue progressista, a 25 de Janeiro deste ano. Mas,
salvo possível erro crasso na tradução, que não foi possível cotejar com os
documentos do PCU em língua ucraniana ou russa, o que é dito neste documento é,
pura e simplesmente, mau demais para ser verdade.
O conjunto de «propostas concretas» que o PCU aventa como possível solução para
algum problema é, em meu entender, inquinado à partida pela insólita proposta de
uma consulta popular para decidir qual das duas potências imperialistas, a Rússia ou
a Alemanha, é do agrado da população. O PCU aparenta considerar que não é uma
questão de princípio impedir por todos os meios que uma qualquer potência
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imperialista se imiscua na vida política, económica, e social do seu país. Pondo a
coisa em termos metafóricos e sem querer brincar com coisas sérias, a defesa de um
referendo para decidir desta questão equivale a, numa tétrica situação em que
houvesse que discutir as opções de os trabalhadores ucranianos serem guilhotinados
ou serem enforcados, suscitar a discussão sobre se serão eles, com a sua caneta, numa
urna fechada, a depositar um voto dobrado em quatro do qual conste a sua opção
livre e sem constrangimentos ora pela forca, ora pela guilhotina. Por este caminho
abre-se a porta a uma lógica que concebe que os procedimentos são tudo, o conteúdo
não é nada. A discussão sobre qual a potência imperialista a cujos pés se arremessa as
massas trabalhadoras passa a ser uma discussão como outra qualquer, e não uma
discussão inadmissível por princípio, como surge como evidência aos olhos de
qualquer revolucionário. O anti-imperialismo vê-se conduzido à condição de um
bonito slogan que fica bem nos documentos, mas que, na hora da verdade, não é
defendido com a firmeza exigível. O PCU como que se conforma a ir defendendo o
que há, o que der, o que for possível, o que já está ganho, fechando-se numa posição
defensiva que em última instância pode ser a sua própria cela, se não mesmo a sua
sepultura. Mais tarde, lá mais para diante, um dia destes, um dia que há-de vir não se
sabe em que dia nem em que hora, como o dia do Juízo Final dos crentes, faremos a
revolução e derrotaremos a burguesia. Por ora, cumpre negociar com alguém e
escolher quem bater com menos força, ou quem já estamos habituados que bata.
Lenine defrontou situações desta mesma ordem no seu tempo, precisamente no
âmbito do combate ao social-chauvinismo dos Kautsky & Cª. As suas palavras no O
Oportunismo e a Falência da II Internacional devem fazer-nos pensar, detidamente,
no que tem vindo a ser a postura do PCU: «Tal como em 1912, Axelrod [nome de um
defensor russo das teses de Kautsky] está disposto, em nome de um futuro muito,
muito distante, a proferir as frases mais revolucionárias, se a futura Internacional
«actuar (contra os governos, em caso de guerra) e levantar uma tempestade
revolucionária». Vejam lá como nós somos corajosos! Mas quando se trata de
apoiar e desenvolver agora a efervescência revolucionária que começa entre as
massas, então Axelrod responde que essa táctica das acções revolucionárias de
massas «ainda teria alguma justificação se estivéssemos imediatamente em
vésperas de uma revolução social, como aconteceu, por exemplo, na Rússia, onde as
manifestações estudantis de 1901 anunciavam a aproximação de batalhas decisivas
contra o absolutismo». Mas no presente momento tudo isso é uma «utopia»,
«bakuninismo», etc.». Lenine não era um aventureirista: tinha a consciência plena de
que não é porque se decreta o assalto final contra a burguesia que as massas se
tornam necessariamente conscientes da necessidade desse assalto final. Mas, do
mesmo modo, entendia que as situações em que as contradições entre os interesses
de classe da burguesia e do proletariado se tornam mais agudas são precisamente
aquelas em que a possibilidade de expor com total clareza os objectivos que se
colocam ao proletariado e a necessidade imperiosa de derrubar a burguesia para os
obter é maior e mais fértil. Ora, no quadro de uma disputa inter-imperialista violenta,
feita à custa da desestabilização, do golpismo, do fomento da xenofobia, do antisemitismo,
e do anticomunismo por um lado; e da invasão e exploração das divisões
étnicas e linguísticas dentro de um mesmo Estado por outro, tudo com vista a obter
os recursos, a mão-de-obra, o acesso aos gasodutos e ao mercado de escoamento da
Ucrânia – oferece-se o quadro mais esclarecedor possível para as massas
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trabalhadoras compreenderem os intentos das potências imperialistas e o
posicionamento perante eles das diversas fracções da burguesia nacional que a
dominam. As condições objectivas são plenamente criadas pela disputa interimperialista
só por si: as condições subjectivas dependem, única e exclusivamente, do
apego da vanguarda do proletariado à linha justa e da sua vontade de desenvolver a
estratégia revolucionária adequada para dotar as massas da organização e da elevação
da consciência política que lhe possibilite levar de vencida os imperialismos em
disputa e a burguesia do seu próprio país. Isto, é certo, não determina só por si a
vitória da revolução: mas é isto que, numa situação desta natureza, cumpre fazer a
um partido comunista.
Descrever isto é descrever, sumariamente, nada menos que o processo da revolução
russa, que o próprio Lenine dirigiu superiormente. Descrever isto é dizer todo o
oposto do que tem sido o trabalho do PCU, que enquanto os nazi-fascistas do
Svoboda invadem as suas sedes, queimam a sua bandeira, achincalham, espancam,
matam os seus militantes (e de caminho judeus, russos, e imigrantes), sobe a um
caixote, enche os pulmões de ar, e grita «façamos um referendo para saber se o povo
quer a continuação da violência fascista ou prefere o retorno a um Governo burguês
pró-russo!».
O que leva um partido comunista a desenvolver uma linha política deste cariz?
Alguns poderão opinar pelo impreparo, as dificuldades da própria direcção do
partido. Outros, pela inexistência de condições para fazer mais do que se fez até aqui.
Admitindo as duas situações, não deixam de me matraquear na cabeça as palavras
que, no mesmo documento, Lenine apresenta para caracterizar o social-chauvinismo:
«um pequeno círculo da burocracia operária, da aristocracia operária e de
companheiros de jornada pequeno-burgueses podem receber algumas migalhas dos
grandes lucros da burguesia. A causa de classe profunda do social-chauvinismo e
do oportunismo é a mesma: a aliança de uma pequena camada de operários
privilegiados com a «sua» burguesia nacional contra as massas da classe operária,
a aliança dos lacaios da burguesia com esta última contra a classe por ela
explorada. O conteúdo político do oportunismo e do social-chauvinismo é o mesmo:
a colaboração das classes, a renúncia à ditadura do proletariado, a renúncia às
acções revolucionárias, o reconhecimento sem reservas da legalidade burguesa, a
falta de confiança no proletariado, a confiança na burguesia.».
Posso correr o risco de, por imprudência, atirar sobre o PCU uma acusação que não
lhe assenta, o que não quero de todo fazer: mas a verdade é que há na sua postura um
número tão grande de erros tão graves que o desvio na direcção do socialchauvinismo
– enquanto ideologia da aliança aristocracia operária/fracções da
pequena burguesia, com vista à obtenção de migalhas do poder burguês à custa da
continuação da exploração do proletariado – pode, mesmo inconscientemente, estar
neste momento a ser descrito por aqueles que o dirigem – e a sê-lo, vemo-lo bem,
perante a atenção e a solicitude daqueles que praticam aberta, despudorada, e
desavergonhadamente a política social-chauvinista do séc. XXI – a dita euroesquerda,
arregimentada no PEE, que veio aplaudir sem demora a atitude do PCU.
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Perante tal situação, que posição importa adoptar? Tive ocasião de traduzir
recentemente uma Declaração do Gabinete de Imprensa do CC do PC Grego em que é
dito que o proletariado ucraniano «deve organizar a sua luta de forma independente,
com os seus interesses e critérios, e não com os critérios do imperialista escolhido
por uma ou por outra secção da plutocracia ucraniana». Estou sinceramente
convencido de que é nesta direcção que devem ser expressas, sem pretensões à
ingerência nos assuntos internos do PCU mas com base naquilo que a história do
movimento operário ensina aos comunistas, as demonstrações de solidariedade
internacionalista que se apresentem aos camaradas ucranianos em luta. Fundo esta
opinião, quanto mais não seja, num critério que tem a sua razoabilidade: o de não ser
o critério dos inimigos, o critério dos eurocomunistas, o critério dos que querem um
capitalismo menos abusivo, mas não o fim do capitalismo. E ainda no critério de ser
esta, a meu ver, a única solução que assegurará ao povo ucraniano uma saída desta
grave situação que não signifique nem o retorno à esfera de influência da Rússia dos
oligarcas, que nunca lhe assegurou qualquer forma de prosperidade, nem na da
Alemanha imperialista, cujos efeitos devastadores da sua política de subjugação e
dominação o povo português, desgraçadamente, tão bem conhece.

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