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sábado, 27 de setembro de 2014

Opinião

O episódio das "despesas de representação" que o 1º ministro recebeu de uma empresa privada quando desempenhava funções de deputado em regime de exclusividade vem demonstrar que, afinal, a imagem de "salvador da pátria" que os serviços de propaganda lhe colocaram era, de facto, apenas uma imagem fabricada. É habitual na pátria de todos nós: já o actual presidente da república fora alvo de uma operação semelhante. Por via desses mitos Oliveira Salazar ascendera ao poder absoluto. 
O azar do 1º ministro foi ter sofrido este percalço num tempo em que figuras públicas são condenadas a penas pesadas pelo tribunal e um banqueiro super poderoso desfalcou empresas. Uma grossa nuvem de descrédito paira sobre o regime. A desconfiança instala-se. Inesperadamente as lutas intestinas do PS recebem um bónus. É o PS que arrecada os benefícios. Ambos os candidatos oferecem a um eleitorado descontente uma imagem de alternativa impoluta. A ver vamos.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
http://www.pelosocialismo.net

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Publicado em 2014/09/16, em: http://portuguese.ruvr.ru/news/2014_09_16/Tribunal-Russell-est-amea-ando-
Am-rica-e-Europa-de-s-ndrome-ucraniana-9421/
Colocado em linha em: 2014/09/22

Tribunal Russell está ameaçando América e
Europa de “síndrome da Ucrânia”
Andrei Ivanov

Os presidentes da Ucrânia, Piotr Poroshenko, e dos Estados Unidos,
Barack Obama, o chefe da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, e o
secretário-geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, são reconhecidos
culpados de crimes militares cometidos em Donbass. A sentença foi
proclamada pelo Tribunal Russell, reunido no sábado passado1 em
Veneza.
Destaque-se que uma prisão não ameaça por enquanto as personalidades referidas
acima. O Tribunal Russell é uma entidade informal e as suas resoluções não são
obrigatórias para a execução. Foi convocado pela primeira vez em 1967, por iniciativa
do filósofo Bertrand Russel e Jean-Paul Sartre, para reprovar os crimes militares
cometidos por americanos e seus aliados no Vietname. Uma das suas tarefas foi
“estabelecer a verdade sobre aquela guerra sem dar atenção ao medo e simpatias”.
Atualmente, um júri formado por quatro juízes do povo, liderado por Albert Gardin,
presidente do comité organizativo do Tribunal Russell em Veneza e um dos dirigentes
do movimento pelo restabelecimento da independência da República de Veneza,
tentou estabelecer a verdade sobre a guerra no Sudeste da Ucrânia.
Não é fácil de fazer para as pessoas que vivem na Europa ou na América. Os média
locais estão a deturpar os acontecimentos reais, afirmando que em Kiev teria
decorrido uma revolução democrática pacífica, que as unidades militares enviadas
pelas novas autoridades teriam lutado no sudeste contra os terroristas financiados
pelo Kremlin, tentando com a ajuda de militares russos separar aquela região da
Ucrânia e anexá-la à Rússia, a exemplo da Crimeia, ocupada ilegalmente pela Rússia.
Muitos americanos e europeus, sem falar de ucranianos, não acreditam nesses
comunicados absurdos.
1 2014/09/13. Fizeram-se algumas ligeiras alterações à variante do português do Brasil. – [NE]
2
Os ucranianos que não haviam concordado com a “revolução democrática” de Kiev
tentaram provar aos europeus que as autoridades ucranianas fazem uma guerra
bárbara contra a população do sudeste, com o apoio moral e financeiro dos EUA e da
UE, inclusive com a ajuda de mercenários americanos e europeus.
Em países da União Europeia foi apresentada uma mostra móvel de fotografias em
que são fixadas imagens de cadáveres queimados na Casa de Sindicatos em Odessa,
incendiada por nacionalistas ucranianos, de cidades e aldeias de Donbass, destruídas
por artilharia e aviação da Ucrânia, de crianças em refúgios antiaéreos, de corpos
humanos dilacerados em ruas. Mas essas fotografias cruéis e francas não foram vistas
por muitas pessoas, para esperar que os europeus mudem sua atitude para com os
acontecimentos na Ucrânia.
Possivelmente, o Tribunal Russel ajudará os europeus e americanos a tomar
consciência dos acontecimentos na Ucrânia. Ao ter ouvido as declarações de
testemunhas sobre os horrores da guerra civil no sudeste, o tribunal reconheceu
culpados desse pesadelo: os presidentes da Ucrânia, Piotr Poroshenko, e dos Estados
Unidos, Barack Obama, o chefe da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, e o
secretário-geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen. O veredicto de culpa e as
respetivas provas serão encaminhados para a ONU, a OSCE e o Tribunal Penal
Internacional.
Naturalmente, só as pessoas ingénuas podem supor que, após a sessão, os culpados
vão ocupar o banco dos réus, o que não aconteceu também depois do Tribunal de
1967, dedicado a Vietname. Mas aquela sessão contribuiu para o surgimento de um
amplo movimento antimilitarista nos EUA e na Europa, cuja envergadura, tal como
os êxitos dos guerrilheiros vietnamitas que haviam lutado contra americanos e seus
fantoches vietnamitas, obrigaram, no final de contas, os Estados Unidos a deixar o
Vietname em paz. É muito provável que na Ucrânia aconteça o mesmo. É interessante
se a América irá experimentar depois disso uma “síndrome da Ucrânia” à
semelhança da “síndrome do Vietname”?

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

David Harvey: Os limites do capital

O objetivo inicial de David Harvey, preservado e expandido ao longo de sua trajetória e de sua vasta obra, consistia basicamente em tentar entender a urbanização no capitalismo. Nessa direção, dedicou-se, nos anos 1960 e nos primórdios dos anos 1970, a estudar os desenvolvimentos históricos das principais cidades da Grã-Bretanha, da França e dos Estados Unidos, percurso sintetizado parcialmente no livro A justiça social e a cidade (1973).
Harvey atribuiu as carências dessa primeira versão a uma compreensão insuficiente da teoria marxiana. Para sanar esse déficit procurou se posicionar no debate, então aceso por conta de argumentações marcadamente contraditórias sobre o sentido da interpretação e a necessária atualização da obra de Marx. Concentrou seus esforços – numa época em que ainda ressoavam as polêmicas em torno do significado dos textos de juventude de Marx – nos livros e manuscritos posteriores a 1850, um conjunto que Roman Rosdolsky denominou de “crítica da economia política”.
Em Os limites do capital, publicado em 1982, Harvey buscou não se afastar muito de seu interesse original. Avaliava que esse aparente desvio consistia apenas numa propedêutica indispensável à abordagem marxista do processo urbano. Tanto assim que, na Introdução descreve o livro como “um tratado sobre a teoria marxiana em geral, prestando atenção na circulação do capital nas áreas construídas e na produção das configurações espaciais” (p.36).
De modo geral, o livro procura integrar os aspectos financeiro (temporal) e geográfico (global e espacial) sob uma teoria do sentido do movimento de acumulação do capital. Não prescinde, no entanto, de um exame acurado do papel ali desempenhado pela intervenção do Estado, concebendo esta, de certo modo, como um “momento vital na dialética e na dinâmica contraditória da acumulação do capital” (p.21).
As questões suscitadas em suas pesquisas acerca da dinâmica urbana, desdobradas na investigação dos procedimentos do mercado imobiliário e dos desenvolvimentos geográficos desiguais demandaram o esclarecimento do papel desempenhado, no interior da teoria marxiana, por fatores como capital fixo, finanças, crédito, gastos públicos etc. Desse modo, a motivação prévia de buscar fundamentos para uma explicação mais adequada da circulação do capital no mundo urbano, do modo como a renda se relaciona com os processos básicos de produção e distribuição, em suma, dos mecanismos que determinam a configuração espacial característica do capitalismo, desembocou numa reconstituição da “crítica da economia política”.
Nesse afã, Os limites do capital se constituiu como uma exposição eminentemente teórica. Harvey não deixa de ressaltar, no entanto, que o livro prescinde das dimensões históricas, geográficas e políticas da obra de Marx tão somente por conta do recorte do objeto.
No decorrer do tempo, aquilo que a princípio parecia menos, revelou-se mais. O demorado mergulho nos “deserto de gelo da abstração”* estabeleceu um reservatório que possibilitou a Harvey, desde então, intervir com pertinácia em diversos debates políticos e teóricos. Municiado como poucos, propôs reflexões instigantes nas sucessivas pautas desencadeadas pelas profundas modificações históricas do capitalismo nos últimos quarenta anos. Emergiram assim uma série de indagações que ele procurou, na sequência, resolver, moldando inflexões inesperadas por meio das quais, sem abandonar o solo original, sua obra ultrapassou a condição de mera geografia do capital.
Os passos de Harvey reiteram um procedimento recorrente na linhagem do marxismo. Os autores dessa vertente, desde Friedrich Engels, conduziram a tarefa de atualização do materialismo histórico, exigência inerente a um movimento que se concebe como eminentemente histórico, combinando o diagnóstico do presente histórico com uma revisitação da obra de Marx – revisão que resultou, nos casos bem-sucedidos, tanto numa interpretação original da teoria marxiana como na ampliação do escopo da doutrina.**
A ordem dos fatores é indiferente. Embora Harvey tenha começado com uma apresentação da teoria marxiana, ele próprio reconhece que sua preocupação primordial consistia em buscar respostas para os desafios impostos ao marxismo pela crise econômica que eclodiu, com uma intensidade inaudita desde 1929, nos primeiros anos da década de 1970.
Em seu esforço para compreender a crise da década de 1970, ele testou as principais explicações prevalecentes no interior da linhagem marxista, identificando problemas em cada uma delas.
Harvey considera que a tese do “esmagamento do lucro” – aquela que “encara que a organização da força de trabalho e a escassez de mão de obra reduzem a taxa de acumulação até o ponto de crise da classe capitalista e, por extensão do sistema capitalista como um todo” (p.28) – explica parcialmente a situação, mas não consegue fornecer respostas convincentes para alguns dos pontos decisivos da crise.
Ele rejeita também a tese de que a crise seria provocada por “subconsumo” ou, numa terminologia não-marxista, por deficiências na demanda efetiva. Essa teoria, apresentada inicialmente por Rosa Luxemburgo, defendida e desenvolvida por adeptos do marxismo keynesiano, também lhe pareceu incapaz de explicar os fenômenos específicos da crise dos anos 1970.
Por fim, Harvey discorda da teoria da “queda tendencial da taxa de lucro”, que consistiria num resultado não previsto pelos capitalistas em seu denodo para introduzir na indústria inovações tecnológicas e reduzir a força de trabalho. Afirma que, “o próprio Marx anexou tantas advertências, condicionalidades e circunstâncias mitigadoras a essa teoria que é difícil sustentá-la como uma teoria geral da crise” (p.28).
A teoria delineada por Harvey procura, no entanto, incorporar dimensões dessas três correntes. Em sua busca de uma explicação mais abrangente considera que as crises econômicas do capitalismo derivam, em última instância, de sua tendência congênita à superacumulação de capitais. Nas palavras de Harvey: “as crises surgem quando as quantidades sempre crescentes de mais-valia que os capitalistas produzem não podem ser absorvidas lucrativamente” (p.28).
Para explicar o pós-modernismo, Harvey recorre ainda ao arsenal teórico da “escola da regulação”, em particular, à sua famosa distinção entre “regime de acumulação” e o “modo de regulação” social e política que lhe é associado. Nesse diapasão, Harvey identifica no pós-modernismo uma ruptura com o modelo de desenvolvimento capitalista prevalecente desde 1945. A partir da recessão de 1973, a forma de acumulação predominante, o fordismo, foi minada pela crescente competição internacional e pela combinação de baixas taxas de lucros corporativos e de um processo inflacionário em aceleração. A soma desses fatores desencadeou uma crise de superacumulação.
A resposta da classe capitalista e dos governos dos países centrais a essa situação desdobrou um novo regime de acumulação. Nesse regime, denominado “flexível” por Harvey, o capital retomou sua margem de manobra e seu controle sobre o mercado de trabalho. Sua principal estratégia foi a “precarização” das relações trabalhistas, com o estabelecimento de contratos temporários e a incorporação de força de trabalho imigrante.
Contribuíram para tanto outros fatores como a transposição – em busca de custos reduzidos – de unidades fabris para outros países ou regiões. A produção de mercadorias também foi revolucionada por processos just in time, pela prioridade dada aos lotes de encomendas etc. A principal transformação, no entanto, ocorreu nos mercados financeiros com a desregulamentação das transações em moedas (câmbio), crédito e investimentos. Esse novo regime de acumulação forneceu o solo para a cultura pós-moderna, para uma nova sensibilidade moldada pela desmaterialização do dinheiro, pelo teor efêmero da referência monetária, pela instabilidade econômica.
NOTAS
* A expressão “deserto de gelo da abstração” é de Walter Benjamin, como lembra Adorno no Prefácio da Dialética negativa (Rio de Janeiro: Zahar, 2009).
** Sobre o papel de Engels na determinação dos procedimentos típicos da tradição marxista, ver  “O primeiro marxista”. Em: Boito, Armando & Toledo, Caio Navarro et al. (orgs.). A obra teórica de Marx. São Paulo: Xamã/Editora da Unicamp, 2000 p.81-89.
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Ricardo Musse é professor no departamento de sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo. Doutor em filosofia pela USP (1998) e mestre em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1992). Atualmente, integra o Laboratório de Estudos Marxistas da USP (LEMARX-USP) e colabora para a revista Margem Esquerda: ensaios marxistas, publicação da Boitempo Editorial. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas.
in Boitempo, com a devida vénia

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Fogueiras que podem incendiar o mundo

Washington irá lançar ataques aéreos contra os grupos terroristas na Síria como uma justificativa para entrar em território sírio.

O mundo precisa de parar esta guerra. Se os EUA lançarem ataques aéreos na Síria para atingir as organizações terroristas, será considerado uma agressão contra o governo Assad. Se os civis inocentes ou as forças governamentais sírias são mortos nos ataques, o governo Assad provavelmente responderá com uma acção militar. Rússia, China e a maioria dos países ao redor do mundo condenam acções no território soberano da Síria. Os EUA querem Assad fora do poder. ISIL foi criado pelos EUA e seus aliados na região. Este é o início da Terceira Guerra Mundial? Esperemos que não. O governo sírio pode derrotar ISIL por conta própria se Washington parar de enviar armas para a região. A pergunta que devemos fazer é: quem vai receber os carregamentos de armas americanas agora. ISIL?

domingo, 14 de setembro de 2014

HTTP://WWW.PUBLICO.PT/MUNDO/NOTICIA/CRITICA-DA-RAZAO-IMPURA-1669253?PAGE=-1


OPINIÃO

Crítica da razão impura


Não se pode duvidar de que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, são as palavras com que Immanuel Kant inicia o seu monumental tratado publicado em 1781. «A experiência é madre das cousas…» já lembrava o grande universalista Duarte Pacheco Pereira nos dias venturosos de 1508. Devemos pois considerar seriamente a experiência.
De facto, a experiência que estamos a viver nesta crise prolongada tem-nos ensinado e feito reflectir muito sobre o estado das coisas neste mundo. Um estado a que presentemente assiste uma razão muito impura. Porque não acredito que os males que nos afligem sejam apenas obra e graça dos Espírito Santos.
Fomos fracos. Ano após ano, década atrás de década de propaganda sistemática e envolvente levaram-nos a não querer ver nos Estados Unidos o centro de uma organização hegemónica quase-imperial -- que ordenou o sistema-mundo durante a maior parte do século XX -- e a não aceitar os europeus ocidentais como seus satélites. Não, nós éramos os ‘aliados’. Satélites eram os países do leste europeu em relação à União Soviética. E como num filme, assistimos de olhos esbugalhados à implosão do ‘império’ soviético, de cujo fragor ideológico a esquerda ainda não se recompôs. Porém a Rússia continua a desempenhar um papel de peso na cena internacional, embora com outros contornos.
Apelidar as nossas sociedades de capitalistas era coisa que parecia mal, que só podia significar apoio à causa do comunismo internacional, enfim, ao diabo! Era uma traição à ordem democrática do nosso mundo. E, no entanto, o capitalismo não é apenas um regime do poder económico como nos quiseram impingir mas sim uma verdadeira ordem social institucionalizada, tal como o feudalismo de outos tempos. Tanta foi a propaganda e a desinformação que ainda nos custa admitir que o sistema-mundo em que vivemos desde o século XVII e que tantas glórias (e desgraças) trouxe às Europas foi impulsionado pela acumulação consentida de capital. O capitalismo é um produto histórico, como todas as outras estruturas e instituições que os humanos criaram e utilizaram. Assim como teve um começo, terá um fim.
O problema é que o fim do capitalismo tem sido anunciado desde há mais de um século a esta parte. E ainda que a morte do capitalismo será o ponto de partida para uma sociedade mais justa e melhor. Mas nada disto parece ter acontecido. Ou seja, provavelmente teremos de deixar de pensar nestes termos.
A última transição histórica, do feudalismo para o capitalismo, demorou uns duzentos anos, dois longos séculos de grandes incertezas e complexidade. Ninguém adivinharia que uma sociedade capitalista ia surgir dos escombros do mundo feudal. Assim deveremos pensar hoje. O fim do capitalismo corresponde a uma época de fragmentação, de descoordenação, de retorno a um capitalismo selvagem que só ajuda à desordem instalada. O seu estertor não resulta de uma decisão colectiva em direcção a um futuro melhor. Antes fosse… pobre Ocidente, que inventou a história como base para compreender a transformação social, que agora vê a evolução não ter sentido e os valores que apregoou como universais serem pisados e abusados.
Um projecto de investigação plurianual coordenado por Immanuel Wallerstein, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e cujos resultados são publicados neste mês de Setembro num livro com o título “The Time is Out of Joint” (O Tempo está Desconjuntado -- uma citação bem conhecida doHamlet) ao analisar a evolução do sistema-mundo nos últimos quatrocentos anos conclui exactamente que o efeito das sucessivas e sistemáticas polarizações induzidas pelo funcionamento capitalista das nossas sociedades gerou uma situação de enormes incertezas e onde a complexidade impera.
É este o mundo em que vivemos. Porque durou tanto (ou tão pouco) esta situação a manifestar-se? O capitalismo, que no topo privilegia apenas um pequeno número de seres humanos, precisa para sobreviver da cumplicidade activa da sociedade que domina, como muito bem explicou Fernand Braudel. O Estado-nação moderno não criou o capitalismo, mas herdou-o. E o capitalismo triunfou porque conseguiu identificar-se com o Estado no processo de expansão das nações europeias pelo mundo. A acumulação indefinida de capital ‘casava’ bem com a noção de progresso iluminista de que ‘mais é melhor’.
Por outro lado, os Estados-nação liberais – impondo por intrínseca necessidade uma divisão dos poderes por diferentes órgãos de soberania – tornaram mais fácil a sua captura por parte do poder financeiro. O recurso periódico a eleições obriga os representantes políticos a apresentarem-se para escrutínio pelo povo todos os 4 ou 5 anos – criando a oportunidade de uma avaliação primária regular dos seus préstimos pelas elites do capital, que não se coíbem de interferir nas campanhas eleitorais quando os seus superiores interesses estão em causa. O prazo é curto: a rédea também.
O capitalismo adaptou-se bem à luta pela vida no mundo moderno. Recorre e provoca sistematicamente crises, no decorrer das quais se metamorfoseia e apura, eliminando as peles mortas. Mas é condicionado pelas oscilações e roturas que limitam o sistema-mundo.
Na primeira metade do século XX o centro do sistema-mundo deslocou-se de Londres para a costa leste dos Estados Unidos, no rescaldo das guerras mundiais que derrotaram a Europa. As sociedades capitalistas modernas americanizaram-se – a maior ou menor contragosto – e o capitalismo adoptou como figura central a grande empresa industrial, hierarquizada e integrada. Contudo, a dinâmica da sociedade industrial estava esgotada, já dera os seus frutos, e o mecanismo ‘gripou’, com a abertura da China à economia mundial e a nova demografia do globo, com as ‘crises do petróleo’ e as novas tecnologias da informação. O capitalismo financeiro reagiu, transmutou-se em ‘informacional’, tomou a liderança do sistema e continuou a fazer mais do mesmo: acumular até não poder mais, agora através da globalização das finanças, da deslocalização da indústria, dos direitos da propriedade intelectual e do crédito barato – uma ‘perestroika’ à americana. Os paraísos fiscais multiplicaram-se… e as grandes fraudes também.
E nós, crédulos, acreditámos na propaganda do grande sucesso americano, que tão somente ocultava a enorme ineficiência e desperdício da economia no centro do sistema-mundo. Alguém teria finalmente de pagar a factura: caiu em sorte (ou melhor dizendo, azar) aos suspeitos do costume: aos ‘aliados’ da Europa e aos mais ou menos dependentes latino-americanos e asiáticos. Iludidos ou não com o génio, o conhecimento e a audácia dos financeiros globais dos reinados de Bush, Clinton & Bush, os povos da periferia têm de pagar sempre, e com juros… a dívida da cupidez privada do centro deve ser irrevogavelmente transferida para a esfera da responsabilidade pública indígena. Está nos manuais. E a razão - impura – impera: a punição é devida por uma ‘vida acima das possibilidades’.
Só que o tempo joga contra o capitalismo financeiro: assim como o feudalismo foi destruído pelo aparecimento da artilharia, o capital sem fronteiras já foi vencido (embora se recuse a admiti-lo) pela introdução das armas nucleares, que funcionam como a garantia final da soberania territorial. Afinal, este é um segredo de Polichinelo: nenhuma potência nuclear vai admitir que as suas fronteiras sejam violadas através de operações que não controlem ou que as destabilizem. Por enquanto isso poderá não parecer evidente, pois a Índia e o Paquistão ainda não emergiram completamente do 3º mundo e as ogivas nucleares das forças inglesas são americanas. No continente europeu apenas os russos e os franceses possuem um poder nuclear autónomo (estes, graças ao general de Gaulle); o resto ‘repousa’ maioritariamente sob a égide da aliança atlântica ou mesmo na existência de bases militares americanas, como acontece em solo alemão. Mas o mundo não pára - talvez nesta perspectiva melhor se percebam os porquês da questão nuclear iraniana e porventura se entenda como a guerra no Médio Oriente traz um tão perigoso potencial de disrupção.
Creio que o capitalismo como sistema histórico encontrou o seu fim (o que não quer dizer que desapareça de hoje para amanhã) e que Francis Fukuyama se enganou redondamente ao não qualificar o seu “fim da história” como “o fim da história moderna”. A acumulação (pretensamente) infinita de capital financeiro intangível já não engana nem seduz ninguém – é apenas mais um Eldorado estafado cujos destroços atravancam o caminho do futuro. Futuro esse que aos olhos de hoje parece tão incerto e complexo como o ‘Destino’ que assombrava as mentes dos nossos antepassados de Quinhentos. A crise revela apenas a transição; a complexidade traduz a magnitude da transformação. Esta ‘crise’ é civilizacional. O período à nossa frente é de luta sem quartel. Há que estar equipados, intelectual, material e fisicamente para a travar.
No meio disto tudo, quem eram os Espírito Santos? Ninguém, tal como o romeiro da célebre peça de Almeida Garrett. Uns desenraizados, vivendo (estes sim) acima das suas possibilidades, apenas porque nos anos 1980 a CIA e um ex-embaixador americano entenderam que o governo português devia trazer uns cacos das antigas elites financeiras da paróquia para legitimar a reprivatização da banca. Sem controlo de qualidade. Claro que ia dar asneira. Uma má educação sai sempre cara.
O que poderemos então antever? O século XVII viu o aparecimento da ciência moderna – e todo um mundo novo começou a fazer sentido. Assim esperemos que aconteça, no decurso mais ou menos longínquo deste século. Só podemos aspirar a que a bifurcação por onde estamos a enveredar seja a de uma nova ciência e a de uma nova educação que nos voltem a encantar com o que descobrirmos no universo e na vida.

Físico e professor universitário

sábado, 13 de setembro de 2014

Perguntas

É difícil evitar uma associação entre racismo e nazi-fascismos. O desenvolvimento de uma mentalidade racista conduz, no seu radicalismo, quase sempre (ou sempre?) a teorias nazi-fascistas. Na acção, na acção política sobretudo, uma teoria conduz quase sempre (ou sempre?) a práticas que a realizam. O sionismo, pelo seu chauvinismo exacerbado de "raça superior", "justifica" as práticas da nação judaica de genocídio dos palestinianos ("árabes" de maneira geral), o que o aproximou, ou mesmo confundiu, com o nazismo que exterminou milhões de judeus. Já não se sabe se foi esse judaísmo que copia os anteriores carrascos nazis, se foram estes que copiaram esse sionismo (antes do nazismo os "pais" do sionismo já se exprimiam em termos que vieram a ser replicados pelos nazis).
Parece suceder outro tanto com o fundamentalismo muçulmano. A doutrina expansionista racista do fundamentalismo religioso islamista decalca a doutrina nazi-fascista. A sua prática não se diferencia do racismo terrorista do sionismo, nem do expansionismo genocida dos nazis.
É o mal da guerra (os seus efeitos monstruosos sobre a conduta humana) que explica, ou uma mentalidade, uma justificação ideológica?

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

OPINIÃO

Ode ao conflito

O capitalismo tende a impor uma sociedade de consumo e a criar uma globalização de cidadãos que devem estar predispostos a consumir, abdicando da reclamação e do confronto de interesses ou de posições.
A experiência do conflito faz parte do campo social onde ele se manifesta de uma forma transversal que pode ir da política à literatura. Não terão o mesmo impacto, sequer o mesmo valor colectivo, uma greve de operários e a relação de confronto com um texto ou um filme ou uma doença (embora, individualmente, estes conflitos possam tomar proporções dolorosas). E, contudo, na actualidade o conflito é tomado como algo remanescente, arcaico e até bárbaro. Como coisa a ser diabolizada, sobretudo porque os conflituosos são geralmente associados aos que reivindicam, contestam, reclamam, ocupam, propõem o dissensus.No estádio actual, o capitalismo tende a impor uma sociedade de consumo e a criar uma globalização de cidadãos que devem estar predispostos a consumir, abdicando da reclamação e do confronto de interesses ou de posições. Isto é tanto mais evidente quanto os governos ou reclamam o fim da conflitualidade ou a escamoteiam. Em qualquer dos casos, transferem para o lado dos opositores – sejam eles os sindicatos, os manifestantes da oposição ou os intelectuais – o ónus da criação do conflito, escamoteando também que o conflito resulta sempre do confronto de interesses e que os interesses estão associados a valores. Ao trabalho intelectual que deve subentender aquilo a que os gregos chamavam aletheia (a desocultação e a justiça das coisas) cabe não só assumir o conflito como, se necessário, produzi-lo. E ele é tão ou mais relevante quanto muitos outros o não podem fazer por receios vários.Não se trata de reeditar a ideia do intelectual orgânico de Gramsci, uma ideia vanguardista de fusão do intelectual com o povo. Trata-se de fazer política com as palavras, repondo a ideia expressa na teoria da política de J.L Austin segundo a qual os actos da fala podem ser de enorme força reclamativa.
Uma das tarefas prementes do tempo presente é entender, desconstruir e explicar os mecanismos de dominação que passaram de fases de primarismo pós-industrial para a globalização financeira suportada pela proximidade e entreajuda entre os governos nacionais e os governos financeiros. Porém, nem tudo é igual e as proposições generalistas e a longo prazo falham por transferirem para o futuro impensado projecções que olvidam o presente.
Por isto, a análise dos mecanismos de dominação deve ser feita compreendendo e intervindo na conjuntura precisa.
Era isto o que preconizava Stuart Hall ao afirmar que “o terreno complexo e historicamente específico de uma crise que afecta – mas de formas desiguais – uma formação específica social-nacional como um todo” deve ser tomado como o momento em que se acumulam coisas, se intensificam contradições, se fundem ou separam pensamentos e actos ou acontecimentos – havendo em todos eles conflito. Daí a importância de trabalhar sobre a conjuntura e nela intervir intelectualmente, até porque as forças dos conflitos estão em contante mutação.
Não estamos condenados a conflitos internos e por vezes surge algum equilíbrio entre as forças. Deste momento pode dizer-se ser de compromisso entre as partes, o que pode ter alguma durabilidade exterior; mas em qualquer conjuntura o conflito está ou latente ou manifesto.
Importa nunca confundir compromisso com consenso. Enquanto o primeiro resulta de negociação cultural na mais abrangente definição deste termo, o segundo – o consenso – é o adiamento de um conflito, um modo cínico de enfraquecer a energia potencial e criadora que existe no conflito quando este está ainda muito longe de ser guerra.
A este propósito, e para evitar a culpa que a noção de conflito pode inculcar em alguns intelectuais, será oportuno reler a peça Mãe Coragem de Bertolt Brecht – onde, para evitar assumir o conflito, a heroína conduz à morte os dois filhos. Também oportuna será a leitura de Na solidão dos campos de algodãode Bernard-Marie Koltés, onde fica explícito que é prioritário assumir o conflito como inevitabilidade entre sujeitos opostos e só enfrentando-o se pode conseguir uma paz episódica. Só assim se entende que o que define o intelectual e lhe dá autoridade é a sua capacidade de criar alteridade. Caso contrario, o intelectual não é necessário. 
in jornal PÚBLICO

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

José Goulão
 Imagem que vale por mil silêncios

Diz-se que há imagens que valem por mil palavras. Mas também há imagens que valem por mil silêncios enquanto se despejam enxurradas de asneiras e mentiras para as esconder e ignorar.
A imagem de que vos falo não deixa dúvidas. Revela que a fuselagem do avião da Air Malaysian do fatídico voo MH017 mostra sinais indesmentíveis de ter sido metralhado na área do cokpit, o que só poderia ter acontecido por obra e graça de aviões de guerra ao serviço da junta que governa parte da Ucrânia a partir de Kiev.
Os participantes, voluntários ou ingénuos, na monumental campanha de propaganda que pretende responsabilizar a Rússia e o seu presidente pelo abate do avião, têm usado – em surdina, porque não é aconselhável levantar turbulência sobre o assunto – argumentos de que a foto pode ser falsa, ou uma montagem, etc., etc., aquelas coisas a que se recorre quando se pretende desmentir a realidade quando ela se mete pelos olhos dentro.
A autenticidade das imagens está confirmada. Tanto pelas referências inscritas no aparelho como pelo testemunho do canadiano Michal Bociurkiw, chefe da delegação de Kiev da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), um dos responsáveis pela investigação que já visitou os destroços do aparelho.
A foto dá credibilidade à hipótese de o avião ter sido abatido por caças ucranianos SU-25 e não por um míssil seja de que nacionalidade ou grupo for. Testemunhos militares e também da avião civil sublinham que os vestígios na fuselagem correspondem ao armamento instalado nos citados aparelhos.
Alguns estarão recordados de que logo no dia do acidente um controlador aéreo que se encontrava na torre de Kiev, e que usou a sua conta Twitter como “Carlos”, denunciou que o avião acidentado foi escoltado por caças ucranianos até poucos momentos antes de desaparecer dos radares; e que o Ministério russo da Defesa apresentou publicamente provas de que o MH017 teve a companhia de pelo menos um caça ucraniano antes da tragédia; e que testemunhas oculares ucranianas garantiram ter visto aviões militares junto do aparelho malaio.
Fotos em alta definição dos destroços captadas pouco depois do desastre chegaram a estar no Google e entretanto desapareceram. O tema ressurgiu com as imagens captadas no local durante a recente visita do chefe da missão da OSCE.
Os principais dirigentes mundiais, com o presidente dos Estados Unidos, reclamam que é preciso conhecer “a verdade”. Enquanto ela vem e não vem trataram de estabelecer a sua “verdade” – a Rússia abateu o aparelho malaio – e determinaram as respectivas sanções económicas. Até veteranos da CIA escreveram uma carta ao presidente Obama sugerindo-lhe que, ao demonstrar tantas certezas sobre os autores do massacre, já era tempo de apresentar alguma prova concreta das acusações que faz, sob pena de perda de credibilidade.
A junta de Kiev desmultiplica-se em declarações sobre provas que diz ter e que logo são desmanteladas pela evidência dos factos. O primeiro ministro do governo saído do golpe, Iatseniuk, demitiu-se entretanto: existe pelo menos uma coincidência temporal entre o seu afastamento e a tragédia do avião malaio.
Podem surgir mil e uma provas para que se estabeleça “a verdade” sobre o voo MH017. Não pode, nem deve, ser silenciada a evidência que é testemunhada pelas fotos da fuselagem metralhada. Nem que seja apenas a milésima segunda prova.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Contra o catastrofismo

Por EMIR SADER
Quem queira se refugiar no catastrofismo tem um prato cheio no mundo de hoje. Pode seguir, diariamente, destacando os descalabros das guerras, da miséria, das crises econômicas, das instabilidades políticas, das ameaças ambientais, entre outros.
Porque o capitalismo, mesmo triunfando  na guerra fria, não conseguiu retomar um ciclo expansivo da economia. Ao contrário, no próprio centro do sistema, em suas regiões mais ricas, já faz 6 anos que há uma crise recessiva profunda, que destrói o Estado de bem estar social – sua melhor construção histórica. As economias norte-americana e europeia não têm horizonte para voltar a crescer, difundindo suas tendências recessivas para o conjunto do sistema.
A hegemonia imperial norte-americana, mesmo tendo triunfado na guerra fria, tropeça em um mundo de guerras cada vez mais prolongadas, brutais e sem perspectivas de paz. Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Palestina, entre outros, são epicentros de guerras e violências cada vez mas sangrentas, sem que nenhuma instância intervenha para encontrar soluções de paz.
Em um mundo de riquezas, a miséria, a pobreza, a exclusão social e a desigualdade só se multiplicam. Da Eruopa até a África, passando pela Ásia e por países da America Latina – como o México, por exemplo –, a situação social não para de se deteriorar.
Um catastrofista pode, desde a sua janela – ou desde o seu computador – fazer seu diário do fim do mundo, com férteis materiais. O mundo está à beira de uma crise ambiental que o levaria à sua desaparição. O capitalismo apresenta um cenário de estagnação, de predomínio da especulação sobre a produção, de eliminação de empregos formais e de direitos sociais. Há quem diga que o capitalismo terminará em 50 anos – sem dizer o que o substituirá ou como se dará esse fim.
O mundo, na verdade é um prato cheio para o catastrofismo. O denuncismo prolifera em todos os lugares. Há gerações de cronistas do caos, que nunca construíram alternativas, cujas denúncias são reiteradamente desmentidas pela realidade, sem que eles mudem suas atitudes e posições.
Mas o catastrofismo faz o jogo da perpetuação do mundo – catastrófico, certamente – tal qual ele existe ou em formas ainda piores. Buscam desqualificar toda tentativa – realizada ou não – de construir alternativas – que seria e são fatais para os catastrofistas. O catastrofismo parece uma posição radical, intransigente, profunda, mas na verdade é uma posição conservadora, resignada, que transita entre o ceticismo e o cinismo.
É cômoda a postura, se exacerba a crítica radical de tudo o que existe, “nada é melhor, tudo é igual”, como canta o tango Cambalache. Mas é um convite à inatividade, que consegue, às vezes, conquistar a jovens que precocemente assumem atitudes de renúncia a assumir a realidade – com sua complexidade e suas contradições – como ela efetivamente é.
O catastrofismo não é resultado de uma análise; é  uma postura psicológica acomodada, preguiçosa para encarar a realidade, com suas tendências e contra tendências. Tem, como efeito, tirar forças – intelectuais e políticas – das lutas de transformação efetiva da realidade.
Toda visão catastrofista comete o equívoco de tomar uma ou mais tendências reais, projetando-as para o futuro, sem considerar as – sempre existentes – contratendências. Nenhuma tendência catastrofista teve tanta difusão como a visão malthusiana em relação à expansão demográfrica e a suposta incapacidade para produzir alimentos no mesmo ritmo. Uma projeção que se revelou equivocada: hoje  se produzem alimentos para o dobro da população mundial, porém muito mal repartidos. Ao mesmo tempo que em várias partes do mundo há uma regressão demográfica.
Da mesma forma que hoje, há sintomas de contratendências que acabam por desmoralizar as previsões catastrofistas. É verdade, o mundo não anda nada bem, há guerras, miséria, contaminação ambiental, mas perguntem aos chineses o que eles acham da ideia de que estamos no pior dos mundos. E não são poucos os chineses. Perguntem aos brasileiros, se melhoraram ou pioraram de vida, se acham que seguirão melhorando ou piorarão suas vidas, se estão contentes de viver agora no seu país. Perguntem aos bolivianos, aos equatorianos.
Na  realidade, os que melhoraram de vida são os que se opuseram e contradisseram o pensamento único, as formulas econômicas que se pretendiam  insuperáveis e as previsões pessimistas, catastrofistas. Porque todas as grandes transformações, que melhoram a vida da pessoas foram e são feitas contra os catastrofismos.
in BOITEMPO blog

domingo, 7 de setembro de 2014

A valsa

Era uma vez uma família muito rica de um país muito pobre. Quando toda a gente ou ia fazer a guerra ou emigrava, essa distinta família sobre a guerra achava que era muito boa e da emigração só conhecia o turismo de luxo. Até que um dia deu-se uma reviravolta muito grande e a família decidiu dar à sola, como sói dizer-se. Emigrou para onde guardava o dinheiro. Aí fez mais dinheiro e, quando pôde regressar, recebeu ainda mais dinheiro. Como era mui rica e mui distinta, fez muitos amigos. Dos amigos, fez muitos governantes. Os governantes fizeram mutos negócios com a família distinta. Cada vez ficaram mais amigos uns dos outros. Casavam uns com os outros, caçavam javalis nas coutadas de extintas cooperativas de camponeses, jogavam golfe no Algarve. Faziam inimigos, conspiravam e liquidavam-nos. Ou seja, mudavam os governos, trocando de amigos. Na próxima rodada voltavam a fazer as pazes com os inimigos de ontem. No fundo, eram boa gente. Distinta sobretudo. Gostavam todos da mesma música e dançavam a mesma valsa.
Moral da história: Para que alguns dancem o tempo todo, é preciso que outros trabalhem e votem neles.

Nozes Pires

sábado, 6 de setembro de 2014

Que tempos!

Enquanto observador dos acontecimentos que me chegam pelos media, retomo sempre a mesma interrogação: a História repete-se ou não? Existe uma lógica na História, luta pela sobrevivência, luta de classes, luta das minorias, Vontade de Poder? Move-se para a frente, do inferior para o superior, do mau para o menos mau?
Vivemos um tempo pródigo em apocalipses, isto é, de visões pós-apocalípticas. A pós-modernidade parece ser a antevisão de catástrofes. O fim do mundo e a sua continuação por outros modos. Pan-epidemias, invasões de vírus e de alienígenas, degelo das calotas polares, inundações gigantescas, meteoros e cometas em colisão com a Terra, atentados terroristas às metrópoles, choque mortal de civilizações, guerras nucleares, etc., etc. Ficção-científica que antecipa o que há de pior no presente, romances pessimistas, cinema do horror e do terror. Telejornais de tirar o apetite ao jantar.
Um amigo meu acaba de publicar uma novela futurista à maneira do "New Brave world", de Huxley...
Anda no ar um susto, um medo, um anúncio. O Anjo da Morte, de W. Benjamim.
Sumiram-se as utopias, reinam as distopias.
Quem influencia quem? A arte ou a vida?

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Brasil

Marina Silva, candidata à presidência do Brasil, é a carta forte e inesperada da direita brasileira. Ex-militante ecologista nos anos 80, com amigos no poderoso agronegócio das transgénicas, evangélica opositora da interrupção voluntária da gravidez, apoiada pelos banqueiros, fervorosa adepta das privatizações, colocada no top das sondagens encomendadas pela rede Globo, dirige o seu "charme" aos eleitores hesitantes que maldizem dos "políticos". Se os trabalhadores não se põem a pau o Brasil regressa ao "amigo americano".

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Desabafo

O mundo hoje é um lugar perigoso. Todavia, não foi sempre? Quando assisto às notícias que nos chegam da Ucrânia e do Médio Oriente, sinto-me entalado entre O Princípio Esperança, de Ernst Bloch, e o Anjo da História", de Benjamim. A História segue em frente com as costas voltadas contra o futuro, como o anjo da morte, ou a utopia concreta é um horizonte? O que se passa na Ucrânia é mau, muito mau, mas no Médio Oriente passa-se algo talvez pior ainda. Guerras fronteiriças são vulgares, embora possam deflagrar numa espécie semelhante à primeira Guerra Mundial, mas talvez não. O que se passa no Médio Oriente é uma guerra inter-imperialista: o imperialismo norte-americano contra o imperialismo com bandeira religiosa, bandeira que pode movimentar milhões de indivíduos fanatizados pelo ódio contra o Outro, que é a forma mais cruenta dos racismos, pode degenerar no Mal Absoluto (Ana Arendt). O imperialismo norte-americano criou os seus próprios demónios.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

1
Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
http://www.pelosocialismo.net
_____________________________________________
Publicado em 2014/08/18, em: http://www.voltairenet.org/article185101.html
Colocado em linha em: 2014/08/29

John McCain, chefe de orquestra
da «primavera árabe», e o Califa

Thierry Meyssan *

Todos notaram a contradição dos que qualif icavam, recentemente, os membros
do Emirado islâmico como «combatentes da liberdade» na Síria, e se indignam
hoje com as suas barbaridades no Iraque. Mas, se este discurso é incoerente em
si, ele é perfeitamente lógico no plano estratégico: os mesmos indivíduos que
sendo, ontem, apresentados como aliados devem sê-lo hoje como inimigos,
mesmo se estão sempre às ordens de Washington. Thierry Meyssan revela os
bastidores da politica dos E.U. através do caso pessoal do senador John
McCain, chefe-de-orquestra da «primavera árabe» e interlocutor de longa data
do Califa Ibrahim.
Barack Obama e John McCain são adversários políticos, como o representam, ou
colaboram em conjunto na estratégia imperialista do seu país?
John McCain é conhecido como o chefe de fila dos republicanos, candidato malsucedido
à presidência norte-americana em 2008. Isto não é, como o veremos, senão
uma parte da sua real biografia, a que lhe serve de cobertura para conduzir acções
secretas em nome do seu governo.
Na altura do ataque «ocidental» eu estava na Líbia, aí, pude consultar um relatório
dos serviços de inteligência exterior. Nele podia ler-se que a Otan tinha organizado, a
4 de fevereiro de 2011, no Cairo, uma reunião para lançar a «Primavera Árabe» na
Líbia e na Síria. De acordo com o documento, ela tinha sido presidida por John
McCain. O relatório detalhava a lista de participantes líbios, cuja delegação era
liderada pelo n.º 2 do governo da época, Mahmoud Jibril, que mudara abruptamente
de campo, à entrada para esta reunião, para se tornar o chefe da oposição no exílio.
Lembro-me que, entre os delegados franceses presentes, o relatório citava Bernard-
Henry Lévy, embora oficialmente este nunca tenha exercido qualquer função no seio
do governo francês. Muitas outras personalidades participaram neste simpósio, entre
as quais uma enorme delegação de Sírios vivendo no exterior.
No final desta reunião, a misteriosa conta do Facebook Syrian Revolution 2011
(Revolução síria 2011 - ndT) convocava protestos diante do Conselho do Povo
(Assembleia Nacional) em Damasco, a 11 de fevereiro. Embora esta conta pretendesse
2
à época ter mais de 40.000 followers (seguidores) apenas uma dúzia de pessoas
responderam ao seu apelo, para os flashes dos fotógrafos e de centenas de polícias
(policiais-Br). A manifestação dispersou pacificamente, e os confrontos não
começaram senão mais de um mês depois, em Deraa1.
Em 16 de fevereiro de 2011, uma manifestação que se desenrolava em Benghazi, em
memória dos membros do Grupo islâmico combatente na Líbia2, massacrados em
1996 na prisão de Abu Selim, degenerou em tiroteio. No dia seguinte, uma segunda
manifestação, desta vez em memória das pessoas mortas ao atacar o consulado da
Dinamarca por alturas das caricaturas de Maomé, degenerou igualmente em tiroteio.
Nesta precisa altura, membros do Grupo islâmico combatente na Líbia vindos do
Egito, enquadrados por indivíduos encapuçados e não identificados, atacavam,
simultaneamente, quatro bases militares em quatro cidades diferentes. No
seguimento de três dias de combates e atrocidades, os contestatários lançaram o
levantamento da Cirenaica contra a Tripolitânia3; um ataque terrorista que a
imprensa ocidental apresentou, mentirosamente, como uma «revolução
democrática» contra «o regime» de Muammar el-Qaddafi.
Em 22 de fevereiro, John McCain estava no Líbano. Ele encontrou-se lá com
membros da Corrente do Futuro (o partido de Saad Hariri), que encarregou de
supervisionar as transferências de armas para a Síria, por conta do deputado Okab
Sakr4. Depois, deixando Beirute, ele inspecionou a fronteira síria e escolheu as
aldeias, nomeadamente Ersal, que deveriam servir como base de retaguarda para os
mercenários na guerra que se preparava.
As reuniões presididas por John McCain foram, claramente, o ponto de partida de
um plano, previsto de longa data, por Washington; plano que previa o ataque da Líbia
e da Síria simultaneamente pelo Reino Unido e pela França, de acordo com a
1 Nós retransmitimos os relatos da imprensa garantindo que a manifestação de Deraa foi um protesto
após a prisão e tortura de liceais que haviam grafitado slogans (eslogans-Br) hostis à República. Ora,
muitos colegas têm tentado estabelecer a identidade desses alunos e encontrar as suas famílias.
Nenhum o conseguiu, as únicas testemunhas que falaram fizeram-no para a imprensa britânica, mas
de maneira anónima, logo inverificável. Agora, estamos convencidos de que este evento nunca
existiu. O estudo dos documentos, contemporâneos, sírios mostra que a manifestação foi na
realidade sobre um aumento para os salários e pensões dos funcionários públicos. Ela obteve a
aprovação do governo. Neste ponto, nenhum jornal mencionou estes estudantes, tendo esta história
sido inventada pela Al-Jazeera, senão, duas semanas mais tarde.
2
Os membros do Grupo islâmico combatente na Líbia, quer dizer, da Al-Qaida na Líbia, haviam
tentado assassinar Mouamar el-Kadhafi por conta do MI 6 britânico. O assunto foi revelado por um
oficial da contra-espionagem britânica, David Shyler. Cf «David Shayler: "J’ai quitté les services
secrets britanniques lorsque le MI6 a décidé de financer des associés d’Oussama Ben Laden"»
(«David Shayler: “Deixei os serviços secretos britânicos quando o MI 6 decidiu financiar os
associados de Osama bin Laden”»-ndT), Réseau Voltaire, 18 novembre 2005.
3 Relatório da Missão de inquérito sobre a crise actual na Líbia, junho de 2011.
4 «Un député libanais dirige le trafic d’armes vers la Syrie» («Um deputado libanês dirige o tráfico
de armas para a Síria»-ndT), Réseau Voltaire, 5 de Dezembro de 2012.
3
doutrina da «liderança de bastidores» e o anexo do Tratado de Lancaster House, de
Novembro de 20105.
A viagem ilegal à Síria, em maio de 2013
Em maio de 2013, o senador John McCain dirigiu-se, ilegalmente, para perto de
Idleb, na Síria, através da Turquia, para aí se reunir com líderes da «oposição
armada». A sua viagem só foi tornada pública após o seu regresso a Washington6.
Esta deslocação fora organizada pela Syrian Emergency Task Force (Força-Tarefa de
Emergência Síria) a qual, contrariamente ao seu título, é uma organização sionista
dirigida por um funcionário palestino da AIPAC7.
Nas fotografias difundidas então, nota-se a presença de Mohammad Nour, porta-voz
da Brigada Tempestade do Norte (da frente Al-Nosra, quer dizer da Al-Qaida na
Síria), que havia sequestrado e detinha 11 peregrinos xiitas libaneses em Azaz8.
Interrogado sobre a sua proximidade com os sequestradores, membros da al-Qaida, o
senador alegou não conhecer Mohammad Nour, o qual se teria infiltrado por sua
própria iniciativa nesta (tomada de - ndT) foto [a foto está no sítio em referência -
NE].
O caso deu um grande sururu, e as famílias dos peregrinos raptados apresentaram
queixa, perante a justiça libanesa, contra o senador McCain por cumplicidade no
sequestro. Por fim, foi alcançado um acordo e os peregrinos foram libertados
(liberados-Br).
Vamos supor que o senador McCain tenha dito a verdade, e que ele tenha sido
explorado por Mohammad Nour. O objeto da sua viagem, ilegal, à Síria era o de se
encontrar o estado-maior do Exército sírio livre. Segundo ele, esta organização era
composta «exclusivamente por sírios», combatendo pela «sua liberdade» contra a
«ditadura alauíta» (sic). Os organizadores da viagem publicaram esta fotografia para
confirmar a reunião.
Se nela podemos ver o brigadeiro-general Salem Idriss, chefe do Exército sírio livre,
também aí se pode ver Ibrahim al-Badri (em primeiro plano, à esquerda), com quem
o senador está em vias de conferenciar. De regresso desta viagem surpresa, John
McCain, afirmou que todos os responsáveis do Exército sírio livre são «moderados
nos quais se pode confiar» (sic).
5 Neste plano, reportar-nos-emos à minha série de seis emissões 10 ans de Résistance, (10 anos de
resistência), sobre a guerra dos Estados Unidos contra a Síria.
6 «John McCain entre illégalement en Syrie» (« John McCain entra ilegalmente na Síria»-
ndT), Réseau Voltaire, 30 de maio de 2013.
7 «La Syrian Emergency Task Force, faux-nez sioniste» (« Força Tarefa de Emergência Síria, falso
esquema sionista»-ndT), Réseau Voltaire, 7 de junho de 2013.
8 «John McCain a rencontré des kidnappers en Syrie» («John McCain encontrou-se com os raptores
na Síria»-ndT), Réseau Voltaire, 1 de junho de 2013.
4
Ora, desde 4 de outubro de 2011, Ibrahim al-Badri, também conhecido como Abu
Du’a, figurava na lista dos cinco terroristas mais procurados pelos Estados Unidos
(Rewards for Justice - Recompensas para Justiça - ndT). Uma recompensa, podendo
ir até aos $ 10 milhões de dólares, era oferecida a quem ajudasse na sua captura9. No
dia seguinte, 5 de outubro de 2011, Ibrahim al-Badri foi colocado na lista do Comité
de sanções da Onu como membro da Al-Qaida10.
Além disso, um mês antes de receber o senador McCain, Ibrahim al-Badri, com o
nome de guerra de Abu Bakr al-Baghdadi, criou o Estado Islâmico no Iraque e no
Levante (EIIL) – ao mesmo tempo que pertencia, ainda, ao estado-maior do muito
«moderado» Exército sírio livre. Ele reivindicou o ataque às prisões de Taj e de Abu
Ghraib no Iraque, de onde fez evadir entre 500 e 1.000 jihadistas que se juntaram à
sua organização. Este ataque foi coordenado com outras operações, quase
simultâneas, em outros oito países. Em cada ocasião os jihadistas evadidos juntaramse
a organizações combatendo na Síria. Este caso é de tal maneira estranho que a
Interpol emitiu uma nota, e pediu a assistência dos 190 países membros11.
Pela minha parte, eu sempre afirmei que não havia, no terreno, nenhuma diferença
entre o Exército sírio livre, a frente Al-Nosra, o emirado islâmico, etc. Todas estas
organizações são formadas pelos mesmos indivíduos, que mudam de bandeira
permanentemente. Quando se reivindicam ser do Exército sírio livre eles arvoram a
bandeira da colonização francesa, e só falam em derrubar o «cão Bachar». Quando
eles dizem pertencer à Frente Al-Nosra carregam a bandeira da Al-Qaida, e declaram
espalhar o seu Islão (Islã-Br) no mundo. Finalmente, quando eles se dizem do
Emirado Islâmico brandem, então, o estandarte do Califado, e anunciam que
limparão a região de todos os infiéis. Mas, qualquer que seja a etiqueta, eles cometem
os mesmos crimes: estupros, torturas, decapitações, crucificações.
No entanto, nem o senador McCain, nem os seus acompanhantes da Syrian
Emergency Task Force (Força Tarefa de Emergência síria) forneceram ao
Departamento de Estado as informações, em sua posse, sobre Ibrahim al-Badri, nem
reclamaram o acesso a esta recompensa. Nem sequer informaram, também, o Comité
anti-terrorista da Onu.
Em nenhum país do mundo, qualquer que seja o seu regime político, se aceitaria que
o líder da oposição esteja em contacto directo, amigável e público, com um tão
perigoso terrorista, procurado por toda a gente.
Quem é pois o senador McCain?
9 “Wanted for Terrorism”, Rewards for Justice Program («Procurado por terrorismo» -
ndT), Department of State.
10 O Comité do Conselho de segurança criado pela resolução 1267 (1999) a 15 de outubro de 1999 é
igualmente conhecido sob o nome de «Comité das sanções contra a Al-Qaida». Ficha de inscrição
de Ibrahim al-Badri (desta vez com o nome de guerra de al-Samarrai).
11 «Évasions simultanées de jihadistes dans 9 pays» («Evasões simultâneas de jihadistas em 9
países» - ndT), Réseau Voltaire, 6 de agosto de 2013.
5
Mas além de John McCain não ser simplesmente o líder da oposição política ao
presidente Obama, também ele é, na realidade, um dos seus altos-funcionários!
Ele é, com efeito, presidente do International Republican Institute (Instituto
Republicano Internacional - ndT) (IRI), o ramo republicano do NED/CIA12, desde
Janeiro de 1993. Esta pretensa «ONG» foi criada, oficialmente, pelo presidente
Ronald Reagan para estender certas atividades da CIA, em cooperação com os
serviços secretos britânicos, canadianos (canadenses-Br) e australianos.
Contrariamente às suas alegações é, de facto, uma agência inter-governamental. O
seu orçamento é aprovado pelo Congresso, numa rubrica orçamental dependente da
Secretaria de Estado.
E, é por isso, porque é uma agência conjunta dos serviços secretos Anglo-saxões, que
vários Estados no mundo lhe interditam toda a actividade no seu território.
A lista das intervenções de John McCain por conta do departamento de Estado é
impressionante. Ele participou em todas as revoluções coloridas dos últimos vinte
anos.
Para não dar senão alguns exemplos, ele preparou, sempre em nome da
«democracia», o golpe de Estado fracassado contra o presidente constitucional Hugo
Chávez na Venezuela13, o derrube (derrubada - Br) do presidente constitucional Jean-
Bertrand Aristide no Haiti14, a tentativa de derrube do presidente constitucional
Mwai Kibaki no Quénia15 e, mais recentemente, a do presidente constitucional
ucraniano Viktor Yanukovych.
Não interessa em que estado do mundo, logo que um cidadão toma a iniciativa de
derrubar o regime de outro Estado, ele poderá ser felicitado se nisso for bemsucedido,
e que o novo regime se mostre um aliado, mas ele será severamente
condenado se as suas iniciativas tiverem consequências nefastas para o seu próprio
país. Ora, nunca o senador McCain foi inquietado pelas suas ações anti-democráticas,
em estados onde ele fracassou e que se voltaram contra Washington. Na Venezuela,
por exemplo. É que, para os Estados Unidos John McCain não é um traidor, mas sim
um agente (secreto).
E um agente que dispõe da melhor cobertura que se possa imaginar: ele é o opositor
oficial de Barack Obama. Nesta condição ele pode viajar para qualquer lugar no
mundo (é o senador norte-americano que mais viaja), e encontrar-se com quem ele
quiser sem temer. Se os seus interlocutores aprovam a política de Washington ele
12 «La NED, vitrine légale de la CIA» («A NED, vitrine legal da CIA» - ndT), por Thierry
Meyssan, Оdnako (Russie), Réseau Voltaire, 6 de outubro de 2010.
13 «Opération manquée au Venezuela» («Operação falhada na Venezuela» - ndT), por Thierry
Meyssan, Réseau Voltaire, 18 de maio de 2002.
14 «La CIA déstabilise Haïti» (A CIA desestabiliza o Haiti), «Coup d’État en Haïti» (Golpe de Estado
no Haiti), por Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 14 de janeiro e 1 de março de 2004.
15 «L’expérience politique africaine de Barack Obama» («A experiência política africana de B.
Obama» - ndT), por Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 9 de Março de 2013.
6
promete-lhes mantê-la, se a combatem, ele atira a responsabilidade para cima do
presidente Obama.
John McCain é conhecido por ter sido prisioneiro de guerra no Vietname (Vietnã -
Br), durante 5 anos, e disse aí ter sido torturado. Ele foi vítima de um programa
concebido não para extrair informações, mas para incutir uma confissão. Tratava-se
de transformar a sua personalidade, para que ele fizesse declarações contra o seu
próprio país. Este programa, estudado a partir do exemplo coreano, para a Rand
Corporation, pelo professor Albert D. Biderman, serviu de base às pesquisas
conduzidas em Guantanamo, e em outros lugares, pelo Dr. Martin Seligman16.
Aplicado sob George W. Bush a mais de 80.000 prisioneiros permitiu transformar
vários de entre eles, para fazer, assim, verdadeiros combatentes ao serviço de
Washington. John McCain, que havia “rachado” no Vietname, compreende-o, pois,
perfeitamente. Ele sabe como manipular, sem escrúpulos, os jihadistas.
Qual é a estratégia dos norte-americana com os jihadistas no Levante?
Em 1990, os Estados Unidos decidiram destruir o seu antigo aliado iraquiano. Após
terem sugerido ao presidente Saddam Hussein, que considerariam o ataque ao
Koweit como um caso interno iraquiano, eles aproveitaram o pretexto deste ataque
para mobilizar uma vasta coligação (coalizão - Br) contra o Iraque. Porém, devido à
oposição da URSS, eles não derrubaram o regime, contentaram-se sim em controlar a
zona de exclusão aérea.
Em 2003, a oposição da França não foi suficiente para contrabalançar a influência do
Comité para a Libertação do Iraque. Os Estados Unidos atacaram de novo o país e,
desta vez, derrubaram o presidente Hussein. Evidentemente, John McCain era um
dos principais responsáveis do Comité (Comitê - Br). Depois de ter entregue, durante
um ano, a uma sociedade privada o cuidado de pilhar o país17, eles tentaram parti-lo
em três Estados separados, mas tiveram que renunciar a isso diante da resistência da
população. Eles tentaram de novo em 2007, com a resolução Biden-Brownback, mas
voltaram a falhar18. Daí, a estratégia atual, que tenta conseguir isso por meio de um
ator não-estatal: o Emirado Islâmico.
A operação foi preparada durante muito tempo, antes mesmo da reunião de John
McCain com Ibrahim al-Badri. Assim, correspondência interna do Ministério
catariano das Relações exteriores (Negócios Estrangeiros - Pt), publicada pelos meus
amigos James e Joanne Moriarty19, mostram que 5. 000 jihadistas foram formados,
16
«Le secret de Guantánamo» («O segredo de Guantánamo» - ndT), por Thierry Meyssan, Оdnako
(Russie), Réseau Voltaire, 28 de outubro de 2009. Nota do Tradutor: - Estamos a preparar versão
em Português deste extenso, mas interessante, artigo para poder aparecer dentro de algum tempo.
17 «Qui gouverne l’Irak?» («Quem governa o Iraque?» - ndT), por Thierry Meyssan, Réseau Voltaire,
3 de maio de 2004.
18 «La balkanisation de l’Irak» («A balcanização do Iraque» - ndT), por Manlio Dinucci, Tradução
Marie-Ange Patrizio, Il Manifesto (Italie), Réseau Voltaire, 17 de junho de 2014.
19 «Official Document Qatar Embassy Tripoli Confirms Sending 1800 Islamic Extremists Trained in
Libya to Fight in Syria» («Documento oficial embaixada do Catar Tripoli confirma envio de 1800
7
às custas do Catar, na Líbia da Otan em 2012, e que 2,5 milhões de dólares foram
atribuídos, na mesma altura, ao futuro califa.
Em janeiro de 2014, o Congresso dos Estados Unidos realizou uma reunião secreta,
na qual votou, em violação do direito internacional, o financiamento até Setembro de
2014 da Frente Al-Nosra (Al-Qaida), e do Emirado Islâmico no Iraque e no Levante20.
Embora se desconheça, com detalhe, o que foi realmente acordado aquando desta
sessão, revelada pela agência de notícias britânica Reuters21, e que nenhum média
(mídia - Br) norte-americano ousou passar devido à censura, é altamente provável
que a lei inclua uma secção sobre o armamento e treino de jihadistas.
Envaidecida com este financiamento norte-americano, a Arábia Saudita reivindicou,
no seu canal público de televisão, Al-Arabiya, que o Emirado Islâmico estava
colocado sob a autoridade do príncipe Abdul Rahman al-Faisal, irmão do príncipe
Saud al Faisal (Ministro dos Negócios Estrangeiros) e do príncipe Turki al-Faisal
(embaixador saudita nos Estados Unidos e no Reino Unido)22.
O Emirado Islâmico representa uma nova etapa no mercenarismo. Ao contrário dos
grupos jihadistas que combateram no Afeganistão, na Bósnia-Herzegovina e na
Chechénia, junto a Osama bin Laden, ele não constitui uma força de reserva, mas é
um verdadeiro exército em si. Ao contrário dos grupos precedentes, no Iraque, na
Líbia e na Síria, agrupados pelo príncipe Bandar Ben Sultan, eles dispõem de
sofisticados serviços integrados de comunicação, que fomentam o alistamento, e de
administradores civis, formados nas grandes escolas ocidentais capazes de tomar em
mãos, imediatamente, a administração de um território.
Armas ucranianas, chispando de novas, foram compradas pela Arábia Saudita, e
comboiadas pelos serviços secretos turcos que as remeteram para o Emirado
islâmico. Os detalhes finais foram coordenados com a família Barzani, aquando de
uma reunião de grupos jihadistas em Amã, a 1 de Junho de 201423. O ataque conjunto
ao Iraque, pelo Emirado Islâmico e pelo Governo regional do Curdistão, começou
quatro dias mais tarde. O emirado islâmico capturou a parte sunita do país, enquanto
o governo regional do Curdistão aumentava o seu território em mais de 40%. Fugindo
das atrocidades dos jihadistas, as minorias religiosas deixaram a zona Sunita,
preparando assim a via para a partição do país em três.
extremistas Islâmicos treinados na Líbia para combater na Síria» - ndT), Libyan War The Truth,
20 de setembro de 2013.
20 “Estados Unidos, principal financiador mundial do terrorismo”, Thierry Meyssan, Tradução
Alva, Al-Watan (Síria), Rede Voltaire, 3 de fevereiro de 2014.
21 “Congress secretly approves U.S. weapons flow to ’moderate’ Syrian rebels” («Congresso aprova
secretamente envio de armas para rebeldes sírios “moderados”»-ndT), Mark Hosenball, Reuters,
27 de janeiro de 2014.
22 «L’ÉIIL est commandé par le prince Abdul Rahman» («EIIL dirigido pelo príncipe Abdul
Rahman» - ndT), Réseau Voltaire, 3 de fevereiro de 2014.
23 «Révélations du PKK sur l’attaque de l’ÉIIL et la création du "Kurdistan"» («Revelações do PKK
sobre o ataque e a criação do “Curdistão” - ndT), Réseau Voltaire, 8 de julho de 2014.
8
Violando o acordo de defesa Iraquiano-americano, o Pentágono não interveio e
deixou o emirado islâmico prosseguir a sua conquista e os seus massacres. Um mês
depois, enquanto os peshmergas do governo regional curdo haviam recuado sem
batalha, e quando a emoção da opinião pública mundial se tornou demasiado forte, o
presidente Obama deu a ordem para bombardear posições do Emirado islâmico. No
entanto, segundo o general William Mayville, diretor de operações no Estado-maior:
«Estes bombardeamentos são pouco suscetíveis de afetar as capacidades globais do
Emirado Islâmico, ou as suas atividades noutras regiões do Iraque ou da Síria»24.
Obviamente, eles não visam destruir o exército jihadista mas, apenas, garantir que
cada ator não ultrapasse o território que lhe foi atribuído. Além disso, de momento,
eles são puramente simbólicos e não destruíram senão um punhado de veículos. Na
realidade tem sido a intervenção dos curdos do PKK, turco e sírio, nisto, que parou a
progressão do Emirado Islâmico e, abrindo um corredor, permitiu às populações civis
escapar ao massacre.
Numerosa desinformação circula a propósito do Emirado Islâmico e do seu califa. O
jornal quotidiano Gulf Daily News fingiu que Edward Snowden havia feito revelações
neste sentido25. No entanto, verificação feita, o antigo espião norte-americano não
publicou nada a este respeito. O Gulf Daily News é publicado no Barein, um Estado
ocupado por tropas sauditas. O artigo visa, apenas, limpar a Arábia Saudita e o
príncipe Abdul Rahman al-Faisal das suas responsabilidades.
O Emirado Islâmico é comparável aos exércitos mercenários do século XVI europeu.
Eles conduziam guerras religiosas em nome dos senhores que lhes pagavam, às vezes
de um lado, às vezes de outro. O Califa Ibrahim é um condottiere moderno. Embora
esteja às ordens do príncipe Abdul Rahman, (membro do clã dos Sudeiris), não seria
de espantar que ele continue a sua epopeia na Arábia Saudita, (após um breve desvio
no Líbano, ou seja no Koweit), e parta assim o bolo da sucessão real, favorecendo o
clã dos Sudeiris contra o príncipe Mithab (filho, e não irmão, do rei Abdallah).
John McCain e o Califa
Na última edição do seu magazine, o Emirado Islâmico consagrou duas páginas a
denunciar o senador John McCain, como «o inimigo» e «o cruzado», recordando o
seu apoio à invasão norte-americana do Iraque. Temendo que essa acusação passasse
em claro nos Estados Unidos, o senador emitiu, imediatamente, um comunicado
qualificando o Emirado de «o mais perigoso grupo terrorista islâmico no mundo»26.
Esta polémica destina-se apenas a distrair a «galeria». Nós bem gostaríamos de
acreditar nela..., se não existisse esta fotografia, de maio de 2013 [A fotografia está no
24 “U.S. Air Strikes Are Having a Limited Effect on ISIL” («Ataques aéreos dos E.U. têm tido efeito
limitado sobre o ISIL» - ndT), Ben Watson,Defense One, 11 de agosto de 2014.
25 «Baghdadi ’Mossad trained’» («Bagadadi treinado pela Mossad» - ndT), Gulf Daily News, 15 de
julho de 2014.
26 “Statement by senator John McCain on being targeted by terrorist group ISIL as "the ennemy" and
"the crusader"” («Declaração do senador John McCain quanto a ter sido eleito pelo grupo
terrorista ISIL como “o inimigo” e o “cruzado”» - ndT), Gabinete de John McCain, 28 de julho de
2014.
9
sítio em referência e tem a seguinte legenda: John McCain na Síria. No primeiro plano, à
direita, reconhece-se o director da Syrian Emergency Task Force. No enquadramento da
porta, ao centro, Mohammad Nour. - NE].
Thierry Meyssan
Tradução
Alva
* Thierry Meyssan é um intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da
conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa
árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2,
Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em
Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los
medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

Viagem à Polónia

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Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

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Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.