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terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
http://www.pelosocialismo.net
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Publicado em 2014/12/29, em: http://www.histsocialismo.com/docs/Sobre_a_autoridade_F_%20Engels_1873.pdf

Tradução do italiano e edição por CN (original em: http://www.marxists.org/italiano/marxengels/1872/autorita.htm)
Colocado em linha em: 2015/01/05

Sobre a autoridade

Friedrich Engels1

Nos últimos tempos, alguns socialistas iniciaram uma verdadeira cruzada contra o
que denominam de princípio da autoridade. Basta-lhes dizer que este ou aquele acto
é autoritário para o condenarem. Abusa-se a tal ponto deste modo sumário de
proceder que é necessário examinar a questão um pouco mais de perto. Autoridade,
no sentido do termo de que se trata, quer dizer: a submissão da vontade de outrem à
nossa; autoridade pressupõe, da outra parte, subordinação.
2 Ora, porquanto estas
duas palavras soem mal e seja desagradável para a parte subordinada a relação que
exprimem, trata-se se saber se há meio de prescindirmos dela e se – nas actuais
condições da sociedade – não podemos criar um outro estado social no qual a
autoridade deixe de fazer sentido e, consequentemente, deva desaparecer.
Examinando as condições económicas, industriais e agrícolas, que estão na base da
actual sociedade burguesa, verificamos que têm tendência a substituir cada vez mais
a actividade isolada pela acção combinada dos indivíduos. No lugar das pequenas
oficinas de produtores isolados, surgiu a indústria moderna, com grandes fábricas e
oficinas, nas quais centenas de trabalhadores operam máquinas complexas movidas a
vapor; as carruagens e outros veículos foram substituídos nos trajectos de longo curso
por comboios de via-férrea, assim como os pequenos barcos a remo ou à vela pelos
navios a vapor. Mesmo a agricultura cai passo a passo sob o domínio da máquina e do
vapor, que lenta mas inexoravelmente substituem os pequenos proprietários por
grandes capitalistas que cultivam, com a ajuda de operários assalariados, grandes
extensões de terra. Deste modo, a acção combinada, a crescente complexidade dos
processos, que dependem uns dos outros, toma o lugar da acção independente dos

1
 Texto publicado originalmente em língua italiana, em Dezembro de 1873, no Almanacco
Repubblicano per l’Anno 1874. Na presente edição teve-se em conta as traduções russa e francesa. (N.
Ed.)
2 Engels distingue duas formas de autoridade: uma que submete os indivíduos nas sociedades onde
há exploração do homem pelo homem, e outra que, implicando inevitavelmente «subordinação» à
vontade de alguém, é imprescindível à vida em sociedade e ao trabalho colectivo. Como salienta
Engels, «a organização social do futuro restringirá a autoridade até o limite estrito em que as
condições da produção a tornam inevitável». (N. Ed.)   2
indivíduos. E quem diz acção combinada, diz organização. Ora é possível haver acção
combinada sem autoridade?
Suponhamos que uma revolução social destronava os capitalistas, cuja autoridade
preside hoje à produção e à circulação da riqueza. Suponhamos, para nos colocarmos
inteiramente no ponto de vista dos anti-autoritários, que a terra e os instrumentos de
trabalho se tornavam propriedade colectiva dos operários que os utilizam. A
autoridade desapareceria ou mudaria apenas de forma? Vejamos.
Tomemos, a título de exemplo, uma fábrica de fiação de algodão. O algodão tem que
passar pelo menos por seis operações sucessivas antes de ser transformado em fio,
operações que na sua maior parte se efectuam em locais diferentes. Além disso, para
manter e controlar as máquinas é preciso um engenheiro, mecânicos para as
reparações diárias e um grande número de operários para transportar os produtos de
um lugar para outro, etc. Todos estes operários, homens, mulheres e crianças, são
obrigados a começar e terminar o seu trabalho à hora determinada pela autoridade
do vapor, que ignora a autonomia individual. Portanto, em primeiro lugar, é preciso
que os operários se entendam sobre o horário de trabalho; uma vez fixado, todos sem
excepção se submetem a esse horário. Depois surgem em cada lugar e a cada instante
problemas de pormenor sobre o modo de produção, a distribuição dos materiais, etc.,
que têm de ser resolvidos imediatamente, sob pena de toda a produção parar no
momento seguinte. E que sejam resolvidos por decisão de um delegado posto à frente
de cada ramo da produção ou pelo voto da maioria, se tal fosse possível, a vontade de
alguém deverá sempre subordinar-se, ou seja, as questões serão resolvidas
autoritariamente. O mecanismo automatizado de uma grande fábrica é muito mais
tirânico do que nunca o foram os pequenos capitalistas que empregam operários. Ao
menos no que se refere ao período de trabalho, na porta dessas fábricas podia-se
escrever: Lasciate ogni autonomia, voi che entrate!3 [Deixai toda a autonomia, vós
que entrais]. Se o homem com a ciência e o génio inventivo submete as forças da
natureza, estas vingam-se dele submetendo-o, enquanto ele as utiliza, a um
verdadeiro despotismo, independente de toda a organização social. Querer abolir a
autoridade na grande indústria, é querer abolir a própria indústria, é querer destruir
as fábricas de fiação a vapor para voltar à roca.
Tomemos como outro exemplo uma ferrovia. Aqui também a cooperação de uma
infinidade de indivíduos é absolutamente necessária; cooperação que tem de ter lugar
a horas precisas a fim de que não haja acidentes. Aqui também a primeira condição é
uma vontade dominante que resolva todas as questões secundárias, seja essa vontade
representada por um só delegado ou por um comité encarregado de executar as
decisões de uma maioria de indivíduos. Tanto num como noutro caso existe uma
autoridade muito vincada. Mas mais ainda: que aconteceria ao primeiro comboio que
partisse se fosse abolida a autoridade dos empregados da ferrovia sobre os senhores
passageiros?

3 Paráfrase do letreiro colocado por cima da porta do Inferno de Dante: «Lasciate ogni speranza,
voi ch'entrate!» (Deixai toda a esperança, vós que entrais), Dante Alighieri, A Divina Comédia,
tradução de Vasco Graça Moura, Círculo dos Leitores, Lisboa, 1998, «O Inferno», canto III, verso 9), p.3
Mas não há necessidade mais evidente de uma autoridade, e de uma autoridade
imperiosa, do que num navio no alto mar. Ali, no momento de perigo, a vida todos
depende da obediência instantânea e absoluta de todos à vontade de um só.
Quando apresentei argumentos similares aos mais furiosos anti-autoritários, estes
não souberam responder-me senão isto: «Ah! Isso é verdade, mas aqui não se trata
de uma autoridade que demos ao delegado, mas de uma incumbência!» Crêem esses
senhores que mudaram a coisa ao lhe mudarem o nome. Eis como esses profundos
pensadores zombam do mundo.
Vimos, pois, que de um lado certa autoridade, delegada não importa como, e de outra
parte certa subordinação são coisas que, independentemente de toda organização
social, se nos impõem com condições materiais nas quais produzimos e fazemos
circular os produtos.
Vimos, por outro lado, que as condições materiais de produção e de circulação
alargam-se inevitavelmente em função da grande indústria e da grande agricultura, e
tendem a estender crescentemente o campo dessa autoridade. É portanto absurdo
falar do princípio da autoridade como de um princípio absolutamente mau e do
princípio da autonomia como um princípio absolutamente bom. A autoridade e a
autonomia são coisas relativas, cujas esferas variam nas diferentes fases do
desenvolvimento social. Se os autonomistas se limitassem a dizer que a organização
social do futuro restringirá a autoridade até o limite estrito em que as condições da
produção a tornam inevitável, poderíamos entender-nos; mas, em vez disso,
permanecem cegos a todos os factos que tornam a coisa necessária e investem com
ardor contra a palavra.
Por que razão os anti-autoritários não se limitam a clamar contra a autoridade
política, contra o Estado? Todos os socialistas estão de acordo em que o Estado
político e com ele a autoridade política desaparecerão em consequência da próxima
revolução social, isto é, que as funções públicas perderão o seu carácter político,
passando a ser simples funções administrativas, destinadas a zelar pelos verdadeiros
interesses sociais. Mas os anti-autoritários exigem que o Estado político autoritário
seja abolido de um golpe, mesmo antes de terem sido destruídas as condições sociais
que o fizeram nascer. Exigem que o primeiro acto da revolução social seja a abolição
da autoridade. Será que esses senhores nunca viram uma revolução? Uma revolução
é, certamente, a coisa mais autoritária que existe: é o acto através do qual uma parte
da população impõe sua vontade à outra parte por meio de espingardas, baionetas e
canhões, meios autoritários desde que os há; e o partido vitorioso, se não quiser ter
combatido em vão, deve manter este domínio com o terror que as suas armas
inspiram aos reaccionários. A Comuna de Paris teria por acaso durado um só dia se
não se servisse desta autoridade do povo armado frente aos burgueses? Não se pode,
pelo contrário, criticá-la por não se ter servido dela mais largamente?
Portanto, das duas uma: ou os anti-autoritários não sabem o que dizem, e nesse caso
não fazem senão semear a confusão; ou sabem, e nesse caso traem o movimento do
proletariado. Num caso e noutro servem à reacção.

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