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segunda-feira, 23 de março de 2015

Rosa Luxemburgo contra Bernstein

Depois de ter abjurado de qualquer critica socialista da sociedade capitalista, contenta-se em considerar satisfatório o sistema actual, pelo menos no seu conjunto. É um passo que Bernstein não hesita em dar; considera que na Alemanha de hoje, a reacção não é muito forte: "nos países da Europa Ocidental não se pode falar em reacção política"; pensa que em todos os países do Ocidente a "atitude das classes burguesas em relação ao movimento socialista é mais ou menos uma atitude de defesa e não de opressão" (Vorwärts, 26 de Março de 1899). Não existe pauperização, mas uma melhoria do nível de vida dos operários; a burguesia é politicamente progressiva e mesmo moralmente sã. Não se pode falar de reacção ou de opressão. Tudo é feito para melhorar o melhor dos mundos... Depois de ter dito o A,Bernstein é, lógica e consequentemente, levado a recitar todo o alfabeto. Começou por abandonar o objectivo final do movimento. Mas, como na prática não pode haver movimento socialista sem finalidade socialista, é obrigado a renunciar ao próprio movimento.
Toda a doutrina socialista de Bernstein se desmorona dessa maneira. A orgulhosa e admirável construção simétrica do sistema marxista é, para ele, um montão de escombros onde os destroços de todos os sistemas, os fragmentos do pensamento de todos os grandes e pequenos espíritos encontraram a vala comum. Marx e Proudhon, Leo von Buch e Frantz OppenheimerFriedrich-Albert Lange eKantProkopovitch e o doutor Ritter von Neupauer, Herkner e Schulze-GaevernitzLassalle e o professor Julius Wolff: todos contribuíram para o sistema de Bernstein. A cada um foi buscar o seu bocado. Que tem isto de espantoso? Abandonando a perspectiva de classe, perdeu todo o ponto de referência marxista; renunciando ao socialismo científico perdeu o eixo de cristalização intelectual em torno do qual os factos isolados se agrupavam num conjunto orgânico de uma concepção coerente do mundo.
Esta doutrina composta por fragmentos de todos os sistemas possíveis, sem distinção, pode parecer, à primeira vista, uma abordagem livre de preconceitos. Com efeito, Bernstein não quer ouvir falar numa "ciência de partido" ou, mais precisamente, de uma ciência de classe, de um liberalismo de classe ou de uma moral de classe. Julga representar uma ciência abstracta, universal, humana, um liberalismo abstracto, uma moral abstracta.
Mas a sociedade real compõe-se de classes com interesses, aspirações, concepções diametralmente opostas e de uma ciência humana universal no campo social. Um liberalismo abstracto, uma moral abstracta são a consequência da fantasia e da utopia pura. O queBernstein julga ser a sua ciência, a sua democracia, a sua moral universal, tão impregnada de humanismo, é simplesmente a moral da classe dominante, quer dizer, a ciência, a democracia e a moral burguesas.
Na realidade, negar o sistema económico marxista e converter-se às doutrinas de Bernstein, Boehm-Jevons, Say, Julius Wolff, não será trocar a base científica da emancipação da classe operária pela apologética da burguesia? Evocando o carácter universalmente humano do liberalismo, degradando o socialismo até o transformar numa caricatura, Bernstein retira ao socialismo o seu carácter de classe, o seu conteúdo histórico, em resumo, todo o seu conteúdo; inversamente, faz da burguesia campeã do liberalismo na história, a representante do interesse universalmente humano.
Bernstein condena a excessiva importância atribuída "aos factores materiais" considerados como forças todas-poderosas da evolução, guerreia o "desprezo pelo ideal" da social-democracia; institui-se campeão do idealismo, da moral, enquanto, simultâneamente, se ergue contra a única fonte de conhecimentos morais para o proletariado, a luta de classes revolucionária; fazendo-o, acaba por pregar para as classes operárias o que é a quintessência da moral burguesa, a reconciliação com a ordem estabelecida e a transposição da esperança para a lei do universo moral. Por fim, reservando os ataques mais violentos contra a dialéctica, não estará a visar o modo de pensar específico do proletariado consciente, lutando pelas suas aspirações? Não será a dialéctica o instrumento que deve ajudar o proletariado a sair das trevas onde mergulha o seu futuro histórico, a arma intelectual que permite ao proletariado, ainda sob o jugo material da burguesia, triunfar, convencê-la de que está condenada a morrer, a provar-lhe a certeza infalível da sua vitória? Esta arma não terá desempenhado a sua obrigação no âmbito do espírito da revolução? Bernstein, abandonando a dialéctica, entrega-se ao jogo intelectual menor das fórmulas equilibristas tais como "sim, mas", "por um lado, por outro lado", "ainda que, contudo", "mais ou menos", adopta, lógicamente, o modo de pensar histórico da burguesia decadente, modo de pensar que reflecte fielmente a sua existência social e a sua acção política. O jogo menor do equilíbrio político traduzido por fórmulas: "por um lado, por outro lado", "sim, mas", preciosas para a burguesia actual, encontra o seu fiel reflexo no modo de pensar de Bernstein; e o modo de pensar de Bernstein é o mais sensível e seguro sintoma da sua ideologia burguesa. Mas, para Bernstein, o termo burguês já não designa uma classe; é um conceito social universal. O que significa simplesmente – lógico até às suas últimas consequências, até ao último ponto colocado sobre o último i – que, abandonando a ciência, a política e o modo de pensar do proletariado, abandona igualmente a linguagem histórica do proletariado pela da burguesia. Porque por Bürger (burguês e cidadão) Bernstein entende sem diferenciações, burguês e proletário, homem em geral. É que efectivamente o homem é para ele o burguês, e a sociedade humana é idêntica à sociedade burguesa.(...)
in Reforma ou Revolução (1900)

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