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domingo, 26 de abril de 2015

CONSENTIMENTO E DISSIDÊNCIA

"Fabricando dissidência": O Movimento Antiglobalização é Financiado pelas Elites Corporativas.

 O Movimento Popular foi Sequestrado
 Por Prof. Michel Chossudovsky, 12 de abril de 2015.

Este artigo foi publicado pela primeira vez em 2010. A citação introdutória do autor foi formulada pela primeira vez em 2001, no contexto da Cimeira das Américas na cidade de Québec, realizada alguns meses antes de 11/9
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"Tudo o que a Fundação [Ford] fez poderia ser considerado como "tornar o mundo seguro para o capitalismo", reduzindo as tensões sociais, ajudando a confortar os aflitos, fornecer válvulas de segurança para a raiva, e melhorar o funcionamento do governo (McGeorge Bundy, Assessor de Segurança Nacional dos presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson (1961-1966), Presidente da Fundação Ford, (1966-1979)).
“Ao fornecer financiamento e enquadramento político a muitas pessoas interessadas e dedicadas que trabalham no sector não lucrativo, a classe dominante é capaz de cooptar lideranças das comunidades de base… e pode executar com proficiência as componentes de financiamento, contabilização e avaliação do trabalho tão demoradas e onerosas que o trabalho de justiça social é praticamente impossível nestas condições" (Paul Kivel, Chama a isto Democracia, Quem Beneficia, Quem Paga e Quem Realmente Decide, 2004, p. 122).
"Sob a Nova Ordem Mundial, o ritual de convidar líderes da “sociedade civil” para os círculos internos do poder – enquanto simultaneamente se reprime os soldados rasos – serve várias funções importantes. Primeiro, diz ao mundo que os críticos da globalização "devem fazer concessões" para ganhar o direito de se misturarem. Em segundo lugar, transmite a ilusão de que apesar de as elites globais estarem – sob o que é eufemisticamente chamado de democracia – sujeitas a crítica não deixam por esse facto de governar legitimamente. E em terceiro lugar, diz que "não há alternativa" à globalização: que uma mudança de fundo não é possível e que o máximo que se pode esperar é envolver-se com esses governantes num ineficaz "dar e receber".
Enquanto os “Globalizadores” podem adotar algumas frases progressistas para demonstrar que têm boas intenções os seus objetivos fundamentais não são desafiados. E o que essa "mistura de sociedade civil” faz é reforçar o domínio da ordem corporativa estabelecida, enquanto enfraquece e divide o movimento de protesto. A compreensão deste processo de cooptação é importante, porque dezenas de milhares dos jovens mais íntegros em Seattle, Praga e cidade de Québec [1999-2001] estão envolvidos em protestos antiglobalização porque rejeitam a noção de que o dinheiro é tudo, porque rejeitam o empobrecimento de milhões e a destruição da frágil Terra para que uns quantos possam ficar mais ricos.
Estes soldados rasos, bem como alguns dos seus líderes, devem ser aplaudidos. Mas é preciso ir mais longe. Precisamos de desafiar o direito dos "Globalizadores" a governar. Isso exige que repensemos a estratégia de protesto. Podemos passar para um plano superior, com o lançamento de movimentos de massas nos nossos respetivos países, movimentos que tragam às pessoas comuns a mensagem do que a globalização está a fazer? Pois estas constituem a força que deve ser mobilizada para desafiar aqueles que saqueiam o mundo.” (Michel Chossudovsky, The Quebec Wall, abril de 2001).
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“Consentimento Fabricado” versus “Dissidência Fabricada”
O termo "fabricação de consentimento" foi inicialmente cunhado por Edward S Herman e Noam Chomsky. "Fabricação de consentimento" descreve um modelo de propaganda usado nos meios de comunicação social de massas para influenciar a opinião pública e "inculcar valores e crenças nos indivíduos...":
Os meios de comunicação social de massas funcionam como sistema de comunicação de mensagens e símbolos para a população em geral. É sua função divertir, entreter e informar, e inculcar nos indivíduos valores, crenças e códigos de comportamento que irão integrá-los nas estruturas institucionais da sociedade em geral. Num mundo de riqueza concentrada e grandes conflitos de interesses de classe, o cumprimento desse papel requer propaganda sistemática (Manufacturing Consent por Edward S. Herman e Noam Chomsky).
"Fabricação de consentimento" implica a manipulação e configuração da opinião pública. Estabelece conformidade e aceitação da autoridade e hierarquia social. Busca a concordância com uma ordem social estabelecida. "Fabricação de consentimento" descreve a submissão da opinião pública à narrativa dos meios de comunicação social dominantes, às suas mentiras e maquinações.
Neste artigo, focamo-nos num conceito relacionado, ou seja, o processo subtil de "fabricação de dissidência" (em vez de "consentimento"), que desempenha um papel decisivo na defesa dos interesses da classe dominante.
Sob o capitalismo contemporâneo, a ilusão de democracia deve prevalecer. É do interesse das elites corporativas aceitar a dissidência e protesto como uma característica do sistema, na medida em que não ameacem a ordem social estabelecida. O propósito não é reprimir a dissidência, mas, pelo contrário, configurar e moldar o movimento de protesto para definir os limites exteriores da dissidência.
Para manter a sua legitimidade, as elites económicas favorecem formas limitadas e controladas de oposição, com vista a prevenir o desenvolvimento de formas radicais de protesto, que podem abalar os próprios alicerces e instituições do capitalismo global. Por outras palavras, a "fabricação de dissidência" funciona como uma "válvula de segurança" que protege e sustenta a Nova Ordem Mundial.
No entanto, para ser eficaz o processo de "fabricação de dissidência" deve ser cuidadosamente regulado e fiscalizado por aqueles que são o objeto do movimento de protesto.
“Financiamento da Dissidência”
Como é conseguido o processo de fabricação de dissidência?
Essencialmente pelo "financiamento da dissidência", ou seja, através da canalização de recursos financeiros daqueles que são o objeto do movimento de protesto para aqueles que estão envolvidos na organização do movimento de protesto.
A cooptação não se limita a comprar favores de políticos. As elites económicas – que controlam as principais fundações – também supervisionam o financiamento de numerosas ONGs e organizações da sociedade civil, que historicamente têm estado envolvidas no movimento de protesto contra a ordem económica e social estabelecida. Os programas de muitas ONGs e movimentos populares dependem fortemente de financiamento tanto público como de fundações privadas, incluindo as fundações Ford, Rockefeller, McCarthy, entre outras.
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O movimento antiglobalização opõe-se a Wall Street e aos gigantes do petróleo do Texas controlados por Rockefeller, et al. Contudo as fundações e instituições de beneficência de Rockefeller et al financiarão generosamente redes anticapitalistas progressistas, bem como ambientalistas (opostas ao Big Oil), com o objetivo último de supervisionarem e configurarem as suas várias atividades.
Os mecanismos de "fabricação de dissidência" necessitam de um ambiente manipulador, um processo de coerção e cooptação subtil de indivíduos no interior das organizações progressistas, incluindo alianças antiguerra, ambientalistas e o movimento antiglobalização.
Enquanto os meios de comunicação social dominantes "fabricam consentimento", a complexa rede de ONGs (incluindo segmentos da comunicação social alternativa) são utilizados pelas elites corporativas para moldar e manipular o movimento de protesto.
Após a desregulamentação do sistema financeiro mundial na década de 1990 e do rápido enriquecimento da ordem financeira estabelecida, o financiamento através de fundações e instituições de beneficência disparou.
Numa ironia amarga, parte dos ganhos financeiros fraudulentos em Wall Street nos últimos anos têm sido reciclados para as fundações e instituições de beneficência isentas de impostos, das elites. Estes ganhos financeiros caídos do céu não só têm sido utilizados para comprar políticos, mas também canalizados para ONGs, institutos de pesquisa, centros comunitários, grupos religiosos, ambientalistas, comunicação social alternativa, grupos de direitos humanos, etc. A “fabricação de dissidência" também se aplica à comunicação social de "esquerda corporativa" e "progressista", financiada por ONGs ou diretamente pelas fundações.
O objetivo íntimo é "fabricar a dissidência" e estabelecer os limites de uma oposição "politicamente correta". Por sua vez, muitas ONGs são infiltradas por informadores agindo muitas vezes em nome de agências de inteligência ocidentais. Além disso, um segmento cada vez maior de meios de comunicação alternativos progressistas na internet tornou-se dependente do financiamento de fundações corporativas e instituições de beneficência.
Ativismo fragmentário
O objetivo das elites corporativas tem sido o de fragmentar o movimento popular num vasto mosaico "faça você mesmo". A guerra e a globalização já não estão na vanguarda do ativismo da sociedade civil. O ativismo tende a ser fragmentado. Não há movimentos antiglobalização e antiguerra integrados. A crise económica não é vista como tendo relação com a guerra liderada pelos EUA.
A dissidência tem sido compartimentada. Movimentos de protesto separados “orientados para questões” (e.g. ambiente, antiglobalização, paz, direitos das mulheres, alterações climáticas) são encorajados e generosamente financiados, por oposição a um movimento de massas coeso. Este mosaico já era predominante nas contra cimeiras do G7 e nas Cimeiras dos Povos da década de 1990.
O movimento antiglobalização
A contra cimeira de Seattle de 1999 é invariavelmente acolhida como um triunfo do movimento antiglobalização: "uma histórica aliança de ativistas fechou a cimeira da Organização Mundial do Comércio em Seattle, a faísca que acendeu um movimento anticorporativo global" (Ver Naomi Klein, Copenhagen: Seattle Grows Up, The Nation, 13 de novembro de 2009).
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Seattle foi na realidade uma encruzilhada importante na história do movimento de massas. Mais de 50.000 pessoas de diversas origens, organizações da sociedade civil, de direitos humanos, sindicatos, ambientalistas juntaram-se com um propósito comum. O seu objetivo era desmantelar vigorosamente a agenda neoliberal, incluindo a sua base institucional.
Mas Seattle também marcou uma importante reversão. Com o avolumar da dissidência de todos os setores da sociedade, a cimeira oficial da OMC precisava desesperadamente da participação simbólica de líderes da sociedade civil "no interior", para dar a aparência de ser "democrática" "do lado de fora".
Enquanto milhares de pessoas convergiram em Seattle, o que ocorreu nos bastidores foi uma vitória de facto para o neoliberalismo. Um punhado de organizações da sociedade civil que formalmente se opunham à OMC contribuiu para legitimar a arquitetura global de comércio da OMC. Em vez de contestar a OMC como um organismo intergovernamental ilegal, eles concordaram num diálogo pré-cimeira com a OMC e os governos ocidentais. Os participantes das ONGs acreditadas foram convidados a misturar-se num ambiente amigável com embaixadores, ministros de comércio e magnatas de Wall Street em vários dos eventos oficiais, incluindo as inúmeras festas e receções." (Michel Chossudovsky, Seattle and Beyond: Disarming the New World Order, Covert Action Quarterly, novembro de 1999; Ver Ten Years Ago: “Manufacturing Dissent” in Seattle).
A agenda escondida consistia em enfraquecer e dividir o movimento de protesto e orientar o movimento antiglobalização para áreas que não pudessem ameaçar diretamente os interesses da ordem empresarial estabelecida.
Financiadas por fundações privadas (incluindo Ford, Rockefeller, Rockefeller Brothers, Charles Stewart Mott, Foundation for Deep Ecology), essas organizações "acreditadas" da sociedade civil auto posicionaram-se como grupos de pressão, atuando formalmente em nome do movimento popular. Lideradas por ativistas proeminentes e empenhados, as suas mãos estavam atadas. Em última análise contribuíram (involuntariamente) para enfraquecer o movimento antiglobalização ao aceitarem a legitimidade da que era essencialmente uma organização ilegal. (O acordo na Cimeira de Marraquexe de 1994 que levou à criação da OMC, em 1 de janeiro de 1995). (Ibid.)
Os líderes de ONGs estavam plenamente cientes de onde vinha o dinheiro. No entanto, na comunidade de ONGs dos Estados Unidos e da Europa as fundações e instituições de beneficência são consideradas organizações filantrópicas independentes, separadas das corporações; ou seja, a Fundação Rockefeller Brothers, por exemplo, é considerada separada e distinta do império da família Rockefeller de bancos e companhias de petróleo.
Com salários e despesas operacionais dependendo de fundações privadas, tornou-se uma rotina de aceite: numa lógica distorcida, a batalha contra o capitalismo corporativo estava a ser travada com recursos de fundações isentas de impostos pertencentes ao capitalismo corporativo.
As ONGs foram apanhadas numa camisa-de-força; a sua própria existência dependia das fundações. As suas atividades eram monitoradas de perto. Numa lógica distorcida, a própria natureza do ativismo anticapitalista foi controlada indiretamente pelos capitalistas através de suas fundações independentes.
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“Cães de guarda progressistas”
Nesta saga em evolução, as elites corporativas – cujos interesses são convenientemente servidos pelo FMI, o Banco Mundial e a OMC – financiarão de boa vontade (através das suas várias fundações e instituições de beneficência) organizações que estão na vanguarda do movimento de protesto contra a OMC e as instituições financeiras internacionais baseadas em Washington.
Suportados pelo dinheiro das fundações vários "cães de guarda" foram erguidos pelas ONGs para monitorar a implementação de políticas neoliberais, sem, contudo, levantar a questão mais ampla de como os gémeos de Bretton Woods e a OMC, através das suas políticas, tinham contribuído para o empobrecimento de milhões de pessoas.
A Rede de Revisão Participativa de Ajustamento Estrutural (Structural Adjustment Participatory Review Network, SAPRIN) foi fundada pelo Development Gap, uma ONG com sede em Washington DC financiada pela USAID e o Banco Mundial.
Como está amplamente documentado, a imposição do Programa de Ajustamento Estrutural do FMI-Banco Mundial (SAP) nos países em desenvolvimento constitui uma flagrante forma de ingerência nos assuntos internos de Estados soberanos em nome de instituições credoras.
Em vez de contestar a legitimidade do "remédio económico mortal" do FMI-Banco Mundial, a organização nuclear da SAPRIN procurou estabelecer um papel participativo para as ONGs, trabalhando de mãos dadas com a USAID e o Banco Mundial. O objetivo era dar um "rosto humano" à agenda política neoliberal, ao invés da rejeição pura e simples do quadro político do FMI-Banco Mundial:
"SAPRIN é a rede global da sociedade civil, que teve o seu nome a partir da Iniciativa de Revisão Participativa de Ajustamento Estrutural (Structural Adjustment Participatory Review Initiative, SAPRI) que lançou com o Banco Mundial e seu presidente, Jim Wolfensohn, em 1997.
SAPRI está concebido como um exercício tripartido para reunir organizações da sociedade civil, os respetivos governos e o Banco Mundial, numa avaliação conjunta de programas de ajustamento estrutural (SAP) e exploração de novas opções políticas. Legitima um papel ativo da sociedade civil na tomada de decisões económicas pois está projetado para indicar áreas em que são necessárias mudanças nas políticas económicas e no processo de elaboração da política económica.” (http://www.saprin.org/overview.htm. Website SAPRIN)
Similarmente, o Observatório do Comércio (anteriormente WTO Watch), operando a partir de Genebra, é um projeto do Instituto para a Política Agrícola e Comercial (IATP), sedeado em Mineápolis, que é generosamente financiado por Ford, Rockefeller, Charles Stewart Mott, entre outros (ver Tabela 1 abaixo).
O Observatório do Comércio tem um mandato para monitorar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e a proposta Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). (IATP, About Trade Observatory, acedido em setembro de 2010).
O Observatório do Comércio existe também para desenvolver dados e informação, bem como fomentar a "governança" e a "prestação de contas". Prestação de contas às vítimas das políticas da OMC ou prestação de contas aos protagonistas de reformas neoliberais?
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As funções de fiscalização do Observatório do Comércio não ameaçam de forma alguma a OMC. Muito pelo contrário: a legitimidade dos acordos e organizações de comércio nunca são questionados.
O Fórum Económico Mundial. "Todos os caminhos levam a Davos"
O movimento popular foi sequestrado. Intelectuais, executivos sindicais e líderes de organizações da sociedade civil selecionados (incluindo a Oxfam, Amnistia Internacional, Greenpeace) são rotineiramente convidados para o Fórum Económico Mundial de Davos, onde se misturam com os atores económicos e políticos mais poderosos do mundo. Esta mistura de elites empresariais do mundo com "progressistas" escolhidos a dedo faz parte do ritual subjacente ao processo de "fabricação de dissidência".
Tabela 1 – Maiores doadores do Instituto para a Política Agrícola e Comercial (IATP) de Mineápolis
FORD FOUNDATION
$2,612,500.00
1994 – 2006
ROCKEFELLER BROTHERS FUND
$2,320,000.00
1995 – 2005
CHARLES STEWART MOTT FOUNDATION
$1,391,000.00
1994 – 2005
MCKNIGHT FOUNDATION
$1,056,600.00
1995 – 2005
JOYCE FOUNDATION
$748,000.00
1996 – 2004
BUSH FOUNDATION
$610,000.00
2001 – 2006
BAUMAN FAMILY FOUNDATION
$600,000.00
1994 – 2006
GREAT LAKES PROTECTION FUND
$580,000.00
1995 – 2000
JOHN D. & CATHERINE T. MACARTHUR FOUNDATION
$554,100.00
1991 – 2003
JOHN MERCK FUND
$490,000.00
1992 – 2003
HAROLD K. HOCHSCHILD FOUNDATION
$486,600.00
1997 – 2005
FOUNDATION FOR DEEP ECOLOGY
$417,500.00
1991 – 2001
JENNIFER ALTMAN FOUNDATION
$366,500.00
1992 – 2001
ROCKEFELLER FOUNDATION
$344,134.00
2000 – 2004
Fonte: http://activistcash.com/organization_financials.cfm/o/16-institute-for-agriculture-and-trade-policy
O estratagema consiste em escolher seletivamente a dedo líderes da sociedade civil "em quem podemos confiar" e integrá-los num "diálogo", isolá-los dos seus soldados rasos, fazê-los sentir que são "cidadãos globais" agindo em nome dos seus companheiros trabalhadores, mas fazê-los agir de uma forma que serve os interesses da ordem corporativa estabelecida:
"A participação das ONGs na reunião anual de Davos é uma evidência do facto de que [nós] buscamos propositadamente integrar um amplo espectro das principais partes interessadas na sociedade em... definir e fazer avançar a agenda global... Acreditamos que o Fórum Económico Mundial [Davos] proporciona à comunidade empresarial o quadro ideal para engajar-se em esforços de colaboração com as outras principais partes interessadas [ONGs] da economia global para "melhorar o estado do mundo", que é a missão do Fórum. (Fórum Económico Mundial, press release 5 de janeiro de 2001.)
O Fórum Económico Mundial não representa a comunidade empresarial mais ampla. É um encontro elitista: os seus membros são corporações globais gigantes (com um volume de negócios anual de no mínimo 5 mil milhões de dólares). As organizações não-governamentais (ONGs) selecionadas são vistas como “partes interessadas” parceiras, bem como conveniente "porta-voz dos sem voz que muitas vezes são deixados de fora dos processos de tomada de decisão." (Fórum Económico Mundial, 2010)
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"Elas [as ONGs] desempenham uma variedade de papéis em parceria com o Fórum para melhorar o estado do mundo, inclusive servindo como ponte entre empresas, governo e sociedade civil, ligando os decisores políticos às bases, trazendo soluções práticas para a mesa..." (Ibid.)
A sociedade civil "emparceirando" com corporações globais em nome dos "sem voz", que são "deixados de fora"?
Executivos sindicais também são cooptados em detrimento dos direitos laborais. Os líderes da Federação Internacional dos Sindicatos (IFTU), a AFL-CIO, a Confederação Europeia dos Sindicatos, o Congresso do Trabalho do Canadá (CLC), entre outros, são rotineiramente convidados a participar tanto nos encontros anuais do Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça, como nas cimeiras regionais. Também participam na Comunidade de Líderes Laborais do Fórum Económico Mundial que se concentra em padrões de comportamento mutuamente aceitáveis para o movimento sindical. O Fórum Económico Mundial "acredita que a voz do Trabalho é importante para o diálogo dinâmico sobre questões da globalização, justiça económica, transparência e responsabilidade, e para assegurar um sistema financeiro global saudável."
"Assegurar um sistema financeiro global saudável" forjado pela fraude e corrupção? A questão dos direitos dos trabalhadores não é mencionada. (Fórum Económico Mundial, 2010).
O Fórum Social Mundial: "Outro mundo é possível"
A contra cimeira de Seattle de 1999 lançou, em muitos aspetos, as bases para o desenvolvimento do Fórum Social Mundial.
O primeiro encontro do Fórum Social Mundial ocorreu em janeiro de 2001, em Porto Alegre, Brasil. Este encontro internacional envolveu a participação de dezenas de milhares de ativistas de organizações de base e de ONGs.
O encontro de ONGs e organizações progressistas do Fórum Social Mundial realiza-se em simultâneo com o Fórum Económico Mundial de Davos. Tinha a intenção de dar voz à oposição e dissidência ao Fórum Económico Mundial de líderes empresariais e ministros das Finanças.
O Fórum Social Mundial foi, desde o início, uma iniciativa da ATTAC Francesa e de várias ONGs Brasileiras:
"...Em fevereiro de 2000, Bernard Cassen, o chefe de uma ONG francesa, ATTAC, Oded Grajew, chefe de uma organização de empregadores brasileiros, e Francisco Whitaker, chefe de uma associação de ONGs brasileiras, reuniram-se para discutir uma proposta de um "evento da sociedade civil mundial"; em março de 2000, asseguraram formalmente o apoio do governo municipal de Porto Alegre e do governo do estado do Rio Grande do Sul, ambos controlados à época pelo Partido dos Trabalhadores brasileiro (PT)... Um grupo de ONGs francesas incluindo ATTAC, Amigos do L'Humanité e Amigos do Le Monde Diplomatique, patrocinou um Fórum Social Alternativo em Paris intitulado "Um ano depois de Seattle", a fim de preparar uma agenda para os protestos a levar a cabo na cimeira próxima da União Europeia em Nice. Os oradores chamados para "reorientar determinadas instituições internacionais, como o FMI, Banco Mundial, OMC... de modo a criar uma globalização a partir de baixo" e "construir um movimento de cidadãos internacionais não para destruir o FMI, mas para reorientar as suas missões." (Research Unit For Political Economy, The Economics and Politics of the World Social Forum, Global Research, 20 de janeiro de 2004.)
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Desde o início, em 2001, o Fórum Social Mundial foi apoiado por financiamento essencial da Fundação Ford, conhecida por ter ligações à CIA que remontam à década de 1950: "A CIA usa fundações filantrópicas como o meio mais eficaz para canalizar grandes somas de dinheiro para projetos da Agência, sem alertar os destinatários para a respetiva origem.“ (James Petras, A Fundação Ford e a CIA, Global Research, 18 de setembro de 2002.)
O mesmo procedimento de contra cimeiras ou cimeiras populares financiadas por doadores, que caracterizou as Cimeiras dos Povos dos anos 1990, foi materializado no Fórum Social Mundial (FSM):
"...Outros financiadores do FSM (ou 'parceiros', como são referidos na terminologia FSM) incluíam a Fundação Ford – basta dizer aqui que esta sempre operou na mais estreita colaboração com a Agência Central de Inteligência e os interesses estratégicos globais dos Estados Unidos –; a Fundação Heinrich Böll, controlada pelo partido dos Verdes alemão, um parceiro no presente [2003] governo alemão e um apoiante das guerras na Jugoslávia e no Afeganistão (o seu líder Joschka Fischer é o [ex-] ministro dos negócios estrangeiros alemão); e as principais agências de financiamento, como a Oxfam (UK), Novib (Países Baixos), ActionAid (UK), e assim por diante.
Notavelmente, um membro do Conselho Internacional do FSM relata que os "fundos consideráveis" recebidos destas agências "não têm despertado até agora quaisquer debates significativos [nos órgãos do FSM] sobre as possíveis relações de dependência que poderiam gerar." No entanto, ele admite que "a fim de obter o financiamento da Fundação Ford, os organizadores tiveram que convencer esta de que o Partido dos Trabalhadores não estava envolvido no processo”. Dois pontos são dignos de nota aqui. Em primeiro lugar, isto estabelece que os financiadores tinham capacidade para pressionar e determinar o papel das diferentes forças no FSM – precisavam de ser ‘convencidos’ das credenciais de quem iria ser envolvido. Em segundo lugar, se os financiadores objetaram à participação do completamente domesticado Partido dos Trabalhadores, ter-se-iam oposto ainda com mais vigor se fosse dada proeminência a forças anti-imperialistas genuínas. Que eles fizeram tal objeção tornar-se-á claro com a descrição de quem foi incluído e de quem foi excluído da segunda e terceira reuniões do FSM…
…A questão do financiamento [do FSM] nem sequer figura na carta de princípios do FSM, aprovada em Junho de 2001. Os marxistas, sendo materialistas, salientariam que se deve olhar para a base material do fórum para captar sua natureza. (De facto não é preciso ser marxista para compreender que "quem paga o flautista dá o tom".) Mas o FSM não concorda. Pode sacar fundos de instituições imperialistas como a Ford Foundation, enquanto luta contra "o domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo" (Research Unit For Political Economy, The Economics and Politics of the World Social Forum, Global Research, 20 de janeiro de 2004.)
A Fundação Ford forneceu apoio essencial ao FSM, com contribuições indiretas para "organizações parceiras" participantes provenientes da Fundação McArthur, Fundação Charles Stewart Mott, Fundação Friedrich Ebert, Fundação W. Alton Jones, Comissão Europeia, vários governos europeus (incluindo o governo trabalhista de Tony Blair), governo canadiano, assim como uma série de organismos das Nações Unidas (incluindo a UNESCO, UNICEF, PNUD, OIT e FAO). (Ibid.)
Além do apoio essencial inicial da Fundação Ford, muitas das organizações da sociedade civil participantes recebem financiamento de grandes fundações e
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instituições de beneficência. Por sua vez, ONGs baseadas nos EUA e na Europa operam muitas vezes como agências de financiamento secundárias canalizando dinheiro da Ford e Rockefeller para organizações parceiras nos países em desenvolvimento, incluindo movimentos camponeses de base e de direitos humanos.
O Conselho Internacional do FSM é constituído por representantes de ONGs, sindicatos, organizações de comunicação social alternativa, institutos de investigação, muitos dos quais são fortemente financiados por fundações bem como governos. Os mesmos sindicatos que são regularmente convidados para se misturarem com CEOs de Wall Street durante o Fórum Económico Mundial de Davos, incluindo a AFL-CIO, a Confederação Europeia dos Sindicatos e o Congresso do Trabalho do Canadá, também se sentam no Conselho Internacional do FSM. Entre as ONGs financiadas por grandes fundações e sentadas no Conselho Internacional do FSM está o Instituto para a Política Agrícola e Comercial (IATP) (ver análise acima) que supervisiona o Observatório do Comércio baseado em Genebra.
A Rede de Financiadores em Comércio e Globalização (Funders Network on Trade and Globalization, FTNG), que tem estatuto de observador no Conselho Internacional do FSM desempenha um papel chave. Enquanto canaliza apoio financeiro para o FSM, age como uma câmara de compensação para as principais fundações. O FTNG descreve-se a si mesmo como "aliança de outorgantes de subvenções comprometidos com a construção de comunidades justas e sustentáveis em todo o mundo". Os membros desta aliança são a Fundação Ford, Rockefeller Brothers, Heinrich Boell, CS Mott, Fundação Merck Family, Open Society Institute, Fundação Tides, entre outros. (Para uma lista completa de agências de financiamento ver http://www.fntg.org/funders.) A FTNG atua como uma entidade angariadora de fundos em nome do FSM.
Governos ocidentais financiam contra cimeiras e reprimem o movimento de protesto
Numa ironia amarga, governos, incluindo a União Europeia, dão dinheiro para financiar grupos progressistas (incluindo o FSM) envolvidos na organização de protestos contra os mesmos governos que financiam as suas atividades:
"Também os governos têm sido financiadores significativos de grupos de protesto. A Comissão Europeia, por exemplo, financiou dois grupos que mobilizaram grande número de pessoas para protestar contra cimeiras da UE em Gotemburgo e Nice. A lotaria nacional britânica, que é supervisionada pelo governo, ajudou a financiar um grupo no centro do contingente britânico em ambos os protestos." (James Harding, Counter-Capitalism, FT.com, 15 de outubro de 2001.)
Estamos lidando com um processo diabólico: o governo anfitrião financia a cimeira oficial, bem como as ONGs ativamente envolvidas na contra cimeira. Financia igualmente a multimilionária operação antimotim da polícia que tem um mandato para reprimir os participantes de base da contra cimeira, incluindo membros de ONGs financiadas diretamente pelo governo.
A finalidade desta combinação de operações, incluindo ações violentas de vandalismo cometidas por polícias à paisana (Toronto G20, 2010) vestidos como ativistas, é desacreditar o movimento de protesto e intimidar os seus participantes. O objetivo mais lato é transformar a contra cimeira num ritual de dissidência, que serve para preservar os interesses da cimeira oficial e o governo anfitrião. Esta lógica tem prevalecido em inúmeras contra cimeiras desde a década de 1990.
Na Cimeira das Américas de 2001, na cidade de Québec, o financiamento do governo federal Canadiano para as ONGs e sindicatos dominantes foi atribuído sob certas
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condições. Um grande segmento do movimento de protesto foi excluído de facto da Cimeira dos Povos. Isto só por si levou à formação de um segundo foro dos Povos, paralelo, que alguns observadores descreveram como "uma contra Cimeira dos Povos”. Por sua vez, em acordo com as autoridades estaduais e federais, os organizadores dirigiram a marcha de protesto para um local remoto cerca de 10 km fora da cidade em vez de para a área do centro histórico onde a cimeira oficial da ALCA se tinha realizado por trás de um "perímetro de segurança" fortemente vigiado.
“Em vez de marchar em direção à vedação do perímetro e às reuniões da Cimeira das Américas, os organizadores da marcha escolheram uma rota que ia da Cimeira dos Povos para longe da vedação, através de áreas residenciais praticamente vazias, para o terreno de estacionamento de um estádio numa área desocupada afastada vários quilómetros. Henri Masse, presidente da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Québec (FTQ), explicou: "Deploro que estejamos tão longe do centro da cidade... Mas era uma questão de segurança." Mil delegados da FTQ mantiveram a marcha sob controlo muito apertado. Quando a marcha chegou ao ponto em que alguns ativistas tinham planeado separar-se e subir o morro até à vedação, os delegados da FTQ avisaram o contingente de Trabalhadores dos Transportes do Canadá (CAW) que seguia atrás da CUPE1 para se sentarem e pararem a marcha de modo a que os delegados da FTQ pudessem cerrar os braços e impedir outros de abandonar a rota da marcha oficial." (Katherine Dwyer, Lessons of Quebec City, Internacional Socialist Review, junho/julho de 2001.)
A Cimeira das Américas realizou-se num “bunker” de quatro quilómetros de betão e uma vedação de aço galvanizado. O “muro de Québec” de 3 metros de altura cercava parte do centro histórico da cidade, incluindo o complexo parlamentar da Assembleia Nacional, hotéis e áreas comerciais.
Os líderes de ONGs versus as respetivas bases
A criação do Fórum Social Mundial (FSM), em 2001, foi inquestionavelmente um marco histórico reunindo milhares de ativistas empenhados. Foi um foro importante que permitiu a troca de ideias e a criação de laços de solidariedade.
O que está em causa é o papel ambivalente dos líderes das organizações progressistas. O seu relacionamento acolhedor e educado com os círculos internos do poder, com fundos de empresas e governo, agências de ajuda, Banco Mundial, etc., mina o seu relacionamento e responsabilidades para com as respetivas bases. O objetivo da dissidência fabricada é precisamente esse: distanciar os líderes das suas bases como meio para silenciar e enfraquecer eficazmente as ações das mesmas.
O financiamento da dissidência é também um meio para infiltrar as ONGs, assim como obter informação privilegiada sobre as estratégias de protesto e resistência de movimentos populares.
Muitas das organizações de base participantes no Fórum Social Mundial incluindo organizações de camponeses, trabalhadores e estudantes, firmemente empenhadas em combater o neoliberalismo, estavam inconscientes da relação do Conselho Internacional do FSM com o financiamento corporativo, negociado nas suas costas por um punhado de líderes de ONGs com ligações a agências de financiamento públicas e privadas.
O financiamento de organizações progressistas não é incondicional. A sua finalidade é "pacificar" e manipular o movimento de protesto. As agências de financiamento
1 Sem explicitação no original. Supõe-se que signifique Canadian Union of Public Employees (N.T.)
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definem condicionantes precisas. Se estas não forem atendidas os desembolsos são interrompidos e a ONG destinatária é levada à falência de facto, por falta de fundos.
O FSM autodefine-se como "local de encontro aberto para aprofundamento da reflexão, debate democrático de ideias, formulação de propostas, livre troca de experiências e interligação para uma ação eficaz, por grupos e movimentos da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e qualquer forma de imperialismo e estão empenhados na construção de uma sociedade centrada na pessoa humana." (Fórum Social Mundial, 2010.)
O FSM é um mosaico de iniciativas individuais que não ameaçam ou desafiam diretamente a legitimidade do capitalismo global e suas instituições. Reúne-se anualmente. Caracteriza-se por uma multitude de sessões e workshops. Neste sentido, um dos atributos do FSM era conservar o enquadramento "faça você mesmo" característica da Cimeira dos Povos contra o G7, financiada por doadores, da década de 1990.
Esta estrutura na aparência desorganizada é deliberada. Ao favorecer o debate numa série de tópicos individuais, o enquadramento do FSM não é propício à articulação de uma plataforma comum coesa e plano de ação dirigidos contra o capitalismo global. Mais ainda, a guerra liderada pelos EUA no Médio Oriente e na Ásia Central, que começou poucos meses depois do foro inaugural do FSM em Porto Alegre, em janeiro de 2001, não foi uma questão central nas discussões do fórum.
O que prevalece é uma vasta e intrincada rede de organizações. As organizações de base beneficiárias nos países em desenvolvimento estão, invariavelmente, inconscientes de que as suas ONGs parceiras nos Estados Unidos ou na União Europeia, que lhes fornecem apoio financeiro, são elas próprias financiados por grandes fundações. O dinheiro escorre, estabelecendo restrições em ações de base. Muitos dos líderes destas ONGs são indivíduos empenhados e bem-intencionados que atuam dentro de um quadro que define os limites da dissidência. Os líderes destes movimentos são frequentemente cooptados sem sequer perceberem que têm as mãos atadas em resultado do financiamento corporativo.
O capitalismo global financia o anticapitalismo: uma relação absurda e contraditória
“Outro Mundo é Possível", mas não pode ser significativamente alcançado no âmbito do presente arranjo.
É necessário um abanão do Fórum Social Mundial, da sua estrutura organizacional, acordos de financiamento e liderança.
Não pode haver qualquer movimento de massas significativo quando a dissidência é generosamente financiada por aqueles mesmos interesses corporativos que são o alvo do movimento de protesto. Nas palavras de McGeorge Bundy, presidente da Fundação Ford (1966-1979), "Tudo o que a Fundação [Ford] fez poderia ser considerado como ‘tornar o mundo seguro para o capitalismo’."
Traduzido por CG
Original em: http://www.globalresearch.ca/manufacturing-dissent-the-anti-globalization-movement-is-funded-by-the-corporate-elites/21110

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