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domingo, 24 de maio de 2015


La Mettrie e o Médico-filósofo

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La Mettrie, apologista do corpo
Nas sociedades ocidentais de hoje milhares de pessoas de todo os sexos, a maioria delas de adultas, procuram com regularidade, por vezes diária, as inúmeras academias de ginástica existentes nas suas cidades para manter-se em boa forma. Trata-se de um exercício de peregrinação em busca do corpo perfeito, rijo, ágil e saudável. Os modernos cilícios são os alteres, as antigas penitências agora são as flexões, a procissão foi sucedida pelas pedaladas ergométricas, as lágrimas que o devoto derramava emocionado perante o altar deram lugar ao suor que escorre dos poros do esforçado cultivador do físico. O corpo no Ocidente volta a ter a presença. Recupera o significado e a dimensão simbólica que tivera na antigüidade clássica, na época pagã, quando os deuses tinham forma humana. Por detrás disso, ainda que distante e remota, está a figura do francês Julien Offray de La Mettrie, pouco conhecido médico e pensador, morto há dois séculos e meio, em 11 de novembro de 1751.

Entre o Sacerdócio e a Medicina

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A imagem santificada do médico
O pai de Julien Offray queria-o padre. Ou melhor, orador sacro. Não via outra serventia para os dons declamatórios que o filho desenvolvera ao natural. La Mettrie nascera em Saint Malo, porto bretão no litoral da França atlântica, em 25 de dezembro de 1709, tendo uma esmerada educação. Estudou em bons colégios, como no Plessis de Paris e no Harcourt, e, quando retornou à casa paterna em 1725, empregou-se como assistente de um dos médicos locais, o dr. Hunault, que virou seu mentor. Este encarregou-o das dissecações ao tempo em que convenceu o pai de Julien Offray a deixá-lo seguir a medicina argumentando que "dar receitas era mais lucrativo do que dar absolvições". O jovem virou um talentoso anatomista, a ponto de mudar-se para a Holanda para ir lá, depois de diplomado em Reims em 1733,

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Uma antiga farmácia
aperfeiçoar-se com uma sumidade de Leiden, o célebre professor de medicina Hermann Boerhaave (cujos livros La Mettrie chegou a traduzir alguns títulos), considerado o Communis Europae Praeceptor. Nunca mais quis saber do sacerdócio. Ao contrário, ao longo da sua curta vida (morreu aos 43 anos) teve neles os seus principais inimigos e detratores. É sintomático porém que o homem que defendeu a mais radical transposição dos valores atribuídos à alma para o corpo, tivesse por um tempo hesitado em trajar ou não a batina.

Uma Febre Reveladora

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Estátua romana da Hygea, deusa da medicina
Acompanhando no ano de 1742 o duque de Gramont, alistado como médico militar numa campanha contra alguns estados alemães, La Mettrie passou por uma experiência que mudou-lhe a vida. Perto de Freiburg (cidadezinha ao lado de onde, 157 anos depois, nasceria Heidegger), La Mettrie foi acometido de uma violentíssima febre que prostrou-o por semanas. Simplesmente apagou. Neste tempo, enquanto delirava, nada viu, nada sentiu, tudo escureceu. Onde andara a sua alma aquele tempo todo, inquietou-se ele? Estudioso de Descartes, rompeu com o dualismo do grande mesmo logo que se refez. O corpo é uma máquina sim, como assegurara o eminente racionalista que o descreveu no Le traité de l´homme (O tratado do homem, publicação póstuma de 1662), mas não há nenhuma alma atuando independente nele, concluiu La Mettrie. Se Deus a colocara na glândula pineal, demiurgo da mente com o corpo, situada nos fundos mais ocultos do cérebro, como Descartes imaginara (no As paixões da alma, 1649 ), para o jovem doutor ela simplesmente fora desativada pela sua doença. Não se conteve.

in Cultura e Pensamento. blogspot.com

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