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terça-feira, 20 de outubro de 2015


Mundo Cão

A seita terrorista e sanguinária conhecida por “Estado Islâmico”, que também poderá designar-se Al-Qaida, Al-Nusra e Exército Livre da Síria – tiradas a limpo as consequências da existência deste – deixou de estar impune. Praticamente incólume desde que há um ano o todo-poderoso Pentágono anunciou que ia fazer-lhe guerra, bastaram-lhe agora uns dias sob fogo cerrado russo para entrar em pânico. Ou a aviação e a marinha da Rússia têm mais pontaria que as suas congéneres dos Estados Unidos da América e da NATO, o que é bastante improvável tendo em conta que não existem discrepâncias de fundo entre as tecnologias de ponta ao serviço destas potências, ou a diferença está simplesmente entre o que uns anunciam e os outros fazem. Diferença simples, mas de fundo, entre ser contra o terrorismo ou ser seu cúmplice.

De acordo com dados divulgados por fontes moscovitas, a Aviação e os mísseis de cruzeiro disparados de navios da Armada da Rússia destruíram já 112 alvos do Estado Islâmico instalados em território sírio ocupado, danos que incluem centros de comando, centrais de comunicação, bases de operações antiaéreas, além de estarem a provocar deserções em massa e um ambiente de pânico entre os terroristas. Propaganda de Moscovo, dirão muitos, mas sem razão. A desorientação entre os mercenários recrutados através do mundo e infiltrados na Síria a partir do Iraque, da Jordânia e, sobretudo, da Turquia está à vista de quem tem olhos para ver, principalmente os espiões atlantistas, bastando-lhe acompanhar a guerra em directo transmitida pelos satélites.

Esta realidade parece ser tão crua que, para surpresa de tantos que ainda acreditam em histórias da carochinha, induz os dirigentes norte-americanos, incluindo Obama himself, a esquecer-se das aparências e a deixarem escapar uma sentida indignação com tanta eficácia russa, capaz de numa simples semana ter mais êxito que os seus exércitos num ano inteiro.

Será mesmo isto que os preocupa? Talvez não. O que os responsáveis políticos e militares dos Estados Unidos alegam é que os russos, ao fazerem uma guerra tão certeira contra o terrorismo, estão a “ajudar o regime de Assad”. De onde pode deduzir-se que eles tratam o terrorismo com meiguice para não ajudar Assad, se possível para conseguir até que os bandos de assassinos a soldo derrubem Assad. Não é novidade, aliás, porque Julien Assange e Edward Snowden o revelaram através do WikiLeaks, que os Estados Unidos e os seus parceiros da NATO decretaram em 2006 o derrube do presidente sírio. Pelo que, imagine-se o atrevimento, os russos não estão a combater criminosos sanguinários mas sim a desobedecer a um decreto emanado há nove anos pelos que se olham como senhores do mundo – e dos mercados, claro está.

Quando seria de supor, levando a sério o discurso antiterrorista que se ouve de Washington a Paris, de Londres a Bruxelas, que a NATO iria conjugar esforços com Moscovo para liquidar de vez o Estado Islâmico tanto na Síria como no Iraque, o que acontece? A aviação norte-americana provoca um banho de sangue num hospital dos Médicos Sem Fronteiras no Afeganistão, certamente um albergue dos mais fanáticos islamitas; as forças especiais de operações do Pentágono para a Síria (CJSOTF-S), que têm estado no Qatar, receberam ordem de transferência para a base da NATO de Incirlik, na Turquia, de modo a acompanhar de perto o treino de terroristas a infiltrar na Síria, terroristas “moderados”, claro, assim definidos depois de uma exaustiva avaliação pelos profilers de serviço; análise essa tão exaustiva e competente que todo o grupo de assassinos cujo treino acabou em 12 de Julho se transferiu logo depois, com bagagens e armas, para a Al-Qaida, percebendo-se agora a irritação de Washington com a eficácia russa: lá se foi o investimento em tão acarinhados terroristas, sem dúvida uns “moderados” acima de qualquer suspeita. Como se não bastasse, a NATO prepara-se para reforçar o contingente de agressão na Turquia a pretexto de supostas violações do espaço aéreo turco por aviões russos, apesar de não se lhe ouvir um pio quando caças turcos fazem operações quase diárias na Síria há vários anos. Fica assim claro que a mobilização da NATO em território turco é em defesa do terrorismo islâmico, e não para o combater.

Ao mesmo tempo, a Arábia Saudita e o Qatar, aliados preferenciais da NATO, praticamente ao mesmo nível que Israel, perdem o amor a mais uns milhões de petrodólares para tentar rearmar o Estado Islâmico e outros do mesmo jaez, agora tornados vulneráveis pela ofensiva russa. Têm boas razões para isso, além de muitas cumplicidades: os grupos de mercenários activos na Síria e no Iraque gerem um mercado negro de petróleo através do qual se financiam e de que tiram chorudos lucros, como exportadores, não apenas as ditaduras do Golfo mas também Israel e a Turquia.

A ofensiva russa não acabou apenas com a impunidade do Estado Islâmico e outros bandos de mercenários; põe em causa a hipocrisia da guerra oficial “contra o terrorismo” proclamada pelos Estados Unidos e a NATO – que tem como exemplos mais trágicos as situações no Iraque, na Líbia e na Síria.

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