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terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Um novo tsunami financeiro global a caminho?

edemilson paranaBlog da Boitempo apresenta em seu Espaço do leitor textos inéditos escritos por nossos leitores. Quer colaborar também? Saiba como no fim deste post!
Preço do petróleo mais baixo em décadas, desaceleração chinesa, recrudescimento da política monetária estadunidense com consequente desvalorização das demais moedas nacionais (em especial de emergentes), queda da demanda global à medida que as economias seguem presas ao atoleiro do desemprego e baixo crescimento. Essa combinação bombástica de fatores tem sido apontada por muitos analistas como a tempestade perfeita (“perfect storm”, no linguajar dos “mercados”) capaz de produzir um iminente tsunami financeiro internacional, maior e mais grave do que aquele de 2008, conforme sustentam os mais alarmistas.
A tese não é fruto de alguma mente esquerdista conspiratória, como se apressariam em acusar os defensores de sempre da ordem de coisas. Atenção ao que nos diz William White, ex-economista-chefe do Banco de Compensações Internacionais (BIS), uma espécie de “clube dos banqueiros centrais de todo mundo”, que agora preside o comitê de revisão da OCDE: “A situação é pior do que era em 2007. Nossa munição macroeconômica para combater recessões foi toda esgotada. Dívidas continuaram a acumular-se ao longo dos últimos oito anos e atingiram níveis tais em todas as partes do mundo que se tornaram uma causa potente para um estrago”, disse ele na véspera do Fórum Econômico Mundial realizado em Davos. O BIS foi uma das poucas organizações a advertir durante 2006 e 2007 sobre os níveis instáveis ​​de empréstimos bancários que eventualmente levariam à queda do Lehman Brothers. A mensagem central de White agora é de que diferentemente de 2008, os Estados não terão mais a mesma capacidade para salvar o sistema financeiro em derrocada.
Diante desse diagnóstico, um analista de investimentos da Royal Bank of Scotland aconselhou seus clientes na semana retrasada a “vender tudo”, exceto os seguros e títulos de alto grau de confiabilidade, apontando um ano “cataclísmico” e a forte probabilidade de um crash do mercado de ações.
Se, a despeito de otimistas, céticos e alarmistas (o mercado tem para todos os gostos), é difícil cravar com certeza se e quando isso ocorrerá de fato, a hipótese é, no mínimo, digna de atenção. Parece difícil de contestar: na pior das hipóteses um novo crash, na melhor delas um longo período de estagnação e/ou baixo crescimento mundial (“estagnação secular”) que, sem uma eloquente mudança de rumos, poderá acabar levando inevitavelmente ao desfecho que alguns dizem ser já inevitável. No Brasil, um dos maiores e mais ricos países do globo, onde a agenda é de mais “laissez faire” e austeridade, o modelo faz água a olhos vistos.
A história que nos trouxe até aqui é de amplo conhecimento. Salvo de si mesmos pelos contribuintes e Estados nacionais, que ativaram a velha socialização das perdas após um longo período de privatização dos ganhos, pouco se fez além de uma enorme injeção de dinheiro farto e barato nos mercados, por meio dos chamados bailouts e quantitative easings. O plano parecia perfeito. Os jogadores foram salvos, cresceu o (mal) endividamento dos Estados e os contribuintes-trabalhadores foram novamente convocados a sustentar a continuidade da festa: austeridade, corte de pensões, aposentadorias, salários e gastos sociais. Sob esse esquema, e utilizando-se de iniciativas e ações quase apenas cosméticas, a dinâmica de funcionamento e gestão da economia global tem se mantido praticamente a mesma de antes da grande crise de 2008. Em tempos de aprofundamento de incertezas somado à hiper-liberalização financeira, o dinheiro farto simplesmente não chega às esferas “reais” da produção e consumo, preso que está à velha conhecida “armadilha da liquidez”. Em bom português: taparam o sol com uma grande peneira. Enquanto isso, e de modo previsível, avolumam-se problemas sociais, políticos e econômicos de toda natureza, com destaque especial para o previsível crescimento exponencial das taxas de desigualdade de renda e riqueza. Com uma ajuda especial dos constrangimentos estruturais da situação chinesa, que até então vinha ajudando a jogar lenha e manter acesa essa insustentável fogueira, a festa parece caminhar para um desfecho indesejável.
Trata-se de uma velha lição de Marx que David Harvey tem nos lembrado com especial competência no que se refere a conjuntura atual: quando o capital se depara com uma grave contradição (leia-se problema) geralmente procura movê-la de um setor para outro, de uma região geográfica para outra, adiando, sem enfrentá-la de frente ou resolvê-la de fato, já que o capitalismo perpetua-se justamente como uma constante movimentação de contradições em torno de si mesmas. Se o problema está no sistema bancário, é movido para o Estado, se está no Estado, movem-no para o contribuinte via tributação e austeridade. Uma vez em suas costas, para onde seria novamente movido agora? Assim como a possibilidade de um novo crash, é difícil prever.
De qualquer forma, sem um amplo conjunto de mudanças estruturais – como reformulação e algum endurecimento regulatório, auditoria e reestruturação das dívidas, programas de investimento público direto e estímulo ao emprego, transferência e distribuição de renda, ativação e fortalecimento do bem-estar (saúde, educação, transporte) e medidas de democratização da gestão dos Estados e das economias – a economia mundial terá poucas chances. Não chega a ser curioso observar, no entanto, que é justamente da esquerda “radical” que vem a defesa desse óbvio e razoável programa de medidas para atacar o problema aqui e alhures, o único “pacote” capaz de salvar os capitalistas deles mesmos, conforme assumiu recentemente até mesmo Wolfgang Münchau, colunista e editor associado do “insuspeito” Financial Times.
É que deixada à sua própria sorte a clássica mentalidade liberal de que “a busca egoísta pelo ganho individual sempre leva à felicidade coletiva”, levada contemporaneamente aos píncaros da estreiteza de pensamento estratégico em banqueiros e financistas bem como em seus funcionários de sempre instalados no poder, nos levará todos a uma tragédia ainda maior.
A humanidade repetidamente tem pago preços altíssimos por não aprender com sua própria história. Em termos políticos, e diante da polarização que avança, começa a ficar claro que a única alternativa político-eleitoral ao que propõe a esquerda dita “radical” ou “extrema” (Sanders no EUA, Podemos/Syriza/Bloco de Esquerda na Europa, oposição de esquerda no Brasil e na América Latina), é a direita belicosa e obscurantista, chegando, inclusive, às suas frações velada ou abertamente fascistas.
Tudo somado, parece que começamos a caminhar aos poucos para um cenário político no mínimo análogo àquele dos duros anos 30 dos século passado. Conforme o relógio gira, fica patente a necessidade inescapável de algum tipo de “rompimento” desse estados de coisas. Espera-se que à esquerda. Essa seria a única forma de evitarmos a barbárie. O risco da apatia é alto demais para ser assumido. É hora de agir.
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Edemilson Paraná é doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). É autor do livro A finança digitalizada: capitalismo financeiro e revolução informacional (Editora Insular, no prelo). Dele, leia também no Blog da Boitempo os artigos “Da direta à esquerda: a crise diante da falta de um projeto de país“, “O Brasil no pêndulo das elites: entre liberalismo submisso e desenvolvimentismo autoritário“, “Disputar o povão: neopentecostalismo e luta de classes“, “As raízes da escalada conservadora atual” e “Lula, o cerberus da política brasileira“.
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in Blog da BoiTempo

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