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segunda-feira, 19 de março de 2018

Coreia do Norte:
Ciência e tecnologia como o caminho para o progresso económico, Introdução

por Zoom in Korea
A Coreia do Norte é comprovadamente o país mais sancionado da terra. As sanções estado-unidenses contra a Coreia do Norte têm estado em vigor desde a década de 1950 e uma série de resoluções da ONU na última década proibiu, entre outras coisas, a exportação de carvão, ferro e marisco, proibindo ainda de exportar têxteis, petróleo e efectuar empreendimentos conjuntos (joint ventures), assim como os norte-coreanos de trabalharem em outros países. Por que, então, o país até agora não entrou em colapso?

Há apenas duas décadas, imagens de macilentas crianças norte-coreanas inundavam a Internet e a maior parte dos observadores previa a morte iminente do país. Mas relatos recentes de pessoas que viajaram ali – antes da proibição de viagens feita por Trump – descrevem um quadro de crescimento económico implausível: altos edifícios de apartamentos, supermercados plenamente abastecidos e norte-coreanos a descansarem em praias ensolaradas, parques aquáticos e estações de esqui.

Como é que o país foi capaz de desafiar o labirinto das sanções internacionais e dos EUA para prosseguir a sua "linha Byungjin", a política de buscar progresso paralelo da dissuasão nuclear e do desenvolvimento económico?

A maior parte dos sabichões aponta a China como resposta. Se os Estados Unidos pudessem persuadir a China a honrar as sanções internacionais, queixam-se ele, então poderia controlar a beligerante Coreia do Norte. Mas essa lógica assume que a China possui retém todos os cordéis da economia norte-coreana e passa por alto o engenho e os sacrifícios do povo norte-coreano na sua luta para construir um sistema económico que possa aguentar as sanções.

A investigação de Kim Soobok sobre a ciência e a tecnologia na Coreia do Norte – baseada em múltiplas viagens ali efectuadas entre 2012 e 2015, além de entrevistas com académicos e peritos norte-coreanos – dá-nos um vislumbre do recente desenvolvimento económico do país e da proeminência dada à ciência e tecnologia nesse processo. As descobertas de Kim também nos dão uma perspectiva sobre a Coreia do Norte que é impossível alcançar do retrato uni-dimensional do país como pária internacional, apresentado pelos media corporativos.

Kim apresenta a sua investigação numa série de quatro partes. A primeira discute o período de grave adversidade na Coreia do Norte nas décadas de 1990 e 2000, habitualmente mencionada pelos norte-coreanos como a "Marcha Árdua" e a importância que o país atribuiu à ciência e tecnologia para reconstruir a sua economia. A parte dois discute a solução inovadora da Coreia do Norte para a sua crise energética e a sua luta de duas décadas para irrigar suas terras agrícolas com consumo eléctrico significativamente menor do que na era anterior. A parte três discute os avanços do país na produção de fertilizantes e a sua correlação directa com o progresso para alcançar a auto-suficiência alimentar. E a parte quatro discute avanços na hidropónica e na utilização da energia solar e geotérmica para construir estufas colectivas a fim de alcançar auto-suficiência alimentar e toda a sociedade.

Mas em primeiro lugar, uma palavra acerca do autor. Kim Soobok reside em Nova Jersey e propõe desde há muito a reunificação pacífica da península coreana. O seu interesse na ciência e tecnologia da Coreia do Norte começou em 2009 quando fez parte de um grupo de estudo sobre a história coreana. Ele e vários amigos participam da divisão local do Comité 15 de Junho para a Reunificação Pacífica e encontram-se de modo informal nas casas uns dos outros para se conhecerem e reaprenderem a história coreana. A primeira coisa que leram em conjunto foi "Duas Coreias, um futuro" ("Two Koreas, One Future"), um relatório publicado em 1986 pelo American Friends Service Committee com capítulos dos historiadores Bruce Cumings e Jon Halliday. Kim recorda-se de alcançar a compreensão do relatório, escrito em inglês – que não é a sua língua mãe – como um processo laborioso pois ele e os seus amigos tinham de procurar praticamente cada palavra no dicionário inglês-coreano.

Depois de um ano de encontros regulares, o grupo esgotou sua lista de leituras e não conseguir encontrar novo material para estudar. Assim, decidiram que cada pessoa deveria escolher uma área de interesse e fazer a sua própria investigação sobre esse tópico a fim de apresenta-la ao resto do grupo. Kim sabia o que queria estudar: a crise alimentar e energética da Coreia do Norte.

A Coreia do Norte acaba de sair do período conhecido como a "Marcha Árdua", marcado por escassez alimentar em massa. Muitos no ocidente familiarizaram-se com as imagens de norte-coreanos famélicos que circularam amplamente na Internet. "Naquele tempo, vídeos com testemunhos de desertores norte-coreanos estavam a circular no Youtube", explicou Kim. "Eles falavam acerca de famélicos norte-coreanos a comerem carne humana e coisas assim. Não acrediteis naquelas narrativas mas não sabia o que era verdade". Assim, ele decidiu investigar mais profundamente e descobrir o que a Coreia do Norte estava a fazer para alimentar o seu povo e gerar energia.

Kim pesquisou intensamente na Internet e acabou por saber do famoso químico norte-coreano Ri Sung-gi, mais conhecido por inventar o tecido sintético Vinalon .

O químico norte-coreano Ri Sung-gi
Durante a II Guerra Mundial o conglomerado estado-unidense Dupont inventou o nylon, um tecido sintético feito de petroquímicos. Os militares dos EUA, os quais consideravam o algodão dos paraquedas demasiado pesado e incómodo, consideraram o nylon como o ideal para fabricar paraquedas leves e duráveis. Em 1944 o Japão queria o mesmo e voltou-se para Ri Sung-gi, um químico que trabalhava no desenvolvimento de fibras sintéticas na Universidade de Quioto. O governo japonês pressionou Ri a acelerar a sua investigação, mas Ri intencionalmente sabotou o seu próprio trabalho pois uma vitória para o Japão colonizador significaria a ocupação contínua da Coreia, a sua pátria. Ri inadvertidamente confessou o seu dilema para um agente disfarçado do governo e a seguir foi preso.

Após a rendição do Japão e a libertação da Coreia, em 1945, Ri foi libertado da prisão e retornou a Seul onde encabeçou o Departamento de Química da Universidade de Seul. Contudo, sem apoio suficiente ou recursos do Governo Militar do Exército dos EUA, o qual dominou a metade sul da Coreia após 1945, Ri e sua equipe passavam a maior parte do tempo ociosos. Quando estalou a Guerra da Coreia, em 1950, o então líder norte-coreano Kim Il-sung apelou a cientistas do sul a que trabalhassem pela causa nacionalista. Em meio aos bombardeamentos aéreos, muito cientistas, inclusive Ri, que discordavam das políticas do governo militar dos EUA, foram voluntariamente para o norte.

À Coreia do Norte, 80 por cento da qual é montanhosa, faltam grandes extensões de terra plana propícia ao cultivo do algodão. Kim Il-sung, a par do trabalho de Ri sobre fibras sintéticas, montou um gabinete para ele junto ao seu próprio gabinete e encarregou-o da tarefa de vestir o povo. Finalmente, com recursos suficientes para continuar a sua investigação, Ri arregaçou as mangas. A Coreia do Norte não tinha petróleo para produzir nylon, mas as suas montanhas eram um vasto manancial de carvão e outros minerais. Ri utilizou antracite e pedra calcária para criar o vinalon, um tipo de fibra sintética a que os norte-coreanos habitualmente chamam de "têxtil Juche", numa referência à filosofia norte-coreana da auto confiança (self-reliance). Em 1960, a Coreia do Norte estabeleceu o complexo Vinalon 8 de Fevereiro, uma fábrica em escala comercial em Hamhung dedicada à produção em massa de vinalon.

"O entendimento do trabalho de Ri Sung-gi sobre o "têxtil juche" abriu os meus olhos para a filosofia da auto-confiança", disse Kim Soobok. Ele queria aprender mais e começou então a sua trajectória de estudo da ciência e tecnologia na Coreia do Norte.

Kim visitou a Coreia do Norte múltiplas vezes de 2012 a 2015 e viajou por muitas regiões, incluindo Nampo, Pyongsong, Anju, Namhung, Wonsan, Geumgangsan, Gaesong e a municipalidade de Saepo County, ao norte da DMZ [zona desmilitarizada]. Ali, ele visitou o Instituto de Ciência Vegetal Pyongyang, o Complexo Siderúrgico Chollima, o Complexo Químico da Juventude Namhung, a Fábrica de Telhas Chollima, os Pomares do Rio Daedong, o departamento de biologia da Academia Nacional de Ciências, a Rua dos Cientistas de Satélites e um centro de pecuária na Municipalidade de Saepo. A cada ida visitou também a feira internacional de comércio efectuada duas vezes por ano em Pyongyang e entrevistou peritos da Grande Sala de Estudos do Povo e da Academia Nacional de Ciências, bem como várias universidades, para aprender acerca dos sectores alimentar e energético da Coreia do Norte.

"Podem-se encontrar vídeos na Internet acerca destes lugares, mas aprendi muito mais por realmente estar ali pessoalmente e conversar directamente com as pessoas", diz Kim. "Cada dia era tão interessante que o tempo voava". Kim nunca estudou ciência, a qual sempre considerou como campo especializado reservado a peritos. Mas na Coreia do Norte ele descobriu que a ciência não é algo fora do alcance de pessoas comuns e ficou surpreendido pelo modo como aplicavam conhecimento científico simples para melhorar suas vidas quotidianas. "Se cientistas fossem à Coreia do Norte teriam muito a aprender e a fazer ali", afirmou. "Quero partilhar o que vi com pessoas daqui e ampliar o nosso entendimento do país".

Devido à proibição de viagens de Trump, Kim já não pode mais viajar à Coreia do Norte. No ano passado ele planeara comparecer à Feira Comercial Internacional de Rason e à Feira Comercial Internacional de Pyongyang e desejara aprender mais acerca do "fluxo em canais naturais" (os quais discute em profundidade na parte um desta série). Ele também planear comparecer ao Chuseok, o feriado nacional que celebra o fim da colheita, juntamente com os prisioneiros políticos repatriados que sofreram longas penas (os quais haviam sido aprisionados na Coreia do Sul durante as ditaduras de Syngman Rhee, Park Chung-hee e Chun Doo-hwan, sendo libertados e repatriados para o norte por ocasião da histórica cimerica Kim Dae-jung-Kim Jong-il, em 15 de Junho de 2000).

O mais recente conjunto de sanções de Trump à Coreia do Norte impediu Kim de estudar o país sob outros aspectos. Relatos no Youtube de vídeos educacionais sobre a Coreia do Norte foram encerrados. "Dois anos de colecta de vídeos desapareceram da noite para o dia", disse Kim. Ele arrepende-se de não ter tido a previdência de guardar os ficheiros no seu disco duro.

As descobertas que Kim apresenta nesta série de artigos fazem parte de um trabalho que estava em andamento quando a proibição de viagens de Trump o forçou a pô-lo em suspenso por tempo indefinido. Embora incompleta, a sua investigação, espera ele, pode contribuir para um melhor entendimento da Coreia do Norte e do seu povo.
06/Fevereiro/2018
A seguir, Parte 1: Ciência e tecnologia como o caminho para o progresso económico

O original encontra-se em www.zoominkorea.org/


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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