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segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

A PROPÓSITO 2


           Há cem anos assassinaram Rosa Luxemburgo, a mulher mais revolucionária de todos os tempos e uma das maiores figuras do pensamento político e do marxismo. Convém lembrar, pelo menos cem anos depois, já que foi esquecida deliberadamente pela Direita e pela Esquerda. Pela Direita reacionária, comprometida com o capitalismo predador na sua fase imperialista, muitas vezes fascista, ultimamente neoliberal (expressão que mascara o papel interveniente do Estado Burguês), anticomunista, não admira que assim seja. Seria de admirar por parte da Esquerda. Mas não. Não surpreende porque costuma-se colocar à Esquerda uma social-democracia que é, o mais das vezes, de Direita (o caso notório do reacionário PSD português), ou que prossegue as políticas pró-capitalistas (casos notórios do PS francês e do corrupto PS italiano). E não surpreende porque foi por ordem direta do secretário-geral do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) que Rosa foi assassinada por um reles militar que se gabou do feito. Rosa foi assassinada não porque haja encabeçado um levantamento contra o Estado (acontecimento funesto desencadeado por uma ala esquerdista do SPD ou anarquista mais propriamente), como se tem dito, no calor de uma revolução e da contra-revolução, mas tão somente porque era a mais forte líder do novo Partido Comunista  de que foi cofundadora, partido da melhor parte da classe operária, não alienada, não submissa ou manipulada, a mais poderosa oradora, a mais acutilante panfletária. Para o seu assassínio contribuiu uma mescla de ódio às mulheres e ódio ao socialismo revolucionário. 
Rosa Luxemburgo notabilizou-se pela denúncia das posições políticas oportunistas da II Internacional dos Trabalhadores (isto é, colaboracionistas com o grande capital e apostadas exclusivamente em ganhos parlamentares, a tal «cretinice parlamentar» excomungada por Rosa), dominada por Karl Kautsky que fora abandonando a teoria de Marx depois de ter sido dela um importante e ativo divulgador e que viria a repudiar a Revolução Bolchevique (e qualquer outra revolução).
A chefia oportunista da ala direita do SPD odiava Rosa porque esta fora a voz mais dura a atacar os chauvinismos e, portanto, o apoio do Partido à intervenção da Alemanha monárquica e a provocação por parte do capital alemão da I Guerra Mundial, a guerra inter-imperialista depois apelidada de «A Grande Catástrofe», mas, que melhor seria chamar-lhe a «Grande Matança».
Mas houve também numa certa Esquerda a obliteração propositada do nome desta imensa revolucionária e fecunda marxista: no Partido Comunista da União Soviética, com Estaline e depois dele, porque Rosa censurara aberta e corajosamente os desvios da revolução e do novo Estado. Em suma: ela fora a voz clara e honesta que enfrentara o próprio Lenine, com razão ou sem ela toda pelo que conhecemos da troca de argumentos entre eles. A Revolução encaminhara-se rapidamente para a construção de um Estado centralizado e centralizador, ao que Rosa se opunha, invocando a tradição da democracia participativa e a experiência para muitos apaixonante dos sovietes ou, o que é o mesmo, dos conselhos e das comunas. Um debate que permanece. Nenhuma razão pode justificar que se obliterem figuras e suas obras quando elas deram contributos excecionais à causa da emancipação dos trabalhadores e dos povos oprimidos. Este reparo aplica-se tanto a Rosa Luxemburgo como a Trotsky (organizador do glorioso Exército Vermelho e autor da melhor história da Revolução bolchevique). 
A História não se repete sempre da mesma maneira. Não é tanto tal facto que torna difícil aprender com o passado. Na verdade, quando nos repetimos, não é porque queiramos cometer os mesmos erros, mas porque julgamos que não foram erros, mas meios necessários que justificavam os fins. Com o colapso do “mundo socialista” nem os fins se alcançaram.
Mais vale não acreditar nas promessas de chefes políticos, sejam eles quem forem (as exceções honrosas confirmam a regra), nem iludirmo-nos sobre a sua pretensa perfeição moral, as suas qualidades admiráveis sem manchas, etc. Vale mais olhar e conhecer o que fizeram e sermos nós, por nós próprios sem preconceitos e apriorismos de doutrina ou de fidelidades, a avaliar a bondade ou não desses feitos.
Vale dizer que a Social-Democracia deixou de se conformar com a teoria marxista, ainda que se reclamasse de início das ideias de Marx e que F. Engels lhe tenha dado apoio paternal. Pode-se dizer que Marx morreu desgostoso com a ineficácia na prática da sua teoria, na Alemanha e na Inglaterra, e começara a olhar a Rússia com alguma esperança de visionário. Dos partidos social-democratas saíram, como se sabe, os partidos denominados comunistas, sob o exemplo do partido conduzido por Lenine. Por conseguinte, nunca se pôde esperar nesses períodos de confrontação entre os dois Blocos e da Guerra Fria, a não ser por ilusão, dos Partidos ditos socialistas (todos os grandes partidos europeus sempre haviam abandonado a estratégia programática do socialismo, evidentemente daquele socialismo entendido por Marx e que se entende qual seja se o lermos com atenção) uma aliança leal com os partidos à sua esquerda com vista à construção de uma economia não capitalista através de um programa de reforma profundas e radicais. Alianças e acordos houve mas que não realizaram reforma social profunda alguma na Europa, como nos lembramos do Programa Comum francês. Houve exceções? Sim, e corajosas e admiráveis, quase sempre fora da Europa e da América do Norte: com Salvador Allende, no Chile, e o governo de aliança com o PC de Pablo Neruda. E outras exceções vindas de movimentos de libertação nacional (Argélia, Angola, Moçambique, Congo Brazzaville, Etiópia, Somália, Nicarágua, etc.), correntes marxistas que viriam a ser derrotadas por dentro desses Movimentos. Estes exemplos demonstram que não há posições eternas e irredutíveis. Demonstram que o socialismo é um termo abstrato e algo vago que tem de ser preenchido com um programa adaptado às condições locais e cujos objetivos estratégicos correspondam a aspirações expressas pelos povos trabalhadores. Mas, então, se as grandes massas não estiverem interessadas em uma sociedade completamente alternativa e prefiram aderir a outras soluções propagadas por chefes carismáticos? Se as soluções destes se revelam mais pragmáticas, realistas e eficientes, e preferíveis a Revoluções que provocam violência? E se tentarmos construir uma economia socialista gradualmente, por meio de reformas profundas mas não abalos sísmicos? Talvez, quem sabe? a certa altura fosse possível passar de passo de trote a passo de galope…
Allende foi assassinado por ter nacionalizado as minas do cobre. Lumumba no Congo, por outro tanto, ou no Irão com o petróleo, ou em Angola e Moçambique com a guerra civil e depois a corrupção epidémica, etc. etc. No fundo, classes e outras camadas sociais em lutas, o irresistível perfume do dinheiro, da glória, ou o veneno dos ódios pessoais. Rosa Luxemburgo é uma figura impressionante que deve comover qualquer comunista ou socialista, ou, apenas (?) um social-democrata sincero. Fez mais pela emancipação das mulheres do que toneladas de livros que ora enchem as montras dos livreiros.
As situações são sempre concretas e sempre complexas. O assassinato de uma das melhores cabeças da Europa verificou-se em uma convulsão de acontecimentos que já ninguém controlava e onde a mais extrema violência voltava, como sempre acontece, a ser a solução mais fácil para vencer um adversário (a vida breve da nossa República morta sob a pata do terror fascista, está repleta de golpes e contragolpes violentos). Nenhuma lição definitiva é possível extrair, senão essa. É credível chegarmos a ser uma espécie dialogante e racional?
Não, não é.
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NOZES PIRES
Torres Vedras, 21/01/2019

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