A espuma das palavras
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domingo, 3 de novembro de 2024
quinta-feira, 31 de outubro de 2024
quarta-feira, 30 de outubro de 2024
O declínio de um império
« (...) A ironia aqui é que – seja um Hegel como filósofo, ou um Bertolt Brecht como escritor de teatro, ou um George Carlin como comediante – é preciso esse nível de brilhantismo para captar. A estrutura política mais autoritária existe dentro de qualquer empresa capitalista. O diretor-geral diz a todos os outros o que fazer. E as pessoas a quem ele dá ordens, os empregados, não têm qualquer poder sobre ele. Eles não votam nele. Não aprovam nada do que ele faz. Se ele não gostar deles, são despedidos. Oh, meu Deus. Considerar outras sociedades autoritárias quando esta é a nossa realidade cinco dos sete dias da semana para a grande maioria, requer uma disciplina ideológica extraordinária, porque é difícil ser tão cego numa área que se pode chamar a outra área nomes maus que se aplicam a nós.
Isto é um extremo e não creio que estas culturas o consigam sustentar durante muito tempo. E se eu estiver certo, então é mais uma razão para aqueles que dirigem os Estados Unidos estarem muito, muito preocupados com a sua situação.
MICHAEL HUDSON: Bem, então a questão é: o que é que vamos fazer em relação a isso? Qual é que vai ser o resultado? Quando os ingleses atacaram os nativos americanos, não tiveram oportunidade de criar uma alternativa. Tudo o que podiam fazer era recuar cada vez mais para oeste, até serem empurrados para reservas, ou aquilo a que os nazis chamavam campos de concentração.
Bem, os presidentes dos EUA, Biden e Donald Trump, tentaram repetidamente expressar o seu grande medo de que outros países fizessem o que os nativos americanos e os palestinos não puderam fazer, que criassem uma alternativa. E é por isso que designaram a China como o inimigo existencial da América e, para preparar o terreno para a conquistar, disseram: “bem, para isso é necessário enfraquecer a Rússia e o Irão, porque são os dois grandes aliados militares da China e os fornecedores de petróleo da energia de que necessita”. (...)
Excertos da entrevista a
Michael Hudson e Richard Wolff [*]
Entrevistados por Nima Alkhorshid
in RESISTIR.info
terça-feira, 29 de outubro de 2024
Não, o liberalismo não enterrou o marxismo
Marcos Martim
À medida que o pensamento liberal evoluiu para lidar com as falhas do capitalismo, alguns analistas argumentam que ele alcançou o marxismo, tornando-o irrelevante. Vivek Chibber argumenta que o liberalismo pode diagnosticar as injustiças do capitalismo, mas é o marxismo que nos fornece as ferramentas para superá-las.
UMA ENTREVISTA DE
Nick FrenchDurante grande parte de sua história, o movimento socialista baseou-se no marxismo como seu referencial orientador. Nas últimas décadas, no entanto, a teoria marxista perdeu influência no mundo intelectual. Na filosofia política anglófona, por exemplo, uma corrente marxista outrora vibrante deu lugar a teorias liberais de vários tipos. Diante desses desenvolvimentos, vale a pena perguntar: o marxismo ainda oferece o recurso essencial que oferecia aos socialistas no século XX?
Nick French da Jacobin conversou com Vivek Chibber para discutir essa questão e outras, incluindo a relação entre a filosofia política liberal e o marxismo; o status do materialismo histórico como teoria; e os usos e as limitações da filosofia moral para os socialistas. Para Chibber, enquanto a filosofia liberal pode diagnosticar as injustiças do capitalismo, ela não oferece um caminho significativo para enfrentá-las. O marxismo, por outro lado, não apenas critica o capitalismo, mas também fornece um quadro estratégico para a mudança estrutural, tornando-se uma força inestimável e duradoura para enfrentar as profundas desigualdades do mundo moderno.
NF
Em uma intervenção recente, o filósofo político Joseph Heath argumentou que a filosofia liberal se desenvolveu a ponto de tornar o marxismo redundante ou irrelevante. .
O argumento de Heath aponta que muitos dos mais perspicazes filósofos marxistas no início do século passado, coletivamente conhecidos como os “marxistas analíticos”, incorporaram seu trabalho em uma ala da filosofia política liberal, particularmente representada por John Rawls.
Heath aponta especificamente para a trajetória intelectual de G.A. Cohen, que passou de defender uma interpretação da teoria do materialismo histórico de Karl Marx para rejeitar essa teoria e expressar simpatia por princípios fundamentais do igualitarismo liberal, em grande parte alinhado com Rawls.
Acho que o argumento de Heath levanta algumas questões substantivas interessantes para os socialistas hoje sobre a relação entre as críticas liberais ao capitalismo e as críticas marxistas. O que você acha dessa ideia de que a filosofia liberal se desenvolveu a ponto de ter substituído o projeto marxista?
VC
Esta é mais uma história sobre como a filosofia liberal amadureceu do que sobre como o marxismo perdeu sua relevância. Um pilar muito importante do liberalismo é que, quando você pergunta às pessoas o que elas acham que é o liberalismo, elas associam-no à igualdade política — com a ideia de que as pessoas devem ter direitos iguais e devem ser iguais perante a lei. Em outras palavras, associam o liberalismo aos atributos formais da democracia.
Os marxistas, claro, valorizam a democracia. Mas eles também argumentam que a democracia política sem igualdade econômica mina a democracia e a torna algo falso. A razão é que as desigualdades econômicas típicas do capitalismo tornam muito difícil para a igualdade política ter substância real. As pessoas que têm muito dinheiro e muita riqueza usam o poder que isso lhes confere no âmbito econômico para também dominar o âmbito político. Elas usam seu poder econômico para sobrepujar a igualdade política que o liberalismo promete.
Esta foi a crítica marxista à filosofia liberal e ao liberalismo. O que aconteceu foi que, no final do século XX, um pequeno número de filósofos oriundos da tradição liberal essencialmente chegou à mesma conclusão de Marx nesse aspecto; John Rawls foi o mais influente deles. Como diz Rawls, se os direitos vão ter valor igual — se vão ser igualmente valiosos para todos — isso requer erradicar as desigualdades econômicas típicas do capitalismo.
Em outras palavras, Rawls chegou às mesmas conclusões que Marx. Ele não foi o primeiro. Sempre houve uma vertente do liberalismo filosófico que esteve em grande tensão com o liberalismo político realmente existente. O que aconteceu no final do século XX foi que a vertente dominante do liberalismo filosófico era igualitária.
Como podemos entender isso? Eu diria que isso é o liberalismo finalmente alcançando o socialismo marxista. Se isso for verdade, então não é tanto que o marxismo esteja se tornando redundante quanto o fato de as duas tradições filosóficas estarem convergindo mais ou menos em uma só. Você poderia dizer, em certo sentido, que o liberalismo se tornou redundante.
Isso pode soar hiperbólico, mas o fato é que há um sentido real em que o marxismo não pode ser deslocado pelo liberalismo, mesmo se suas filosofias morais convergirem. Enquanto Rawls e outros filósofos liberais têm muito a dizer sobre o que está errado com o capitalismo e com promessas vazias de democracia formal, eles têm muito pouco a dizer sobre uma orientação estratégica que possa nos permitir corrigir esses defeitos.
Eles têm uma visão robusta de como seria uma sociedade justa e humana, mas não têm uma teoria real de duas outras coisas essenciais: Primeiro, como uma ordem social injusta é sustentada e reproduzida ao longo do tempo? Isto é, como é reproduzido o capitalismo ao longo do tempo? Como é mantido o poder? Isso é estudado pela economia política. Segundo, dada essa constelação de poder, como podemos reunir uma coalizão social que possa lutar por e conquistar o design institucional recomendado como um design social justo e humano? Essa é a teoria do conflito social e da mudança.
É aqui onde o marxismo tem algo a dizer que a filosofia política liberal simplesmente não tem, porque o marxismo é uma teoria político-econômica muito robusta. Se for esse o caso, você pode aceitar a visão de Heath de que a filosofia política liberal e a teoria moral marxista estão quase no mesmo plano. Você pode aceitar cada ponto feito por Rawls sobre justiça, mas isso ainda deixa ao marxismo toda uma gama de pontos fortes e contribuições que o liberalismo não faz, pelo menos não aquela tradição filosófica sobre a qual ele está falando.
O marxismo é, em sua essência, não uma filosofia moral, mas uma teoria da política e uma economia política. Enquanto o liberalismo falhar em produzir isso, ele nunca poderá suplantar ou tornar redundante o marxismo.
Armadilhas do materialismo histórico
NF
Mas não é exatamente esse o ponto em que tantos ex-marxistas abandonaram o barco? A economia política e a teoria da mudança social eram componentes do materialismo histórico. E muitas pessoas, você entre elas, argumentaram que o materialismo histórico tradicional não pode realmente ser defendido.
Se isso estiver correto, não voltamos ao problema de que o marxismo não tem realmente uma teoria da mudança, e que tudo o que temos é uma filosofia moral? Foi isso que G.A. Cohen acabou pensando, e é por isso que Heath argumenta que o liberalismo é a única opção viável agora.
VC
Não acho que isso esteja correto. A questão se resume a duas perguntas. Primeiro, o materialismo histórico precisa ser entendido de forma restrita e determinista-tecnológica como os marxistas tradicionais defendiam, e que muitos, incluindo eu mesmo, criticaram como sendo indefensável?
Segundo, é essa a versão que as organizações marxistas clássicas realmente seguiram e se inspiraram quando promoveram as enormes mudanças e transformações que vimos no século XX, tornando a tradição socialista tão valiosa?
Comecemos pela primeira pergunta, que é se a versão restrita e determinista-tecnológica do materialismo histórico é a única interpretação válida. O que essa teoria diz é que a história avança em trilhas muito bem definidas, e que os sistemas sociais surgem e desaparecem conforme são ou não adequados para o desenvolvimento tecnológico e das forças produtivas da sociedade.
Em certo ponto, se as instituições sociais existentes estão impedindo as forças produtivas da sociedade, o impulso para sustentar e aumentar essas forças é tão forte que o sistema social existente é desmantelado. E surge um novo sistema social consistente com esse impulso avassalador de manter a tecnologia avançando.
Foi assim que Cohen entendeu o materialismo histórico. Essa é uma visão muito determinista. Nessa perspectiva, quando uma ordem social entra em crise, está praticamente garantido que uma nova a substituirá, e essa nova será mais adequada ao desenvolvimento tecnológico.
Cohen acaba dizendo duas coisas sobre essa visão. Primeiro, ele diz que essa não é uma teoria que podemos realmente sustentar. Segundo, ele diz: graças a Deus está errada, porque faz mais mal do que bem. A teoria, se tomada literalmente, encoraja a complacência política por causa de seu determinismo. Ela incentiva a visão de que — veja só, a crise está aqui! E está praticamente garantido que o socialismo vai vencer, porque esse é o próximo modo de produção.
Isso significa que você realmente não precisa trabalhar para entender a situação política atual, que é do que se trata a política. Você não precisa fazer “a análise concreta da situação concreta”, na frase de Vladimir Lenin. Você sabe que, na pior das hipóteses, pode atrasar a transição e, na melhor das hipóteses, acelerá-la. Mas a transição em si está mais ou menos garantida.
Cohen diz: essa é uma teoria política terrível, então é bom podermos descartá-la. Mas uma vez que dizemos que está errada, o que resta? Sem a teoria materialista, ele pensa, o que resta é um projeto de defesa moral. Cohen diz que os socialistas devem focar em persuadir as pessoas da desejabilidade moral do socialismo.
NF
Certo. Mas então como você evita a conclusão de Cohen?
VC
A questão é: a versão tradicional da teoria é a única plausível? Há uma certa ambiguidade nos textos de Marx sobre esse ponto.
Mesmo que não houvesse ambiguidade — mesmo que ele realmente quisesse apresentar a teoria que Cohen diz que ele apresentou — a questão mais importante é: existe uma versão menos exigente da teoria que seja plausível, que seja consistente com o espírito do que Marx está tentando dizer, mas que não tenha as falhas da leitura determinista?
Em minha opinião, é bastante claro que é possível desenvolver uma versão menos exigente e menos restrita da teoria. Esta versão não tem as implicações deterministas da antiga e, portanto, não corre o risco de gerar complacência ou preguiça por parte dos marxistas. Mas ela possui os elementos positivos da teoria mais antiga, que são simples.
Primeiro, se uma ordem social está entrando em crise, sua resolução será possibilitada por fatores internos dessa ordem social. Assim, se o capitalismo está entrando em crise, a resolução em direção ao socialismo é possibilitada pelas dinâmicas do próprio capitalismo. Isso significa que você não precisa ser um utópico, no sentido pejorativo de Marx, para ser socialista. Segundo, as forças sociais necessárias para promover essa nova ordem social são viáveis e podem ser mantidas com base nos interesses materiais das pessoas.
Esta teoria é um tipo de materialismo em dois sentidos. Primeiro, ela não cai no utopismo. É materialista no sentido de ser realista. Segundo, ela diz que as pessoas estão dispostas a lutar por seus interesses materiais; elas têm os interesses que a criação de uma nova ordem social exige.
Essa versão da teoria, eu acho, é uma interpretação legítima para Marx. E é uma teoria sustentável por si só. Isso significa, então, que podemos rejeitar a versão determinista-tecnológica do materialismo histórico mas ainda manter a essência da teoria que é defensável como um guia para ação estratégica.
Mas deixe-me voltar à segunda questão que eu disse ser chave. Na primeira parte do século XX, o socialismo como movimento foi incrivelmente bem-sucedido porque promoveu algumas mudanças muito profundas — não apenas a Revolução Russa mas também todos os avanços social-democratas. Ambos os movimentos se basearam na teoria marxista. Ambos levaram o materialismo histórico tradicional muito a sério. Então a questão é: essas pessoas, ao levarem essa teoria a sério, caíram vítimas do determinismo e da complacência que Cohen teme?
A resposta é absolutamente não. Se eles tivessem acreditado na versão de Cohen da teoria e tivessem realmente tirado as mesmas conclusões que ele tirou, você não teria visto os debates intermináveis sobre detalhes minuciosos, sobre o momento, sobre a conjuntura, que os primeiros socialistas tiveram.
Há duas possibilidades: ou eles eram esquizofrênicos e aderiam a uma teoria que ignoravam completamente em toda a sua prática; ou a maneira como entendiam o materialismo histórico estava na verdade mais próxima da versão modificada e mais sustentável que estou apresentando — mesmo que prestassem serviço verbal em seus documentos à teoria mais determinista. Se você observar como eles falam e debatem entre si quando apelam ao marxismo, estão apelando à versão menos determinista, mas ainda materialista.
Isso significa que Cohen está errado em dois aspectos. Ele está errado ao afirmar que a única versão sustentável do materialismo é aquela que ele defende. E está errado ao afirmar que o materialismo histórico, uma vez adotado, gera complacência.
Interesses materiais vs. defesa moral
NF
Então, o que realmente guiou os primeiros socialistas foi um entendimento do materialismo histórico que diz que o capitalismo cria as condições para uma nova ordem social, e a maneira de estabelecer essa nova ordem é organizando forças sociais — em particular, a classe trabalhadora — em torno de seus interesses materiais.
VC
Certo. Mas acontece que Cohen também rejeita esse argumento, levando-o de volta à defesa moral. Ele acredita que há uma diferença profunda entre o capitalismo do início do século XX e o capitalismo do século XXI. A diferença é que, no início do século XX, podia-se contar com a classe trabalhadora como agente de mudança social e, no século XXI, não.
Isso também merece exame, porque aqui o argumento de Cohen é igualmente bastante fraco. Ele diz que há quatro razões pelas quais os trabalhadores não podem mais ser contados como podiam no início do século XX. Os marxistas presumiam que, primeiro, os trabalhadores são a maioria da sociedade sob o capitalismo; segundo, que produzem a riqueza da sociedade; terceiro, que são o grupo explorado; e quarto, que são as pessoas mais necessitadas na sociedade.
Cohen diz que não se pode mais dar essas quatro características como certas. Ele não aprofunda muito isso — exceto pelo quarto ponto, de que os trabalhadores são as pessoas mais necessitadas. Mas vamos examinar todos os quatro pontos.
É verdade que os trabalhadores são a maioria da sociedade? Sim. Todo relato cuidadoso da estrutura de classes americana e europeia mostra que o que chamamos de “trabalhadores da linha de produção”, no setor de serviços, trabalhadores braçais ou aqueles em outras partes da economia, ainda representam a maioria. Não é uma grande maioria, mas ainda é uma maioria.
Os trabalhadores são explorados hoje? No sentido marxista, sim. É tão verdade agora quanto era no início do século XX que os trabalhadores criam um excedente. E é verdade que esse excedente é o que representa a maior parte da riqueza na sociedade? Isso é obviamente verdade.
E quanto ao quarto fator? É aqui que Cohen realmente faz sua afirmação. Ele diz que eles não são mais o grupo mais necessitado na sociedade. Outros grupos são mais necessitados. Ele se refere a pessoas como idosos, desempregados etc.
Sua avaliação desse quarto fator está correta? Ele está certo ao dizer que os trabalhadores não são mais o grupo mais necessitado na sociedade? Não vejo como ele pode dizer isso. É verdade que eles não estão indigentes — mas isso não é o que importa. O que importa é que eles são prejudicados mais do que qualquer outro grupo importante e têm muito a ganhar com o socialismo. Certamente isso não é menos verdade hoje do que era em 1920?
Sendo esse o caso, pode-se afirmar todos os quatro fatos sobre a classe trabalhadora, mesmo hoje. Os trabalhadores são a maioria; são explorados; essa exploração é a criadora de riqueza; e os trabalhadores são mais necessitados do que qualquer outro grupo importante na sociedade moderna, o que significa que têm tanto interesse em avançar para uma transformação do capitalismo e serem anticapitalistas hoje quanto tinham antes.
NF
Mas não existem diferenças reais entre o capitalismo de hoje e o de cem ou cento e cinquenta anos atrás? Cohen não está se apegando a algo que muitos de nós na esquerda consideramos importante? Você está dizendo que as diferenças são apenas cosméticas?
VC
Não acho que as diferenças sejam cosméticas; acredito que há diferenças profundas. No entanto, não há muita diferença nas motivações dos trabalhadores e no interesse por uma ordem social melhor. .
A diferença está mais nas capacidades deles de realizá-la.
Ainda não entendemos isso completamente, mas havia algo no capitalismo do início do século XX que tornava a organização e a criação de grandes organizações militantes muito mais fáceis do que hoje. Acho que essa é a maior diferença entre aquele capitalismo e o atual. É isso que a esquerda hoje precisa compreender. Precisamos entender como unir os trabalhadores em torno de seus interesses, que são tão relevantes hoje para uma nova ordem social quanto eram no início do século XX.
O mistério que nos separa daquela esquerda é que ela tinha um modelo e uma estratégia viável de como as organizações deveriam ser, como mobilizá-las, como ativá-las. A esquerda atual ainda não descobriu isso.
Cohen interpreta mal o desafio. Ele pensa que o desafio é que os trabalhadores não têm a motivação que tinham naquela época. Eu diria que o desafio é mais que eles não têm a capacidade ou o poder organizacional que tinham antes.
Isso se deve a uma combinação de fatores: uma mudança na ecologia das empresas industriais; uma mudança na quantidade da classe trabalhadora na indústria e na manufatura em comparação com os serviços; uma mudança na paisagem urbana e na conexão entre trabalho e moradia; e, finalmente, o desmantelamento dramático das associações cívicas da classe trabalhadora que os ajudavam a forjar suas identidades coletivas como trabalhadores.
É alguma combinação dessas coisas. Precisamos de um programa de pesquisa bem elaborado para tentar entender isso.
NF
O cerne do que você está dizendo é que é possível resgatar uma versão do materialismo histórico que possa servir como guia estratégico para a prática política, mesmo nas condições muito diferentes do capitalismo atual em comparação com o de cem anos atrás. Não precisamos recorrer à defesa moral como nossa nova estratégia organizacional, como Cohen pensa.
VC
Sim, mas os problemas da visão da defesa moral são ainda mais profundos.
A maneira como você colocou foi: uma versão do materialismo histórico é recuperável, então não precisamos depender da defesa moral. Eu sugeriria que isso levanta a questão de forma fundamental, porque não está claro para mim como a defesa moral poderia ser uma base para uma transformação política do tipo sobre o qual estamos falando. Em outras palavras, mesmo se quiséssemos depender dela, não poderíamos.
Uma luta pelo socialismo ou mesmo pela social-democracia exige que as pessoas assumam riscos enormes e façam sacrifícios enormes, porque terão de enfrentar a classe capitalista. Não vejo nenhuma maneira pela qual a defesa moral possa ser o mecanismo para levar a maioria das pessoas a tal projeto político. Você precisa ser capaz de mostrar às pessoas que elas têm um interesse real no resultado — um interesse material, não apenas um chamado moral — e também mostrar-lhes que é realista, que não é apenas uma espécie de missão suicida.
É notável para mim que os defensores dessa visão — Cohen é um deles, mas há outros — nunca tentam confrontar sistematicamente essa questão. Na verdade, há duas questões, dependendo de quem é o alvo da sua defesa moral.
Uma questão é: se é um chamado moral geral, por que os setores mais poderosos da sociedade e seus servidores na mídia, nas universidades e na política seriam convencidos pela sua defesa moral quando têm um interesse direto em manter a ordem social? A outra é: se você não vai até eles, por que os trabalhadores pobres viriam até você por um chamado moral, a menos que você possa deixar claro para eles o que têm a ganhar com isso?
Para mim, é mais realista dizer que se um quadro materialista para a política não for mais sustentável, o socialismo não é sustentável como movimento. Prefiro ser honesto e admitir isso do que viver com esse sonho irrealizável de que a defesa moral nos levará lá. Em um sentido muito real, foi contra isso que Marx e [Friedrich] Engels argumentaram durante suas vidas: esses vários tipos de utopismo que diziam: se você apenas pedir às pessoas para serem boas, pode chegar ao socialismo.
Portanto, se Cohen estiver certo ao afirmar que uma versão materialista da política não é mais sustentável, a conclusão dele simplesmente não faz sentido. A conclusão que deveríamos tirar é que políticas do tipo ao qual nos comprometemos agora são impossíveis. Essas conversas morais são fantasias com as quais os intelectuais se entretêm; eu não sei como elas têm qualquer impacto no mundo.
Equilibrando realismo e moralidade
NF
Então, qual é o lugar da investigação moral? Muitos socialistas concordariam com muito do que você está dizendo aqui. Mas eles poderiam acrescentar que isso apenas mostra que a filosofia moral é, na melhor das hipóteses, uma perda de tempo e, na pior, perigosa — que ela encoraja ilusões ideológicas ou ideias úteis à burguesia ou à manutenção do capitalismo, sobre justiça, direitos, e assim por diante. O que você pensa dessa posição? Há alguma razão para os socialistas se interessarem pela filosofia moral? O que, se é que algo, ela pode nos oferecer?
VC
Os socialistas absolutamente precisam levar a filosofia moral a sério, por duas razões.
Uma razão é óbvia quando se pensa nisso, mas algumas pessoas não a consideram seriamente: não queremos apenas algo diferente do capitalismo; queremos algo melhor do que o capitalismo, e por “melhor” queremos dizer mais desejável.
Se o socialismo é mais desejável, em que bases ele é mais desejável? E se alguém chegasse e dissesse: eu tenho uma solução para as ineficiências do capitalismo, mas você terá que abrir mão de todos os seus direitos civis e políticos. A maioria dos socialistas rejeitaria isso. Mas rejeitamos por razões morais, então precisamos ser capazes de articular quais são essas razões.
A segunda razão talvez seja menos óbvia, mas decorre da primeira. Existem dois critérios pelos quais os socialistas devem avaliar as instituições que estão tentando construir. Um é prático: essas instituições são realistas e sustentáveis? O outro é moral: as novas instituições podem ser realistas e sustentáveis, mas são desejáveis?
Sustentável e desejável são duas coisas muito diferentes. Aquilo que é sustentável pode não ser desejável, e aquilo que é desejável pode não ser realista. Os socialistas valorizam muito a questão do realismo e entendemos agora, após cem anos de experimentos, que há versões do socialismo que podem não ser sustentáveis — e uma dessas versões, acredito eu, é o planejamento central. Então percebemos que talvez tenhamos que nos contentar com algo menos do que isso.
No entanto, aquelas instituições que juntas compõem algo menor terão elementos retirados do capitalismo. Você pode ter um mercado de trabalho. Pode ter certos mercados financeiros. Pode ter certos tipos de mercados de produtos.
Agora você se depara com a questão: se vamos ter um mercado de trabalho, por exemplo, toda versão dele é moralmente condenável? Ou há versões ou aspectos dele que são aceitáveis, com os quais nós, como socialistas, podemos conviver?
E quanto às hierarquias? Não podemos eliminar todas as hierarquias. Com as hierarquias, temos um menu de opções. Quais são as que achamos consistentes com nossos objetivos e, portanto, desejáveis? E quais devemos tentar evitar e dissolver?
Todas essas são questões morais. Sempre que você tem um menu de opções, como nós temos, você selecionará desse menu não apenas com base em critérios práticos — haverá intensos debates morais também.
Se você não souber os fundamentos sobre os quais rejeita as instituições capitalistas, não saberá quais são os fundamentos sobre os quais está escolhendo aceitar ou rejeitar suas alternativas.
Sem uma base normativa bem elaborada, os socialistas não têm base para fazer essas escolhas. Se você não tiver essa base, quando não tiver moralidade, tudo o que resta é poder. E o que decidirá esses debates é quem tem as armas e quem tem mais recursos. Isso é absolutamente algo que você quer evitar na esquerda.
Portanto, embora Cohen esteja errado ao pensar que tudo o que resta para os socialistas é a defesa moral, seu projeto maior de tentar dar uma base mais firme para os socialistas sobre por que eles devem aceitar ou rejeitar certas instituições sociais foi absolutamente crucial. Cabe a nós tentar aprofundar isso tanto quanto pudermos. E nisso teremos parceiros muito capazes entre os liberais igualitários porque eles chegaram a muitas das mesmas visões que os socialistas já tinham, mesmo que tenham demorado um pouco mais.
Sobre os autores
é professor de sociologia na New York University. Seu livro mais recente, ‘Postcolonial Theory and the Specter of Capital’ [“Teoria Pós-colonial e o Espectro do Capital”] acaba de ser publicado pela editora Verso.
é um candidato a PhD em filosofia na Universidade de Califórnia – Berkeley e membro dos Socialistas Democráticos da América na Costa Leste.
sábado, 26 de outubro de 2024
Blog da Boitempo | Leia no blog ou leitor |
Tariq Ali entrevista Rashid Khalidi: “Os palestinos estão pagando por toda história europeia de ódio aos judeus”
Por Boitempo em 21/10/2024 |
Imagem: hosny salah (Pixabay).
Há 81 anos nascia Tariq Ali, no Paquistão. Jornalista, escritor, historiador, cineasta e ativista político, atualmente vive na Inglaterra, onde colabora com diversos periódicos e é um dos editores da revista New Left Review. É especialista em política internacional e tem se destacado com análises sobre o Oriente Médio e a América Latina. No último número da revista Margem Esquerda, Tariq Ali entrevistou o historiador palestino Rashid Khalidi. Confira a seguir a primeira parte da entrevista que aborda a história política e intelectual do movimento nacional palestino, suas relações com os regimes árabes vizinhos, as hipocrisias do dito “processo de paz”, os vasos comunicantes entre Israel e o complexo-industrial-militar estadunidense, as realidades da ocupação e os cálculos (ou erros de cálculos) do Hamas, bem como os desafios e as perspectivas para as próximas décadas.
Tariq Ali entrevista Rashid Khalidi
Rashid Ismail Khalidi é um dos mais proeminentes historiadores da Palestina e do Oriente Médio da atualidade. Advindo de uma família notável de Jerusalém, nasceu em Nova York no fatídico 1948 – sua família, assim como centenas de milhares de palestinos expulsos, não pôde retornar à sua terra natal após a Nakba. Filho do escritor e diplomata palestino Ismail Khalidi e sobrinho de Hussein Khalidi, que fora prefeito de Jerusalém (1934-37), seu interesse em história e geopolítica começou em casa. Nas mesas de jantar, era comum o assunto percorrer os bastidores da política internacional. Seu pai trabalhou por uma década e meia na Divisão de Assuntos do Conselho de Segurança da ONU e estava lá durante momentos-chave da política da região, como a Guerra dos Seis Dias, em 1967. “Desde cedo, aprendi a perceber a diferença entre o que sabíamos ser verdade e o que era noticiado”,1 conta.
Depois da morte do pai, em 1968, Khalidi traçou uma trajetória acadêmica prestigiosa. Formou-se em Yale, em 1970, e obteve seu doutorado na Universidade de Oxford, em 1974. Sob orientação de Albert Habib Hourani, apresentou um estudo aprofundado da política britânica no Oriente Médio pré-Primeira Guerra Mundial, analisando os antecedentes do Acordo Sykes-Picot e da Declaração de Balfour. Na sequência, mudou-se para o Líbano, país de sua família materna, e lá, entre 1976 e 1983, lecionou na Universidade Americana de Beirute e na Universidade do Líbano, além de ser pesquisador do Institute for Palestine Studies, cofundado em 1963 por seu primo, o renomado historiador Walid Khalidi. Acompanhou em primeira mão as tensas tratativas pela evacuação da OLP de Beirute diante da invasão israelense em 1982.2
Após o massacre de Sabra e Shatilla e com o acirramento das tensões no país, a família partiu para os Estados Unidos com um recém-nascido. A previsão era passar um ano fora, mas a guerra civil libanesa se agravou eles nunca voltaram para sua casa em Beirute, onde os três filhos haviam nascido. Khalidi passou dezesseis anos lecionando na Universidade de Chicago, onde também dirigiu o Centro de Estudos Internacionais. Entre 1991 e 1993, aconselhou a delegação palestina nas negociações de paz em Madri e Washington, tema de seu livro Brokers of Deceit [Negociadores do engano].3 Em 2002, passou a editar o Journal of Palestine Studies e, no ano seguinte, assumiu a recém-criada cadeira Edward Said de estudos árabes na Universidade de Columbia.
No primeiro semestre de 2024, sua universidade foi palco de uma série de ocupações estudantis contra o massacre patrocinado pelos EUA em Gaza. Em maio, horas depois da tropa de choque invadir um dos prédios ocupados e prender dezenas de estudantes, Khalidi fez um discurso apoiando os manifestantes e condenando a administração universitária. Depois de mais de vinte anos à frente da cátedra, ele se aposentou em junho, desvinculando-se da Columbia.
Nesta edição, a Margem Esquerda traz uma densa conversa entre Khalidi e Tariq Ali. Publicada com o título “The Neck and the Sword”4 [O pescoço e a espada], a entrevista versa sobre a história política e intelectual do movimento nacional palestiniano, suas relações com os regimes árabes vizinhos, as hipocrisias do dito “processo de paz”, os vasos comunicantes entre Israel e o complexo industrial-militar estadunidense, as realidades da ocupação e os cálculos (ou erros de cálculo) do Hamas, bem como os desafios e as perspectivas para as próximas décadas.
Tariq Ali – Comecemos
com o presente, não só no sentido dos horrores infligidos à Palestina
agora, mas o presente como parte do ainda ativo passado palestino. A
brutal repressão anglo-sionista da Grande Revolta Árabe de 1936-39 foi
seguida pela Nakba de 1948, a Guerra dos Seis Dias de 1967, o cerco a
Beirute de 1982 liderado por Ariel Sharon, os massacres de Sabra e
Shatila, as duas Intifadas e a contínua chuva de terror por parte de
Israel desde então. Ainda assim, o genocídio do pós-7 de outubro parece
ter um impacto global maior que todos esses acontecimentos.
Rashid Khalidi
– Sim, alguma coisa mudou em nível global. Não sei por que aqueles
episódios históricos não tiveram o efeito de mudar completamente a
narrativa – a narrativa popular, em especial. Não quero especular sobre
fatores como as mídias sociais. Mas esse tem sido o primeiro genocídio
que uma geração testemunha em tempo real, nos seus telefones. Foi o
primeiro em tempos recentes em que os Estados Unidos, a Inglaterra e os
países ocidentais foram participantes diretos, diferente dos do Sudão e
de Mianmar? Será que o trabalho dos militantes pró-Palestina sobre uma
ou mais gerações preparou as pessoas para isso? Não sei dizer. Mas você
tem razão quando diz que, como resultado dos horrores infligidos a Gaza
durante oito meses contínuos, e dos que estão sendo infligidos agora,
algo novo aconteceu. O deslocamento de 750 mil pessoas em 1948 não teve o
mesmo impacto. A Revolta Árabe de 1936-39 foi quase completamente
esquecida. Nenhum desses eventos prévios teve um efeito parecido com
esse.
TA – A
Revolta Árabe sempre me fascinou como um dos maiores episódios da luta
anticolonial, que recebeu muito menos atenção do que merece. Começou
como uma greve, depois uma série de greves, até se tornar uma enorme
revolta nacional que deixou os ingleses “nas cordas” por três anos. Você
poderia nos explicar as origens dela, seu desenvolvimento e
consequências?
RK – A Revolta Árabe
foi essencialmente uma revolta popular, em escala massiva. A liderança
Palestina tradicional foi pega de surpresa, assim como Arafat e as
lideranças da Organização para Libertação da Palestina (OLP) foram pegos
de surpresa com a Primeira Intifada em 1987. Ambas as insurreições se
iniciaram com incidentes menores; no caso da Revolta Árabe, foi a morte
em batalha do xeque ‘Izz al-Din al-Qassam em novembro de 1935, por
forças britânicas. Nascido em 1882 em Jableh, na costa da Síria,
al-Qassam foi um intelectual religioso, treinado em Al-Azhar e militante
anti-imperialista que lutou contra as forças ocidentais na região,
começando com os italianos na Líbia, em 1911, depois as forças francesas
na Síria, em 1919-20. Ele se instalou na Palestina controlada pelos
britânicos, onde viveu e trabalhou principalmente entre os camponeses e
os pobres urbanos. O assassinato de al-Qassam teve uma amplitude enorme;
dentro de alguns meses tinha ajudado a detonar a mais longa greve geral
do entreguerras na história colonial. O melhor relato dessa história é
de Ghassan Kanafani, o grande escritor palestino assassinado pelos
israelenses em 1972; era para ser o primeiro capítulo de sua obra sobre a
luta palestina, inacabada quando de sua morte.5
A análise de Kanafani se sustenta até os dias de hoje. Entre outras
coisas, ele salientou o impacto econômico sobre as classes populares do
aumento da imigração judaica para a Palestina nos anos 1930, depois que
Hitler chegou ao poder; a demissão de trabalhadores árabes de fábricas e
obras, conforme a política de “mão de obra exclusivamente judaica”, de
Ben-Gurion; o despejo de 20 mil famílias camponesas das suas terras,
vendidas aos colonos sionistas por donos de terras absenteístas; o
aumento da pobreza. Essas revoltas populares eclodem quando as pessoas
atingem um ponto em que perceberam que não poderiam mais continuar como
antes, e nesse caso a ira social se somou a poderosos sentimentos
nacionalistas e religiosos. Os palestinos se impuseram contra todo o
poderio do Império Britânico, que em um século e meio não havia sido
obrigado a conceder independência a nenhuma colônia, com exceção da
Irlanda em 1921. A Revolta Árabe foi esmagada pelo que ainda era o
império mais poderoso do mundo, mas os palestinos lutaram por mais de
três anos, com cerca de um sexto da população masculina morta, ferida,
presa ou exilada. Nos anais do período entreguerras, foi uma tentativa
sem precedentes de derrubar o domínio colonial. Só foi suprimida com o
envio de 100 mil tropas e a RAF (Força Aérea Britânica). Essa é uma
página esquecida da história da Palestina.
TA – Essa
derrota não levou também a uma desmoralização no seio das massas
palestinas, de modo que, quando a Nakba começou propriamente, em 1947,
eles ainda não haviam se recuperado dos horrores de 1936-39?
RK
– A derrota da Revolta Árabe criou um legado pesado, que afetou os
palestinos por décadas. Como Kanafani escreveu, a Nakba, “o segundo
capítulo da derrota – do final de 1947 a meados de 1948 –, foi notável
por sua brevidade: era apenas o epílogo de um capítulo longo e sangrento
ocorrido entre abril de 1936 e setembro de 1939”.6
O que os britânicos fizeram foi depois copiado em quase todos os
detalhes pelos líderes sionistas de Ben-Gurion em diante. Só por isso já
vale a pena recordar o custo para a sociedade palestina. Pelo menos 2
mil casas foram explodidas, plantações foram destruídas e centenas de
rebeldes foram fuzilados por portarem armas de fogo. Tudo isso
acompanhado de toques de recolher, detenção sem julgamento, exílio
interno, tortura, práticas como amarrar os habitantes dos vilarejos na
frente das máquinas a vapor, como escudos contra os ataques de
combatentes da liberdade. Em uma população árabe de cerca de 1 milhão de
pessoas, 5 mil foram assassinados, mais de 10 mil, feridos, e mais de 5
mil presos políticos foram deixados apodrecendo em prisões coloniais.
TA
– No processo de aniquilação da Revolta Árabe os britânicos deram um
valioso treinamento em contrainsurgência às forças sionistas que estavam
trabalhando com eles.
RK – Sim.
Especialistas em contrainsurgência, como Orde Wingate e outros experts
em tortura e assassinato, ensinaram aos sionistas todas as suas técnicas
coloniais sujas. Os britânicos trouxeram veteranos da Índia, como
Charles Tegart, o notório chefe de polícia de Calcutá, alvo de seis
tentativas de assassinato por nacionalistas indianos. As mesmas
fortalezas e campos de prisioneiros construídos por Tegart estão ainda
em uso por Israel nos dias de hoje. Eles trouxeram gente da Irlanda e de
outras partes do império, como o Sudão, onde Wingate começou, e onde o
primo do seu pai, Reginald Wingate, fora governador-geral e oficial de
inteligência antes disso.
TA
– Orde Wingate, um nome esquecido há muito tempo. Eu duvido que muitos
leitores tenham sequer ouvido falar da sua figura doentia, de quem
[Bernard] Montgomery disse que a melhor coisa que fez foi estar no avião
que caiu e o matou em Burma, em 1944. Quem foi ele? Ele tinha algum
vínculo especial com as forças sionistas? Me lembro vagamente de uma
série da BBC de 1976 em que ele foi retratado como um herói.
RK –
Ele era um assassino colonial de sangue frio, que acabou como
major-general e foi odiado por muitos do seu próprio lado, como as
palavras de Montgomery sugerem; Montgomery também descreveu Wingate como
“mentalmente desequilibrado”. Churchill, que não se fazia de rogado
quando o assunto era infligir sofrimento a populações submetidas, chamou
Wingate de “louco demais para comandar”. Ele nasceu na Índia britânica,
em uma família religiosa da igreja Plymouth Brethren. Cristão
fundamentalista e literalista bíblico, ele promovia a versão do Velho
Testamento de uma redenção judaica. Chegou na Palestina como capitão na
inteligência militar, justamente quando a revolta de 1936 estava
começando. Sabia árabe, aprendeu hebraico e se tornou figura-chave do
treinamento de integrantes do Haganá como “Esquadrões Especiais
Noturnos” – em outras palavras, esquadrões da morte –, que localizavam e
matavam habitantes dos vilarejos palestinos nas montanhas, assim como
os grupos de militares e colonos israelenses fazem hoje. Sua notoriedade
era tamanha que, quando explodiu a guerra europeia de 1939, figuras
árabes proeminentes demandaram que Wingate fosse expulso da região. Ele
foi. Seu passaporte foi carimbado proibindo seu retorno. Seu trabalho
estava feito. Ele treinou muitos dos homens que se tornaram comandantes
do Palmach e mais tarde do Exército israelense, como Moshe Dayan e Yigal
Allon. Vários lugares em Israel carregam seu nome, e ele é corretamente
considerado o fundador da doutrina militar israelense.
TA – Ele os ensinou bem.
RK –
Sim. O que antes fora uma especialidade colonial britânica se
transformou em uma especialidade colonial israelense. Tudo que os
israelenses fizeram, eles aprenderam dos britânicos – incluindo as leis,
as regulações emergenciais de defesa de 1945, por exemplo, que os
britânicos usaram contra a Irgun. As mesmas leis estão ainda vigentes,
agora usadas contra os palestinos. Tudo isso veio do manual colonial dos
britânicos.
TA –
Uma vitória – ou mesmo um empate – da Revolta Árabe teria estabelecido
as bases de uma identidade nacional palestina e aumentado sua força para
as batalhas que viriam. Assim como [Ghassan] Kanafani, você argumentou
que as vacilações da liderança tradicional palestina tiveram um
papel-chave na derrota, curvando-se, como fizeram – na Conferência de
Saint James, por exemplo – aos reis árabes, que haviam sido colocados em
seus tronos pelos britânicos…
RK –
Assim como agora, a liderança palestina estava dividida. Eles estavam
estorvados por sua própria incapacidade de chegar a um acordo sobre uma
estratégia apropriada para mobilizar a população e criar um fórum de
representatividade nacional, uma assembleia popular em que esses
assuntos poderiam ser discutidos. Diferentemente do que ocorreu na
Índia, no Iraque e em outras partes da África, os britânicos negaram aos
palestinos qualquer acesso ao Estado colonial. Então o argumento em
defesa de uma assembleia popular para romper decisivamente com as
estruturas do controle colonial era muito importante.
TA – Outra condição de fundo para a Revolta foi a emergência do fascismo na Europa.
RK
– A partir do momento em que os nazistas tomaram o poder, toda a
situação mudou para os judeus no seu relacionamento com o mundo e com o
sionismo. O que é totalmente compreensível. Isso produziu mudanças na
Palestina também: entre 1932 e 1939, a proporção de judeus na população
cresceu de 16% ou 17% para 31%. De repente os sionistas tinham uma base
demográfica viável para tomar a Palestina, o que não tinham em 1932.
TA – Os palestinos se tornaram vítimas indiretas do judeocídio europeu.
RK
– Absolutamente. Os palestinos estão pagando por toda a história
europeia de ódio aos judeus, desde os tempos medievais. Eduardo I
expulsou os judeus da Inglaterra em 1290, os franceses os expulsaram no
século seguinte, os éditos espanhóis e portugueses, nos anos 1490, os
pogroms russos de 1880 e, por fim, o genocídio nazista. Historicamente,
esse é um fenômeno quintessencial da cristandade europeia.
TA –
E se não tivesse havido um judeocídio na Europa e a Alemanha fascista
tivesse sido somente fascista, sem a obsessão de exterminar os judeus?
RK
– Esse é um grande “e se…”. Mas olhe para a situação em 1939. Já havia
um forte projeto sionista, com apoio imperial britânico, por razões que
nada tinham a ver com judeus e sionismo. Tinha a ver com interesses
estratégicos. A Declaração de Balfour foi feita pelo homem responsável
por emplacar a lei mais antissemita da história do Parlamento britânico,
o Aliens Act de 1905. A classe dominante britânica não se importava com
os judeus per se. Talvez se importassem com a leitura que
faziam da Bíblia, mas eles se interessavam sobretudo pela importância
estratégica da Palestina e do Oriente Médio, como porta de entrada para a
Índia, muito antes de 1917. Esse era o interesse deles, do início ao
fim. Quando foram forçados a sair, em 1948, eles o fizeram porque já
tinham desistido da Índia em 1947, e já não precisavam mais da Palestina
da mesma maneira. Mesmo que Hitler tivesse sido assassinado, haveria um
projeto sionista, com apoio imperial britânico. Ainda assim o sionismo
teria tentado tomar a totalidade do território palestino, que sempre foi
seu objetivo, e ainda assim teria tentado criar uma maioria judia
através de limpeza étnica e imigração. Eu não poderia especular mais do
que isso.
TA – Mas não havia também correntes antissionistas dentro das comunidades judaicas?
RK
– Certamente. Havia judeus comunistas, judeus assimilacionistas. A
grande maioria das populações judaicas perseguidas do Leste Europeu
decidiu emigrar para colônias de povoamento branco: África do Sul,
Austrália, Canadá, Nova Zelândia e, acima de tudo, Estados Unidos;
alguns também foram para a Argentina e outros países latino-americanos.
Essa é a maioria [dos países] para onde a maior parte da população
judaica do mundo foi, além daqueles que ficaram na Europa. O
antissionismo era um projeto judeu. Antes da ascensão de Hitler, os
sionistas eram uma minoria, e seu projeto era altamente contestado nas
comunidades judaicas. Mas o Holocausto produziu um tipo de uniformidade
compreensível no apoio ao sionismo.
TA –
Derrotas costumam ter o efeito de parar tudo por um tempo; aí a
resistência ressurge, de diferentes formas. No caso de 1936-39, contudo,
imediatamente depois da derrota, eclodiu a Segunda Guerra Mundial – que
começou na China, apesar de muitos a chamarem de uma guerra europeia.
Qual foi a atitude da liderança palestina nesse momento? Na Indonésia,
na Malásia, na Índia e em partes do Oriente Médio alguns grupos de
movimentos nacionalistas disseram: o inimigo do nosso inimigo é nosso
amigo, ainda que temporariamente. Sendo o nosso inimigo o Império
Britânico, isso significa alemães e japoneses. Em seu livro sobre o
Egito, Anouar Abdel-Malek escreve que, quando parecia que [Erwin] Rommel
iria tomar o país, multidões se reuniram nas ruas de Alexandria,
gritando: “Adiante, Rommel, adiante!”. Queriam qualquer um, menos a
Inglaterra. Qual foi a reação na Palestina?
RK
– A reação na Palestina foi altamente dividida. A facção minoritária da
liderança se alinhou com os alemães, seguindo o Grande Mufti. Ele tinha
uma extraordinária carreira militar: os franceses o expulsaram de
Beirute, os ingleses o enxotaram do Iraque, quando reocuparam o país em
1941, e depois o expulsaram do Irã. Ele tentou ir para a Turquia, mas os
turcos não o deixaram ficar, então ele acabou em Roma, e depois em
Berlim. Mas a maioria dos palestinos não adotou essa linha. Muitos se
uniram ao Exército britânico para lutar com as Forças Aliadas. Claro que
muitos líderes foram mortos pelos britânicos, tanto no campo de batalha
quanto executados. Outros foram exilados. Os ingleses adoravam exilar
seus oponentes nacionalistas nas ilhas sob seu protetorado:
Malta,Seychelles, Sri Lanka e as Ilhas Andamão. Meu tio foi mandado para
as ilhas Seychelles por alguns anos, junto com outros líderes
palestinos, e depois exilado em Beirute por outros tantos anos. A
liderança, via de regra, entendia que a Inglaterra nunca poderia ser uma
nação amiga. Dá para ler isso nas memórias do meu tio – ele se tornou
virulentamente antibritânico. Ele fora sempre nacionalista e
antibritânico, mas a Revolta [Árabe] mudou de maneira extraordinária a
visão dos palestinos. Antes, a liderança tentava sempre se conciliar com
os britânicos, nos moldes de várias elites coloniais cooptadas. Isso
mudou com a aniquilação da Revolta. Em última análise, a derrota da
Revolta e depois a Segunda Guerra Mundial deixaram os palestinos
mal-preparados para o que viria depois, quando duas novas superpotências
– Estados Unidos e União Soviética – apoiaram o sionismo, enquanto os
britânicos colaboraram in loco com os sionistas e os
jordanianos para prevenir o estabelecimento de um Estado palestino
naquele território. Os palestinos não estavam suficientemente
organizados para enfrentar o assalto dos militares sionistas, que
começou em novembro de 1947, meses antes do fim do Mandato Britânico, em
15 de maio de 1948, quando a repartição da ONU entraria em vigor, e os
exércitos árabes entraram na briga. Àquela altura, as forças sionistas
tinham tomado Jaffa, Haifa, Tiberias, Safad e uma dúzia de outros
vilarejos, expulsando cerca de 350 mil palestinos, e já haviam superado
em muito o que havia sido designado como Estado Árabe no Plano de
Repartição da ONU. Ou seja, os palestinos já haviam perdido antes mesmo
da proclamação do Estado de Israel e da deflagração da guerra
árabe-israelense.
TA
– Vamos chegar ao papel dos Estados Unidos em tudo isso. Mas como você
explica o apoio da União Soviética aos sionistas, fornecendo armas
tchecas para que eles continuassem na luta?
RK
– Stálin deu uma guinada repentina, como você sabe. De uma firme
potência antinacionalista e antissionista, a União Soviética subitamente
se transformou em uma defensora de um Estado judeu. Isso foi um choque
enorme para os partidos comunistas do mundo árabe. Havia várias
motivações, penso eu. Foi por certo uma tentativa de cobrir o lance dos
Estados Unidos, e havia uma sensação de que talvez Israel pudesse ser um
país socialista a se alinhar à União Soviética. Stálin também queria
minar o poderio britânico no Oriente Médio. Lembre-se de que ele havia
passado sua juventude lutando no sul do que mais tarde seria a União
Soviética, durante a Guerra Civil Russa, quando os britânicos foram os
maiores apoiadores do Exército Branco – os financiando, armando e
treinando. Eles os apoiaram com tropas e armadas do mar Báltico ao mar
Cáspio e ao mar Negro. Stálin tinha desde cedo desenvolvido uma
animosidade em relação aos britânicos e uma obsessão com a ameaça que
eles representavam no sul da União Soviética. Ele agora via esse momento
como uma oportunidade para minar os regimes árabes marionetes dos
britânicos na região.
TA – Foi uma intervenção política desastrosa. Mas não durou muito.
RK
– Alguns anos. Mas sim, totalmente. Se você olhar a votação na
Assembleia Geral da ONU, sem a União Soviética e seus anexos Ucrânia e
Bielorrússia, assim como os países que eles influenciavam, os
estadunidenses teriam dificuldade em impor a resolução de repartição.
Talvez eles o fizessem, mas o resultado poderia ter sido outro. E o
acordo de armamentos tcheco foi crucial para as vitórias de Israel
contra os exércitos árabes no campo de batalha.
TA – Isso
nos traz às elites árabes – as monarquias e califados instalados pela
Inglaterra depois do colapso dos otomanos –, sua colaboração com os
britânicos e seu fracasso em ajudar a derrotar essa entidade que foi
criada pelo Império Britânico.
RK – As
monarquias do Egito, da Jordânia e do Iraque tiveram o papel mais
importante aqui. Elas estavam sujeitas a pressões opostas, de cima e de
baixo. Por um lado, os britânicos não tinham a menor vontade de ver um
Estado palestino. Eles ainda mantinham uma enorme hostilidade contra os
palestinos, ainda que também tenham se tornado hostis aos sionistas, por
causa da campanha sangrenta levantada contra eles pela Irgun, a Gangue
Stern e a Haganá, no final da Segunda Guerra Mundial. A Inglaterra se
absteve na votação da ONU sobre a repartição. Um Estado judeu seria
estabelecido e nada poderia ser feito para evitar isso. Mas eles
esperavam manter o equilíbrio de poderes através dos regimes clientes e
manter influência em parte da Palestina através do emir Abdullah, da
Transjordânia, cujo Exército era comandado por oficiais britânicos. Por
outro lado, havia uma pressão por parte da opinião pública. O mundo
árabe havia muito se preocupava com o sionismo. Quando eu estava
pesquisando sobre esse assunto, descobri inúmeros artigos antigos de
jornal sobre a Palestina, em publicações de Istambul, Damasco, Cairo e
Beirute. Havia voluntários da Síria e Egito lutando na Palestina durante
a Revolta Árabe. Então esses regimes vizinhos estavam sob pressão
popular para fazer alguma coisa sobre a catástrofe que estava se
desenvolvendo em 1947-48, com os sionistas em clara vantagem, e os
refugiados destituídos chegando às capitais árabes. Os britânicos
queriam que os jordanianos invadissem a região para anexar a Cisjordânia
e Jerusalém Oriental. O Egito e os demais países árabes foram forçados a
intervir por conta da pressão popular. Mas o fizeram de maneira pouco
incisiva e somente depois que os britânicos haviam abandonado o local.
Isso teve um enorme efeito de radicalização no jovem oficialato
envolvido, incluindo Abdel Nasser. Nas suas memórias, ele escreve algo
como: ‘não nos foram dados os meios com os quais lutar, mas à medida que
lutávamos contra os israelenses, pensávamos na monarquia corrupta
controlada pelos britânicos em casa’. Junto com outros dois colegas
próximos do grupo nacionalista Free Officers, Nasser foi lotado em Gaza e
Rafah, e observou em primeira mão a ira dos soldados rasos contra o
Alto Comando no Cairo. Ele cita um soldado que ficava repetindo a cada
ordem sem sentido: “Vergonha, vergonha”, na entonação prolongada e
sarcástica do egípcio do interior.7
A guerra aumentou a popularidade dos Free Officers e, em última
instância, levou à queda da monarquia em 1952. O mesmo aconteceu com os
iraquianos e os sírios. Praticamente assim que a guerra acabou,
ocorreram uma série de golpes na Síria, seguidos pela revolução de 1952
no Egito, e no Iraque em 1958. Todos os oficiais militares envolvidos
haviam lutado na Palestina.
Notas
1 Chris Hedges, “Casting Mideast Violence in Another Light” [perfil de Rashid Khalidi na editoria “Public Lives”], The New York Times, 20 abr. 2004.
2 Sobre a experiência, Khalidi escreveu Under Siege: PLO Decisionmaking During the 1982 War
(Nova York, Columbia University Press, 1985).
3 Rashid Khalidi, Brokers of Deceit: How the US Has Undermined Peace in the Middle East (Boston, Beacon, 2013).
4 Publicada originalmente em New Left Review, n. 147, maio/jun. 2024, p. 5-38, e traduzida aqui por Luiz Guilherme Osório.
5 Ghassan Kanafani, A revolução palestina de 1936 a 1939: antecedentes, detalhes e análise (trad. Letícia Bergamini Souto, São Paulo, Expressão Popular, 2024)
6 Ibidem, p. 115.
7 “Nasser’s Memoirs of the First Palestine War”, traduzido para o inglês por Walid Khalidi para a edição do Journal of Palestine Studies
publicada no inverno de 1973, é um relato fascinante do caos e da falta
deliberada de planejamento do corrupto Alto Comando no Cairo.
Confira a entrevista completa na revista Margem Esquerda #43, com especial sobre Gaza.
Como não poderia deixar de ser, Gaza está no centro da nova edição da Margem Esquerda. A revista abre com uma densa entrevista com o historiador palestino-americano Rashid Khalidi, por muitos considerado herdeiro intelectual de Edward Said. Na sequência, o dossiê de capa esquadrinha a atual situação palestina em reflexões de Arlene Clemesha, Samah Jabr, Tithi Bhattacharya, Bruno Huberman e Ilan Pappé. É do artista plástico palestino Yazan Khalili, o ensaio visual da edição. Fechando o volume, nosso editor de poesia traduz e comenta os versos pungentes de Rafaat Alareer, assassinado em dezembro de 2023 por um bombardeio aéreo israelense no norte de Gaza, junto com dois irmãos e quatro sobrinhos.
***
Tariq Ali é
jornalista, escritor, historiador, cineasta e ativista político.
Nascido em 1943 no Paquistão, atualmente vive na Inglaterra, onde
colabora com diversos periódicos e é um dos editores da revista New Left Review.
É especialista em política internacional e tem se destacado com
análises sobre o Oriente Médio e a América Latina. Pela Boitempo,
publicou O poder das barricadas: uma autobiografia dos anos 60 (2008).