Translate

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Marxismo acadêmico e marxismo real

Por Alain Badiou, via Maquinacrisica.org, traduzido por Grupo de Estudos em Antropologia Crítica (GEAC)
Para começar, eu definiria grosso modo o marxismo acadêmico como uma interpretação do marxismo, seja de tipo epistemológico, seja de tipo ideológico ou filosófico. Em todos os casos, consiste numa existência do marxismo que poderíamos separar da ação política. Trata-se, por conseguinte, de toda definição do marxismo e de toda prática do marxismo que nos separa do militantismo comunista, seja por fazer do marxismo uma ciência, seja por fazer dele uma representação geral; uma corrente de pensamento entre outras. Mas, no que diz respeito a essas questões difíceis, é necessário partir de mais longe. Eu começaria por uma anedota. Durante uma conferência sobre o comunismo, realizada em Berlim, o camarada Toni Negri enunciou que “certas pessoas tentavam ser comunistas sem ser marxistas”. No momento destinado a minha fala, eu respondi que essas “certas pessoas pensam que ser marxista sem ser comunista é pior ainda”. Pois bem, independente desta polêmica, no final das contas um pouco teatral, o ponto de indistinção está, de certa forma, nestas duas noções. A meu ver, o núcleo do problema reside na relação entre marxismo e comunismo.

Sem dúvidas, hoje em dia podemos falar com facilidade, principalmente se conhecemos as universidades estadunidenses, de um marxismo acadêmico que é claramente tratado como uma mistura de sociologia e economia política. Há, também, e não podemos esquecer-nos disso, um marxismo contestatário; um marxismo revoltado que fala de luta, que fala de classe, mas que, no entanto, recusa, de alguma forma, o marxismo como lugar das ideias e que pretende se furtar da existência de organizações explicitamente comunistas. Pois bem, e quais são os caminhos desse marxismo acadêmico contemporâneo? Podemos, naturalmente, argumentar que o marxismo é uma ciência. Este foi um aspecto do programa de Althusser, e também de outros tantos, antes e depois dele. Penso que essa tentativa de posicionar o marxismo como uma ciência remonta à social-democracia alemã do final do século XIX. É ali que tal tentativa toma seu impulso. Neste caso, devemos perguntar imediatamente de que trata essa ciência. Qual seria o objeto do marxismo encarado como ciência? De um ponto de vista mais banal, pode-se dizer que o marxismo é uma ciência revolucionária da economia, oposta ao liberalismo clássico. Neste sentido, o núcleo do pensamento marxista seria o edifício analítico – crítico e dialético ao mesmo tempo – representado, especialmente, pela obra intitulada O Capital. Estamos, ainda, num nível muito abstrato de discussão. De qualquer forma, penso que essa tese banal, segundo a qual o marxismo é, antes de qualquer coisa, e em primeiro lugar, uma teoria da economia dialeticamente oposta à economia liberal, apresenta duas dificuldades. Uma delas, bem conhecida, é que o subtítulo de O Capital é “crítica da economia política”. Ele se apresenta, propriamente falando, não como uma nova ciência da economia, mas sim como uma crítica criadora, ainda que fortemente marcada de negatividade, do dispositivo da economia política inglesa; do dispositivo de Smith, de Ricardo e de alguns outros. Sendo assim, não me parece – e esta objeção é mais séria – que o sistema geral das ideias verdadeiras, ou das ideias operatórias, que constitui o marxismo possa ser deduzido da economia ou inclusive de uma crítica da economia.
Um pequeno parêntese. Sobre este ponto, me vem à lembrança uma meditação, contida num texto de Mao Tsé-Tung – permitam-me citar esse nome próprio – intitulado “De onde vêm as ideias justas”. Pergunta-se Mao: “As ideias justas procedem, em definitiva, da economia considerada como ciência?”. Ele recorda, então, que as ideias justas, inclusive as ideias justas em política, possuem na verdade três fontes diferentes. Em primeiro lugar, a luta pela produção, situada numa relação dialética entre o homem e a natureza, e organizada por uma relação de produção. Em segundo lugar, a luta de classes, no campo da contradição política gerada pela organização da produção. Em terceiro lugar, aquilo que Mao denomina “experimentação científica”. Temos, então, produção, luta de classes e experimentação. Esta terceira fonte ocupa uma posição singular de descentramento em relação às outras. Isto me lembra, diga-se de passagem, um texto realmente impressionante no qual Lênin afirma que “em certo sentido, o progresso científico e técnico está acima das classes”. A experimentação científica, nesse ponto de vista, está numa independência relativa em relação ao sistema de apropriação das relações sociais que a circunda, e a atividade científica não é redutível nem ao resultado prático do que se joga nas relações de produção, nem à luta de classes. De repente, vemos como o marxismo pode ser reduzido a uma nova ciência da economia.
Outra hipótese em voga em todo o marxismo acadêmico é que o marxismo proporia uma ciência da história. Mesmo se a economia estiver em posição de infraestrutura, não há dúvida de que uma ciência da história é um dado mais complexo, mais desenvolvido. Falar-se-á então de “materialismo histórico”. Este é o nome canônico. Estaremos tentados a dizer que o marxismo, pelo menos nos primeiros tempos, é o materialismo histórico.  De fato, essa é uma interpretação dominante e aparece de forma corrente na opinião do mundo marxista. Sinalizemos que esta não era, exatamente, a projeção de Althusser. Ele dizia que o marxismo é uma ciência e uma filosofia. A ciência era o materialismo histórico e a filosofia, como vocês sabem, era o materialismo dialético.  Esta divisão estava em perfeita conformidade com aquela proposta por Stalin. Qual é, então, o enigma dessa definição que estabelece a seguinte equivalência: marxismo = materialismo histórico + materialismo dialético? Do meu ponto de vista, aqui o que está ausente é a política. Isto não me parece compatível com os propósitos de Marx ao longo de toda a sua vida: ele ajudou a criar uma internacional e foi um animador da política comunista. Se nós sustentamos que o marxismo é, essencialmente, uma ciência da história, isso implica a determinação explícita da relação entre histórica e política. Não vejo como seria possível falar de marxismo na ausência total de qualquer referência à prática política revolucionária ou à política comunista. Somos levados, então, à questão seguinte: qual é a relação exata entre o materialismo histórico enquanto ciência da história, isto é, ciência do passado, e o presente porvir, o presente futuro no qual a ação política se engaja? O núcleo desta questão parece ser o seguinte: como se situam os atores da prática política na grande racionalidade histórica descrita pela ciência marxista? Em outras palavras, existe no marxismo uma teoria do sujeito político. E, se o núcleo duro do marxismo é o materialismo histórico, então sua teoria do sujeito deve ser formulada no interior da ciência materialista da história.
Poderemos sustentar que há um materialismo histórico marxista porque o sujeito político é historicizado em sua existência e em seu próprio desdobramento. Contudo, como vocês sabem, essa não é a via escolhida por Althusser, posto que ele colocava que a ciência da história é uma ciência da história sem sujeito, o que vem a excluir a figura do sujeito político e, em definitiva, a própria política em certo sentido. Evidentemente, a via real sobre esta questão é, de certa maneira, sutil.  Que lugar o materialismo histórico oferece para a política como consciência de si mesma? A via real considera que, no marxismo, os atores principais do campo político são redutíveis às classes sociais e, portanto, aos atores históricos e sociais. Eles não são necessariamente sujeitos. Isto parece estar indicado, primordialmente, no início de um texto ao qual é necessário voltar incessantemente: o Manifesto do Partido Comunista. Ali lemos que “a história até nossos dias não foi outra coisa senão a história da luta de classes”. Então, se existe sujeito, é lá que devemos buscá-lo. Mas será que a história da luta de classes é redutível à história das classes? Ou ainda: qual é a articulação entre classe e luta de classes? Dado que o programa marxista consiste em criar uma política – a política comunista – na qual se tornará consciente que a política é a organização de uma luta de classes, podemos teorizar a subjetivação de classe? É possível ir além da descrição histórico-objetiva das classes? Não seria necessário supor que há uma interiorização política dos dados objetivos do materialismo histórico e, finalmente, da própria infraestrutura econômica? Não se fala, no marxismo, da passagem da classe em si para a classe para si? Este é um problema que muitas vezes agitou a história tormentosa dos diferentes marxismos.
Geralmente, estamos de acordo em que o nome do ator principal de uma política marxista se chama “proletariado”. Poderíamos dizer que o proletariado é um sujeito da história, ou um sujeito de sua própria história? O que significa, exatamente, no caso de uma resposta positiva, a passagem do ser objetivo da classe, tal e como foi construído em pensamento pelo materialismo histórico, ao ser subjetivo – e portanto político – da classe? Podemos pensar essa passagem nos termos gerais do materialismo histórico? Neste ponto, eu gostaria de fazer um novo parêntese, concernente a Mao Tsé-Tung. Será meu último parêntese. Enquanto chefe de um processo político ao mesmo tempo novo e complexo, Mao participava muito especialmente dessa discussão teórica. E ele termina por endossar, de fato, a existência de um sujeito da história. Mas ele o faz de três formas diferentes, de modo que a questão se amplia. Talvez a unidade das três formas seja o desafio de conjunto desta discussão. Há três sujeitos da história na obra de Mao Tsé-Tung. O suposto sujeito aparece, primeiramente, em sua figura mais clássica e sob seu nome usual: “proletariado”. Por exemplo: “nós nos situamos na posição do proletariado”. Nós, o partido. Aqui, “proletariado” é o nome da posição política e subjetiva marxista. É subjetiva a ponto de Mao terminar dizendo que devemos entender por “proletariado” o conjunto dos “amigos da revolução”. Parece haver um círculo: uma definição objetiva, depois uma definição subjetiva, depois a definição subjetiva substituindo a definição objetiva. Mas deixemos de lado esse impasse. Mao emprega exatamente nesta mesma função a palavra “povo”, que representa um complexo de classes, e não uma classe identificável. Cito: “o povo, e só o povo, é a força motriz, o criador da história universal”. Finalmente, e sempre na mesma posição subjetiva, também encontramos o termo “massas”. Assim – cito – “as massas são os verdadeiros heróis, enquanto nós somos muitas vezes de uma ingenuidade ridícula”. Aqui, quem é designado por esse “nós” “de uma ingenuidade ridícula”? Provavelmente seja o partido. É ele que, ao fim e ao cabo, parece mal ajustado ao processo histórico e político e é ele que é de uma ingenuidade ridícula em relação a esse ator essencial que são as massas. Em suma – e isso é importante –, se “proletariado”, “amigos da revolução” e “massas” podem ser equivalentes a “proletariado” em sua função de sujeito político da história, a única coisa que parece não participar dessa equivalência é o partido.  De modo que esta hesitação sobre o vocábulo destinado a identificar o sujeito da história demonstra que a hipótese de que poderíamos reconduzir o marxismo, sob o nome de materialismo histórico, ao lugar de uma ciência da história suscita grande quantidade de debates e objeções.
Outra hipótese seria dizer que o marxismo nomeia, na verdade, uma política. Uma política que, sem dúvida, pode ser articulada a uma ciência e da qual poderemos falar como uma política científica, ou algo assim, mas que continua sendo uma política. Se o marxismo é uma política é necessário rever, desta vez – como fizemos antes em relação às palavras economia e história –, a palavra “política”. Neste ponto, eu gostaria de retornar sobre o próprio Marx e perguntar o que ele entende por marxismo. E isso levando em conta que Marx sempre afirmava que não era marxista. Estou pensando numa passagem do manifesto que aborda o seguinte ponto: se existe alguma política marxista, qual é, no próprio campo da ação política, o objetivo dessa política? Que fim atribuímos a ela? Qual é a sua estratégia? A resposta de Marx não é ambígua: se existe política marxista, seu propósito é o fim da política em geral. O fim de toda a política. É uma política cujo movimento imanente, à escala histórica, é o desaparecimento do Estado ao mesmo tempo em que o desaparecimento da política. Trata-se de uma política do fim da política, o que coloca uma complicação suplementar. Retorno sobre as palavras de Marx: “uma vez desaparecidos os antagonismos de classe no curso do desenvolvimento, estando a produção concentrada nas mãos dos indivíduos associados, então o poder público perde seu caráter político”. É uma frase muito intensa e muito especial: “o poder público perde seu caráter político”. Propriamente falando, o poder político é sempre o poder organizado de uma classe para a opressão de outra. Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, constitui, forçosamente, uma classe; se ele se erige, mediante revolução, em classe dominante e, como classe dominante, destrói, através da violência, o antigo regime de produção, ele destrói, ao mesmo tempo, as condições do antagonismo de classe; ele destrói as classes em geral e, por conseguinte, sua própria dominação como classe. Isto quer dizer, expressamente, que o poder político do proletariado é o poder que realiza a desaparição da política.
Então, se “marxismo” designa uma política, esta consiste no processo de sua própria desaparição. A política não é identificada como o núcleo do que o marxismo descreve enquanto sua realização própria, posto que o que ele descreve é exatamente o contrário, a saber: o fim da política, que é consequentemente o fim do Estado e, portanto, a desaparição do conjunto de categorias que constitui a política. Com efeito, neste texto a política é identificada com o Estado. Podemos dizer que, em Marx, a política é definida como a capacidade de uma classe de oprimir outra. É precisamente isso que irá desaparecer com o advento do proletariado. A desaparição da classe dos opressores e a desaparição da política são identificadas com a desaparição do Estado. Como diz Marx, o poder político do proletariado deixa de ser, na realidade, um poder de tipo estatal. Posto que, em definitiva, o Estado é uma maquinaria que representa ou concentra a opressão de classe. Deste ponto de vista, poderíamos indagar se a palavra “marxismo” implica a redução da política à existência ou ao exercício de um poder de Estado.
Política designa, em particular, algo que constitui uma subjetividade prática que, no marxismo – enquanto teoria da economia, das classes e da história –, está orientada  à desaparição do Estado e, de forma clássica, à desaparição da política. Em outras palavras, a subjetividade prática esclarecida pelo marxismo não se exerce como poder, mas sim como um processo que visa, constantemente, um mais além da política. É nesse sentido que podemos falar de revolução, de política revolucionária. Não é uma política entre outras; é uma política que vai mais além de qualquer política e visa sua desaparição. A consequência e o desdobramento do que se chama revolução deve trabalhar imediatamente no sentido da liquidação da política, e também da revolução, na medida em que ela é, em sua negatividade – a negatividade da ditadura do proletariado –, uma figura estatal.
A dificuldade concernente à política esclarecida pelo marxismo é, de fato, a questão fundamental da relação entre marxismo e comunismo; relação que nos servirá de guia daqui para frente. Se o marxismo pode ser descrito como uma política e se uma política é, na realidade, por seu sujeito clássico – o proletariado –, a conquista e o exercício ditatorial do poder com vistas à imposição do fim buscado, então existe uma tensão contraditória entre marxismo e comunismo. Isto porque o comunismo é, em essência, uma organização não estatal da sociedade. Trata-se de um problema que coloca a questão de sabermos o conteúdo de uma subjetividade política que não seja estatal. Eis, aqui, o núcleo duro da questão. Trata-se de uma questão dramática na história real, porque ela está sempre sobredeterminada pela urgência do conflito entre a ambição comunista e a necessidade do Estado. Esta tensão se realizou na história como a diferença entre socialismo e comunismo. Na literatura clássica, os estados pós-revolucionários, dirigidos pelos partidos comunistas, são normalmente denominados “estados socialistas”. Sob toda a evidência, seria impossível denominá-los “estados comunistas”. Estado comunista é uma expressão contraditória. Foi proposta uma solução que consistia em dizer que o Estado socialista era uma figura de transição destinada a consumar a ruína dos estados e das classes, criando, assim, as condições do comunismo, que põe fim ao estado. De tudo isso, eu concluiria que, no estado atual da questão, com o balanço da história, poderíamos dizer que a palavra “marxismo” não coincide exatamente com uma definição da política. Ela constitui isso que eu chamo de um plano de fundo analítico. Sua prerrogativa fundamental é pensar as determinações, operar o conhecimento das situações concretas. Mas enquanto processo prático e organizado, a política se define em outro plano. De fato, é geralmente por isso que falamos não de política marxista, mas sim de política revolucionária ou de política comunista. A respeito deste ponto, poderíamos abrir um vasto debate que não vou iniciar aqui, mas cujo cerne consistiria em retornar, uma vez mais, à lição retirada por Marx da Comuna de Paris e à repercussão disso na meditação de Lênin intitulada O Estado e a Revolução.
Bom, de tudo isso que venho dizendo resulta que o marxismo não é identificável nem como uma ciência da economia, nem como uma ciência da história, nem com a política revolucionária. Ele não pode ser nem uma disciplina acadêmica, de tipo científico ou ideológico, nem uma simples armadura ideológica situada no segundo plano de uma revolta. A interpretação que o identifica com uma ciência da economia e com uma ciência da história é, provavelmente, uma interpretação direitista. Por outro lado, identificá-lo com uma armadura ideológica no segundo plano das revoltas seria uma interpretação esquerdista. E, como dizia Mao, nós devemos incessantemente procurar uma interpretação de centro-esquerda. Resta então a hipótese de que o marxismo seja, finalmente, uma filosofia. É a questão do materialismo dialético. Retornamos, aqui, à fórmula completa de Althusser e de Stalin. Na medida em que o marxismo seria constituído pelo par vivente e concretamente aplicado do materialismo histórico e do marxismo dialético, ele seria a adição dialética de uma ciência e de uma filosofia. Eu já falei da ciência. Agora, falarei um pouco da ideia de que o marxismo é uma filosofia.
No nível mais abstrato, o marxismo seria uma metamorfose materialista do dispositivo filosófico de Hegel. Haveria, então, uma substituição da dialética hegeliana através de coordenadas materialistas. Estaríamos diante de uma desidealização dessa dialética. Tal procedimento foi chamado pelo próprio Marx de uma inversão da dialética hegeliana. Eu penso que a grande dificuldade procede de que, a despeito da sedução metafórica, é a inversão que conta. Marx se relaciona com a filosofia numa relação de descontinuidade, que não é apenas uma simples relação de retorno ou de inversão.  Em certo sentido, Marx é um anti-filósofo. Eu recordo a famosa tese sobre Feuerbach, onde lemos que “até aqui, os filósofos interpretaram o mundo, agora se trata de transformá-lo”. A ideia de que a filosofia é imediatamente o veículo de uma transformação do mundo supõe uma inversão da definição da própria filosofia. Em outras palavras, se a filosofia subsiste para Marx, ela deve estar engajada num protocolo efetivo de transformação do mundo, devindo, portanto, uma dimensão pensante da própria política revolucionária: uma dimensão imanente da política revolucionária e não uma exterioridade ideológica ou abstrata. A filosofia deve participar diretamente da transformação do mundo. Segundo Marx, a filosofia não é nada se não se torna um componente imanente e inseparável da prática política. Temos, então, a impressão de que a verdade da filosofia marxista é novamente a política. Em consequência, penso que a identificação do marxismo como a conjunção de uma ciência da história e de uma filosofia torna-se extremamente precária. Tão precária que não chegamos a definir o que quer dizer essa imanência no tocante à prática política.
Até aqui, não encontrei um lugar para o marxismo em minhas categorias – nem ciência, nem nova economia, nem filosofia, nem uma teoria do sujeito político. Neste caso, eu deveria dar razão a Toni Negri, isto é, tentar ser comunista sem ser marxista? Provavelmente não.
Em primeiro lugar, quero tomar um ponto de partida descentrado, novo. Vou partir de um texto famoso de Lênin que fala da triplicidade. Um texto que leva por título As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. Este título anuncia que a gênese e a estrutura do marxismo serão esclarecidas. Já desde o início nós encontramos uma dificuldade: para Lênin, o marxismo é filosofia + ciência + política. Estas são as três partes constitutivas, sintetizadas no movimento comunista. Por sua vez, as três fontes são, filosoficamente, o idealismo dialético alemão (Hegel), cientificamente, a economia política inglesa (Ricardo) e politicamente, o socialismo inerente ao movimento operário francês. É uma grande aliança: praticamente o contorno da Europa atual. A aliança do elemento francês, do elemento inglês (sem Brexit) e do elemento alemão. Revisto por Lênin, o pensamento marxista organiza a triplicidade, ela própria dialética, do idealismo hegeliano, da economia política inglesa e do socialismo primitivo inerente ao movimento operário francês. Há três termos, e não dois. Este é o principal deslocamento que Lênin introduz nessa abordagem da definição do marxismo.
Essas três fontes devem ser criticadas de forma radical e nunca operadas tal e como elas são. A dialética idealista alemã precisa ser transformada em materialismo, o que implica uma operação muito violenta. No que concerne à economia política inglesa, todo O Capital demonstra que Ricardo e os ingleses não viram o ponto central, a saber: que os termos fundamentais do capitalismo não estão constituídos pela relação entre coisas, mas sim por relações sociais, o que é uma transformação absolutamente radical. Já o socialismo inerente ao movimento operário francês vai ser completamente desmantelado a partir da oposição entre comunismo científico e comunismo utópico. Será demonstrado que o socialismo francês é essencialmente um tema pequeno-burguês inofensivo, de acordo com a forma em que Marx criticava Fourier e Proudhon. Ao fim e ao cabo, as famosas fontes do marxismo não são tais, salvo na medida em que mudemos completamente a água que nelas flui. Este é o primeiro grande problema.
O segundo problema versa sobre a questão da unidade dessas três fontes. Se o marxismo tem três partes constitutivas – economia, política, filosofia –, então qual é o tipo de unidade dessas três fontes? Minha hipótese, que já está presente na filigrana em Marx e em Lênin, é que o vínculo fundamental entre as três partes constitutivas é o conceito de classe. Estou tentado a dizer que, em definitiva, o marxismo designa a potência da categoria de classe como categoria ao mesmo tempo transversal – esclarecendo a filosofia como materialista, a ciência como dialética da economia e a política como comunista – e central, constituindo a unidade dos três termos.  Atenção: se a categoria de classe for central no marxismo, não podemos inscrevê-la em alguma das três partes constitutivas. A categoria central atravessa as três fontes. Em particular – e este é um erro frequentemente cometido – o conceito de classe não deve ser considerado como um conceito inerente à ciência da história, ou materialismo histórico, enquanto definidor da contribuição criadora do marxismo. Marx disse expressamente o contrário e é sempre necessário lembrar-se disso. Para Marx, os historiadores reacionários franceses inventaram o conceito de classe e viram perfeitamente que o motor da história era a luta de classes. Este ponto, segundo Marx, não é invenção sua.  Em consequência, a contribuição do marxismo para o pensamento revolucionário moderno não pode ser a natureza de classe dos diferentes níveis da ação humana, mas sim a forma em que essa natureza de classe transforma os próprios níveis da ação humana. A questão é, então, colocada em três níveis.
Pois bem, e o que o marxismo transforma da dialética alemã, da economia política inglesa e do movimento operário francês, de modo a unificá-los? Em primeiro lugar, pode-se dizer que há uma definição filosófica do proletariado como classe universal. Em suma, a classe está presente não no exterior, mas no interior da determinação filosófica da inversão do idealismo em materialismo. O proletariado é concebido sob o modelo da negatividade hegeliana; ele substitui a negatividade hegeliana, mas de forma afirmativa. O proletariado não é apenas o termo de uma contradição social. Trata-se da classe portadora do porvir, precisamente na medida em que não tem nada a perder. A classe proletária é menos uma identidade social plena que o elemento considerado como absolutamente nulo, vazio, da sociedade burguesa. Nesta sociedade, o proletariado é o ponto de negatividade radical, apenas capaz de trabalhar do interior dessa totalidade para desfazê-la. Em outros termos, trata-se da única classe cujos interesses podem ser considerados como os interesses da humanidade inteira. É o que diz o hino do proletariado: “se nada somos em tal mundo, sejamos tudo”. Eis, aqui, um enunciado filosófico e não apenas uma pretensão gloriosa. A possibilidade de articular o nada do presente e o sentido total do porvir é, de qualquer maneira, a definição filosófica do proletariado tal e como o concebe o marxismo de Marx. Isto está perfeitamente claro no famoso manuscrito de 1844. Mas Marx nunca abandonou esse ponto de vista. Ora, o que esta definição revela é o sentido contraditório da política, posto que a política consiste em fazer advir a negatividade enquanto afirmação. O proletariado é o vazio da sociedade existente e é nessa condição que ele vai realizar a possibilidade de uma superação universal que acarreta a abolição da própria política. Esta é a função do conceito de classe na filosofia. Agora, passemos a abordar esse conceito no concernente à economia política inglesa.
A crítica marxiana constrói uma teoria do capitalismo de tal forma que podemos ali situar, decisivamente, o conceito de luta de classes e de classe. Este é o verdadeiro alvo de O Capital. Às vezes tal aspecto se torna fugidio porque O Capital está inacabado. O Capital devia findar numa consideração exaustiva sobre o que é uma classe social e, finalmente, o proletariado. Não se resumia, portanto, a uma teoria geral das estruturas da organização capitalista. O Capital foi interrompido no nível do Livro II pela morte de Marx. Em seguida, mesmo quando passamos para o Livro III, organizado por Engels, constatamos que não foram ainda tratados de forma decisiva os conceitos de classe, de luta de classes e de proletariado, ainda quando Marx almejasse fazê-lo. No fundo, a inversão da economia política de Ricardo foi a colocação em perspectiva científica do conceito de classe, de luta de classes e de proletariado.
Finalmente, qual é a função da classe na política? A política será definida como uma política de classe; ela vai se apresentar a si mesma, pensar-se a si mesma como uma política de classe revolucionária, proletária ou comunista. É certo, então, que o conceito de classe atravessa as três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. É, sobretudo, a partir dele que o pensamento marxista se organiza na totalidade das suas dimensões. Podemos dizer que o conceito que cria a unidade potencial do marxismo é o conceito de classe. Trata-se, naturalmente, do conceito em sua nova significação, estabelecida por Marx. Tal conceito está disposto de modo a funcionar como uma espécie de nó dialético do conjunto de três partes constitutivas daquilo que chamamos de marxismo. Se isso for verdade, o centro gravitacional do marxismo devém a relação entre classe e política.
De fato, a definição especulativa da classe e a inscrição do seu conceito na análise das relações sociais de produção devem ser injetadas na discussão e na orientação política, tendo em vista o objetivo e a necessidade de transformar o mundo – e não de interpretá-lo.  Esta é a fórmula que resume a oposição entre marxismo real e marxismo acadêmico. O marxismo acadêmico é aquele que se serve do marxismo para interpretar o mundo. O marxismo real é aquele que se serve do marxismo para transformá-lo. Voltamos, assim, ao ponto de partida. Agora, é a relação entre classe e política que se torna determinante.
Há um texto de Lênin, ainda nas Três fontes…, que aborda esse ponto de maneira forte e pertinente. Cito: “Os homens sempre foram em política vítimas ingênuas do engano dos outros e do próprio e continuarão a sê-lo enquanto não aprendem a descobrir por trás de todas as frases, declarações e promessas morais, religiosas, políticas e sociais, os interesses de uma ou de outra classe. Os partidários de reformas e melhoramentos ver-se-ão sempre enganados pelos defensores do velho, enquanto não compreenderem que toda a instituição velha, por mais bárbara e apodrecida que pareça, se mantém pela força de umas ou de outras classes dominantes. E para vencer a resistência dessas classes só há um meio: encontrar na própria sociedade que nos rodeia, educar e organizar para a luta, os elementos que possam — e, pela sua situação social, devam — formar a força capaz de varrer o velho e criar o novo”. O que podemos retirar deste texto tendo em vista a questão que nos ocupa? Lênin mostra muito bem que a questão difícil e, portanto, a tarefa política da função crítica é discernir os interesses subjacentes ao que se apresenta na sucessão das situações. Se não discernirmos os interesses que estão em jogo na sucessão das situações, seremos a vítima ingênua do velho mundo. Vemos perfilar-se o fato de que, na verdade, a unidade da política, da análise econômica e da filosofia se cristalizará nessa capacidade de perceber o outro lado do cenário: o sistema de interesses que realmente move as aparências. Ali se realiza o sentido fundamental do marxismo. Os atores históricos – isto é, os militantes políticos – devem esforçar-se por discernir, na própria situação, e com ajuda da ciência, o jogo conflitivo dos interesses. Finalmente, eu penso que a política é definida, no marxismo, pela passagem da analítica à ação através de algo que se denomina educação ou organização.
O conteúdo da educação e da organização é o aprendizado ativo e prático do discernimento dos interesses subjacentes ao cenário social.  O que é central na política e, portanto, no marxismo, é essa transição entre o discernimento e as consequências ativas e revolucionárias do discernimento. E é tal passagem que demanda organização. A organização é a unidade efetiva dos recursos do discernimento dos interesses e das consequências ativas desse discernimento, uma vez que seus efeitos foram difundidos. Então, finalmente, poderíamos definir no coração do marxismo a categoria de organização como conceito chave da política. Seria necessário retornar a essa boa e velha ideia. A organização é algo diferente da reunião de forças, onde se estabelece um pouco de ordem, onde se cria alguma disciplina. A organização é o que organiza a passagem ativa do discernimento do que é real sob a ficção e a aparência do véu social rumo às consequências ativas e práticas desse mesmo discernimento. Portanto, poderíamos dizer que a organização é idealmente o ponto verdadeiro onde os diferentes aspectos, as diferentes considerações relativas à essência do marxismo encontram-se articuladas.
Dizer que o sentido da política marxista – isto é, da política comunista – é a organização coloca, evidentemente, a questão da forma da organização. Talvez o critério da forma de organização é que ela seja capaz de assumir, na situação real – e essas situações reais mudaram –, ao mesmo tempo a função educativa do discernimento e a função ativa das consequências extraídas desse discernimento. Como vocês sabem, Lênin irá propor uma forma-partido para resolver esse problema. O partido de Lênin estava fortemente marcado pela ideia de se diferenciar da forma alemã do partido social-democrata. Ele considerava que a forma alemã era débil em termos de discernimento. A consequência disso foi seu acomodamento às situações transitórias de poder e ao jogo parlamentar. A forma partido proposta por Lênin esteve marcada, é necessário dizer, por uma disciplina quase militar. Acredito que a razão fundamental dessa disciplina estava orientada à ideia de que, por fim, fosse realizada, no mundo real, uma insurreição vitoriosa. Esse era o objetivo real extraído do balanço do século XIX. Através do balanço do século XIX, Lênin viu que a insurreição operária, sejam quais fossem suas formas e lugares, sempre havia sido esmagada. Esse é seu balanço maior de junho de 1848 e da Comuna de Paris, indissociável da ideia de que as coisas não poderiam continuar desse jeito. Não era possível que as consequências do discernimento real, cujos meios são oferecidos pelo marxismo, redundassem na repetição inelutável de fracassos sangrentos e devastadores. Neste caso, o ponto fundamental para Lênin era concentrar o marxismo na historicidade concreta de uma insurreição vitoriosa. O partido hierárquico e disciplinado estava orientado para essa tarefa.
Podemos dizer que o sentido da política é a organização na acepção muito precisa de organização do discernimento, cuja necessidade é, ao mesmo tempo, crítica e prática. Na medida em que o discernimento pode aparecer de modo espontâneo, trata-se, no que diz respeito à organização, de tanger suas formas, de completá-lo, de articulá-lo e de transformá-lo numa palavra de ordem política. Isto significa a possibilidade concreta de transformar o discernimento em consequências ativas, que irão varrer o que é velho e criar o novo, como dizia Lênin. (Entre parênteses, podemos confirmar que o propósito de Lênin era esse porque, logo depois da vitória da Revolução de Outubro, ele disse que “a partir de agora começa a época das revoluções vitoriosas”. É a noção de “vitória” que está no coração da organização do pensamento leninista, algo que tem consequências tanto negativas como positivas. A continuação disso que teve lugar depois da vitória impõe problemas de organização diferentes daqueles colocados pela própria vitória. Mas essas são outras questões).
A meu ver, levando em conta o argumento anterior, é correto sublinhar o seguinte: depois de todas essas sequências – leninistas, stalinistas, etc. – é a questão da organização que está em jogo. Precisamos pensar a organização não como um meio a ser defendido, cuja necessidade se fixa de fora para dentro, mas sim como a constituição do próprio fim. Recapitulo. Para mim, a dimensão filosófica do marxismo é a ideia de que um pensamento político só pode existir na forma prática de sua organização. O marxismo designaria esse ponto, forjado sobre o caráter transversal da noção de classe. Isto exige um pensamento dialético, posto que se trata de um pensamento da transformação do discernimento em ação e da ação numa subversão radical do mundo dado. Assim, a filosofia estaria estabilizada, no marxismo, em torno do conceito de organização. O mesmo ocorre em relação à ciência, posto que, evidentemente, ela está orientada ao discernimento. É condição maior do discernimento: teoria geral do capital, análise concreta de situações concretas, como colocava Lênin. A ação revolucionária da ciência – podemos chamá-la de materialismo histórico, se vocês quiserem – consiste em fazer que qualquer um se torne capaz de discernir os interesses por trás do que se diz. Essa pedagogia será o mais ampla possível. Por exemplo, o que há por detrás da exaltação dos valores democráticos da França atual? Ou ainda, o que há por trás da necessidade de reformas importantes da lei trabalhista? O que se apresenta, realmente, por trás do direito de ingerência por razões humanitárias, quando nos damos conta que tal ingerência ocorre onde há petróleo e minério? Não podemos organizar uma ideia geral a priori, porque fazê-lo exige a proliferação de escolas de pensamento, exige que reunamos as pessoas, que procuremos tanger sua intelectualidade e seu deciframento do mundo. Trata-se de que cada um venha a discernir os interesses em jogo e de que se torne possível tratar coletivamente as consequências desse discernimento, em vez de se deixar paralisar por um reconhecimento simplesmente científico ou crítico que seria vão, dado seu caráter não organizado. No fundo, a ciência vai intervir para auxiliar o caráter organizado do discernimento. Eu definiria assim seu papel. No que diz respeito à política, ela vem a ser o próprio processo através do qual o discernimento partilhado e organizado no campo da ação coletiva – vitoriosa, de preferência – é dirigido segundo uma palavra de ordem afirmativa, construída em situação. O que eu reconheço no marxismo é a política concebida enquanto figura da construção ou da reconstrução de uma organização que é capaz de fazer passar setores inteiros da sociedade do estado do discernimento ao estado da ação coletiva efetiva. Mesmo que numa outra linguagem, parece-me que tudo isso está absolutamente presente, desde o início, naquela passagem do Manifesto onde Marx se pergunta “o que é um comunista?”. Ali, Marx começa dizendo que “os comunistas não se diferenciam do movimento operário em geral”. É uma fórmula complicada que quer dizer que os comunistas não se definem a priori, como se eles existissem em exterioridade ao movimento geral da classe. Eu já disse antes, a propósito de Mao: o comunista se situa, ou procura se situar na posição do proletariado. Nesse sentido, ele compartilha com o movimento operário em geral aquilo que eu denominaria um lugar comum, uma topologia comum. No entanto, em relação à massa situada nesse lugar comum, o comunista – nos diz Marx – possui duas características ou, se formos especificar um pouco mais, três características.
Primeira característica: os comunistas, ou seja, os militantes marxistas no sentido de Marx, são capazes de antecipar a etapa seguinte. Esta é sua relação com o tempo. Num estado dado do movimento geral, ele é capaz de representar, via discernimento, uma figura de orientação desse estado geral em direção a uma etapa ulterior. No vocabulário que eu introduzi, o comunista é capaz de fazer passar do discernimento atual da situação às consequências porvindouras, as quais serão necessárias se quisermos que tudo isso represente, efetivamente, o movimento de uma política comunista. Além do mais – segunda característica –, os comunistas fazem o global prevalecer sobre o local. Na prática, isso quer dizer que eles são, de forma principal e interna a todo o movimento, internacionalistas. Mesmo na condição particular de uma transição organizada, o comunista não esquecerá nunca que os interesses do conjunto devem prevalecer sobre os interesses locais ou exageradamente singulares. Enfim, a terceira coisa que caracteriza os comunistas é sua obstinação. Isso significa que eles não confundem os interesses gerais do movimento com esta ou aquela peripécia. Aqui, eu não posso evitar a referência a Mao… Numa passagem muito conhecida ele diz o seguinte: “eis o ritmo: fracasso, sucesso, fracasso, sucesso até…”– e aqui todos pensam que vamos dizer “até o fracasso final”, mas para Mao é até o sucesso. Contudo, “sucesso final” não quer dizer muita coisa.
O que é o sucesso final em política? Para mim, “sucesso final” quer dizer apenas criação, em algum lugar, de algo irreversível. É isso que eu chamo de vitória: criação, em algum lugar, de algo irreversível, mesmo que local. Eu diria o mesmo a respeito da organização. A organização é o que orienta a situação popular, a situação de revolta, de levantamento – o que Marx chama de movimento operário geral – rumo a um ponto irreversível; um ponto que será ganho efetivamente; um ponto que a conjuntura geral impede que nós alcancemos. A organização age de modo a operar uma direção rumo à gestão das consequências a partir do discernimento, mas não apenas isso. Sua função mais importante é orientar as consequências para que se constitua, na situação, algo irreversível; a impossibilidade de voltar atrás. O sentido da política e, portanto, o sentido o marxismo, não é tanto a vitória antagônica, que é um objetivo estratégico (vencer o inimigo, dispersá-lo); o que conta, a meu ver, é que Marx detalhou, em sua gigantesca obra, que é necessário organizar a passagem do discernimento à ação coletiva. Seria necessário, então, resolver as contradições já no nível do discernimento; isto é, no nível disso que queremos organizar. Em outros termos, o sentido da política é a resolução das contradições no seio de nosso próprio campo; no seio da comunidade que deve ser coletivamente representada ou animada e que será o agente de uma modificação irreversível.
Creio que podemos denominar “marxismo” um pensamento que situa de forma complexa, englobando todos os níveis de análise e compreensão, a possibilidade de uma prática política ajustada à categoria de classe, animadora do conjunto do dispositivo. Mas fundamentalmente, o propósito do marxismo é inventar uma nova prática. Prática cujo núcleo consiste em superar as divisões que aparecem sempre no discernimento dos componentes da situação e, a partir daí, buscar as consequências unificadas desse discernimento em direção a algo irreversível. É nesse sentido que o marxismo não pode ser encarado simplesmente como uma doutrina acadêmica, como uma economia ou mesmo como uma filosofia. Dito isso, e já que estamos falando de discernimento, é licito afirmar que a alma do marxismo é a reunião: ali se resolvem as contradições entre as pessoas, por meio da discussão; é ali que a análise da situação avança; é ali que a palavra de ordem é afiançada, ao cabo de discussões que habilitam a promessa do irreversível.
O que é uma reunião? Uma reunião é, sempre, a cura de uma divisão; da divisão a respeito do discernimento. Uma reunião implica construir uma unidade que não existe. Não consiste em assegurar a anuência das pessoas, independentemente de qualquer discussão. Não faz nenhum sentido se reunir, se todo mundo já está de acordo.  Neste caso, o Secretariado Geral é suficiente. A reunião é a alma da política organizada e é o lugar concreto de existência do marxismo. É do sentido da classe, tratado em diferentes níveis – filosofia, ciência, economia, política – que vamos tentar estabelecer um princípio comum, superando, assim, a divisão empírica do discernimento e alcançando proposições precisas, concernentes à ação imediata. O lugar onde tudo isso deve ocorrer é sempre numa reunião. Qualquer reunião é, então, a prova de uma figura de aliança entre subjetividades dissímiles, dado que consiste, precisamente, na orientação compartilhada entre essas subjetividades; orientação esta que irá constituir uma nova força política na situação. A reunião é, portanto, o sentido vivo do próprio marxismo: ele existe ali. Não existe no que está escrito, nos livros, no passado histórico. O marxismo existe, verdadeiramente, no processo de uma reunião que pode ser pequena ou gigantesca, isso depende das circunstâncias.
Tendo em vista tudo o que foi dito, poderíamos descrever a história do passado de forma diferente daquela que nos é proposta – totalitarismo bárbaro, etc., etc. Penso que a história do passado foi aquela de uma falta de reunião. Não se tratou do fracasso de uma super-organização (o partido totalitário), mas sim do fracasso de uma insuficiência de organização; do conteúdo da organização, tendo vista o que o marxismo demandava. Os partidos comunistas, estejam eles no poder ou não, se engessaram, se institucionalizaram, não tiveram a abertura necessária à figura vivaz da reunião criadora. Lênin mesurou a amplitude desse desastre desde os anos 1920. Ele viu que, em seu próprio país, muitos militantes e quadros se tornaram funcionários administrativos servis. Ele diagnosticou essa esclerose institucional, que permitia a comparação do Estado bolchevique com o próprio Estado czarista. Lênin percebeu que a reunião já não estava no coração das coisas; que tudo havia reincidido no espaço do poder e do Estado. Hoje em dia, o marxismo é, também, tendo em mente o balanço de tudo isso, o nome de um fracasso. A modernidade democrática do capital se empenhou em fixar esse fracasso e em torná-lo irreversível na opinião pública. Declara-se que o marxismo não só é um erro grosseiro, mas também uma utopia criminosa. Esse esforço destrutivo conheceu certo sucesso, porque a palavra comunismo já não pode ser pronunciada, nem justificada, nem praticada. Isso confirma que a ascensão do marxismo, a abertura de sua nova potência – para mim, inevitável – exige começar pela recuperação da palavra comunismo, pelo seu resgate do abandono. Mais além de uma crítica inovadora, nós precisamos restabelecer a necessidade e a glória dessa palavra. Sem o comunismo e sua reabilitação, o marxismo não será muito mais do que uma doutrina acadêmica de elegância variável. Esse fracasso do marxismo, sua relegação acadêmica longe do real político, é o fracasso de sua inspiração maior; aquela inspiração cujo núcleo é a política comunista no sentido que eu venho propondo. Não se trata de um poder de Estado vitorioso, mas de uma operação contínua da mediação entre discernimento popular e ação, numa rede densa e constantemente ativa de reuniões criadoras. Nossa tarefa atual tem a ver com a necessidade de ressuscitar o marxismo, na medida em que sua disposição fundamental continua sendo, apesar de tudo, uma promessa intacta. O marxismo, que é a intelecção da política comunista e a vivacidade do discernimento na reunião, continua propondo, ao fim e ao cabo, a única modernidade concorrente em relação ao capitalismo mundializado. A única, em sentido estrito, pois não há nela, rigorosamente, nenhum tipo de retorno à modernidade anterior.

* Conferência pronunciada por Alain Badiou no dia 15 de maio de 2019, durante o seminário “Marx no século XXI”, organizado pela Equipe de pesquisa PHARE (Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne) com apoio da CERPHI (École normale supérieure de Lyon) e do Círculo Universitário de Estudos Marxistas.

** O Grupo de Estudos em Antropologia Crítica é um coletivo independente que atua na criação de espaços de auto-formação e invenção teórico-metodológica. Constituído em 2011, o GEAC se propõe, basicamente, a praticar “marxismos com antropologias”. Isto significa desenvolver meios para refletir, de maneira situada, sobre os devires radicais da conflitividade social contemporânea. Delirada pelo marxismo, a antropologia se transforma, para o GEAC, numa prática de pesquisa e acompanhamento político das alteridades rebeldes que transbordam e transgridem a pretensão totalitária do modo de produção vigente e da sua parafernália institucional.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Une pierre dans notre jardin ou une lapidation? à propos du documentaire Goulag une histoire soviétique.

(À propos du documentaire d’, , une soviétique, de P. Rotman, N. et F. Aymé, février 2020)
Nous avons visionné les près de trois heures du documentaire d’Arte à propos du Goulag, avant tout parce que les communistes ne doivent pas se voiler la face. Ce récit ne porte pas sur un pays lointain mais sur ce qui fut longtemps la seconde patrie de tout progressiste et antifasciste conséquent, l’URSS. Ce pays, né du refus de la boucherie impérialiste, premier pays socialiste de l’histoire puis principal vainqueur de Hitler, a lancé le signal de la révolte pour tant de peuples colonisés, a mis fin à la barbarie nazie, mais a aussi connu ses pages bien sombres et des formes d’organisation sociales inconsciemment issues de siècles d’oppression capitaliste : et cela d’autant plus que l’encerclement capitaliste en longue durée de l’URSS, puis du camp socialiste, n’a pas permis ce « dépérissement de l’État » qu’envisageaient les classiques du marxisme (la dictature initiale du prolétariat s’effaçant peu à peu devant l’autogestion sociale d’ensemble propre au achevé) ; cet encerclement a au contraire nécessité un renforcement de l’appareil d’État chargé d’assumer de manière hypercentralisée un développement industriel à marche forcée et un renforcement prioritaire des capacités militaires indispensables face au fascisme (presque toute l’Europe occidentale, mais aussi le Japon sur le flanc Est de l’URSS), puis à la menace américaine, ouverte à Hiroshima, d’une extermination nucléaire de l’URSS, voire de l’humanité tout entière (le « plutôt morts que rouges » des réactionnaires occidentaux ne concernait pas que l’URSS et prenait en otage toute l’humanité).
Nous devons le reconnaître et le reconnaissons. En revanche, nous ne pouvons pas rester muets devant un certain nombre d’assertions, de non-dits et de manipulations de ce documentaire coécrit, notamment, par l’un des auteurs du Livre noir du communisme. Les millions de morts du communisme, ce n’est pas l’échelle des décès dans les camps du Goulag (1,6 million dont 900 000 en temps de guerre) ni même ceux des Grandes Purges (700 000 morts) : les millions de morts, ce sont ceux qu’on a infligés aux communistes (27 millions de victimes durant la Seconde Guerre mondiale), point de comparaison qui n’est jamais abordé dans le documentaire. C’est aussi pour cela que l’amalgame scandaleux entre nazisme et communisme, en plus d’être factuellement intenable, politiquement criminel en ces temps de fascisation et mensongèrement oublieux du lien étroit entre capitalisme et fascisme, est aussi moralement odieux.
 Constatons tout d’abord que ce documentaire est financé par un fonds européen (Creative Europe – média de l’Union européenne), au moment même où le Parlement européen, s’alignant sur les gouvernements polonais, baltes et ukrainien, entend interdire toute activité communiste, et ce au nom d’une comparaison scélérate entre nazisme et communisme, laquelle ne peut se faire qu’avec des amalgames ignobles et en occultant les responsabilités du Capital dans l’éclosion du fascisme.
 La tonalité du documentaire ne laisse aucun doute sur la profonde syntonie avec la répression anticommuniste en cours, lorsqu’il est dit, par exemple, à propos de en 1945 : “Étrange paradoxe, le dictateur sanguinaire figure au côté des démocraties comme l’artisan de la victoire sur le totalitarisme nazi“. On l’aura compris : il y a pour les auteurs du documentaire d’un côté les totalitarismes (nazi et stalinien), de l’autre les “démocraties”, comme si ces dernières, elles aussi en voie de fascisation (y compris en France malgré le coup d’arrêt très provisoire du Front populaire) n’avaient pas encouragé les nazis, de la « non-intervention » en Espagne (au détriment des Républicains) au « choix de la défaite » de 1940 en passant par Munich et bien d’autres « bonnes manières » à l’égard de Hitler, de Franco et de Mussolini…
Pourtant, ce que montre ce documentaire, ce sont des camps de travail, extrêmement sévères, épouvantables parfois, une exploitation dont nous avons eu de nombreux équivalents dans l’Occident, sur son sol et ses colonies. Mais en aucun cas, il ne s’agit de camps d’extermination comparables à ceux mis en place par les nazis. Anne Applebaum, correspondante de The Economist et auteur d’un livre sur le Goulag qui fait autorité dans les milieux néo-conservateurs états-uniens, dit elle-même, noir sur blanc, que ces camps n’étaient pas destinés à tuer (cf. l’appendice de son ouvrage Gulag: A History).

Dites TOUTE la vérité

Selon le documentaire, environ 20 millions de personnes ont connu le Goulag. Anne Applebaum parle, elle, de 18 millions, Nicolas Werth de 15 millions dans son dernier livre, Le Cimetière de l’espérance, alors qu’il est pourtant co-auteur de ce même documentaire. Ces chiffres sont très élevés. Ils sont aussi à mettre en parallèle avec le fait que le Goulag n’a jamais compté plus de 2 561 351 de prisonniers par an (chiffre de 1950), ce qui implique donc que les prisonniers n’étaient pas tous condamnés à de lourdes peines et que beaucoup sortaient du Goulag : ainsi, Nicolas Werth, dans son même ouvrage, rapporte qu’au 1er janvier 1940, on trouve 60,7 % des détenus purgeant des peines de moins de cinq ans.
 Surtout, ce documentaire passe sous silence le nombre de décès enregistrés au Goulag. Car aussi terribles que soient ces destins brisés, on n’atteint certainement pas les chiffres de la propagande habituelle de la guerre froide : en effet, 1,6 million de personnes sont décédées au Goulag. Autre fait que cache savamment ce documentaire : la plupart de ces décès (près de 900 000) ont eu lieu pendant la Seconde Guerre mondiale, dans des circonstances évidemment exceptionnelles puisque, à cette époque, l’Union soviétique subit la perte de 27 millions de ses concitoyens : le mot d’ordre d’alors, alors que le pays se battait pour sa survie collective, étant « tout pour le Front, tout pour la victoire ». On dénombre ainsi 115 484 morts en 1941, 352 560 en 1942 (en plein cœur de la guerre totale menée par l’Allemagne nazie et de l’héroïque résistance soviétique), 267 826 en 1943 (année de la fin de la bataille de Stalingrad et de la bataille de Koursk), 114 481 en 1944 et  81 917 en 1945 ; soit un total de 932 267 sur 1 606 748 pour la période 1930-1956 (chiffres rapportés par A. Applebaum).

Un autre « oubli » du documentaire

Le documentaire montre, certes, une mortalité très élevée sur les chantiers des camps du Goulag. J’ai relevé toutes les occurrences :
1) “Les détenus se tuent littéralement à la tâche. Cette mort programmée répond à l’objectif d’épuration sociale, politique, ethnique décidée par le pouvoir soviétique.”
2) “12 000 meurent sur le chantier (Baltique / Mer blanche), soit 10% des effectifs”
3) “Le taux de mortalité dans les camps de la Kolyma atteint en 1937-1938 10% par an.”
4)À propos du canal Moscova/Volga : “À son apogée, près de 200 000 détenus travaillent sur le chantier, 30 000 y perdent la vie.”
5)À propos du chantier du second transsibérien (ligne Baïkal-Amour) : “A la fin des années 1930, le chantier exploite la force de travail de près de 200 000 détenus, dont 10 000 perdent la vie, 1 mort tous les 150 mètres.”
Dans son livre sur Staline, à paraître prochainement en français aux éditions Delga, et où il commente notamment des chiffres similaires avancés par l’historien Stephen Kotkin, Grover Furr montre bien que l’information essentielle n’est jamais donnée : la plupart de ces décès ont eu lieu en 1932-1933, c’est-à-dire les années de famine et de typhus, car la famine n’a bien entendu pas uniquement touché l’Ukraine, contrairement à ce que disent les nationalistes ukrainiens.
En effet, pour le canal Belomor (Baltique / Mer Blanche) sur les 12 318 décès enregistrés sur le chantier du canal Belomor, 8870 proviennent de l’année 1933 (1438 en 1931, 2010 en 1932) (A.I. Kokurin, IU. N Morukov, dir. Stalinskie Stroiki GULAGA 1930 – 1953. Dokumenty. Moscou: MDF – “Materik” 2005, 33-4.)
Dans son livre qui, visiblement, reprend les mêmes méthodes que le documentaire d’Arte, Stalin : Waiting for Hitler, Stephen Kotkin ose écrire : « Plus de 126 000 travailleurs forcés ont fait le travail [sur le canal Belomor], presque entièrement sans machines, et probablement au moins 12 000 sont morts en le faisant, tandis que des orchestres jouaient en arrière-plan. (p.134) »
Grover Furr commente donc ainsi, dans son livre sur Staline qui est conçu comme un anti-Kotkin : « Les prisonniers ne sont donc pas morts “en faisant cela”, c’est-à-dire dans des conditions de travail médiocres ou brutales. Ils sont morts de la famine et de la maladie, ainsi que d’autres causes naturelles. Les orchestres faisaient partie des programmes culturels et éducatifs destinés aux prisonniers. Je n’ai pas trouvé d’activités culturelles similaires pour les prisonniers américains pendant cette période. En fait, les conditions brutales et la mortalité élevée dans les “chain gangs” constituaient un problème majeur aux États-Unis à l’époque. Et comparer les horribles – en fait, fascistes – abus et meurtres de prisonniers noirs aux Etats-Unis après la guerre civile dont parle Douglas Blackmon (Douglas Blackmon. Slavery By Another Name. The Re-enslavement of Black Americans from the Civil War to World War II. New York: Anchor Books, Random House, 2008 (Voir aussi l’excellente page web http:// http://www.slaverybyanothername.com/)
Et voici ce que nous apprend Grover Furr, toujours dans son livre à paraître à propos des travailleurs du canal Moscou/Volga :
« Kotkin écrit en page 404 de son livre : Le 22 avril, Staline a effectué sa troisième visite sur une partie du canal de 80 miles reliant les rivières Moscou et Volga… Le canal a été construit par les ouvriers du goulag, dont plus de 20 000 ont probablement péri.
Or, aucune preuve n’est fournie pour cette déclaration. Notez le mot “probablement” ! Kotkin ne connaît pas le chiffre mais en met un quand même. La source principale pour ce type d’information est A.I. Kokurin, IU. N Morukov, dir. Stalinskie Stroiki GULAGA 1930 – 1953. Dokumenty. Moscou : MDF – “Materik” 2005, 30-102. Les chiffres de mortalité cités ici ne concernent pas les ouvriers du canal mais l’ensemble du camp de “Dmitlag”. Le total des décès enregistrés dans le camp entre le 14 septembre 1932 et le 31 janvier 1938 est de 22 842. Le nombre de décès de loin le plus élevé – 39% du total – est enregistré pour 1933 – 8873 (p. 77). Ce fut l’année de la famine dans une grande partie de l’URSS, et aussi d’une grave épidémie de typhus. Le taux de mortalité était très élevé dans toute l’Union soviétique au cours de ces mêmes années. Omettre cette information donne l’impression que ces personnes ont été “travaillées à mort” ou sont mortes de mauvaises conditions. Mais ce n’est pas le cas. Selon la même source (p. 63), la journée de travail était de 10 heures. Le petit déjeuner durait 45 minutes, le dîner deux heures, et trois heures le soir étaient consacrées à des activités culturelles et éducatives. Ces conditions étaient meilleures que celles qui existaient pour des millions de travailleurs dans le monde capitaliste, sans parler des colonies des pays impérialistes occidentaux. Et bien meilleures que celles des prisonniers dans les prisons de l’Occident. Même Kokourine et Morukov, super anticommunistes de la société “Memorial”, incluent ces informations. Kotkin ne le fait pas ! »

Comparaisons dérangeantes

Ensuite, il faudrait comparer ces chiffres avec d’autres chantiers dans le camp capitaliste, on peut voir que le creusement du canal de Panama a fait, lui aussi 22 000 victimes ; et l’on parle là de travail salarié, pas de travail pénitentiaire… Quant aux voies de chemin de fer dans les pays coloniaux, on compte aussi en morts par mètres entre 1921 et 1934, la construction de la ligne Congo-Océan (reliant Brazzaville à Pointe-Noire) a coûté la vie à 17 000 personnes, exploitées et déshumanisées par la logique colonisatrice (source : geo.fr, 20/16/2016). On retombe donc sur des chiffres du même ordre de grandeur. Et s’agissant des travaux forcés imposés par le colonialisme, ils frappaient sur la base de leur « indigénat » des individus qui n’avaient été condamnés par aucun tribunal, quoi qu’on pense par ailleurs de ces condamnations.
On peut certes tout à fait regretter que l’URSS, en raison sans doute d’un contexte d’encerclement épouvantable et de la nécessite de sortir du sous-développement d’Ancien Régime pour faire du pays une puissance industrielle en mesure de rivaliser avec les puissances capitalistes et/ou fascistes, n’a pas su échapper à ce type de développement économique à marche forcée qu’a connu également l’Occident capitaliste, qui, lui, n’avait pas l’excuse de subir une guerre pour sa survie, qui a disposé de plusieurs siècles pour s’industrialiser et qui avait à sa main les ressources humaines et naturelles de colonies impitoyablement pillées (combien de millions de morts africains, sud-américains, amérindiens du nord, asiatiques ?). Mais l’amalgame avec le nazisme et ses camps d’extermination, ses génocides, sa Shoah par balles et la race des seigneurs vouant des peuples décrétés “inférieurs” à l’esclavage infini n’est pas valable, d’autant qu’il sert à masquer le fait que le fascisme n’était qu’un stade de développement du capitalisme, sa partie la plus sauvage, l’impérialisme « ordinaire » continuant à exterminer de manière invisible par ses guerres coloniales et plus encore, par son pillage quotidien « invisible ».
2,7 millions de prisonniers à l’apogée du système du Goulag, cela constitue cependant, humainement parlant, un scandale. Le scandale dans le scandale me semble aussi le fait que les condamnations ont crû très sensiblement après la guerre pour stagner vers 1950. L’afflux de prisonniers de guerre, la suppression temporaire de la peine de mort, de 1947 à 1950, le fait que l’URSS ne vivait alors qu’une « paix » armée n’expliquent pas tout, et certainement n’excusent pas ce fait déchirant, pour nous communistes qui voulons le bonheur commun de l’humanité. Mais je rappelle que l’URSS a mis fin, définitivement, au Goulag, tandis que la population carcérale aux États-Unis (qui se sont historiquement illustrés dans la chasse aux « rouges », aux militants afro-américains et féministes, etc. : autrement dit, une répression politique pleinement assumée) était, en 2010, de 2,3 millions de personnes, soit environ le même nombre de personnes que le Goulag à son apogée ! Dans les deux cas, ces chiffres très anormaux s’expliquent aussi par des particularités nationales et l’histoire excessivement violente de ces deux pays que sont la Russie et les Etats-Unis.
Mais s’il s’agit de comparer des systèmes, on verra que les camps de travail du Goulag n’ont duré qu’une vingtaine d’années, années terribles pour l’URSS, qui connaissait aussi très réellement des tentatives incessantes de subversion interne, alors que le capitalisme triomphant ne compte nullement s’amender sur sa régulation sociale par l’emprisonnement. Au contraire, il nous prépare une autre guerre mondiale : depuis la disparition de l’URSS, la planète ne s’est jamais plus mal portée, les tendances à la fascisation des États bourgeois se sont accrues à peu près partout, notamment aux USA (avec le Patriot Act), y compris avec le retour institutionnel à la torture (Guantanamo, traitement indigne des prisonniers palestiniens…) et avec l’utilisation de l’arme de la faim contre des peuples entiers (embargos et blocus US) et ce n’est pas en persécutant les communistes qu’on améliorera son sort.

Ne pas désespérer Wall Street

Voilà pour le Goulag. Le Goulag n’était pas destiné à tuer, même si personne ne prétend qu’il n’y a pas eu d’exécutions politiques sous Staline. On connaît même le chiffre précis des condamnations à mort : 786 098 de 1934 à 1953, la plupart pour les deux années 1937 et 1938, chiffre également relayé par Anne Applebaum et qui provient de Zemskov toujours, dans un article de 1993 très connu des chercheurs puisqu’il est écrit en anglais et avec les chercheurs Getty et Rittersporn (J. A. Getty, G T. Rittersporn, and V. N. Zemskov, “Les victimes de la repression penale dans l’URSS d’avant-guerre,” Revue des etudes slaves 65 (1993), pp. 631-670.)
Là aussi, Anne Applebaum se sent obligée, après avoir cité ces chiffres, d’ajouter sans logique un “en fait, on ne saura jamais vraiment”, procédé qui lui permet sans doute de ne pas désespérer Manhattan et son public anticommuniste qui en attendait certainement davantage. Force est néanmoins de constater que là aussi, à défaut d’être médiatisé, le chiffre fait consensus.
 Il fait, certes, froid dans le dos, surtout si l’on constate que la plupart des exécutions se concentrent sur les deux années 1937-1938. Mais la raison pour laquelle ce chiffrage est peu connu, encore aujourd’hui, est qu’il infirme la propagande des millions de morts de Medvedev, Conquest, Soljenitsyne et compagnie. Les causes historiques des “grandes purges” relèvent du débat historiographique, lequel est loin d’être terminé. Dans ses entretiens avec Felix Tchouïev, Molotov justifie ces exécutions par une volonté machiavélienne d’étouffer dans l’œuf toute potentielle cinquième colonne ; les autorités staliniennes avaient plutôt insisté sur la trahison de Ejov comme cause majeure de l’exécution de nombreux innocents (d’où le terme d’ejovchtchina pour caractériser la période). Les travaux d’historiens états-uniens, notamment John Archibald Getty, ont insisté, quant à eux, sur le fait que la volonté de répression et de contrôle provenait également de la base afin de châtier l’incurie bureaucratique. Assurément, la guerre d’Espagne, puis l’arrivée de Hitler au pouvoir avaient créé un sentiment de méfiance généralisée en URSS, d’autant que Hitler, vite adoubé par les « démocraties occidentales », promettait ouvertement dans Mein Kampf l’asservissement, voire l’extermination des Slaves et autres « sous-hommes » : l’analogie qui vient à l’esprit, dans ce cas, serait la réaction de la population parisienne, menacée d’extermination par le Manifeste de Brunswick de l’été 1792 et qui, combiné aux défaites de l’armée française alors mal préparée (de l’aveu même de Louis XVI, qui déclara volontairement la guerre à l’Autriche pour la perdre et ainsi écraser la Révolution française…), favorisa les massacres de septembre 1792 que Danton, bien avant Robespierre, voulut canaliser en leur donnant au moins une forme procédurale légale.
Quoi qu’il en soit, la question selon laquelle un État déjà attaqué à la fin de l’année 1917 par une coalition de quatorze pays capitalistes (Etats-Unis, France, Royaume-Uni, Japon et Allemagne en tête), se préparant à une guerre d’extermination fomentée contre lui, ayant à subir un conflit qui, même en obtenant la victoire, va lui coûter 27 millions de pertes civiles et militaires, peut se passer de police politique et d’une politique qui se réclamait d’une forme de “dictature de salut public”, n’est pas intellectuellement illégitime mais reste principalement rhétorique.
C’est à ce contexte mental qu’il faut se référer si l’on veut essayer à tout le moins de comprendre ce qui s’est passé, et non à des analogies avec des contextes d’extermination génocidaire froidement planifiés comme tels, comme l’ont commis les nazis avec les juifs et les Tziganes (6 millions de morts) ou d’autres puissances coloniales ou impérialistes : génocides totalement accomplis (habitants de la Tasmanie par les Anglais) ou quasi accomplis (Arméniens, Indiens d’Amérique dont ceux du Nord qui, « jusque vers 1890 », furent « massacrés dans des proportions génocidaires » ; cf. Pap Ndiaye, « L’extermination des Indiens d’Amérique du Nord », in Marc Ferro (dir.), Le livre noir du colonialisme, Paris, Robert Laffont, 2003, p. 89).
Dans le même genre de “manip”, auparavant, un autre procédé typique de la guerre froide consistait à jouer sur les mots et à suggérer par exemple que les autorités soviétiques, ne pouvant laisser sur les arrières de l’Armée rouge une nationalité ayant massivement collaboré avec les nazis, avaient “déporté” les Tatars de Crimée, avec le sous-entendu homicide que le terme “déportation” connote en Occident du fait des déportations juives vers les camps de la mort. Le fait est que sur 151 720 Tatars de Crimée envoyés en République socialiste soviétique d’Ouzbékistan en mai 1944, 191 personnes (0,13%) sont mortes pendant le transport, fait rapporté par Viktor Zemskov, source majeure d’Anne Applebaum, rappelons-le (Zemskov, V. N., К вопросу о масштабах репрессий в СССР // Социологические исследования. 1995. № 9.  С. 118-127.)

Un flou inadmissible dans la recherche historique

Pourquoi donc, alors que les statistiques sur le Goulag ne sont pas contestées, ne peut-on pas avoir accès à une information précise? Les lecteurs de la page wikipedia en russe sur le Goulag, dont on s’attend à ce qu’ils relaient, la plupart du temps, le consensus en cours, peuvent, eux, lire ces statistiques des décès du Goulag, année par année. Le chiffre de 1,6 million de morts est le seul fourni puisque personne ne les conteste. La référence donnée est celle-ci : ГУЛАГ (Главное управление лагерей). 1918—1960. Глава III // Составители: А. И. Кокурин, Н. В. Петров. — МФД, 2000.
Plus évasive, la page wikipedia en français se contente d’un “mais un à deux millions de personnes n’ont pas survécu” sans indication de source, flou qui constitue un véritable mensonge par omission vu qu’on dispose des statistiques. C’est ce flou qui autorise sans doute La Croix, relayant le documentaire de Patrick Rotman, à parler de “4 millions de morts” du Goulag ; Paris Match de “plusieurs millions”, etc. Il est vrai qu’au pays du “livre noir”, on ne renonce pas si facilement à la propagande des “millions de morts”.
Quant à Anne Applebaum, celle-ci se déclare “reluctant” (réticente) à se servir des statistiques ; Werth, dans son dernier livre, arrondit, on ne sait pourquoi, le 1,6 million de Zemskov à 2 millions. Et dans ce documentaire, il conclut par un évasif “des millions de morts”. On se souvient des 110 millions de Soljenitsyne, les 40 millions de Roy Medvedev… À ce niveau, ce n’est plus de l’histoire, c’est de la propagande de guerre, laquelle avait déjà commencé sur ce thème avec un livre intitulé Mein Kampf.
En réalité, on le voit, les millions de morts du communisme, ce ne sont pas ceux du Goulag, ce sont ceux qu’on a infligés aux communistes. C’est aussi, factuellement, pour cela que la comparaison entre nazisme et communisme est tout simplement ODIEUSE. Mais de ces 27 millions, le documentaire d’Arte ne parle même pas. Il a même le mauvais goût de passer d’images en noir et blanc à des images en couleur au moment où il évoque… l’invasion nazie de l’URSS. D’autant que dans le même temps, on ne parle jamais du fait que dans un temps fort bref, la Russie est devenue une grande puissance industrielle et scientifique que la majorité absolue des Russes regrettent encore aujourd’hui, qu’elle a joué un rôle majeur dans l’émancipation des femmes (droit de vote accordé dès 1917, droit au divorce par consentement mutuel, etc.) et dans le soutien aux luttes de décolonisation et que, sans la présence du camp socialiste mondial, les avancées sociales des pays de l’Ouest (que la propagande occidentale attribue magiquement aux « Trente Glorieuses ») sont impensables, comme on le vérifie a contrario depuis la chute de l’URSS. Mais faut-il attendre un brin d’objectivité de la part des réviseurs patentés de l’histoire de la seconde guerre mondiale qui ne sont même plus capables de dire, comme le faisait De Gaulle en 1944, alors qu’il signait à Moscou le traité d’assistance mutuelle avec Staline, « les Français savent que la Russie soviétique a joué le rôle principal dans leur libération ». Il n’est que de poser incidemment une question fort gênante pour l’idéologie dominante : les juifs d’Europe n’eussent-ils pas péri jusqu’au dernier si l’Union soviétique n’avait pas vaincu les nazis – qui concentraient les 2/3 de leurs divisions sur le front Est – ? Rien que ce fait note la misérable indécence de ceux qui ravalent le premier pays socialiste de l’histoire – avec les terribles distorsions que lui a infligé l’histoire tragique du XXe siècle – et le IIIe Reich capitaliste sciemment et méthodiquement exterminateur !

Un documentaire sur la répression stalinienne en général

Le documentaire n’en parle pas parce qu’il faudrait rester dans le sujet ? Allons bon… En réalité, le documentaire n’hésite pas – et pourquoi pas ? – à faire un rappel de l’ensemble de la répression stalinienne. Mais là encore, il faut être précis. En l’occurrence, la mention des famines vise un plan politique précis : alors que ce sont les communistes qui ont fini par mettre fin au cycle infernal de famines que connaissait la Russie, et que cela passait nécessairement par la mise en place d’une économie planifiée et par le droit au travail pour tous, c’est la collectivisation, et non pas ses ratés et ses excès, dénoncés par Staline lui-même, qui va être incriminée par le documentaire. Pourtant, dans son article “Stalin, Soviet Culture and Collectivization”, Mark Tauger, historien de l’agriculture spécialiste des famines russes, ne fait pas de la collectivisation la seule cause de la famine de 31-33 et montre, au contraire, les aspects positifs des bouleversements en agriculture sur l’ensemble de l’histoire soviétique, victoire en 1945 comprise (ce qui n’est pas une mince affaire alors que le pays vainqueur de Hitler était lui-même dévasté : chose inconnue des États-Unis, qui ne débarquèrent en Europe qu’en juin 1944).
 Référence est également faite dans le documentaire aux massacres de Katyn. On ne peut arriver à la version “ce sont les Soviétiques qui ont commis ce massacre, et pas les nazis” qu’en donnant du crédit aux documents remis par Eltsine au gouvernement polonais, qui contient notamment un faux grossier : une lettre de Staline à Béria datant de 1940 avec le tampon du Comité central du PCUS, nom du parti communiste qui n’aura cours qu’à partir de… 1952. On ne peut arriver à la conclusion inverse qu’en niant les découvertes du charnier de Volodymyr-Volynskyï (2011-2012), lieu de massacre de populations d’Ukraine occidentale par les SS. Les chercheurs y ont ainsi exhumé deux badges de soldats polonais censés avoir été exécutés, selon la version dite officielle, à… 1200 kilomètres de là. Découverte qui a conduit immédiatement à l’arrêt des recherches par les autorités ukrainiennes et polonaises… On ne peut arriver à la conclusion inverse qu’en prêtant foi au rapport nazi, concocté visiblement avec une telle hâte qu’il fait, par exemple, état d’une lettre écrite en allemand à un directeur de camp par un soldat polonais, ce qui montre que les prisonniers polonais étaient passés par un camp nazi avant leur exécution. A ce sujet, l’auteur d’un livre récent sur Katyn (Grover Furr)  – et son humble éditeur français (moi-même) – attendent  les contradicteurs de pied ferme.
 Pour ce qui touche aux “origines” du Goulag, notamment les îles Solovki, notons que le documentaire s’appuie sur le livre de Raymond Duguet, Un bagne en Russie rouge, republié avec une préface de Nicolas Werth en 2004. L’historien Jean-Jacques Marie avait pourtant fait justice de cet ouvrage de propagande et avait montré que les témoignages des anciens prisonniers contredisaient la description d’un camp d’extermination faite, depuis Paris, par le propagandiste Duguet (https://www.marxists.org/francais/cmo/n23-avr-mai-2004/O_Chronique_6_corr.pdf ).

L’URSS seul rempart contre la dictature terroriste de la bourgeoisie, le fascisme

On l’aura compris : l’enjeu de la campagne actuelle autour du Goulag relayée sur la chaîne fétiche de l’Union européenne n’a donc guère à voir avec le légitime accès à l’information scientifique, y compris lorsqu’elle nous fait mal, à nous communistes. Le Parlement européen, par ses positions, n’avait lui-même guère contribué à élever le débat.
En effet, par son avis du 19 septembre 2019, il entend établir une relation d’équivalence entre communisme et nazisme et fait du pacte de non-agression germano-soviétique le primum movens de la Seconde Guerre mondiale, procédé grossier permettant d’exonérer les forces capitalistes du financement avéré des fascismes, des capitulations à répétition devant l’expansionnisme nazi ainsi que de l’esprit munichois qui animait une bonne partie des élites des pays dits démocratiques. Lorsque le ministre des Affaires étrangères Bonnet disait à Ribbentrop à Munich en 1938 “Nous vous laissons les mains libres à l’Est”, nous voyons pourtant à l’œuvre une collusion profonde entre puissances capitalistes et colonialistes pour le partage du monde. Hitler était avant toutes choses un partisan de la “white supremacy” anglo-saxonne et entendait réserver aux Slaves le sort qu’ont connu les Indiens d’Amérique. Devant cette volonté d’assurer à l’Allemagne cette “place au soleil” que réclamait déjà Guillaume II, les différentes bourgeoisies nationales hésitaient alors entre deux options :
– entériner un plan de partage colonialiste et raciste du monde : grosso modo, l’Amérique du Nord contrôle l’Amérique du Sud, la France une partie de l’Afrique et l’Indochine, l’Angleterre le reste de l’Afrique ainsi que les Indes et l’Allemagne se taille son empire colonial à l’Est. C’est l’esprit munichois.
– brimer les ambitions allemandes (et japonaises), en partant de l’idée, tout à fait plausible, que le partage munichois du monde aurait signifié à terme un affrontement entre puissances équivalent à celui de la Première Guerre mondiale, mais sur une plus vaste échelle. Dans ces conditions, l’empire colonial anglais ne devait pas tolérer de rival allemand. C’est l’esprit churchillien.
 Le Parlement européen entend donc criminaliser la seule force politique qui se soit véritablement opposée de toutes ses forces non seulement aux fascismes européens (nazisme en tête), mais également à tout racisme et à tout colonialisme, car les fascismes et lesdites démocraties occidentales étaient tour à tour rivaux et complices (on connaît par exemple l’éloge de Mussolini fait par Churchill). Au regard des faits, la comparaison Hitler = Staline, outre qu’elle masque le lien profond entre Hitler et le capitalisme, est tout simplement irrecevable, en plus d’être répugnante.
On ne sait pas combien de victimes l’URSS aurait eu à déplorer si elle avait perdu, sans parler de ce que serait devenue la France, que Hitler voulait dépecer et transformer en pays « de grooms et de jardiniers ». Les déclarations de Hitler ne laissent aucun doute sur le fait que les peuples soviétiques étaient voués à l’esclavage et à la décimation. À ce sujet, rappelons que la comparaison Hitler = Staline est d’autant plus inadmissible que l’Allemagne était entrée sur le territoire soviétique pour y porter la mort et la désolation alors que l’occupation soviétique de la partie Est de l’Allemagne a créé la RDA, soit le pays le plus riche du COMECON. Tout cela, les peuples de l’ex-URSS qui ont vécu successivement et « expérimenté » les deux systèmes, socialiste puis capitaliste, l’affirment expérience faite et alors même que le régime contre-révolutionnaire mis en place par Eltsine et maintenu, sous des formes ménageant la fierté nationale par Poutine, ne cesse de vilipender et de noircir Lénine et la Révolution d’Octobre. Cela ne signifie nullement que les Russes, surtout les ouvriers et les ;paysans, ferment les yeux sur les répressions injustes et aveugles, cela signifie qu’ils font la part des choses avec la conscience du fait que l’histoire est tragique. Comme les Français font la part des choses à propos des personnages-clés de leur histoire, non moins tragique quand on la regarde d’un peu près, notamment pour les classes populaires et pour les ex-colonisés : faut-il pour autant condamner la Révolution française avec ses grandes lumières et ses ombres tragiques ? Il n’est que de lire le Quatre-Vingt-treize de Hugo pour voir comment on peut rendre justice à Danton ou à Robespierre sans pour autant applaudir aux débordements bien réels de la Grande Terreur. Et MOINS ENCORE aux coalisés contre-révolutionnaires qui alors, du dedans et du dehors, non pour abolir les privilèges mais pour les rétablir, tentaient d’étrangler notre pays.
 On l’aura compris : quelles que soient les contorsions des anticommunistes de tout poil pour travestir l’histoire, la volonté d’établir un lien d’équivalence entre le communisme et le nazisme se fracasse sans cesse devant la réalité. Et nous attendons toujours un documentaire recensant les victimes du capitalisme, qui tue tous les jours dans de monstrueuses proportions : comme le rappelait Gilles Perrault dans sa recension du Livre noir du communisme dans le Monde diplomatique de décembre 1997, « de quel poids pèseront les 40 000 enfants qui, selon l’Unicef, meurent chaque jour de malnutrition dans le tiers-monde ? ».
Aymeric Monville, 17 février 2020

Appendice : Des statistiques incontestées

À ceux qui douteraient de la validité des chiffres que nous relayons, notons qu’on doit cet épluchage rigoureux des archives après la fin de l’URSS à Viktor Zemskov, historien décédé en 2015 à qui Werth rend – enfin – hommage dans son dernier livre sans le relayer entièrement : “Je rencontrai Viktor Zemskov, qui m’expliqua longuement par quels recoupements minutieux de sources il était parvenu à établir les chiffres qu’il proposait, avant de me recommander à l’archiviste responsable des fonds du Goulag, Dina Nokhotovitch, laquelle m’ouvrit l’accès à une partie de ces documents. Je réalisai d’emblée que les découvertes de mes collègues russes méritaient d’être largement diffusées par une revue d’histoire étrangère accessible à un large public et rédigeai, en 1993, « Goulag : les vrais chiffres » pour L’Histoire.”
 Les statistiques fournies par Zemskov proviennent des archives étatiques centrales de la révolution d’octobre (TsAGAOR URSS), rebaptisées désormais Archives d’État de la Fédération de Russie (GARF). C’est là que sont stockés les rapports statistiques de l’OGPU-NKVD-MGB-MVD pour les années 30-50.
Les déclarations de Zemskov ne laissent aucune ambiguïté sur la fiabilité des statistiques. Voici ce qu’il répondait dans une polémique avec l’historien Anton Antonov-Ovseïenko : “La question de la contrefaçon pourrait être envisagée si nous nous appuyions sur un ou plusieurs documents distincts. Cependant, il est impossible de simuler un fonds d’archives entier situé dans un stockage d’État avec des milliers d’unités de stockage, qui comprend également une vaste gamme de matériaux primaires (en supposant que les matériaux primaires sont faux, cela n’est possible qu’avec l’hypothèse d’une idée absurde que chaque camp avait deux bureaux: un qui effectuait une véritable paperasserie, et un second qui en effectuait une fausse). (…)
L’hypothèse selon laquelle cette documentation pourrait contenir des informations sous-estimées est indéfendable car pour les organes du NKVD il n’était pas rentable et même dangereux de sous-estimer la portée de leurs activités, car sinon elles risquaient de tomber en disgrâce vis-à-vis du pouvoir pour “activité insuffisante” (nous traduisons de son ouvrage “Заключенные, спецпоселенцы, ссыльнопоселенцы, ссыльные и высланны”, Статистико-географический аспект) // История СССР. 1991, vol. 5. p.151)
Voici ce qu’écrit précisément Zemskov :
“Nous avons des informations absolument exactes que sur 20 ans (du 1er janvier 1934 au 1er janvier 1954), 1 053 829 prisonniers sont morts dans les camps de travaux forcés (ITL) du Goulag. Pour la période 1939-1951 (il n’y avait aucune information pour 1945), 86 582 personnes sont mortes dans les prisons de l’URSS. Malheureusement, dans les documents du Goulag, nous n’avons pas pu trouver de statistiques consolidées de la mortalité dans les colonies de travail forcé (ITC) du Goulag. Des informations fragmentaires distinctes que nous avons identifiées nous permettent de conclure que le taux de mortalité était plus faible en ITC qu’en ITL. Ainsi, en 1939, dans les camps, elle est restée au niveau de 3,29% du contingent annuel, et dans les colonies 2,30%. Cela est confirmé par un autre fait : avec un nombre et une circulation à peu près égaux des prisonniers qui partaient et arrivaient en 1945, 43 848 sont morts dans l’ITL et 37 221 dans l’ITK. Dans les années 1935-1938. il y avait environ 2 fois moins de prisonniers dans l’ITK que dans l’ITL, en 1939 – 3,7 fois, 1940 – 4 fois, 1941 – 3,5, 1942 – presque 4 fois, 1943 – presque 2 fois moins. Dans les années 1944-1949, le nombre de prisonniers dans ITL et ITK était approximativement le même, en 1950 dans ITL il est devenu 20-25% plus élevé que dans ITK, en 1951 – 1,5 fois et en 1952-1953 – près de 2,5 fois.
En moyenne, pour 1935-1953, les colonies contiennent environ 2 fois moins de prisonniers que dans les camps et la mortalité par habitant y est plus faible. En utilisant la méthode d’extrapolation, il est possible d’affirmer avec un degré de confiance suffisant que dans les colonies en 1935-1953, pas plus de 0,5 million de personnes sont mortes. Ainsi, dans la période 1934-1953, environ 1,6 à 1,7 million de prisonniers sont morts dans les camps, les colonies et les prisons. De plus, ce nombre comprend non seulement les « ennemis du peuple », mais aussi les criminels (il y en avait davantage). Le rapport entre politique et criminel dans le Goulag à différents moments a fluctué de manière assez significative, mais en moyenne au cours des années 30 et au début des années 50. il était proche du niveau de 1à 3. Les données sont caractéristiques au 1er janvier 1951, lorsque le Goulag contenait 2 528 146 prisonniers, dont 579 918 étaient politiques et 1 948 228 condamnés pour des infractions pénales, c’est-à-dire dans un rapport de 1 à 3,3, y compris dans les camps – 1: 2,2 (475 976 et 1 057 791) et dans les colonies – 1: 8,5 (103 942 et 890 437).
Même en tenant compte des nombreuses preuves disponibles dans la littérature selon lesquelles le taux de mortalité parmi les politiques était plus élevé que chez les criminels, nous ne pouvons pas abaisser ce ratio en dessous du niveau de 1 à 2. Sur la base des statistiques ci-dessus, on peut affirmer que pour chaque responsable politique décédé en prison, il y avait au moins deux criminels morts.”
(nous traduisons de son article : Политические репрессии в СССР (1917-1990 гг.), «Россия XXI» 1-2 1994)

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.