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domingo, 30 de janeiro de 2022

Títulos fundamentais de uma grande investigadora. (ler os prefácios e a biografia de um grande resistente contra a ditadura fascista, António Graça)

 Wook.pt - A Contra-Revolução no 25 de AbrilWook.pt - O 25 de Abril e o Conselho de EstadoWook.pt - A PIDE no Xadrez Africano

Indicadores que ajudam à reflexão neste dia de eleições. É um estudo favorável ao partido do governo num jornal que "vota" no PS. Os números não indicam o que faz falta.

 

Raio-x ao Portugal que vai a votos: 12 indicadores para saber como estamos

Depois de uma campanha intensa que começou na televisão e seguiu pelas ruas, e perante a incerteza dos resultados expressa nas sondagens, chegou o dia de os portugueses escolherem o rumo político que querem para o país nos próximos anos. Mas, afinal, que país é este que vai hoje às urnas? Através de 12 indicadores, traçamos o estado actual da nação em dia de eleições legislativas antecipadas.

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k Gabriel Sousa

Portugal vai a votos este domingo, naquelas que são as 17.ªs eleições legislativas desde que em 1975 se realizaram as primeiras eleições livres no país. O chumbo do Orçamento do Estado para 2022, a 27 de Outubro do ano passado, ditou a dissolução do Parlamento e a consequente convocação de eleições antecipadas. Mas, afinal, que país é este que vai hoje às urnas? A braços com a pandemia, Portugal sofreu mudanças profundas do ponto de vista económico e social, amparadas por planos de ajuda, mas com consequências ao nível das desigualdades, do crescimento e das contas públicas que ainda são visíveis no conjunto de indicadores que o PÚBLICO aqui reúne.

Na hora de votar, os portugueses escolhem quem se sentará no Parlamento. E o resultado só será conhecido quando todos os votos forem contados. À incerteza que rodeia o resultado junta-se a que resulta do momento excepcional que o país vive: que impacto terá na ida às urnas os mais de 1,2 milhões de pessoas que estão em isolamento? Ninguém sabe ao certo. Como ninguém sabe que solução governativa nascerá daqui. Sabe-se só que há várias possibilidades em cima da mesa e que o Presidente da República terá uma palavra a dizer sobre o destino político do país. Esta é a fotografia que é possível tirar no momento em que se decide o futuro político para os próximos quatro anos.

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População: natalidade em mínimos históricos

Aquilo que era uma evidência foi comprovado – e até reforçado – com os resultados provisórios do Censos 2021 e os números dos testes do pezinho realizados nos bebés de 2021. Ambos mostram que Portugal não descolará tão cedo da categoria de país envelhecido. Por um lado, as pessoas acima dos 65 anos passaram a superar, em larga medida, o grupo dos jovens até aos 14 anos. Na década de 1980, por exemplo, as crianças até aos 14 anos representavam o dobro das pessoas com mais de 65 anos. Os jovens foram perdendo peso e actualmente são pouco mais de metade: há 182 idosos por cada 100 jovens. Por outro lado, Portugal atingiu no ano passado um novo mínimo histórico, ao descer abaixo dos 80 mil recém-nascidos. O número de testes do pezinho, divulgado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, e interpretado como indicador muito aproximado da natalidade, baixou aos 79.217 em 2021. A incerteza trazida pela pandemia poderá explicar em parte esta realidade. Portugal bateu, assim, o recorde mínimo de nascimentos antes atingido com a crise económica, quando apenas 82 mil bebés tinham nascido em 2014. Ana Dias Cordeiro

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Saúde e educação: menos professores mas mais médicos

Quer seja na perspectiva dos médicos internos ou dos médicos especialistas no Serviço Nacional de Saúde, o universo destes profissionais é hoje maior do que era há dois anos, quando se realizaram as últimas eleições legislativas. Juntando as duas categorias, estavam activos, em Dezembro de 2021, mais 1428 do que em Dezembro de 2019, de acordo com o Ministério da Saúde. Na educação, a fotografia mais recente que é possível captar é relativa ao ano lectivo de 2019/2020, quando as estatísticas da educação indicam que do 1.º ano ao 12.º ano de escolaridade havia 130.430 professores e no pré-escolar estavam 16.661 profissionais. Uns e outros são agora menos do que eram há dez anos. Mas se, entre 2015/2016, no período pós-políticas de austeridade, os números desceram abaixo dos 127 mil no caso dos professores e aos 16 mil no caso do pré-escolar, em 2019 subiram ligeiramente. Descidas contínuas tiveram, sim, as escolas existentes em todo o país. Em 2005, Portugal tinha 14.618 estabelecimentos de ensino. Passados 14 anos, esse número desceu para 8310 em 2019 –​ ou seja, pouco mais de metade. A.D.C.

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Trabalho: Desemprego recua, mas jovens ressentem-se

A forma como evoluiu o desemprego durante a pandemia é uma das grandes diferenças que esta crise económica tem em relação às anteriores. Apesar de a actividade económica em Portugal ter caído a pique a partir do segundo trimestre de 2020, a taxa de desemprego subiu de forma relativamente moderada. Foi um fenómeno a que se assistiu em toda a Europa e que se explica pelo facto de o Estado, através do layoff simplificado, ter permitido que as empresas mantivessem os empregos, mesmo tendo reduzido ou mesmo parado a actividade. Entretanto, com a retoma da actividade, a taxa de desemprego voltou a descer e já está mesmo abaixo dos níveis pré-pandemia. Uma excepção, contudo, está na taxa de desemprego dos mais jovens, que se mantém acima daquela que se registava antes do início da crise, reflectindo o facto de alguns dos sectores de actividade mais afectados pela pandemia, como o turismo, terem uma percentagem elevada de empregos ocupada pelos jovens. Sérgio Aníbal

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Apoios sociais: Pandemia faz subir gastos do Estado

No momento em que a pandemia conduziu a medidas drásticas de confinamento e muitas actividades económicas pararam, os Estados foram, de uma forma poucas vezes vista, chamados a apoiar aqueles que se arriscavam de forma súbita a perder rendimento. Para além de segurarem os empregos através do layoff simplificado, diversos outros apoios tiveram de ser reforçados ou mesmo criados. Estas ajudas do Estado, no entanto, em muitos casos demoraram a chegar, ficando particularmente evidente a falta de protecção social existente para algumas camadas da população, particularmente aquelas com vínculos laborais mais precários. S.A.

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Salários: Salário médio acelera, mas desigualdades agravam-se ​

Desde o início da pandemia que o salário médio em Portugal continuou numa trajectória ascendente, que tem vindo mesmo a ser mais acelerada. Há várias explicações para este fenómeno. Por um lado, o apoio do Estado permitiu que não se assistisse a uma escalada do desemprego. Depois, manteve-se a escassez de mão-de-obra que já se registava em sectores como a construção. De igual modo, o aumento do salário mínimo continuou a puxar para cima os escalões mais baixos de rendimento. Mas a principal razão está mesmo no facto de os sectores mais afectados pela crise, como o turismo, serem aqueles onde os salários são habitualmente mais baixos, ao passo que sectores beneficiados, como os tecnológicos, têm habitualmente salários mais altos. Isto fez com que, em média, os salários subissem, mas não esconde o facto de a crise ter trazido, também a nível salarial, uma maior desigualdade, seja entre os menos qualificados e os mais qualificados ou entre homens e mulheres, como estudos feitos em vários pontos do globo demonstram. S.A.

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Justiça: há processos cíveis a demorar três anos

Quem tem a sua vida pendente de um processo criminal – enquanto acusado no banco dos réus ou cidadão lesado, vítima ou seus familiares – esperou, em média, sete a oito meses, nos dois últimos anos, para ver o caso resolvido em tribunal. Significa que, para alguns, o processo judicial durou mais do que isso, havendo casos em que ultrapassa em muito essa média. A tendência, porém, tem sido para haver menos processos pendentes nos tribunais. Havia cerca de 748 mil em 2019; em 2020, estes processos – que são um indicador da morosidade dos tribunais – desceram para cerca de 690 mil e, na primeira metade de 2021, eram 652 mil, de acordo com os dados do Ministério da Justiça. Independentemente da ordem de grandeza (das centenas de milhares) a que a realidade se acomodou, os volumes em espera nas prateleiras dos tribunais foram-se reduzindo para quase um terço desde 2012, quando havia mais de 1,6 milhões. Muito depende da perspectiva, e o mesmo se passará com a duração média dos processos, bastando para isso constatar que se, para a justiça penal, laboral, tutelar e militar, esse período não ultrapassa, em média, os dez meses, os processos cíveis chegam a prolongar-se por quase três anos, ao ultrapassarem em média os 33 meses desde 2019. A.D.C

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Preços: Combustíveis puxam inflação para cima

Se, numa fase inicial da crise, a quebra abrupta da actividade económica até fez diminuir os preços, a partir do momento em que a procura começou a recuperar, principalmente desde meados de 2021, a inflação começou a disparar, chegando em Portugal aos 2,7% no final do ano, mesmo assim um dos valores mais baixos na zona euro, onde a inflação supera já os 5%. A subida, acredita o BCE, deve-se essencialmente às perturbações nas cadeias de distribuição internacionais e à subida dos preços do petróleo, que podem ser temporárias. Mas existe o risco de que uma espiral de preços e salários faça da inflação uma ameaça como há décadas já não se via. S.A.

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Contas públicas: Dívida ainda acima do nível pré-covid

Uma das heranças da pandemia, um pouco por todo o mundo, é um aumento substancial do nível das dívidas públicas. Em Portugal, que no final de 2019 tinha conseguido reduzir a dívida para um valor equivalente a 116,6% do PIB, a combinação de aumento das despesas sociais com uma quebra acentuada das receitas fiscais, a que se somam a injecção de capital na TAP, fez com que no início de 2021 o rácio da dívida estivesse já nos 139,1%. Desde aí, a tendência voltou a inverter-se, mas o regresso aos níveis pré-crise será ainda demorado. S.A.

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Digitalização: Só a pandemia puxou pelo comércio electrónico

No ano das últimas legislativas, 17% das empresas portuguesas com mais de dez trabalhadores tinham comércio electrónico (dados do Eurostat). A média europeia e da zona euro era então de 20%. Mas, no primeiro ano da pandemia, Portugal saltou de 17% para 21%, igualando a média europeia, que passou de 20% para 21%. No entanto, foi sol de pouca dura. Em 2021, a percentagem portuguesa caiu de 21% para 17%, voltando ao valor de 2019. Portugal contrariou, assim, a tendência na Europa, onde a percentagem continuou a crescer de 20% para 21% em 2021. A conclusão é que, por cá, as mudanças no comércio electrónico foram mais conjunturais do que estruturais, acelerando com os consumidores fechados em casa mas voltando a baixar quando não há restrições. Ainda assim, há mais empresas que hoje em dia obtêm pelo menos 10% da receita nas vendas online: eram 10% do total das empresas em 2019 e em 2021 já eram 11%. Victor Ferreira

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Europa: Portugueses entre os mais satisfeitos com a UE

É um clássico das sondagens sobre a Europa: Portugal costuma estar do top-3 dos países mais satisfeitos com a União Europeia, que dizem beneficiar mais da adesão e que acham que a sua voz conta na Europa. Entre Outubro de 2019 e Dezembro de 2020 (dados mais recentes do Eurobarómetro “Social-demographic trends"), esse sentimento saiu mais reforçado e uma das explicações possíveis estará relacionada com a resposta à covid-19, através dos mecanismos de solidariedade europeia. O certo é que, desde que António Costa tomou posse pela segunda vez, em Outubro de 2019, mais portugueses acham que a pertença à UE é uma coisa boa: passaram de 72% para 78% (a média na UE subiu de 59 para 63%). Mas, sobretudo, aumentaram também (de 85 para 90%) os cidadãos nacionais que entendem que fazer parte desta comunidade de países traz benefícios. Quais? Um contributo para o crescimento económico (respondem 50% dos inquiridos) e para aceder a novas oportunidades de trabalho (33%). Sónia Sapage

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Cultura: Cada vez mais streaming, mas não para todos

A revolução do streaming chegou a Portugal em 2015 à boleia da Netflix e desde então o consumo de séries, filmes, reality shows, novelas ou informação através de plataformas na Internet não parou de crescer. A tendência é mundial, e bem mais galopante noutros países da União Europeia ou nos EUA, mas a pandemia e os confinamentos aceleraram a digitalização do que entendemos por “televisão”. Em 2020, centenas de milhares de portugueses assinaram serviços de streaming para ver (sobretudo) séries e filmes: cerca de 34% dos utilizadores de Internet em Portugal pagaram conteúdos audiovisuais on demand, segundo dados da Anacom e do Instituto Nacional de Estatística. No total da população, a quota desce para 26%, ou seja, pouco mais do que um quarto da população, mas 16% acima do registo de 2018. Embora o crescimento seja significativo, os números exibem um país de audiências envelhecidas e coladas, também por razões económicas, à televisão generalista. O consumo de streaming, que segundo a Marktest em 2021 era já uma realidade para um em cada quatro portugueses com mais de 15 anos (3,6 milhões de utilizadores, cerca de dois milhões de assinantes), permanece muito mais frequente nos mais novos (16-34 anos), urbanos, com curso superior e com mais rendimentos. Joana Amaral Cardoso

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Ambiente: agricultura biológica ganha terreno

Classificar a protecção do ambiente, a sustentabilidade de recursos e a preservação dos ecossistemas, de forma exaustiva, implica juntar os muitos indicadores, alguns deles ligados entre si mesmo se distribuídos em diferentes frentes: água; resíduos; solo e biodiversidade; ar e ruído; energia e clima são apenas alguns blocos dessa acção empreendida para salvar o planeta. Enquanto uns indicadores melhoram, outros continuam a marcar passo, havendo ainda aqueles que, embora estando no caminho certo, ficam longe de atingir os objectivos estabelecidos até determinada data. A expansão da agricultura biológica, por exemplo, incluída na frente do solo e biodiversidade, prossegue, mas a um ritmo muito mais lento do que o traçado. Há uns anos, foi definida uma meta: a agricultura biológica deveria representar 10% de toda a área cultivada, em 2013, ano em que não foi além dos 6%. Nos anos seguintes, ganhou terreno e adeptos, mas em 2019 ficou pouco acima dos 8% da área cultivada (designada tecnicamente por superfície agrícola utilizada ou SAU). A meta revista passou a ser chegar aos 12% em 2027. A.D.C.

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sábado, 29 de janeiro de 2022

A Alienação. categoria fundamental do marxismo

 

O fascínio da teoria da alienação

Dora Longo Bahia. Escalpo Paulista, 2005
 Acrílica sobre parede 210 x 240 cm (aprox.)

Por MARCELLO MUSTO*

O conceito de alienação foi fundamental para a compreensão do capitalismo por Karl Marx

A compreensão inovadora de Marx da alienação do trabalho é parte inestimável de seu pensamento. Para Marx, a alienação era fundamental para a compreensão do capitalismo e sua superação.

A alienação foi uma das questões mais importantes e debatidas do século XX e a teoria do fenômeno proposta por Karl Marx teve um papel fundamental na construção do conceito. No entanto, ao contrário do que se possa imaginar, a própria teoria da alienação não se desenvolveu de forma linear e a publicação de textos inéditos em que Marx analisou o conceito, marcou um momento significativo na transformação de sua teoria e na sua disseminação no uma escala global.

Nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, com a categoria de “trabalho alienado”, Marx não apenas estendeu o escopo do problema da alienação da esfera filosófica, religiosa e política para a esfera econômica da produção material, mas também converteu este último em condição indispensável para compreender e superar o primeiro. No entanto, essa primeira elaboração, escrita aos 26 anos, foi apenas o esboço inicial de sua teoria. Embora muitas das teorias marxistas posteriores de alienação tenham sido erroneamente fundadas nas observações incompletas dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844 – que superestimam o conceito de “auto-alienação” (Selbst-Entfremdung) – não devemos esquecer que duas décadas ou mais de pesquisas que Marx fez antes de publicar O Capital produziram uma evolução considerável em seus conceitos.

Nos escritos econômicos das décadas de 1850 e 1860, Marx aprofundou seu pensamento sobre a alienação. As ideias que Marx apresenta nesses textos se destacam por combinar a crítica da alienação na sociedade burguesa com a descrição de uma possível alternativa ao capitalismo.

 

A longa marcha do conceito de alienação

Em A Fenomenologia do Espírito (1807), Georg W. F. Hegel propôs a primeira elaboração sistemática do problema da alienação. Para descrever o processo pelo qual o Espírito se torna outro na esfera da objetividade, ele adotou os termos Entausserung (estranhamento), Entfremdung (alienação) e Vergegenständlichung (literalmente: “transformar-se em objeto”, normalmente traduzido como “objetificação”). O conceito de alienação desempenhou um papel proeminente nos escritos da esquerda hegeliana. Uma contribuição importante nesse sentido foi a teoria da alienação religiosa proposta por Ludwig Feuerbach em A essência do Cristianismo (1841), ou seja, a ideia de que a religião surge da projeção da própria essência do homem em uma divindade imaginária. Mais tarde, porém, ele desapareceu da reflexão filosófica e nenhum dos pensadores importantes da segunda metade do século XIX considerou o problema. Em suas obras publicadas, Marx raramente usa o termo e a discussão da alienação estava completamente ausente no marxismo da Segunda Internacional (1889-1914).

No entanto, deve-se destacar que durante o período muitos intelectuais desenvolveram outros conceitos, posteriormente associados à alienação. Em A divisão do trabalho social (1893) e O suicídio (1897), Émile Durkheim introduziu o termo “anomia” para designar um conjunto de fenômenos que ocorrem quando as normas que garantem a coesão social entram em crise após uma expansão considerável da divisão do trabalho. As tendências sociais concomitantes às grandes transformações do processo de produção também foram o eixo do pensamento dos sociólogos alemães.

Em A filosofia do dinheiro (1900), Georg Simmel estudou a dominação dos indivíduos por instituições sociais e a crescente impessoalidade das relações humanas. Por sua vez, Max Weber, em Economia e Sociedade(1922), abordou os fenômenos da “burocratização” no plano social e do “cálculo racional” no plano das relações humanas, que definiu como a essência do capitalismo. Mas esses autores pensaram que estavam descrevendo tendências incontroláveis nas relações humanas e suas reflexões foram guiadas pelo desejo de melhorar a ordem política e social existente (e não a substituir por outra).

Devemos a redescoberta da alienação a Georg Lukács, que em História e consciência de classe (1923) introduziu o termo “reificação” (Versachlichung) para descrever o fenômeno do trabalho que opõe o ser humano como algo independente e objetivo e que os domina mediante leis externas e autônomas. Em 1932, o aparecimento dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, uma obra até então inédita da juventude de Marx, foi um evento decisivo. No âmbito deste trabalho, o conceito de alienação refere-se ao fenômeno pelo qual o produto do trabalho se opõe ao trabalho como algo estranho, como um poder independente do produtor.

Marx definiu quatro formas de alienação do trabalhador na sociedade burguesa: (1) pelo produto de seu trabalho, que se torna um objeto estranho que exerce poder sobre ele; (2) em sua atividade de trabalho, que ele percebe como dirigida contra si mesmo e como se não lhe pertencesse; (3) pela “essência genérica” do homem que se transforma em um ser estranho; e (4) por outros seres humanos e em relação ao seu trabalho e ao objeto do seu trabalho. Ao contrário de Hegel, Marx argumenta que a alienação não coincide com a objetificação em si, mas com um fenômeno particular que ocorre em uma forma precisa de economia: isto é, trabalho assalariado e a transformação dos produtos do trabalho em objetos. Enquanto Hegel apresentava a alienação como uma manifestação ontológica do trabalho, Marx estava convencido de que era a característica de uma época específica de produção: o capitalismo.

Ao contrário, no início do século XX, quase todos os autores que abordaram o problema consideravam que a alienação era um aspecto universal da vida. Em Ser e Tempo(1927), Martin Heidegger tratou a alienação em termos puramente filosóficos. Nesse tipo de fenomenologia da alienação, ele cunhou a categoria “queda” [Verfallen] para se referir à tendência da existência humana de se perder na inautenticidade do mundo circundante. Heidegger não considerou esta queda como uma propriedade negativa e deplorável da qual, “talvez, fases mais avançadas da cultura humana sejam capazes de se desprender”, mas sim como uma “forma existencial de estar-no-mundo”, isto é, como uma realidade que faz parte da dimensão fundamental da história.

Após a Segunda Guerra Mundial, sob a influência do existencialismo francês, a alienação tornou-se um tema recorrente na filosofia e na literatura. Mas foi identificada com um mal-estar difuso do homem na sociedade e uma divisão entre a individualidade humana e o mundo da experiência: uma condição humana intransponível.

Os filósofos existencialistas não propunham uma origem social para a alienação, mas a concebiam como algo inevitavelmente ligado à “facticidade” – perspectiva reforçada, sem dúvida, pelo fracasso da experiência soviética – e à alteridade humana. Marx tentou desenvolver uma crítica da dominação buscando um ponto de apoio em sua oposição às relações capitalistas de produção. Os existencialistas seguiram o caminho inverso: tentaram absorver as partes da obra de Marx que consideravam úteis para suas próprias abordagens, no quadro de um debate puramente filosófico, esvaziado de qualquer crítica histórica específica.

Outro caso foi Herbert Marcuse, que também identificou alienação com objetificação e não com sua manifestação no quadro das relações de produção capitalistas. Em Eros e Civilização (1955), ele se distanciou de Marx e argumentou que a emancipação só poderia ser alcançada por meio da abolição – e não da liberação – do trabalho e da afirmação da libido e do jogo nas relações sociais. Marcuse acabou se opondo à dominação tecnológica em geral, de modo que sua crítica à alienação deixou de visar as relações capitalistas de produção e suas reflexões sobre a mudança social tornaram-se tão pessimistas que muitas vezes incluiu a classe trabalhadora entre eles.

 

O fascínio irresistível da teoria da alienação

Uma década depois, o termo entrou sociologia americana. A sociologia “mainstream” tratou o problema como referente ao ser humano individual – e não às relações sociais. Focou a pesquisa na busca de soluções sobre a capacidade dos indivíduos de se adaptar à ordem existente – e não em práticas coletivas que visam transformar a sociedade. Esse deslocamento acabou por degradar a análise dos fatores sócio-históricos. Enquanto, na tradição marxista, o conceito de alienação havia contribuído para algumas das mais afiadas críticas ao modo de produção capitalista, a sua institucionalização na esfera da sociologia reduziu a um fenômeno de desajuste indivíduo a normas coletivas. Essas interpretações contribuíram para o empobrecimento teórico do discurso sobre a alienação que, afastando-se esse fenômeno complexo ligado à atividade laboral humana, tornou-se mesmo um fenômeno positivo, um meio de expressar a criatividade. Assim, acabou desaparecendo ao ponto de se tornar praticamente insignificante.

No mesmo período, o conceito de alienação também fez seu caminho para a psicanálise, onde Erich Fromm o utilizou para construir uma ponte com o marxismo. Porém, o filósofo alemão acabou colocando toda a ênfase na subjetividade. A sua noção, sintetizada em Psicanálise da sociedade contemporânea (1955), via a alienação como um modo de experiência em que o indivíduo se percebe como estranho. Ora, isso definia a alienação como vocação. Fromm baseou-se exclusivamente na concepção apresentada por Marx nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844 e mostrou que não compreendia a especificidade e a centralidade do trabalho alienado no pensamento de Marx. Essa lacuna o impedia de dar o devido peso à alienação objetiva (isto é, aquela que afeta o trabalhador no processo de produção e define sua relação com o produto do trabalho).

Na década de 1960, as teorias de alienação entraram em voga e o conceito parecia expressar perfeitamente o espírito da época. Em A sociedade do espetáculo (1967), Guy Debord relacionou a teoria da alienação com a crítica da produção imaterial. Ele argumentou que com a “segunda revolução industrial”, o consumo alienado se tornou, na mesma medida que a produção alienada, um dever das massas. Em A sociedade do consumo (1970), Jean Baudrillard se distanciou da abordagem marxista, ou seja, da centralidade da produção e, assim, também identificou o consumo como o fator fundamental da sociedade moderna.

Então, a era do consumo, em que a publicidade e as pesquisas criam necessidades espúrias e consenso de massa, tornou-se a “era da alienação radical”. No entanto, a popularidade do termo e sua aplicação indiscriminada criaram uma profunda ambiguidade conceitual. Em poucos anos, a alienação tornou-se uma fórmula vazia que cruzou todo o espectro da infelicidade humana e sua amplitude gerou a crença de que se referia a uma situação imutável. Centenas de livros e artigos foram escritos e publicados em todo o mundo.

Foi a época da alienação tout court. Autores de diferentes origens políticas e acadêmicas propuseram diferentes causas para explicar o fenômeno: comercialização, superespecialização, anomia, burocratização, conformidade, consumismo, perda de significado gerado por novas tecnologias, incluindo isolamento pessoal, apatia, marginalização étnica ou social e contaminação ambiental. O debate atingiu um limite paradoxal no contexto acadêmico americano, onde o conceito de alienação sofreu uma distorção real e acabou sendo utilizado pelos defensores daquelas classes contra as quais havia sido elaborado em primeira instância.

 

Alienação de acordo com Karl Marx

A difusão dos Grundrisse, um manuscrito escrito entre 1857 e 1858 que ganhou popularidade na década de 1970, evidenciou o conceito de alienação que Marx trabalhou em seus escritos maduros. O seu estudo recolheu as observações dos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, mas os enriqueceram com uma compreensão muito mais ampla de categorias econômicas e uma análise social mais rigorosa. Nos Grundrisse, Marx usou o termo “alienação” mais de uma vez e argumentou que no capitalismo: “O intercâmbio geral de atividades e produtos, que se tornou a condição de vida de cada indivíduo em particular e é sua condição de reciprocidade [com outros], apresenta-se a si mesmos como estranho, algo independente, como uma coisa. No valor de troca, o vínculo social entre as pessoas é transformado em uma relação social de coisas; a capacidade pessoal, em uma capacidade de coisas”.

Os Grundrisse não foram o único texto maduro incompleto em que Marx abordou a alienação. Cinco anos depois, o esboço da parte VI do primeiro livro de O Capital (1863-1864) estabeleceu uma ligação mais estreita entre a análise econômica e política e o conceito de alienação. Marx então argumentou que “o domínio do capitalista sobre o trabalhador é o domínio das coisas sobre os seres humanos, do trabalho morto sobre o trabalho vivo e do produto sobre o produtor. Na sociedade capitalista, a transposição da produtividade social do trabalho para os atributos materiais do capital promove uma verdadeira personificação das coisas e uma reificação das pessoas, e cria a aparência de que as condições materiais de trabalho não estão sujeitas ao trabalhador, ao contrário, é aquele que está sujeito a eles.

O progresso que essa concepção representa em comparação com os primeiros escritos também é evidente na famosa seção de O Capital (1867), intitulada “O fetichismo das mercadorias”. Segundo Marx, na sociedade capitalista, as relações entre as pessoas não são apresentadas como relações sociais, mas como “relações sociais entre coisas”. Este fenômeno é o que ele chamou de “o fetichismo que se liga aos produtos do trabalho assim que são produzidos como mercadorias, e que é inseparável da produção de mercadorias”. Em qualquer caso, o fetichismo da mercadoria não substituiu a alienação dos escritos da juventude. Marx continuou a argumentar que na sociedade burguesa, as qualidades e relações humanas tornam-se qualidades e relações das coisas. Essa teoria – que antecipa o que Lukács chamaria de reificação – ilustra o fenômeno do ponto de vista das relações sociais, enquanto o conceito de fetichismo aborda a mesma questão do ponto de vista das mercadorias.

A difusão de todos esses escritos de Marx abriu caminho para uma concepção de alienação diferente de todas aquelas que se tornaram hegemônicas na sociologia e na psicologia. É uma concepção voltada para a superação da alienação na prática; ou seja, para a ação política dos movimentos sociais, partidos e sindicatos que se mobilizam para transformar as condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora. A publicação desses textos, que – após a edição dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844 em 1930 – poderíamos chamar de “segunda geração” dos escritos de Marx sobre a alienação, não apenas forneceu uma base teórica coerente para os novos estudos do fenômeno, mas também uma plataforma ideológica anticapitalista a serviço do extraordinário movimento social e político que então varreu o mundo. A alienação deixou os livros de filósofos e salas de conferências universitárias, tomou conta das ruas e locais de trabalho e tornou-se uma crítica geral da sociedade burguesa.

Nas últimas décadas, o mundo do trabalho sofreu uma derrota histórica e a esquerda ainda enfrenta uma crise profunda. Com o neoliberalismo, voltamos a um sistema de exploração que em muitos aspectos é semelhante ao do século XIX. Claro, Marx não tem uma resposta para todos os nossos problemas, mas ele fez as perguntas essenciais. Em uma sociedade dominada pelo mercado e pela competição entre os indivíduos, a redescoberta do conceito de alienação de Marx fornece uma ferramenta crítica indispensável, tanto para compreender o passado quanto para criticar o capitalismo contemporâneo.

*Marcello Musto é professor de sociologia na Universidade de York (Toronto). Autor, entre outros livros, de O velho Marx (Boitempo).

Tradução: Eleutério Prado.

Publicado originalmente na revista Jacobin

Wook.pt - Alienation Et Emancipation Precede De Urgencede Communisme Et Suivi De Karl Marx Les Text Es Du Capi

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Sobre o livro oportuno de AYMERIC MONVILLE (AUTOR DO LIVRO "CONTRA OS NIETSCHIANOS DE ESQUERDA")

 

Bloch sobre Espinosa- conferências inéditas

 

Baruch de Spinoza. Quatre conférences

17.00

De toutes les conférences consacrées à l’histoire de la philosophie moderne qu’Ernst Bloch a prononcées, celles en hommage à Spinoza en 1954-1955, publiées ici pour la première fois en français, sont sans nul doute les plus impressionnantes. Dans ces cours magnifiques qui ont fasciné ses auditeurs, Bloch esquisse le portrait d’un grand penseur « hérétique » du xvie siècle, précurseur des Lumières, et grand rationaliste. Le système philosophique spinoziste est le tout premier système du panthéisme, « l’édifice le plus magnifique que connaît l’histoire de la philosophie aux côtés de ceux d’Aristote et de Hegel ». Mais Bloch souligne également le caractère révolutionnaire de la pensée spinoziste, s’exprimant surtout dans son exigence de libérer la lecture de la Bible des dogmes théologiques et dans sa manière courageuse d’insister sur l’émancipation de la science de la religion et de la politique.

Traduit de l’allemand, annoté et préfacé par Arno Münster.

 

ERNST BLOCH (1885-1977) est incontestablement le grand penseur néo-marxiste allemand du xxe siècle dont le nom est inscrit dans l’histoire de la philosophie moderne et contemporaine comme celui d’un rénovateur de la pensée critique et du marxisme, notamment avec sa grande trilogie Le Principe espérance. Ses cours d’histoire de la philosophie, dont le présent cours sur Spinoza, ont été prononcés à Leipzig, de 1949 à 1957.

 ISBN 978-2-37607-220-1 

141 pages

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sábado, 22 de janeiro de 2022

ÉTICA- Prolegómenos

 Concebemos o justo porque vemos o injusto. 

Cada indivíduo singular pode considerar injusto aquilo que não satisfaz os seus interesses exclusivamente pessoais, ou mesmo egoístas. Não é esse grau sensível-individual que alicerça a moral. Contudo, o particular-concreto importa sobremaneira nas reflexões e conteúdos da Ética, pois o justo é a categoria principal da Ética. Não é o fundamento ou a finalidade da Política. A Política é Ação orientada para conquistar ou manter-se no Poder e, com ele (com os seus meios ideológicos e institucionais) instalar e defender um modo de produzir e distribuir as riquezas. A Justiça também não interessa ao Direito. O Direito não é Moral, pois não não prescreve deveres, mas direitos.

   

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

ÉTICA- Prolegómenos

 Porque hei de obedecer se uma lei é injusta?

As novas identidades no seu imperialismo ideológico tende a excluir a composição dos grupos em classes sociais. Não há mais lutas de classes, na perspetiva dos "novos" filósofos. Sobretudo de novas filósofas.

Dizem alguns escritores de esquerda que a democracia é incompatível dom o capitalismo. Na realidade, estas democracias ao estilo da Europa são compatíveis com este capitalismo neoliberal, tal como o parlamentarismo britânico vitoriano foi perfeitamente compatível com a brutal exploração do proletariado e dos povos indígenas das colónias.

Os regimes democráticos são uma criação das nações? Se assim foi, a perda de soberania das nações europeias conduz à perda da democracia.

sábado, 15 de janeiro de 2022

ÉTICA- Prolegómenos

    A ideologia moral atual impõe testes, avaliações, elabora rankings, classificações e modelos, tendo com matriz e finalidade a empresa capitalista. Segundo esta relação de produção nada deve escapar, e na realidade nada escapa, à imagem ideal dos novos empregos, das novas qualificações do trabalho, dos novos comportamentos com os patrões e com os colegas, com os políticos eleitos e com as instituições. As crianças das escolas não escapam, porque as escolas, desde o jardim de infância, são fábricas de consensos capitalistas, do "bom-senso cívico" (de civilidade), dos futuros "colaboradores". Os pais estão preocupados com quê? Que os filhos tenham boas notas. Em vez dos valores de cooperação, a competitividade (Como sempre se regulou a América), em vez da compaixão (de que falam as religiões e Schopenhauer), as identidades e as diferenças. As crianças não devem ser educadas para serem adultos (por isso é belo o Peter Pan!). As escolinhas são miniaturas (e caricaturas) de empresas; as escolas médias e superiores são definitivamente empresas.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Andrea Zhok

Acadêmico italiano

Andrea Zhok ( Trieste , 12 de abril de 1967 ) é um filósofo e acadêmico italiano , Professor de Antropologia Filosófica e Filosofia Moral na ' Universidade de Milão .

Andrea Zhok em 2017

BiografiaEditar

Formou-se em Filosofia Teórica na Universidade de Milão com uma tese sobre Max Scheler , discutida sob a orientação de Carlo Sini , de quem é aluno. Ele continua sua formação com um doutorado em pesquisa sobre Ludwig Wittgenstein , realizado entre as Universidades de Milão e Viena , e um mestrado em filosofia sobre a teoria do valor na Universidade de Essex . Desde 2002 é pesquisador em filosofia moral no departamento de Filosofia da Universidade de Milão e desde 2016 é professor associado [1] .

Ele é o diretor editorial da série Ética. Fundamentos e aplicações para a editora Mimesis , além de ser membro dos comitês científicos de vários periódicos do setor (incluindo New Yearbook for Phenomenology and Phenomenological Philosophy, International Journal of Philosophy and Psychology , Philosophy , Philosophical Exercises , Italian Journal of Analytical Philosophy Jr. , Cenários ). É também colunista e autor de diversos jornais e revistas, como L ' Espresso e MicroMega, e o centro de estudos "Observatório da Globalização", onde se ocupa principalmente da atualidade, da política e da economia.

Temas de pensamento e pesquisaEditar

A reflexão de Andrea Zhok caracteriza-se por uma profunda transversalidade nos campos da investigação, combinando problemas e métodos da tradição continental ( fenomenologia , genealogia, pragmatismo ) com uma comparação constante com autores contemporâneos também na área analítica, relativos aos sectores da psicologia , ciências cognitivas ou filosofia da mente . Porém, toda a pesquisa, que vai da gnoseologia à filosofia política, é atravessada por questões éticas, com particular referência à teoria do significado e do valor.

Do lado teórico, tratou extensivamente do tema da percepção e dos modos como o sujeito vivencia a realidade, investigando a constituição transmodal de categorias, como espaço, tempo e causalidade, que contribuem para determiná-la como tal. Essas análises são conduzidas por Zhok resgatando a tradição fenomenológica husserliana , por meio da qual ele descreve a esfera sensível não como uma mera recepção de estímulos e informações ambientais, mas como uma relação ativa de exploração do mundo, definida por hábitos sensório-motores sedimentados, pelo imaginativo. capacidade, bem como da relação intersubjetiva.

Uma fenomenologia genética informada pelas ciências cognitivas leva a uma análise dos estágios de desenvolvimento da subjetividade, da percepção, ao aprendizado da linguagem e da capacidade reflexiva, ao ingresso nas práticas sociais e na história. Assim, a síntese entre o nível de consciência mediado (hábitos linguísticos e interpretativos, reflexão, capacidade de produzir relatos descritivos e explicativos, etc.) e o da imediatez (esfera prático-sensível, temporalidade primária da dialética entre protensões e retensões, Gestalt configuração da percepção, etc.).

Precisamente a interação dessa pluralidade de planos converge para Zhok na noção de realidade irredutível à doação sensível ou ao que existe provisoriamente na presença. Realidade em sentido pleno é tudo o que é percebido como tendo significado (possibilidade, temporalidade, mundo, narrativas e história humana), que carrega em si uma doação sensível, como um subconjunto. Ao lado da reelaboração do conceito de realidade, a ideia de verdade também é significativamente redefinida: esta não consiste principalmente no espelhamento entre proposições (palavras, frases, imagens mentais) e fatos, como na teoria clássica da adaequatio. rei et intellectusmas sim na capacidade das representações de serem intersubjetivamente inteligíveis e, ao mesmo tempo, de orientar efetivamente a ação, percebendo a posição fundamental do sujeito humano como agente [2] .

Do ponto de vista ontológico, as teses de Zhok se inserem no quadro de um monismo emergentista , ou seja, a perspectiva segundo a qual no fundo da realidade existe uma única substância ("matéria"), expressa em uma variedade ilimitada de formas. e graus de complexidade diferente, intimamente interdependentes, mas não dedutíveis uns dos outros. Esta é uma posição materialista sui generis, uma vez que não concebe a realidade como uma massa bruta, inerte e governada apenas por relações mecânicas, mas como constituída por uma matéria geradora e produtiva (e, neste sentido, congênere com noções como as de "ser" ou "energia "), de onde emergem qualidades e possibilidades cada vez mais mediadas e irredutíveis ao nível de mera causalidade eficiente, privilegiada por descrições físicas do mundo [3] .

A junção crucial que define a ponte entre a gnoseologia e a ética é representada pelo papel dos hábitos sensório-motores compartilhados. Essas roupas fornecem a base tanto para a constituição dos conceitos de linguagem comum quanto para dar sentido às próprias ações. O tema das roupas compartilhadas torna-se a base para uma concepção específica de tradição, comunidade e história.

Desse ponto de vista, um momento central é representado pelo tema da constituição da subjetividade, da qual se investigam os pressupostos transcendentais e biológicos, bem como a consolidação da identidade pessoal como objeto público. Zhok enfatiza tanto a natureza corporificada do sujeito ativo, enraizado na dimensão sensório-motora do corpo vivo, quanto sua configuração como sujeito moral em virtude do valor intrinsecamente normativo do reconhecimento intersubjetivo. Com base nessas investigações, Zhok se dedicou a análises mais primorosamente existenciais, como aquelas sobre autenticidade e autoengano, sobre o significado ontológico e axiológico da liberdade., sobre as funções da narração e da memória autobiográfica como momentos de atribuição de sentido. Nesse quadro, o “sentido da existência” é definido como “uma aposta em uma identidade por vir: pessoal, coletiva, histórica” [4] , uma identidade cujas condições de sentido são recebidas e não criadas.

Além disso, Zhok tem se interessado amplamente pelos problemas da filosofia da história , tanto por examinar o papel crucial da tradição, entendida como a transmissão pessoal inevitável de hábitos, práticas e conhecimentos tácitos, necessários para a própria reprodução de todo grupo social especificamente humano , e retraçando em um sentido genealógico alguns dos processos que caracterizam a civilização ocidental e se estendem globalmente (escrita alfabética, prática monetária, o advento da tecnociência, a revolução industrial, a afirmação do estado-nação, individualismo). É nesse horizonte que se situam os estudos de Zhok sobre filosofia política e economia , com foco em particular nos temas daliberalismo , comunitarismo e na modelagem microeconômica do homo oeconomicus . O elemento caracterizador de sua reflexão a esse respeito consiste em interpretar o liberalismo não como uma simples doutrina política, mas como um autêntico movimento histórico ocorrendo transversalmente nas instituições, práticas sociais, comportamentos individuais e núcleos ideológicos, o que Zhok define como um todo como “Razão liberal " Desse processo histórico, cuja expressão ainda está em pleno andamento,ele destacou amplamente as questões críticas (mesmo a natureza autocontraditória), argumentando em particular que tende sistematicamente a produzir tendências degenerativas de um ponto de vista ético, psicológico, social e ambiental [5] , acabando por minar os mesmos pressupostos que tinham permitiu a sua declaração.

Principais trabalhosEditar

LivrosEditar

  • Intersubjetividade e fundação em Max Scheler , Nuova Italia , Florença 1997.
  • Fenomenologia e genealogia da verdade , Jaca Book, Milan 1998.
  • A ética do método. Ensaio sobre Ludwig Wittgenstein, Mimesis, Milan 2001.
  • O conceito de valor: da ética à economia, Mimesis, Milão 2002.
  • O espírito do dinheiro e a liquidação do mundo. Philosophical Anthropology of Transactions, Jaca Book, Milan 2006.
  • Emergentismo: as propriedades emergentes da matéria e o espaço ontológico da consciência na reflexão contemporânea, ETS, Pisa 2011.
  • Realidade e seus sentidos. A constituição fenomenológica da percepção e o horizonte do naturalismo, ETS, Pisa 2012.
  • Representação e realidade. Psicologia Fenomenológica dos Atos Imaginários e Representativos, Mimesis, Milão 2014.
  • Liberdade e natureza. Fenomenologia e ontologia da ação , Mimesis, Milão 2017.
  • Identidade da pessoa e sentido de existência , Meltemi, Milão 2018.
  • Crítica da razão liberal. Uma filosofia da história atual , Meltemi, Milan 2020.

Artigos e contribuições em volumeEditar

  • “O legado histórico entre capital social e capital econômico” in Critique Marxista , n. 3, maio-junho de 2002, pp. 67-76.
  • “Deus se tornando de Scheler e o problema do valor da realidade” em Max Scheler. Existência da pessoa e radicalização da fenomenologia , editado por G. Cusinato, Franco Angeli, Milan 2007, pp. 81-100.
  • “Rumo a uma Teoria das Práticas Sociais” no Journal of the Philosophy of History , 3, 2009, pp. 187-210.
  • "On Value Judgment and the Ethical Nature of Economic Optimality", in: New Essays in Logic and Philosophy of Science, editado por M. D'Agostino, G. Giorello, F. Laudisa, T. Pievani, C. Sinigaglia - Londres, Publicações da faculdade, 2010, pp. 433-446.
  • “A Phenomenological Reading of Anomalous Monism”, em Husserl Studies , vol. 27, 2011, p. 227-256, 2011, ISSN 0167-9848, doi: 10.1007 / s10743-011-9094-x .
  • “História como terapia da tradição no pensamento de Husserl”, in Studia Phaenomenologica , vol. 11, 2011, pp. 29-54, ISSN 1582-5647.
  • “Verdade histórica e verdade judicial. O caso do massacre italiano ”, em: Piazza Fontana 43 anos depois. As verdades de que precisamos , editado por S. Cardini, pp. 121-144, Mimesis, Milan 2012, ISBN 9788857512914 .
  • "The Ontological Status of Essences in Husserl's Thought," in New Yearbook for Phenomenology and Phenomenological Philosophy , vol. XI, 2012, ISSN 1533-7472.
  • "Elementos para uma teoria da tradição", em Teorias do pensamento histórico , editado por D. Bondì, Unicopli, Milão 2014, pp. 187-213.
  • "Espacialidade, imagética e o paradoxo das emoções ficcionais", in Paradigmi , 3, 2014, pp. 143-158.
  • “Ontologia Fenomenológica e Superveniência”, em Método. Estudos Internacionais em Fenomenologia e Filosofia , Vol. 3, n. 2, 2015, pp. 47-79, ISSN 2281-917.
  • "Phenomenological Ontology and Practical Reason", em Breaking the Spell. Contemporary Realism Under Discussion , Mimesis International, 2015, pp. 173-194, ISBN 978-8857526591 .
  • "Possibility and Consciousness in Husserl's Thought", em Husserl Studies , vol. 32, 3, 2016, pp. 213-235, ISSN 0167-9848.
  • “Os Cadernos Negros: implicações para uma avaliação do desenvolvimento filosófico de Heidegger”, in Philosophia , 44, n. 16, (2016), pp. 15-31, ISSN 0048-3893.
  • “Em louvor à identidade”, in Agalma , outubro de 2018, vol. 36, ISSN 1723-0284.
  • "Abrindo espaço para a emergência", em Investigações Filosóficas , VII, 2, 2019, pp. 9-33.

ObservaçãoEditar

  1. ^ Zhok Andrea | University of Milan State , em www.unimi.it . Recuperado em 18 de dezembro de 2021 .
  2. ^ Zhok, A., Reality and its senses. A constituição fenomenológica da percepção e o horizonte do naturalismo, ETS, Pisa 2012, p. 236 g .
  3. ^ Zhok, A., Emergentism: as propriedades emergentes da matéria e o espaço ontológico da consciência na reflexão contemporânea, ETS, Pisa 2011, p. 121 g .
  4. ^ Zhok, A., Identidade da pessoa e sentido de existência, Meltemi, Milan 2018, p. 361 .
  5. ^ Zhok, A., crítica da razão liberal. Uma filosofia da história atual, Meltemi, Milan 2020, cap. 20-25 .

links externosEditar

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.