A
eclosão da guerra imperialista na Ucrânia agudizou as contradições
dentro do movimento comunista internacional em torno de graves questões
político-ideológicas que o assolam há anos e exprimem a influência
oportunista nas suas fileiras. Naturalmente, o foco estava na postura em
relação ao caráter imperialista da guerra que está a ser travada entre
os EUA-NATO-UE e a Rússia capitalista no território da Ucrânia, a
postura em relação à burguesia e aos seus representantes políticos, como
a social-democracia, as análises problemáticas do sistema imperialista e
a posição da China e da Rússia, e outras questões, mais profundamente
ligadas à questão da estratégia errónea de etapas em direção ao
socialismo, de apoio e participação em governos burgueses.
Nessas
circunstâncias, nas vésperas do 22º Encontro Internacional de Partidos
Comunistas e Operários (EIPCO), realizado em Havana em outubro passado,
surgiu em Paris uma nova organização internacional chamada "Plataforma
Mundial Anti-Imperialista" (PMAI), que já organizou uma série de
atividades em Belgrado, Atenas e, recentemente, em Caracas, organizada
pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) no governo. O evento
na Venezuela coincidiu com o ataque antipopular lançado pelo governo
social-democrata do PSUV contra a classe trabalhadora e as camadas
populares da Venezuela, no momento em que chegou a acordos com a
oposição de direita e os EUA, intensificando os ataques anticomunistas e
as ações subversivas contra o PC da Venezuela.
É importante observar quais forças o compõem, bem como as principais posições problemáticas da PMAI.
Uma amálgama peculiar de forças políticas
Uma
amálgama de forças políticas está envolvida nas atividades da PMAI,
onde forças social-democratas, como o já mencionado PSUV e uma
organização sul-coreana (Partido da Democracia Popular) que surgiu do
nada, desempenham o papel principal, juntamente com alguns partidos
comunistas e operários, como o Partido dos Trabalhadores Húngaro, o
Partido Comunista (Itália), o Novo Partido Comunista da Jugoslávia, o
Partido Comunista dos Trabalhadores Russos (PCOR), o Partido Comunista
Libanês, o Partido Comunista Maoísta da Grã-Bretanha (M-L), o Polo do
Renascimento Comunista na França, etc.
Além
disso, como denunciou o Partido Comunista do México [1], até mesmo
forças políticas nacionalistas, racistas e reacionárias participaram nos
eventos em Caracas. Tais foram, por exemplo, a organização nacionalista
espanhola "Vanguardia Española", cujas raízes remontam ao filósofo
nacionalista Gustavo Bueno, que foi um ativo combatente falangista e
apoiante do ditador fascista Franco na década de 1950. A "Vanguardia
Venezolana" (Vanguarda Venezuelana) é da mesma laia.
Duas
organizações desconhecidas da Grécia, desprovidas de ação de massas e
base social, participam na PMAI: o "Coletivo de Luta pela Unificação
Revolucionária da Humanidade" (D. Patelis) e a "Plataforma para a
Independência" (V. Gonatas), que ultimamente têm sido marcadas por uma
intensificação dos sentimentos anti-KKE, muitas vezes optando pela
ladeira escorregadia de ataques provocatórios via Internet.
O imperialismo como uma "situação anormal" que pode ser remediada…
A
PMAI apresenta um quadro completamente inverso da realidade global que
estamos a viver. Das suas análises, não podemos entender que vivemos no
sistema capitalista, uma vez que o conceito de capitalismo foi banido de
todas as declarações relacionadas (por exemplo, a Declaração de Paris –
fundadora - e os materiais da recente reunião de Caracas).
Permitam-nos
abrir aqui um parêntesis, pois, nota-se que, na tradução grega da
Declaração de Paris, a palavra "capitalista" foi acrescentada num ponto
antes de "imperialista", algo que não aconteceu nas versões inglesa,
espanhola e francesa deste documento. Parece que o tradutor grego tentou
encobrir arbitrariamente esta afirmação em particular, o que,
naturalmente, não altera a sua substância.
Ao
mesmo tempo, há um uso indevido das palavras "imperialismo",
"imperialistas" e "anti-imperialismo" nos materiais da PMAI. Assim, o
imperialismo, que segundo Lenine é o capitalismo monopolista, é tratado
de forma distorcida simplesmente como uma política externa agressiva,
desligada da sua base económica (os monopólios e a economia capitalista
de mercado) e da sua essência de classe como poder da burguesia.
Não
é coincidência, portanto, que o derrubamento revolucionária do poder
burguês não surja nas posições da PMAI, e que a luta pelo socialismo
tenha sido abandonada e substituída pelo objetivo da soberania nacional e
de uma nova arquitetura financeira global, sem sanções e guerras
comerciais, para "derrubar o sistema colonial que traz instabilidade,
pobreza e violação dos direitos humanos às massas via opressão política,
saque económico e coerção militar".
Em
todas as suas afirmações, a identificação do conceito de imperialismo
com a potência mais forte do sistema imperialista internacional até
hoje, ou seja, os EUA, é reveladora. Mesmo quando se faz referência a
outras uniões imperialistas, como a UE, a NATO, o FMI, o Banco Mundial,
etc., assume-se que estamos a lidar com "interesses imperiais dos EUA".
Dessa forma, como num passe de mágica, escondem-se as responsabilidades e
os interesses próprios das classes burguesas dos demais Estados
capitalistas, que não os EUA, que participam nessas alianças. Assim, os
EUA são apresentados distorcidamente como um império de um sistema
colonial moderno, onde todos os Estados aliados a ele são seus
subordinados.
Pelo
contrário, considera-se que "Rússia e China não são potências
imperialistas agressivas" e juntamente com outras, como Coreia do Norte e
Irão, são apresentadas como "anti-imperialistas", que, também com os
governos ditos progressistas da América Latina, resistem ao
imperialismo.
Além
disso, vemos que qualquer abordagem classista é abandonada, enquanto são
elogiadas várias uniões regionais, "como a ALBA e a CELAC", basicamente
envolvendo Estados capitalistas, mas que a PMAI acredita que "reunirão
as nações oprimidas da América Latina”.
Finalmente,
no que diz respeito à guerra imperialista na Ucrânia, a PMAI considera
que se trata de um ato de agressão dos EUA, que estão a usar a Ucrânia
para atacar... a Rússia e a China "anti-imperialistas".
Breve crítica às posições básicas da PMAI
1.
O que é imperialismo e quem é anti-imperialista? Hoje em dia vemos que o
conceito de imperialismo é usado até por representantes das classes
burguesas, com um a chamar "imperialista" ao outro, como fez
recentemente o chanceler alemão, Olaf Scholz, falando sobre o presidente
russo V. Putin. Há também vários representantes de classes burguesas
que se autodenominam ... "anti-imperialistas".
Várias
forças oportunistas criam confusões semelhantes com as suas posições,
assim como as posições da PMAI, onde, por exemplo, até mesmo o Estado
capitalista do Irão, que usa a religião para intensificar a exploração
de classe e a desigualdade social e nega direitos básicos às mulheres, é
caracterizado como "anti-imperialista". E isto é dito num momento em
que o Irão está a ser abalado por grandes manifestações pelos direitos
democráticos burgueses básicos. Recentemente, o Irão
"anti-imperialista", por meio da mediação da China, assinou um acordo
com a Arábia Saudita, que virou as costas aos EUA. Os reis e príncipes
sauditas também se tornaram "anti-imperialistas" depois disso? Não
ficaríamos surpreendidos com tal avaliação, pois há algum tempo algumas
potências da América Latina chamavam "anti-imperialista" a Erdoğan, o
presidente da Turquia, que mantém tropas de ocupação em pelo menos 3
países (Chipre, Síria, Iraque),. Isso foi música para os ouvidos de
Erdogan, que declarou que "os EUA não gostam dele porque é...
anti-imperialista".
Pelo
exposto, fica claro que o mau uso e arbitrariedade do conceito de
imperialismo e suas palavras derivadas leva a uma grande confusão.
Portanto, é importante abordar o conceito de imperialismo com base
socioeconómica científica, e não naquela que burgueses e oportunistas
querem impor para justificar as classes burguesas e as potências
imperialistas, tentando transformar o preto em branco. Lenine
fundamentou as características básicas do imperialismo: "(1) a
concentração da produção e do capital desenvolveu-se a tal ponto que
criou monopólios que desempenham um papel decisivo na vida económica;
(2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação,
com base nesse "capital financeiro", de uma oligarquia financeira; (3) a
exportação de capitais distinta da exportação de mercadorias adquire
importância excecional; (4) completa-se a formação de associações
capitalistas monopolistas internacionais que compartilham o mundo entre
si e (5) completa-se a divisão territorial de todo o mundo entre as
maiores potências capitalistas."[2]
Vivemos,
portanto, na era em que o capitalismo tem certas características
específicas descritas por Lenine na sua obra. Estamos a falar de
características uniformes relativas à dominação de monopólios, de
poderosas empresas de capital e à agudização da concorrência
capitalista, à formação do capital financeiro, à importância crescente
da exportação de capital em relação à exportação de mercadorias, à luta
pela redivisão de mercados e territórios entre Estados capitalistas e
grupos monopolistas internacionais.
Lenine
trata o imperialismo como o "estágio mais alto do capitalismo", como
intitulou o seu panfleto sobre o assunto, destacando que o capitalismo
monopolista "é uma preparação material completa para o socialismo, o
limiar do socialismo, um degrau na escada da história entre o qual e o
degrau chamado socialismo não há degraus intermédios." [3]
Como
podemos ver, a abordagem científica leninista do imperialismo está
muito longe do uso comum do imperialismo como política externa agressiva
ou da identificação com um único Estado, embora seja o mais poderoso,
como argumenta a PMAI, entre outros. Além disso, a PMAI, na prática,
classifica todos os Estados, independentemente da sua posição na
pirâmide imperialista, com o rótulo de "anti-imperialistas" com o único
critério de saber se, em determinado momento, a liderança política do
Estado capitalista particular se opõe ou está em conflito com os EUA ou
suas escolhas, no quadro da intensificação da concorrência internacional
entre os monopólios e os Estados que representam os seus interesses.
O
imperialismo é o capitalismo monopolista. No atual sistema
imperialista, todos os Estados capitalistas estão integrados nele e são
caracterizados por relações de interdependência, concorrência e
cooperação desiguais. Isso certamente não significa que eles tenham o
mesmo poder e capacidades. Significa que todas as classes burguesas
participam na partilha dos despojos, da partilha da mais-valia produzida
pela classe trabalhadora em todo o mundo, com base no poder político,
militar e económico de cada Estado.
2. Soberania nacional, uniões regionais, nova arquitetura financeira global ou socialismo?
A
PMAI, como já apontámos, rejeitou a luta pelo socialismo e promove a
luta pela soberania nacional, a formação de grupos regionais e uma nova
arquitetura financeira global, que, apesar da preservação das relações
capitalistas de produção, garantirá "a liberdade e a igualdade das
nações, permitindo que cada país siga uma agenda económica soberana e
independente sem interferência externa".
Segundo
a conceção da PMAI, todos os problemas decorrem da interferência
estrangeira, da imposição da vontade das potências imperialistas, e
principalmente dos EUA, em cada país. Na prática, procura forjar
alianças no seio da chamada burguesia nacional. Além da confusão sobre o
imperialismo, também fica evidente uma subestimação do caráter
internacional da era do capitalismo monopolista, que se reflete em todos
os Estados capitalistas com a agudização da contradição básica entre
capital e trabalho e o fortalecimento da tendência de deterioração
absoluta e relativa da posição da classe trabalhadora.
A
abordagem errónea acima mencionada não é nova, pois veicula abordagens
erróneas que prevaleceram por muitos anos no movimento comunista
internacional e se concentraram no nível diferenciado de desenvolvimento
das forças produtivas, assumindo erroneamente que qualquer atraso se
devia exclusivamente à dependência externa de um Estado e não a fatores
históricos como o atraso na emergência das relações capitalistas, o
mercado nacional relativamente pequeno, as condições históricas que
levaram a burguesia de um Estado capitalista a investir, por exemplo, na
exportação de energia ou no transporte de capital em vez de na
indústria. Nesse contexto, desenvolveu-se a estratégia de etapas rumo ao
socialismo, onde a etapa inicial era abandonar a "dependência
estrangeira" e estabelecer a "soberania nacional", que seria alcançada
por meio de uma aliança com a burguesia "nacionalmente orientada" em
oposição à burguesia "compradora" [especuladora (NT)], dependente e
subordinada aos ditames da burguesia imperialista.
Hoje
sabemos que a estratégia dos PC assente na fragmentação em etapas
fracassou! Da mesma forma, a separação da burguesia em "subserviente aos
estrangeiros" e "patriótica" e a tentativa de formar uma aliança com
esta última secção mostraram-se irrealistas. A burguesia, apesar de
certas diferenciações de interesses económicos que possam existir dentro
dela, tem a sua própria ferramenta uniforme para explorar a classe
trabalhadora e oprimir as camadas populares, ou seja, o Estado burguês. O
Estado burguês também atua como regulador de quaisquer diferenças entre
os vários setores da burguesia. Cada Estado burguês nacional (hoje são
cerca de 200 em todo o mundo) contribui para a formulação da estratégia
da burguesia do país e administra as suas alianças internacionais, a sua
participação numa ou noutra união interestatal de Estados capitalistas,
onde as leis da economia capitalista se aplicam juntamente com as
regulações interestatais.
Lenine,
no seu artigo "Sobre a palavra de ordem dos Estados Unidos da Europa"
refere-se às abordagens erróneas de seu tempo sobre os "Estados Unidos
democráticos da Europa", enfatizando que não bastava simplesmente
derrubar os regimes autoritários existentes na Europa naquela época. A
base económica sobre a qual essa união seria criada era de grande
importância; e como essa base era o capitalismo, seria, portanto, uma
união reacionária. E isto porque, nas palavras de Lenine, "o capitalismo
é a propriedade privada dos meios de produção e a anarquia na produção.
Defender uma divisão "justa" dos rendimentos com tal base é puro
proudhonismo, filistinismo estúpido (...) Pensar que isso é possível
significa descer ao nível de um padre choramingas que todos os domingos
prega aos ricos os elevados princípios do cristianismo e os aconselha a
dar aos pobres, bem, se não milhões, pelo menos várias centenas de
rublos anualmente". Ele concluiu que essa palavra de ordem está errada
"porque pode ser erroneamente interpretado como significando que a
vitória do socialismo num único país é impossível" [4].
A
abordagem da PMAI sobre a necessidade de "derrubar o sistema colonial",
sobre a soberania nacional e a criação de uniões regionais de "Estados
soberanos", ignora de forma a-histórica o fato de que o sistema colonial
é coisa do passado há décadas. Em seu lugar apareceram dezenas de
Estados "soberanos" e em cada um deles existem contradições de classe
não resolvidas entre o capital e a classe trabalhadora. Além disso, as
relações atuais entre os Estados burgueses "soberanos" são regidas por
relações de interdependência desigual, nas quais todas as classes
burguesas estão envolvidas de acordo com o seu poder – facto que está
ausente da análise da PMAI.
As
dependências que surgem para cada Estado capitalista dentro dessa
"pirâmide" imperialista não são uma patologia, um desvio ou distorção,
que será corrigida pela derrota dos EUA, por um mundo supostamente
multipolar, como argumenta a PMAI, mas um fenómeno inerente ao
desenvolvimento do capitalismo, ou seja, a internacionalização do
capital. Além disso, a PMAI esconde o essencial: que essa teia de
interdependência desigual só pode ser dissolvida pelo derrube do poder
burguês e do Estado da ditadura do capital, pela construção da nova
sociedade socialista-comunista.
Quando
os abutres imperialistas se chocam, o lado certo da história é não
escolher o lado do abutre mais fraco para que ele possa tomar o lugar do
mais poderoso. O lado certo é a luta contra cada abutre, cada burguesia
e aliança imperialista.
3. Qual é a natureza da China e da Rússia?
A
PMAI argumenta que "não há dados económicos que justifiquem
caracterizar a China ou a Rússia como imperialistas. São países que não
vivem de sobre-explorar ou saquear o mundo. Não colocam outros países em
escravatura militar, tecnológica ou por dívidas" e que "a Rússia e a
China não são potências imperialistas agressivas, mas, pelo contrário,
são alvo dos nossos inimigos porque estão no caminho do domínio global
completo dos EUA".
Com
essas afirmações, a PMAI mais uma vez procura distorcer a realidade. É
como se a China e a Rússia não participassem das cúpulas do G20, das
reuniões dos 20 Estados capitalistas mais poderosos do mundo, juntamente
com os EUA, a Alemanha, o Reino Unido, a França, etc. É como se os
monopólios chineses e russos não exportassem capital para outros países,
visando o lucro que advém da exploração da força de trabalho não só dos
trabalhadores de seu próprio país, mas também de muitos outros países
da Europa, Ásia, África, América, onde quer que seus monopólios se
desenvolvam. É como se o exército privado russo "Wagner" fosse destacado
para África por razões de caridade e não para defender os interesses
dos monopólios russos que ali operam. É como se a China já não estivesse
a avançar numa direção semelhante para salvaguardar a Iniciativa
Cinturão e Rota por meios militares. É notável que esta iniciativa
inclua o pequeno, mas muito importante em termos geográficos, estado do
Djibuti - cuja dívida com a China equivale a 43% do seu Rendimento
Nacional Bruto - onde a primeira base militar da China fora das suas
fronteiras foi inaugurada em 2017.
As
declarações sobre países "que não colocam outros países em escravidão
militar, tecnológica ou por dívida" referem-se a Estados que desempenham
um papel especial no comércio de armas e atualmente são países
credores, como a China, que é a principal nação credora do mundo.
Referem-se
à Rússia, onde monopólios gigantes (Gazprom, Rosneft, Lukoil, Rosatom,
Sberbank, Norilsk Nickel, Rosvooruzhenie, Rostec, Rusal, etc.) exploram
milhões de trabalhadores, não só na Rússia, mas também nas ex-repúblicas
soviéticas, na Comunidade de Estados Independentes (CEI), na África, na
América do Sul, na Europa, no Oriente Médio, no Golfo Pérsico, etc.
Como se sabe, a exportação de capital, distinguindo-se da exportação de
mercadorias, significa a produção de mais-valia extraída pelo país
exportador de capitais do país importador de capitais. Em 2014, a Rússia
ocupava o 8ºlugar entre os exportadores de investimento estrangeiro
direto (IED) globalmente e caiu para o 18ºlugar na classificação global
devido às sanções em 2018. Em 2021, o IDE da Rússia atingiu US$ 65.189
mil milhões, dos quais US$ 1.808 foram investidos em países da CEI e US$
63.381 em países "distantes". De acordo com o Banco Mundial, a Rússia
ocupa o 5ºlugar entre os credores dos países "em desenvolvimento",
depois da China, Japão, Alemanha e França [5].
Eles
referem-se à China, cujos concorrentes afirmam o seguinte: "A China
agora tem uma responsabilidade especial dentro da economia global, pois é
o maior credor do mundo, excedendo a soma dos empréstimos do Banco
Mundial, do FMI e dos membros do Clube de Paris (...) 44 países têm
dívidas de mais de 10% do seu PIB a credores chineses (...) A opacidade
em torno dos empréstimos chineses significa que, em alguns casos, por
exemplo, na África subsariana, isso cria uma "dívida oculta", que é o
que os governos procuram, pois não está incluída nos relatórios oficiais
e estatísticas de organizações internacionais e, portanto, "protege" os
devedores de serem considerados como tendo dívidas insustentáveis.
Muitos destes empréstimos exigem a existência de contas especiais, num
banco aceite pelo credor, e provisões a reembolsar por receitas
provenientes de projetos financiados pelo credor ou de outros fluxos de
caixa. Isso significa, essencialmente, que uma parcela significativa das
receitas do governo está fora do controle do Estado devedor soberano.
Muitos desses empréstimos têm condições claras de que o país devedor não
pode recorrer ao Clube de Paris para reestruturar a dívida em questão
ou a uma instituição similar. Os termos que permitem ao credor rescindir
o empréstimo e exigir o reembolso imediato são mais abrangentes e
incluem até mesmo linguagem geral, como ações prejudiciais a uma
entidade da República Popular da China, ou mudanças significativas na
política do país que concede o empréstimo" [6].
Dados
semelhantes do Banco Mundial referentes a 68 países "em
desenvolvimento" mostram que os empréstimos da China a esses países, em
2020, chegaram a US$ 110 mil milhões, sendo a China a segunda nação
credora do mundo depois do Banco Mundial[7]. Um dos países cujas dívidas
com a China chegam a milhares de milhões de dólares é a Venezuela, onde
o partido no poder acolheu os trabalhos da recente Conferência da PMAI
[8].
Além disso, outra
categoria de empréstimos de particular importância é a detenção de
obrigações, em primeiro lugar e acima de tudo, de obrigações dos EUA. Em
janeiro de 2023, a China detinha US$ 859,4 mil milhões em títulos do
Tesouro dos EUA, ficando em segundo lugar depois do Japão [9].
A
PMAI recusa-se a encarar a realidade. Numa altura em que ocorrem
confrontos e conflitos entre os EUA, as outras potências imperialistas
euro-atlânticas e a Rússia e milhares de pessoas estão a ser massacradas
na Ucrânia, os capitalistas de ambos os lados da guerra e os seus
governos ainda mantêm, embora limitados em comparação com o período
anterior a fevereiro de 2022, uma parceria estável, incluindo parceria
comercial. Assim, por exemplo, a Rússia ainda vende urânio aos EUA e à
França para as suas instalações nucleares. Na verdade, cobre 20% das
necessidades dos 92 reatores nucleares dos EUA [10], enquanto, em 2022, a
França recebeu 153 toneladas de urânio russo, cobrindo 15% de suas
necessidades [11]. A russa "Gazprom" anunciou que, em março, enviou
milhões de metros cúbicos de gás natural para a UE através dos gasodutos
da Ucrânia devastada pela guerra, para deleite dos seus acionistas
capitalistas. A "Chevron" norte-americana continua a carregar o petróleo
que extrai do Cazaquistão no porto russo de Novorossiysk, no Mar Negro,
que lá chega através de um oleoduto de 1.500 quilómetros que passa pelo
território do Cazaquistão e da Rússia. É através deste oleoduto que
dois terços do petróleo extraído no Cazaquistão são colocados no mercado
mundial.
Da
mesma forma, apesar da chamada nova guerra fria entre os EUA e a China
em 2022, "o comércio entre os EUA e a China atingiu um recorde,
refutando as teorias de dissociação entre as duas economias. De acordo
com dados oficiais do Departamento de Comércio dos EUA, o comércio
bilateral atingiu US$ 690,6 mil milhões, com as exportações dos EUA para
a China a subir de US$ 2,4 mil milhões, para US$ 153,8 mil milhões. Ao
mesmo tempo, as importações de produtos chineses para o mercado
americano aumentaram em US$ 31,8 mil milhões, atingindo US$ 536,8 mil
milhões [12]".
Coloca-se
a questão: numa altura em que se impõem sanções económicas, em que os
gastos militares dispararam, em que se regista um derramamento de sangue
na Ucrânia, em que as várias potências envolvidas no conflito levantam a
ameaça das armas nucleares, como é possível que os capitalistas de
ambos os lados estejam a lucrar com relações comerciais diretas ou
através de terceiros? Nas palavras de Marx, "o capital vem pingando da
cabeça aos pés, de todos os poros, sangue e imundície (...) Com lucro
adequado, o capital é muito ousado. Uns certo 10% garantirão o seu
emprego em qualquer lugar; 20% de certeza produzirão ansiedade ; 50%,
audácia positiva; 100% estará pronto para atropelar todas as leis
humanas; 300%, e não há um crime que lhe provoque escrúpulos [13]".
A
PMAI esconde cuidadosamente o facto de que, tanto na China como na
Rússia, as classes burguesas, os monopólios, estão no comando, lidando e
entrando em conflito com os monopólios dos EUA, da UE e de outros
Estados capitalistas e entre si. Nenhum dos lados do conflito, portanto,
é inocente como uma pomba, como a PMAI os descreve, mas todos eles são
abutres. A China até desafia diretamente a supremacia dos EUA no sistema
imperialista. Como Lenine apontou, quando os abutres imperialistas se
chocam, o lado certo da história não é escolher o lado do abutre mais
fraco para que ele possa tomar o lugar do mais poderoso. O lado certo da
história é escolher o lado dos povos contra o campo dos capitalistas,
que ora ganham com a paz, ora com a guerra, derramando o sangue da
classe operária e dos povos.
4. Guerra por procuração dos EUA na Ucrânia ou guerra imperialista?
A
abordagem seletiva da PMAI de que a guerra na Ucrânia é "a provocação
da NATO de uma guerra por procuração contra a Rússia no território da
Ucrânia" tenta primeiro desviar a atenção da questão principal: que esta
guerra está "focada na divisão de riquezas minerais, energia,
territórios e força de trabalho, gasodutos e redes de transporte de
mercadorias, pilares geopolíticos," [14] e está a ser travada pelas
classes burguesas da Ucrânia, em aliança com os EUA e a NATO, e da
Rússia e seus aliados. Esses são os critérios básicos que comprovam que o
caráter da guerra é imperialista e está a ser travada por interesses
alheios aos dos povos.
É
claro que o facto de os EUA estarem a usar a Ucrânia como ponta de
lança contra a Rússia capitalista, cercando-a com o alargamento da NATO,
novas bases militares e armas é inegável hoje. O KKE lutou contra tudo
isto, votou contra no Parlamento grego e no Parlamento Europeu. Foram os
comunistas que, completado um ano do início da guerra imperialista,
organizaram centenas de protestos nos portos, à porta das bases, nas
ruas e nos caminhos-de-ferro contra os EUA-NATO-UE e os seus planos
imperialistas agressivos, contra o envolvimento da Grécia na guerra.
Membros do CC do KKE e do CC do KNE foram presos e foram julgados pela
burguesia grega e o seu Estado pelas suas manifestações anti-NATO e não
membros das organizações gregas inexistentes com nomes de fantasia, que
participam na PMAI.
Assim
como também é verdade que a inaceitável invasão militar da Ucrânia pela
Rússia, lançada para satisfazer os interesses e planos estratégicos da
burguesia russa que o KKE também condenou inequivocamente, funciona
objetivamente como uma almofada para a China no seu grande conflito com
os EUA pelas rédeas do sistema imperialista mundial.
As
forças políticas de cada país não estão divididas, como afirma a PMAI,
entre os que são "pró-russos" e os que são "pró-EUA" por causa da guerra
imperialista. Esta é uma falsa distinção, que não é feita apenas pela
PMAI. Anteriormente, foi feita pelo Partido Comunista da Federação Russa
(CPRF)[15] a respeito das resoluções do 22º EIPCO e, claro, ao lado dos
partidários do imperialismo euro-atlântico. Assim, ao mesmo tempo em
que a PMAI e o PCOR acusam o KKE de "sentimento anti-russo", o jornal
informal da UE, o EUObserver, acusa o KKE de "russofilia" com base nas
votações que ocorreram no Parlamento Europeu [16].
A
verdade é que o KKE está firmemente ao lado do campo da classe operária
e dos povos e contra o campo das classes burguesas, dos Estados e dos
seus governos. Trata-se de uma pílula amarga para a PMAI, que, pela sua
existência, confirma as nossas recentes observações de que o movimento
comunista internacional está sujeito a pressões ligadas a interesses
geopolíticos estatais [17] alheios aos princípios ideológicos e
políticos do movimento comunista revolucionário. Nesse sentido,
explora-se não apenas um "anti-imperialismo" oco, mas também um falso e
desdentado "antifascismo", que desvincula o fascismo do capitalismo que
lhe dá origem. Essa abordagem apoia a exploração pretextual pelas
classes burguesas para servir seus interesses antipopulares na guerra
imperialista na Ucrânia.
Referências
1.
Nota do CP do México publicada no SolidNet,
http://www.solidnet.org/article/CP-of-Mexico-Nota-sobre-la-Reunion-en-Caracas-de-la-Plataforma-Mundial-Antiimperialista/
2. Lenin V.I., "Imperialismo, o estágio mais alto do capitalismo", Obras Reunidas, Vol 27, p. 393, Synchroni Epochi
3. Lenin V.I., "A catástrofe iminente e como combatê-la", Obras Reunidas, Vol 34, p. 193, Synchroni Epochi
4. Lenin V.I., "On the Slogan for a United States of Europe", Obras Reunidas, Vol 26, pp. 359-363, Synchroni Epochi
5. Comitê Ideológico do CC do KKE, "Alguns Dados sobre a Economia da Rússia", Revista Comunista (KOMEP), Edições 5-6, 2022
6.
"A China como anti-FMI: A diplomacia dos empréstimos", 21/09/22,
https://www.ot.gr/2022/09/21/analyseis-2/i-kina-os-anti-dnt-i-diplomatia-ton-daneion/
7.
"O Papel da China na Dívida Pública Externa nos Países DSSI e a
Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) em 2020",
https://greenfdc.org/brief-chinas-role-in-public-external-debt-in-dssi-countries-and-the-belt-and-road-initiative-bri-in-2020/?cookie-state-change=1679500119696
8. "Estes são os países mais endividados com a China", https://globelynews.com/world/top-countries-most-in-debt-to-china/
9.
"Just business: por que a China está vendendo dívida do governo dos
EUA",
https://iz.ru/1484989/dmitrii-migunov/tolko-biznes-pochemu-kitai-prodaet-amerikanskii-gosdolg
10. "As exportações de combustível nuclear e tecnologia da Rússia cresceram mais de 20% em 2022", https://forbes.ua/ru/news/
11.
"A França comprou 153 toneladas de urânio enriquecido da Rússia para
suas usinas nucleares em 2022", https://tass.ru/ekonomika/
12.
"Comércio recorde entre os EUA e a China",
https://www.kathimerini.gr/economy/562269919/se-ypsi-rekor-to-emporio-anamesa-se-ipa-kai-kina/
13. Marx K., O Capital, Vol 1, p. 785, Synchroni Epochi
14.
Resolução do CC do KKE sobre a guerra imperialista na Ucrânia,
http://inter.kke.gr/en/articles/RESOLUTION-OF-THE-CENTRAL-COMMITTEE-OF-THE-KKE-ON-THE-IMPERIALIST-WAR-IN-UKRAINE/
15.
"Sobre o confronto político-ideológico no 22ºEncontro Internacional de
Partidos Comunistas e Operários e o "truque" sobre o sentimento
"anti-russo" e "pró-russo", Rizospastis 26-27/11/22,
https://www.rizospastis.gr/story.do?id=11915448
16.
"Dados de votação revelam eurodeputados favoráveis à Rússia no
Parlamento da UE",
https://euobserver.com/world/156762?utm_source=euobs&utm_medium=email
17. Teses do CC do KKE para o20º Congresso, http://inter.kke.gr/en/articles/THESES-OF-THE-CC-FOR-THE-20th-CONGRESS-OF-THE-KKE/
Publicado em Rizospastis e 902.gr em 1 de abril de 2023