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sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Aprender com a experiência

 


A CLASSE TRABALHADORA E A LIBERTAÇÃO NACIONAL

— LIÇÕES DA EXPERIÊNCIA DA VENEZUELA

01.09.23

Adrian Welsh

 

Sem direção comunista, a luta pela libertação nacional só pode ser capitalista. Na Venezuela, bastaram vinte anos para que a nascente burguesia monopolista tentasse impor a sua autoridade e se livrar dos seus antigos aliados, muitas vezes de forma brutal. Os seus esforços para se integrar no capitalismo globalizado incluem a liquidação das conquistas sociais do processo bolivariano.

 

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Quando Hugo Chávez chegou ao poder na Venezuela, em 1999, demoliu a afirmação triunfante do imperialismo de que a história tinha terminado. Cuba já não estava  sozinha na sub-região – outros movimentos anti-imperialistas, que até então limitavam as suas ações à esfera económica, agora entendiam a importância de tomar o poder político. Foi o caso de Evo Morales na Bolívia e depois Rafael Correa no Equador, seguido de El Salvador, do regresso dos sandinistas na Nicarágua, de Pepe Mujica no Uruguai, etc.

 

É claro que o imperialismo norte-americano percebeu que estava a perder o controlo do seu proclamado quintal e então instigou o golpe de Estado de 2002 para depor Chávez e restaurar um governo burguês subserviente. Mas a classe trabalhadora e o povo venezuelano  recusaram tal facto, mobilizando-se para colocar outra vez no lugar o seu presidente legítimo  Assim, o imperialismo tentou outros truques sujos, o mais recente dos quais inclui a tentativa de golpe de Juan Guaidó (que o Canadá ainda reconhece apesar da sua completa falta de credibilidade) e ataques militares desesperados liderados por mercenários contra o governo Maduro.

 

O povo venezuelano manteve-se firme, mas pagou um preço elevado através das sanções que lhe foram impostas. Eles ripostaram porque sabiam que, se a direita continental voltasse ao poder, isso significaria o fim dos padrões  progressistas no trabalho (a Lei Orgânica do Trabalho e dos Trabalhadores de 2012), programas sociais, projetos de infraestruturas, empresas nacionalizadas e todos os esforços para melhorar o desenvolvimento económico e redistribuir a riqueza.

 

Mas, em vez de tentar sair dessa crise aprofundando o processo bolivariano para que ele se tornasse uma verdadeira revolução socialista, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) governou como qualquer partido social-democrata. Apressou-se a dar garantias ao imperialismo, reconhecendo que, se não quisesse lutar pelo socialismo – numa situação económica catastrófica – teria de partilhar o poder e permitir que a oposição fascista recuperasse economicamente.

 

Como resultado, as  corporações de mineração que tinham sido afastadas pelo governo de Chávez voltam a ter direito ao tratamento de tapete vermelho, enquanto cooperativas e empresas agrícolas nacionalizadas veem o controlo mudar para o capital privado. A Lei Orgânica do Trabalho é  ignorada e desrespeitada. No plano político, o governo negocia com a "oposição" pró-imperialista.

 

Diante desse cenário, o Partido Comunista da Venezuela (PCV) reconhece que a prioridade do governo já não é defender a soberania do país, mas sim comprometer-se com o imperialismo. Como resultado, em 2020 o PCV formou a Aliança Patriótica Revolucionária (APR) com outros partidos políticos que apoiaram o processo bolivariano.

 

Em resposta, o Governo está a tentar fomentar divisões entre os partidos na APR. O PCV está na linha de fogo direta, mas conseguiu resistir ao ataque através da sua estrutura democrática centralista e da força ideológica dos seus membros e dirigentes. O apoio internacional ao PCV é grande, pois muitas vezes é uma das poucas vozes que luta consistente e continuamente pela defesa da soberania da Venezuela.

 

Para o PSUV, a única opção que resta é a ilegalização do atual PCV e a sua substituição por um falso partido "paralelo".

 

O Partido Comunista da Venezuela foi o primeiro partido político a compreender o significado histórico de Chávez e a apoiá-lo. Mas a sua proposta, feita após a eleição de 2006, de uma frente anti-imperialista unida foi, na verdade, um impulso para formar um único partido (o PSUV) no qual outros partidos se dissolveriam. A recusa do PCV em fazê-lo (dissolver-se) levou à formação do Grande Polo Patriótico que reuniu todas as forças progressistas, antimonopolistas e anti-imperialistas. Mas, ao contrário da Unidade Popular do Chile, cujos componentes políticos e sociais se reuniam periodicamente para estabelecer um programa político comum, o "polo" bolivariano não tinha nenhum propósito real a não ser renovar uma aliança estritamente eleitoral.

 

O PCV estava fortemente empenhado em preservar a sua parceria e solidariedade com o governo. Em 2018, assinou um acordo com o PSUV, concordando com  um candidato único, Nicolás Maduro, para as eleições presidenciais. Mas, uma vez eleito Maduro, o PSUV não convocou nenhuma reunião de acompanhamento nem implementou os programas acordados. Muito pelo contrário.

 

Que lições podem ser aprendidas com esta experiência?

 

  1. As duas grandes contradições do capitalismo contemporâneo são aquelas entre capital e trabalho, imperialismo e soberania. A primeira é a contradição fundamental e a segunda pode, em certos casos como a Venezuela, ser a principal contradição. Mas evoluem em paralelo. Isso significa que não podemos, em nome da defesa da soberania nacional, exigir sacrifícios à classe trabalhadora e permitir que a burguesia nacional se estabeleça como burguesia monopolista.

 

  1. Uma frente única anti-imperialista é importante, mas o Partido Comunista (como destacamento de vanguarda da classe trabalhadora) ainda deve ser capaz de se organizar de forma independente. Sem essa condição, a frente é anti-imperialista apenas no nome e acaba por se tornar uma ferramenta para a burguesia nacional.

 

  1. Sem direção comunista, a luta pela libertação nacional só pode ser capitalista. Na Venezuela, bastaram vinte anos para que a nascente burguesia monopolista tentasse impor a sua autoridade e se livrar dos seus antigos aliados, muitas vezes de forma brutal. Os seus esforços para se integrar no capitalismo globalizado incluem a liquidação das conquistas sociais do processo bolivariano.

 

Essas três lições não devem ser aprendidas apenas a partir da experiência venezuelana. Vimo-lo na África do Sul, onde os governos do ANC não hesitaram em trair a Carta da Liberdade de 1955. Vimo-lo também com o MPLA em Angola, a FRELIMO em Moçambique, Sékou Touré na Guiné, Nasser no Egipto e com a Argélia independente.

 

Nesses e em muitos outros casos, a lição é clara: não há libertação nacional sem libertação da classe trabalhadora.

 

 

Fonte: A Classe Trabalhadora e a Libertação Nacional - Lições da Experiência da Venezuela - MLToday , publicado e acedido em 06.08.2023 

 

Tradução de TAM

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