Adrian Welsh
Sem direção comunista, a luta pela libertação nacional só pode ser capitalista. Na Venezuela, bastaram vinte anos para que a nascente burguesia monopolista tentasse impor a sua autoridade e se livrar dos seus antigos aliados, muitas vezes de forma brutal. Os seus esforços para se integrar no capitalismo globalizado incluem a liquidação das conquistas sociais do processo bolivariano.
Quando Hugo Chávez chegou ao poder na Venezuela, em 1999, demoliu a afirmação triunfante do imperialismo de que a história tinha terminado. Cuba já não estava sozinha na sub-região – outros movimentos anti-imperialistas, que até então limitavam as suas ações à esfera económica, agora entendiam a importância de tomar o poder político. Foi o caso de Evo Morales na Bolívia e depois Rafael Correa no Equador, seguido de El Salvador, do regresso dos sandinistas na Nicarágua, de Pepe Mujica no Uruguai, etc.
É claro que o imperialismo norte-americano percebeu que estava a perder o controlo do seu proclamado quintal e então instigou o golpe de Estado de 2002 para depor Chávez e restaurar um governo burguês subserviente. Mas a classe trabalhadora e o povo venezuelano recusaram tal facto, mobilizando-se para colocar outra vez no lugar o seu presidente legítimo Assim, o imperialismo tentou outros truques sujos, o mais recente dos quais inclui a tentativa de golpe de Juan Guaidó (que o Canadá ainda reconhece apesar da sua completa falta de credibilidade) e ataques militares desesperados liderados por mercenários contra o governo Maduro.
O povo venezuelano manteve-se firme, mas pagou um preço elevado através das sanções que lhe foram impostas. Eles ripostaram porque sabiam que, se a direita continental voltasse ao poder, isso significaria o fim dos padrões progressistas no trabalho (a Lei Orgânica do Trabalho e dos Trabalhadores de 2012), programas sociais, projetos de infraestruturas, empresas nacionalizadas e todos os esforços para melhorar o desenvolvimento económico e redistribuir a riqueza.
Mas, em vez de tentar sair dessa crise aprofundando o processo bolivariano para que ele se tornasse uma verdadeira revolução socialista, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) governou como qualquer partido social-democrata. Apressou-se a dar garantias ao imperialismo, reconhecendo que, se não quisesse lutar pelo socialismo – numa situação económica catastrófica – teria de partilhar o poder e permitir que a oposição fascista recuperasse economicamente.
Como resultado, as corporações de mineração que tinham sido afastadas pelo governo de Chávez voltam a ter direito ao tratamento de tapete vermelho, enquanto cooperativas e empresas agrícolas nacionalizadas veem o controlo mudar para o capital privado. A Lei Orgânica do Trabalho é ignorada e desrespeitada. No plano político, o governo negocia com a "oposição" pró-imperialista.
Diante desse cenário, o Partido Comunista da Venezuela (PCV) reconhece que a prioridade do governo já não é defender a soberania do país, mas sim comprometer-se com o imperialismo. Como resultado, em 2020 o PCV formou a Aliança Patriótica Revolucionária (APR) com outros partidos políticos que apoiaram o processo bolivariano.
Em resposta, o Governo está a tentar fomentar divisões entre os partidos na APR. O PCV está na linha de fogo direta, mas conseguiu resistir ao ataque através da sua estrutura democrática centralista e da força ideológica dos seus membros e dirigentes. O apoio internacional ao PCV é grande, pois muitas vezes é uma das poucas vozes que luta consistente e continuamente pela defesa da soberania da Venezuela.
Para o PSUV, a única opção que resta é a ilegalização do atual PCV e a sua substituição por um falso partido "paralelo".
O Partido Comunista da Venezuela foi o primeiro partido político a compreender o significado histórico de Chávez e a apoiá-lo. Mas a sua proposta, feita após a eleição de 2006, de uma frente anti-imperialista unida foi, na verdade, um impulso para formar um único partido (o PSUV) no qual outros partidos se dissolveriam. A recusa do PCV em fazê-lo (dissolver-se) levou à formação do Grande Polo Patriótico que reuniu todas as forças progressistas, antimonopolistas e anti-imperialistas. Mas, ao contrário da Unidade Popular do Chile, cujos componentes políticos e sociais se reuniam periodicamente para estabelecer um programa político comum, o "polo" bolivariano não tinha nenhum propósito real a não ser renovar uma aliança estritamente eleitoral.
O PCV estava fortemente empenhado em preservar a sua parceria e solidariedade com o governo. Em 2018, assinou um acordo com o PSUV, concordando com um candidato único, Nicolás Maduro, para as eleições presidenciais. Mas, uma vez eleito Maduro, o PSUV não convocou nenhuma reunião de acompanhamento nem implementou os programas acordados. Muito pelo contrário.
Que lições podem ser aprendidas com esta experiência?
- As duas grandes contradições do capitalismo contemporâneo são aquelas entre capital e trabalho, imperialismo e soberania. A primeira é a contradição fundamental e a segunda pode, em certos casos como a Venezuela, ser a principal contradição. Mas evoluem em paralelo. Isso significa que não podemos, em nome da defesa da soberania nacional, exigir sacrifícios à classe trabalhadora e permitir que a burguesia nacional se estabeleça como burguesia monopolista.
- Uma frente única anti-imperialista é importante, mas o Partido Comunista (como destacamento de vanguarda da classe trabalhadora) ainda deve ser capaz de se organizar de forma independente. Sem essa condição, a frente é anti-imperialista apenas no nome e acaba por se tornar uma ferramenta para a burguesia nacional.
- Sem direção comunista, a luta pela libertação nacional só pode ser capitalista. Na Venezuela, bastaram vinte anos para que a nascente burguesia monopolista tentasse impor a sua autoridade e se livrar dos seus antigos aliados, muitas vezes de forma brutal. Os seus esforços para se integrar no capitalismo globalizado incluem a liquidação das conquistas sociais do processo bolivariano.
Essas três lições não devem ser aprendidas apenas a partir da experiência venezuelana. Vimo-lo na África do Sul, onde os governos do ANC não hesitaram em trair a Carta da Liberdade de 1955. Vimo-lo também com o MPLA em Angola, a FRELIMO em Moçambique, Sékou Touré na Guiné, Nasser no Egipto e com a Argélia independente.
Nesses e em muitos outros casos, a lição é clara: não há libertação nacional sem libertação da classe trabalhadora.
Fonte: A Classe Trabalhadora e a Libertação Nacional - Lições da Experiência da Venezuela - MLToday , publicado e acedido em 06.08.2023
Tradução de TAM
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