O fracasso da Internacional Comunista ainda assombra a esquerda
Pedro Silva
Embora tenha terminado derrotada, a Internacional Comunista foi um dos exercícios mais ambiciosos de ativismo político transnacional já concebidos. Sua ascensão e queda nos dão um vislumbre crucial da história do século XX.
Resenha do livro Travellers of the World Revolution: A Global History of the Communist International [Viajantes da revolução mundial: uma história global da Internacional Comunista] por Brigitte Studer (Verso Books, 2023)
A Internacional Comunista foi concebida em março de 1919 em meio a um contexto de cerco da Rússia revolucionária, poucas semanas após a Revolta Espartaquista de Berlim e os assassinatos de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Os vinte e quatro anos de atividade do Comintern antes de sua dissolução em 1943 foram um ápice histórico da busca racionalmente organizada e transnacionalmente coordenada de derrubada do capitalismo.
O Comintern foi o terceiro na sequência de internacionais socialistas modernas que começaram em 1864 com a Associação Internacional dos Trabalhadores de Karl Marx. Leon Trotsky declarou no discurso de fundação do novo movimento que esta seria “a Internacional da ação de massas aberta, a Internacional da realização revolucionária, a Internacional da ação”. Essa ação seria a revolução mundial. A sociedade global contemporânea está coberta com os destroços da derrota daquele empreendimento amplamente ambicioso.
Analisando o Comintern décadas após seu fechamento em 1943, pode-se ver um veículo sempre fadado a naufragar, navegando contra a maré em uma conjuntura reacionária entre guerras, onde a política de massa revolucionária-democrática incipiente ficou presa entre as engrenagens do imperialismo, do fascismo e do stalinismo. Para os jovens comunistas naqueles anos frenéticos, no entanto, os dois, três, muitos Outubros Vermelhos que a Terceira Internacional foi encarregada de fomentar — de Jacarta a Manágua e de Emília-Romanha ao Cabo da Boa Esperança — pareciam uma perspectiva política concreta, em alguns casos até iminente.
Sua fé na praticabilidade da transformação global radical foi fortalecida pelo convívio cotidiano dentro de um movimento real composto por milhares de militantes em todos os continentes. Para Brigitte Studer, “Os funcionários do Comintern que viajaram pelo mundo em missões políticas tornaram esse internacionalismo uma realidade por meio de sua própria atividade, vivendo seu internacionalismo como ação.” É com esses Viajantes da Revolução Mundial, e sua experiência de vida a serviço de “um dos maiores experimentos coletivos do século XX”, que a nova historiografia do Comintern proposta por Studer se preocupa.
Documentos de civilização e barbárie
Ler uma boa história do Comintern evoca a sensação de estar morto no olho do furacão do século XX, imerso, quase engolido pelos ventos de tempestade de época da era dos extremos. Revolução e contrarrevolução; comunismo e anticomunismo; fascismo e antifascismo; colonialismo e anticolonialismo; política de massa e burocracia estatal; inovação intelectual-cultural e censura; guerra interestatal e terror intraestatal — essas eram as forças olimpianas sob cujos caprichos os soldados de infantaria do Comintern viveram (e morreram). Reconstruir a arquitetura global da Internacional Comunista e a experiência histórica daqueles que a habitaram é, portanto, oferecer uma impressão, por meio de um visor arguto e seleto, de um mundo inteiro “em uma era de confusão sangrenta”.
“Os vinte e quatro anos de atividade do Comintern foram o ápice histórico da busca racionalmente organizada e coordenada transnacionalmente pela derrubada do capitalismo.”
Uma das primeiras reflexões em formato de livro, World Revolution, 1917–1936: The Rise and Fall of the Communist International [Revolução Mundial, 1917–1936: A Ascensão e Queda da Internacional Comunista] (1937) de CLR James, apareceu como uma intervenção contemporânea em uma situação política específica, logo após o “Julgamento dos Dezesseis” de Moscou e a execução — junto com quinze companheiros Bolcheviques veteranos — do presidente fundador do Comintern Grigory Zinoviev. James condenou a deterioração contínua da “maior força revolucionária que a história já viu” como “a vergonha e a tragédia gritantes de nossa era”.
O trotskista britânico Duncan Hallas aderiu a uma visão semelhante em The Comintern (1985), que trouxe a história de seu declínio até “o último espasmo” de 1939–43. Para estudantes anglófonos neste século, o texto referência pode ser The Comintern: A History of International Communism from Lenin to Stalin [O Comintern: Uma História do Comunismo Internacional de Lênin a Stalin] (1996), de Kevin McDermott e Jeremy Agnew, uma visão geral inteligente e justa de sua alta política “da perspectiva de meados da década de 1990”, em meio ao que seus autores veem como o fracasso “autoevidente” do “projeto marxista-leninista”.
Desde então, a abertura dos arquivos soviéticos para pesquisadores estimulou uma crescente literatura acadêmica especializada, incluindo obras de Silvio Pons, Lisa Kirschenbaum, Norman LaPorte, Kevin Morgan e Matthew Worley, Margaret Stevens e Oleksa Drachewych, entre outros. Graças ao trabalho de John Riddell e do Comintern Publishing Project, hoje desfrutamos de acesso abrangente a traduções dos procedimentos dos congressos canônicos (e menos conhecidos) da Internacional da era Lênin, um projeto importante que, como Paul Le Blanc observou recentemente , “sugere a necessidade de uma história atualizada”.
Nesse contexto, a nova tradução em inglês de Daffyd Roberts de Reisende der Weltrevolution, de Brigitte Studer (publicada pela primeira vez em 2020 pela Suhrkamp Verlag de Berlim) parece especialmente extraordinária. Professora emérita em história contemporânea na Universidade de Berna, com um histórico de publicações sobre assuntos como feminismo, sufragismo e nacionalidade suíça, Studer tem sido há muito tempo a decana da bolsa de estudos do Comintern Europeu. Ela lançou sua primeira monografia de oitocentas páginas sobre as relações da Internacional com o Partido Comunista da Suíça em 1994.
Ao pesquisar o terreno da historiografia do Comintern em 1997, Studer e Berthold Unfried argumentaram que o campo estava no início de uma “Nova História”. Eles insistiram para que os acadêmicos “ampliassem o quadro” das pesquisas incorporando “temas da história social contemporânea”, como identidade, gênero e as delimitações da vida pública e privada. Essa abordagem deu frutos no volume de Studer de 2015, The Transnational World of the Cominternians [O Mundo Transnacional dos Cominternianos], uma compilação com capítulos independentes, compreendendo juntos um mosaico detalhado do compromisso comunista vivido por aqueles militantes. A autora apresentou uma citação reveladora do escritor comunista francês Paul Nizan: “O comunismo é política, mas também é um estilo de vida”.
Com um toque de The Transnational World em seus temas e argumentos elementares, embora tenha mais do que o dobro de sua extensão, Travellers of the World Revolution marca o provável desfecho do projeto contemporâneo de Studer de reivindicar uma história do Comintern a partir de “perspectivas culturais, experienciais, subjetivas e centradas nos sujeitos”. Seu título denota o que ela chama de “comunidade historicamente específica do destino” que abrange aquelas mulheres e homens “que fizeram da revolução sua vocação e para quem o engajamento político significava trabalhar pelo Comintern”. Dessa forma, Studer explica, a proposta dela é “uma história um tanto diferente do foco no Comintern, é uma história do Comintern como local de trabalho”.
Revolucionários profissionais
Travellers é um triunfo. Tomando como tema “as vidas no trabalho e as circunstâncias cotidianas” dos “revolucionários profissionais” da Terceira Internacional, postados em todos os lugares, “em missões que eles esperavam que trouxessem a transformação revolucionária das relações sociais e políticas”, o relato de Studer é um afresco Riverano em escala real da experiência Cominterniana, pintado em cores vivas.
“Escrever um livro como este — anto o ápice de décadas de pesquisa especializada quanto uma história popular — requer a soma total dos poderes de uma historiadora experiente.”
Escrever um livro como este — tanto o ápice de décadas de pesquisa especializada quanto uma história popular — requer a soma total dos poderes de um historiadora experiente: como investigadora e sintetizadora poliglota de arquivos, biógrafa individual e do movimento como um todo e, acima de tudo, como contadora de histórias. Onze capítulos densos enquadram sua narrativa peripatética, transportando o leitor de um para o outro pelos sucessivos “pontos críticos revolucionários dos anos entre guerras” e os submundos cotidianos concebidos pelos itinerantes comunistas que operavam neles.
À medida que a onda revolucionária europeia pós-1917 começou a diminuir, também arrefeceram as esperanças de que uma Alemanha ou Itália soviética pudesse surgir para aliviar o isolamento e o atraso da Rússia. Em 1919, como Studer relembra, Zinoviev previu que “toda a Europa seria comunista dentro de um ano”, mas as repúblicas soviéticas na Hungria, Baviera e Bremen acabaram tendo curta duração. O icônico Segundo Congresso Mundial do jovem Comintern no verão de 1920 resolveu se adaptar a um período de tempo mais longo:
Se a ordem mundial capitalista fosse destruída e uma revolução mundial fosse provocada por insurreição armada, um aparato político e administrativo e uma rede global teriam que ser construídos […] O poderoso inimigo não poderia ser superado por ações espontâneas, mas apenas pela intervenção de uma vanguarda contundente, bem treinada e coordenada. As massas também precisariam ser preparadas ideologicamente. Tal esforço transnacional exigia organização, diretrizes claras e recursos na forma de dinheiro, conhecimento prático e pessoal.
Presumindo a familiaridade dos leitores com Lênin, Trotsky, Zinoviev e outros grandes fundadores como Clara Zetkin, Karl Radek e Nikolai Bukharin, Studer destaca o que ela chama de “geração de 1920”. Eram jovens comunistas, radicalizados pela experiência da guerra imperialista e pela inspiração da revolução liderada pelos bolcheviques, que “forneceram ao aparato [do Comintern] seu primeiro e, com certas exceções, mais duradouro quadro”.
Entre eles havia alguns que se destacavam, como o “maestro da propaganda” da Alemanha, Willi Münzenberg, e o cofundador indiano dos partidos comunistas do México e da Espanha, MN Roy, junto com muitas figuras menos conhecidas (ou simplesmente desconhecidas): “funcionários de nível médio e baixo […] principalmente assistentes, secretários, tradutores [e] mensageiros”. A talentosa linguista Hilde Kramer e as irmãs de Potsdamer Babette Gross e Margarete Buber-Neumann estão entre os viajantes cujas trajetórias Studer examina.
Com base em memórias e materiais biográficos diversos, incluindo as “autobiografias do partido” confessionais que os funcionários do Comintern foram encorajados (e mais tarde compelidos) a completar, Studer apresenta um elenco de personalidades bem abragente. Aprendemos não apenas sobre suas carreiras políticas, mas suas origens nacionais, de classe e familiares, histórias de suas educações e ocupações, caminhos rumo à política revolucionária, vidas e rotinas pessoais, gostos e preconceitos, fraquezas e falhas. Esses personagens principais se misturam ao longo do volume com nomes como Albert Einstein e Madame Sun Yat-sen, Marlene Dietrich e Augusto Sandino, Mahatma Gandhi e Orson Welles, cujas aparições especiais ilustram o meio progressista transnacional mais amplo pelo qual os quadros do Comintern circularam.
Studer se atenta ao “distinto mundo da vida” dos soldados de infantaria globalmente dispersos do Comintern, com uma “densa rede de conhecidos, amizades, casos amorosos e inimizades”, tanto quanto com as operações e políticas em macroescala da organização. Isso imbui sua narrativa de vitalidade humana, por vezes charmosa e pungente. Os objetos do livro estavam vinculados, como colocado por Buber-Neumann, “não por um contrato de emprego, mas por uma causa comum”. Cada célula de comunistas estrangeiros que o livro destrincha também era um emaranhado coeso de dependências interpessoais.
“Dentro desse grupo exclusivo de revolucionários que se cruzaram diversas vezes, o romance floresceu naturalmente junto com a camaradagem.”
Dentro desse grupo exclusivo de revolucionários que se cruzaram diversas vezes, o romance floresceu naturalmente ao lado da camaradagem. Muitos dos viajantes de Studer formaram casais, ela observa, em “um número notavelmente alto” fazendo isso mais de uma vez durante seus mandatos como Cominternianos. No entanto, relacionamentos duradouros, amorosos ou não, eram raros o suficiente, com as pressões do nomadismo rotineiro e o risco de prisão, ou pior, para separá-los. Do final da década de 1920 em diante, essa situação foi agravada por um ambiente político cada vez mais fragmentado, sectário e intolerante.
Envolvida em sua reconstrução detalhada de relacionamentos pessoais entre os revolucionários profissionais, a ênfase de Studer nos “aspectos das vivências e emocionais da história [do Comintern]” é uma das dimensões mais ressonantes do livro. Sintetizando variadas perspectivas e relatos contemporâneos, Travellers descreve como o espectro de sentimentos do Comintern oscilava entre otimismo transcendente e desespero aniquilador, sem mencionar admiração, excitação, ressentimento, terror físico e puro tédio ou solidão cotidianos. “O fracasso político e as muitas adversidades da vida cotidiana”, explica Studer em uma descrição que todo socialista ativo reconhecerá, “representavam uma ameaça recorrente à autoconfiança dos revolucionários profissionais”. Para aqueles que mantiveram o curso por meio de sucessivos desencantos em relação às suas expectativas, “uma capacidade de tolerar a frustração era essencial”.
Seguindo os cursos de carreira de dezenas de personalidades proeminentes, mencionando nominalmente mais de trezentas, Travellers reúne um mosaico de “engajamento total” na luta pelo socialismo internacional durante as vidas de seus sujeitos como Cominternianos. Foram vidas vividas e sacrificadas — muitas vezes literalmente — a serviço do “futuro político da humanidade, que perderia todo o significado na ausência de uma revolução mundial proletária”. Transmitindo a dimensão histórica mundial das apostas feitas por todos em seu sucesso, Studer vai um pouco em direção à explicação do “compromisso incansável” de seus protagonistas, bem como sua disposição de “justificar meios por seus fins”.
A maior parte da “geração de 1920” acabou experimentando desilusão, frequentemente em ondas que acompanhavam as mudanças de linha do Comintern e a consequente ostracização obrigatória dos oposicionistas, com as questões chegando ao auge para muitos durante o final da década de 1930 (às vezes de dentro de uma cela de prisão). Não era apenas uma questão de descartar um cartão de membro do partido: “No mundo social do Comintern, deixar o partido era trair a causa; os chamados renegados eram ostracizados socialmente e frequentemente difamados, até mesmo perseguidos depois […] Quanto mais forte o comprometimento, maior o perigo de que a renúncia ou a expulsão provocassem uma crise existencial.”
“Inflexivelmente crítica em alguns aspectos e inconfundivelmente afeiçoada aos seus temas em outros, Studer mantém um tratamento acadêmico, mas empático, dessas vidas ao longo de seu estudo.”
Inflexivelmente crítica em alguns aspectos e inconfundivelmente afeiçoada aos seus temas em outros, Studer mantém um tratamento acadêmico, mas empático, dessas vidas ao longo de seu estudo. Permitindo que eles falem por si mesmos, sempre que possível, a própria historiadora emprega uma voz narrativa sóbria, desapaixonada, mas vívida, permitindo que os leitores formem suas próprias opiniões.
Quando Studer intervém em questões de interpretação geral, é para repelir a condescendência anticomunista (e antiutópica) da posteridade. Em sua conclusão, ela cita uma réplica à retrospectiva paternalista do ex-comunista Manės Sperber: “Oh, a sabedoria mesquinha dos sobreviventes que veem em esforços que fracassaram apenas o fracasso em si e que podem descobrir tão facilmente as causas.”
A experiência da derrota
O livro de Studer é certamente, em última instância, um retrato meticuloso da experiência de derrota da Comintern. Sua narrativa se inicia com a maioria de seus personagens sobreviventes após a liquidação final da Comintern enfrentando a conclusão, como os republicanos ingleses do século XVII de Christopher Hill após a Restauração, “de que o mundo não seria virado de cabeça para baixo, afinal”.
“O livro de Studer é certamente, em última instância, um retrato meticuloso da experiência de derrota da Internacional Comunista.”
O fato inescapável dessa derrota eventual e memorável pesa muito em todo o texto, dando até mesmo aos momentos mais animados de seus personagens um tom melancólico para os leitores do mundo de hoje — separado daquele dos Travellers de Studer pela experiência da Segunda Guerra Mundial, o Holocausto, o Stalinismo e todas as depredações subsequentes do capitalismo imperialista. Sua capa estampada com o contorno fantasmagórico da Torre de Tatlin, a revisitação pós-moderna de Studer dos triunfos e tragédias da geração do Comintern resulta em uma leitura comovente e melancólica.
Mas tal “melancolia de esquerda”, como Enzo Traverso observa, não significa que devemos “abandonar a ideia ou a esperança por um futuro melhor; significa repensar o socialismo em um tempo em que sua memória está perdida, escondida e esquecida e precisa ser redimida. Essa melancolia não significa lamentar uma utopia perdida, mas sim repensar um projeto revolucionário em uma era não revolucionária.” A história de Studer constitui um exemplo primordial dessa “melancolia frutífera”: lançando nova luz sobre as poderosas energias emancipatórias que a causa da revolução socialista mundial outrora despertou entre milhões, que por meio de sua redescoberta por quadros de esquerda hoje podem — para citar Edward Thompson — “ser trazidas mais uma vez para o nosso lado.”
Embora os desafios históricos enfrentados pelos viajantes tenham se mostrado intransponíveis, a experiência de sua tentativa diante dessas probabilidades permanece inigualável na história global. A cultura intelectual do movimento socialista em nosso próprio século seria muito enriquecida pelo aprendizado com essa experiência.
Uma das grandes realizações de Studer é sua recuperação — contra o que ela vê como concepções comuns, porém enganosas, da “força de trabalho do Comintern” como funcionários stalinistas “monocromáticos” — da incrível diversidade dos Cominternianos, em termos de nacionalidade, origem de classe, idade, tipo de personalidade, atitudes sociais, cultura política e processual e orientação em direção à stalinização progressiva da organização: “Os comunistas nunca formaram uma classe uniforme, nem mesmo na segunda metade da década de 1930, quando Stalin havia se arrogado todo o poder”.
Enquanto o centralismo democrático da era da guerra civil do Partido Bolchevique significava que o Comintern operava sob uma expectativa de “disciplina partidária” majoritária desde o início, as questões eram mais complicadas na prática, explica Studer. Demonstrando com referência em particular ao Segundo Congresso de 1920 que a história do Comintern era de “conflitos, diferenças e dissidências” tanto quanto de uniformidade, ela conclui que a “extrema homogeneidade” da organização na década de 1930, “tal qual era, foi amplamente alcançada por meio da repressão e aniquilação física”.
A recuperação acadêmica de Studer da pluralidade e altivez deste mundo entreguerras é, portanto, um corretivo vital para as falsificações anticomunistas e stalinistas da história do Comintern. Como o falecido Theodor Bergmann, último quadro sobrevivente do Partido Comunista da Alemanha (KPD) da era de Weimar, disse à Jacobin em 2016:
A história do comunismo não é como Stalin descreveu, nem como a burguesia descreve. Historiadores burgueses dizem “é tudo a mesma coisa, tudo stalinismo” — isso é mentira. Temos que tentar escrever uma história diferente do comunismo e segui-la.
Brigitte Studer fez uma contribuição importante para essa busca necessária.
A Internacional
Além de uma história convincente do comunismo e dos comunistas, Travellers também é um estudo sobre um tipo particular de globalização. “O século XX”, Studer nos conta, “não conheceu nenhuma outra organização ou movimento social tão internacional em sua retórica, tão transnacional em sua prática, tão global em suas ambições” quanto o Comintern. Os funcionários do Comintern viveram o internacionalismo revolucionário que o marxismo clássico havia defendido enquanto “viajavam pelo mundo em missões políticas”.
Seu relato atravessa sua topografia necessariamente planetária em sequência cronológica por uma cadeia de “cidades globais”: Moscou revolucionária, Baku e Tashkent; Berlim cosmopolita, Paris e Bruxelas; Guangzhou nacionalista (antigamente Cantão), Wuhan e Xangai; e Madri, Valência, Albacete e Barcelona durante a “Última Missão” para a Espanha devastada pela guerra — com a capital soviética sendo um “lar” recorrente (embora progressivamente inóspito) para os viajantes de toda parte. Sua narrativa transcontinental traz à mente o avião de Indiana Jones, traçando linhas vermelhas em um mapa em tons de sépia do mundo entreguerras; leitores não familiarizados com o dinamismo mochileiro das operações de campo do Comintern seriam aconselhados a apertarem os cintos.
“A narrativa intercontinental de Studer lembra o avião de Indiana Jones, traçando linhas vermelhas em um mapa em tons de sépia do mundo entreguerras.”
Para os protagonistas do livro, o internacionalismo assumiu “uma grande variedade de formas práticas”, com a viagem física como pré-condição para todas elas. Studer inicia sua narrativa com as respostas pessoais de seus sujeitos ao seu primeiro “Encontro Revolucionário” em meio ao internacionalismo cuidadosamente coreografado do Segundo Congresso dos anos 1920, tendo feito seu caminho para Moscou através de frentes de batalha e bloqueios. A maioria dessas jornadas por terra e água foram feitas ilegalmente, o que poderia envolver o fretamento de embarcações usando documentos falsos ou o contrabando para a Rússia com prisioneiros de guerra repatriados; no caso de uma parte, significou sequestrar um barco a vapor alemão. Nem todos os que embarcaram nessa peregrinação conseguiram retornar, com vários perdidos no mar (incluindo dois comunistas turcos que foram afundados pela polícia no Mar de Mármara).
As notáveis excursões — às vezes teatrais — rotineiramente exigidas dos agentes do Comintern durante seus perigosos “cursos de vida transnacionais” são um elemento memorável e emocionante que pontua os capítulos de Studer. Elas incluem a viagem de trem blindado de John Reed sobre o Cáucaso devastado pela guerra, bem como uma jornada de cinco semanas até Wuhan através do interior chinês brutalizado e uma viagem de carro pelo deserto de Gobi até a Mongólia Soviética. Studer também nos fornece os detalhes da fuga de um ativista de Cantão com a ajuda de um puxador de riquixá subornado, tendo instigado uma revolta de trabalhadores que foi brutalmente esmagada, juntamente com a participação de um comunista europeu na fatídica Longa Marcha de Mao Zedong para Yan’an.
O ano de 1933 viu uma corrida desesperada por passaportes para escapar da Alemanha, enquanto aqueles que viajaram para a Espanha alguns anos depois tiveram que escalar os Pireneus congelados antes de experimentar a alegria no cume: “Nós levantamos nossos punhos cerrados e gritamos ¡Viva España! Começamos a cantar A Internacional, baixinho, um pouco constrangidos no início, depois cada vez mais alto.”
Com voos disponíveis somente a partir do final da década de 1930 para aqueles que receberam o (agora sinistro) “convite para casa” em Moscou, as fronteiras nacionais — e a arte de sua subversão — eram centrais para a existência dos viajantes como Studer descreve. Eles passavam o tempo “implantando inúmeros pseudônimos, disfarçando-se de escritores, jornalistas, viajantes comerciais”, atravessando fronteiras estatais com “passaportes falsos e malas de fundo falso”.
Esses disfarces nem sempre eram infalíveis: Studer cita um episódio quando dois secretários do Comintern em Berlim descobriram “com consternação que ambos tinham recebido exatamente o mesmo passaporte falsificado”. No entanto, a profissionalização progressiva significou que, no início da década de 1930, todos os agentes “viajavam sob pseudônimos com documentos falsos correspondentes”. Comunicados e recursos escondidos eram transportados através de fronteiras por mensageiros treinados, com “ouro, joias e pedras preciosas” expropriados de aristocratas czaristas costurados em suas mangas ou “escondidos em solas de couro” para ajudar a financiar empreendimentos revolucionários.
Cheios de siglas e contrações, os capítulos de Studer familiarizam o leitor com os órgãos que compunham o que ela chama de “sistema planetário do comunismo internacional”. O Comintern incorporava uma superestrutura “altamente ramificada” de comitês, escritórios e secretarias regionais. Havia “escolas de quadros” como a Universidade Comunista dos Trabalhadores do Leste de Moscou, jornais como Inprekorr e o Negro Worker, “organizações de fachada” como a Liga Contra o Imperialismo de Münzenberg e o Comitê Mundial Contra a Guerra e o Fascismo, e até formações militares como as Brigadas Internacionais da Espanha. Esses vários órgãos eram, como Studer explica, “interligados, mas também competiam” por recursos e aprovação oficial.
Embora o Comintern tenha instituído como padrão uma jornada de trabalho de seis horas “genuinamente revolucionária”, seus quadros frequentemente trabalhavam até tarde da noite, enquanto a equipe do Inprekorr “trabalhava dia e noite em semanas alternadas, e, portanto, muito café era consumido”. Mesmo onde o comunismo não era formalmente proibido, a discrição era uma necessidade para os viajantes; o mundo deles era de “apartamentos secretos e pensões”, de livrarias que funcionavam como frentes comunistas clandestinas de Berlim a Xangai. Operando disfarçados, muitos receberam pseudônimos elaborados, com um agente “encontrando emprego como secretário de um professor chinês de música”, conspirando para manter a rede do Leste Asiático do Comintern sempre que não estivessem ocupados organizando apresentações de fachada.
“Uma disjunção entre as políticas elaboradas em Moscou e as práticas de campo mais ou menos distantes foi uma característica consistente da história do Comintern.”
Uma disjunção entre as políticas elaboradas em Moscou e as práticas de campo mais ou menos distantes era uma característica consistente da história do Comintern, com agentes em missões estrangeiras rotineiramente obrigados a tomar decisões arbitrárias e urgentes eles mesmos. Studer enfatiza as dificuldades na comunicação de longo alcance entre o Comintern, seus emissários e partidos comunistas nacionais, tanto logísticas quanto linguísticas.
O contato soviético com o Partido Comunista da China (PCC) durante a década de 1920 dependia de cartas codificadas e telégrafos de rádio criptografados transmitidos por estações de passagem do Comintern com “operadores de rádio, codificadores e tradutores” especializados para garantir o sigilo. MN Roy e Mikhail Borodin, que foram enviados para persuadir “seus camaradas chineses” de que a linha de Moscou estava correta, não falavam chinês: como muitos agentes soviéticos naquele país, eles dependiam de intérpretes de “qualidade variável” para cada interação com os quadros do PCC.
Cada estágio de decodificação e tradução somado à natureza “ambivalente, até mesmo contraditória” das diretivas de Moscou, deixava muito espaço para interpretação. O apoio do Comintern à frente única do PCC com o Kuomintang burguês-nacionalista de Chiang Kai-shek antes do massacre de Xangai em 1927 encontrou “resistência obstinada” entre alguns comunistas chineses, como Studer relata. A liderança do PCC se recusou a “simplesmente ceder e aceitar a imposição de uma linha política sobre a qual tinha sérias dúvidas”, o que significava que Borodin e Roy — que para complicar as coisas estavam cada vez mais em desacordo um com o outro — tiveram que apresentar seu caso perante o congresso do partido.
A esquerda anti-stalinista há muito tempo interpreta o infame desastre da política da Comintern em relação à China, que efetivamente subordinou a luta proletária da China à preservação de uma aliança com os nacionalistas governantes, aliados aos soviéticos, como um exemplo clássico das tensões entre o internacionalismo revolucionário da organização e os interesses concebidos pela URSS como um Estado limítrofe sob a política de “socialismo em um só país” de Joseph Stalin. Como a própria Studer afirma, “os interesses do governo soviético como representante de um Estado e os interesses dos comunistas organizados dentro do Comintern não coincidiam mais necessariamente, e as contradições começaram a aparecer”.
No entanto, ela conclui em outro ponto que tais falhas “não derivaram simples e exclusivamente do choque entre os interesses da política externa soviética e os da revolução mundial, como às vezes é sugerido por alguns”. A interpretação de Studer enfatiza as dificuldades inerentes de “analisar e interpretar as complexas realidades sociopolíticas” em todos os países nos quais o Comintern operou, além de “formular e implementar táticas apropriadas” para aproveitar as oportunidades políticas.
Nesse aspecto, como em outras partes do livro, Studer retrata as falhas do Comintern, individuais e coletivas, dentro de seu contexto histórico. Ao fazê-lo, pronuncia um veredito mais sensível e leniente sobre aqueles condenados na história da esquerda por sua associação com os naufrágios (às vezes catastróficos) de manobras revolucionárias que foram colocadas sob sua responsabilidade.
“Studer reafirma categoricamente o papel histórico do Comintern como ‘o pioneiro de uma política global, anticolonial, antirracista e anti-imperialista’.”
A relação do bolchevismo com o pensamento e a política anticoloniais tem sido o assunto de vários estudos acadêmicos e populares nos últimos tempos. Studer reafirma categoricamente o papel histórico do Comintern como “o pioneiro de uma política global, anticolonial, antirracista e anti-imperialista”, com o ano de 1920 marcando “o início de uma mudança perceptível do Ocidente para o Oriente na orientação estratégica do Comintern” que fluiu do Congresso de Baku dos Povos do Oriente daquele ano.
O que Tim Harper apelidou de “Ásia subterrânea” está na vanguarda do relato de Studer, com empreendimentos latino-americanos, caribenhos, africanos e do Oriente Médio do Comintern relegados a uma presença mais periférica. As seções que destacam o engajamento do Comintern com a política global da libertação negra são bem elaboradas, embora breves: o camaronês-berlinense Joseph Ekwe Bilé recebe um perfil extenso, e contemporâneos como George Padmore, James La Guma e Claude McKay aparecem fugazmente, embora Harry Haywood do CPUSA esteja surpreendentemente ausente.
Studer elabora o seguinte balanço do legado anticolonial geral do Comintern: “Os comunistas não foram os primeiros a entrar no campo da luta anticolonial, mas, como Mustafa Haikal bem disse, depois de 1925 eles agiram como o ‘fermento decisivo’ que brevemente transformou elementos políticos díspares em um todo global, embora volátil.” A iniciativa do Comintern “não apenas internacionalizou e globalizou os movimentos de libertação regionais até então de continentes muito distantes uns dos outros, ao destacar o que suas lutas tinham em comum; também lhes deu uma vantagem política mais nítida ao promover a demanda por independência nacional.”
Studer reincorporou de forma convincente uma das dimensões mais orgulhosas (e, em última análise, mais importantes) de seu dedicado internacionalismo com seus viajantes na história popular do Comintern para uma nova geração de leitores.
Contra o “plano de vida burguês”
Embarcar voluntariamente nessa “existência perpetuamente precária e instável” necessariamente implicava uma rejeição do que Studer chama de “um plano de vida burguês”. Isso se refere não apenas ao universo político e ao habitus aquisitivo da burguesia, mas à totalidade dos costumes sociais e culturais tradicionais que eram hegemônicos dentro do capitalismo contemporâneo. Seu livro se distingue pela atenção que dispensa não apenas ao mundo profissional coletivo de seus sujeitos, mas também às suas vidas pessoais (e íntimas).
Canalizando sua especialização em história das mulheres e feminista, a provisão de Studer de uma “perspectiva histórico-gênero” sobre o Comintern que ela corretamente afirma ser “absolutamente necessária” como um corretivo historiográfico encontra expressão em sua envolvente discussão dos papéis que os efetivos femininos desempenharam dentro da organização e, mais amplamente, dos temas que caracterizam sua experiência como mulheres. Ela também fornece um retrato evocativo da arte e cultura populares do comunismo internacional em uma era de experimentação modernista, observando que o estilo de vida Cominterniano frequentemente incorporava um paradoxo curioso, com “uma vanguarda boêmia e artística de um lado e estruturas familiares e hábitos de vida burgueses do outro, apesar das demandas de atividade ilegal”.
“Studer descreve a experiência de gênero e liberdade sexual alcançada por (algumas) mulheres na era do Comintern.”
Embora constituíssem apenas uma “pequena minoria” entre os agentes do Comintern, mulheres como Tina Modotti, Agnes Smedley, Ruth Werner e a tragicamente fadada Olga Benário Prestes representam muitas das personalidades de destaque na narrativa de Studer. Em um período em que a participação de mulheres em organizações políticas em termos de igualdade permaneceu extremamente rara, a abertura formal da Internacional para mulheres em todos os níveis de suas estruturas (e alinhamento retórico com “as demandas das feministas de esquerda”) atraiu uma série de jovens mulheres radicais com a “nova oportunidade para atividade política e pública de fato”.
Seguindo a política radical de gênero de Clara Zetkin e da líder bolchevique Alexandra Kollontai, a emancipação das mulheres era “um princípio fundamental incontestado” nos primeiros anos do Comintern, e que era “ativamente promovido” em suas conferências internacionais. Discursos francos de comunistas “orientais” pioneiros como Naciye Hanim, Khaver Shabanova-Karayeva e Bibinur, “insistindo na autonomia da luta pelos direitos das mulheres”, ilustraram para Studer como “o comunismo havia encontrado um novo aliado no feminismo”:
Ao garantir proativamente às mulheres um papel no Congresso de Baku, o Comintern sinalizou claramente a importância que concedeu à emancipação das mulheres muçulmanas e das mulheres em sociedades patriarcais tradicionais em geral. No processo, o Comintern também fez das mulheres os sujeitos de sua própria libertação.
Studer descreve a experiência de gênero e liberdade sexual alcançada por (algumas) mulheres na era do Comintern. Um feminismo igualitário surgiu com “o discurso da reforma sexual dos anos 1920”, do qual os comunistas participaram. Animadas por noções da “Nova Mulher”, as jovens operativas femininas do Comintern rejeitaram os valores burgueses e as normas patriarcais, engajando-se em um estilo de vida efervescente de experimentação utópica.
Studer identifica “uma liberalização das práticas sexuais” e “mudanças no relacionamento entre os sexos” entre seus personagens, envolvendo relacionamentos abertos, casamentos informais, casos breves e filhos de pais diferentes. Dada essa ética sexual libertina revolucionária, “a fronteira entre relacionamentos políticos/profissionais e privados” entre os Cominternianos, sem surpresa, “era frequentemente fluida”. A homossexualidade também era “tolerada quando não totalmente aceita”, enquanto vários funcionários do Comintern seguiam os passos de Munzenberg e Gross como inquilinos do sexólogo Dr. Magnus Hirschfeld, um dos primeiros defensores dos direitos gays e trans: Hirschfeld, observa Studer, era “ele próprio um social-democrata, mas bastante aberto ao comunismo”.
Esse espírito estava vivo entre as mulheres comunistas em todo o mundo transnacional do Comintern: na China, Agnes Smedley “não apenas encontrou a garantia de que ainda era sexualmente atraente, apesar de seus quase quarenta anos, mas também percebeu a importância da Revolução Chinesa para a emancipação das mulheres”. No entanto, foi na Alemanha que as operativas femininas do Comintern estavam mais imersas na atmosfera de gênero e emancipação sexual, em meio às “novas e radicais formas de vida e arte” que permeavam a Berlin Babilônia:
Os membros do Partido Comunista encontraram intelectuais progressistas, artistas, jornalistas, diretores, atores e músicos em pubs, em apresentações teatrais e, por último, mas não menos importante, em salas de reunião […] Havia noites de discussões intelectuais, palestras sobre marxismo, leituras de literatura de vanguarda. Funcionários do Comintern de outros países também apreciavam a animada vida intelectual e artística da cidade, alguns deles se tornando intensos contribuintes para ela.
Apesar dessa atmosfera progressista, no entanto, Studer explica como o gênero provou ser continuamente o fator mais importante na determinação do papel de um revolucionário no Comintern. Na prática, as mulheres eram amplamente excluídas de posições de autoridade, enquanto forneciam a maioria dos recrutas para o trabalho “administrativo, de secretaria e linguístico”. O trabalho das mulheres para o Comintern era, ela enfatiza, “indispensável” para suas operações, mas a Internacional, no final das contas, provou ser “nada diferente da sociedade civil do entreguerras ao simplesmente não considerar as mulheres aptas para a liderança ou a responsabilidade política”.
A persistência do antigo regime de gênero dentro do Comintern “apesar de seu compromisso ostensivo com a igualdade dos sexos” era ironicamente mais pronunciada nas vidas familiares dos próprios viajantes. Enquanto mulheres comunistas solteiras eram “mais propensas a serem vistas como atrizes políticas independentes”, explica Studer, “o Comintern tendia a tratar as esposas como apêndices de seus maridos”. Com os homens designados para o trabalho da revolução internacional e as mulheres com a reprodução administrativa e social desse trabalho, Smedley experimentou a dependência absoluta de seu esposo Virendranath Chattopadhyaya em seu trabalho auxiliar como “a exploração tipicamente masculina de uma parceira feminina”.
“Studer detalha o ‘espanto e horror’ de muitos comunistas estrangeiros com a recriminalização do aborto na URSS em 1936.”
Studer retrata essa dinâmica longamente em seu relato post-mortem do casamento nômade de MN Roy e Evelyn Trent, nascida na Califórnia, cercado por “dificuldades e tensões”, incluindo chauvinismo masculino: “O comprometimento de Roy com a Revolução não o tornou automaticamente um feminista. Como Roy aparentemente confidenciou a [Henk] Sneevliet, ‘ele não gostava da combinação de esposa e política.’”
A contradição entre o feminismo revolucionário-utópico de muitas mulheres Cominterianas e a realidade patriarcal duradoura tornou-se mais nítida, sugere Studer, à medida que a União Soviética sob Stalin regrediu de muitas das conquistas provisórias para a emancipação das mulheres que haviam sido instituídas após a Revolução Bolchevique. Studer detalha o “espanto e horror” de muitos comunistas estrangeiros com a recriminalização do aborto em 1936: “A União Soviética, frente a todos os outros lugares, recuaria no direito que eles insistentemente exigiam para as mulheres no Ocidente.”
Escuridão ao meio-dia
O status de Travellers of the World Revolution como uma obra de imensa tragédia é revelado de forma mais pungente nas passagens finais do livro — embora a virada da maré histórica contra os Cominternianos se torne dolorosamente evidente a partir dos capítulos sombrios de Studer sobre a China. Os rigores de sua missão e a perspectiva terrível de seu fracasso provaram ser exaustivos para muitos dos protagonistas do livro. Como Trent confessou em uma carta de 1927 a Sneevliet, que, como ela, estava prestes a deixar o Comintern: “Eu estava muito cansado de ser caçado de um lugar para outro, de um país para outro, de ter que me esconder e sempre estar cercado por uma terrível névoa de suspeita e medo, e ter outros suspeitando e temendo a mim.”
“A perseguição política e a repressão legal se intensificaram internacionalmente desde a época do terror branco de Chiang Kai-shek em 1927.”
As forças policiais representam os antagonistas implacáveis dos viajantes em todo o relato de Studer: Roy certa vez reclamou que a polícia imperial britânica o perseguiu “de Java ao Japão, da China às Filipinas, à América, ao México e pela maioria dos países da Europa”. Ele acabou preso por seis anos no Raj após sua expulsão do Comintern.
A perseguição política e a repressão legal se intensificaram internacionalmente a partir da época do terror branco de Chiang Kai-shek em 1927. A ascensão de Adolf Hitler na Alemanha, como Studer relata, levou ao colapso do partido comunista não governante mais poderoso “como um castelo de cartas”, deixando as coisas severamente mais difíceis.
Dezessete dos viajantes de Studer foram finalmente assassinados pelos nazistas, enquanto outros foram vítimas de forças anticomunistas na China, Japão e Espanha. No entanto, a maioria de seus protagonistas que tiveram um fim violento o fizeram no curso dos expurgos que Stalin desencadeou contra quadros do comunismo internacional. Studer descreve em detalhes de pesadelo a amplitude social e o terror psíquico do “ataque generalizado de Stalin ao meio cosmopolita do Comintern”. O próprio Stalin é uma presença curiosamente marginal ao longo do livro, até seu surgimento em seus capítulos finais como um ceifador que abriu “um caminho devastador nas fileiras de funcionários do Comintern”.
Detalhando a nauseante queda livre em direção ao que Studer chamou anteriormente de “o final ‘shakespeariano’ do movimento mundial”, ela narra os caminhos que vários de seus protagonistas seguiram em seu caminho para a oposição aberta ao stalinismo e sua política internacional ziguezagueante (muitas vezes tendo denunciado anteriormente camaradas próximos que se tornaram “oposicionistas” antes deles). Tal desafio garantiu sua expulsão da família Comintern. No contexto de concatenar derrotas internacionais e a consolidação da ditadura absolutista de Stalin na URSS, qualquer forma de pluralismo dentro do Comintern era cada vez mais considerada suspeita: “A discussão livre morreu, e em meados da década de 1930 a dissidência foi criminalizada”.
À medida que a perseguição de Stalin aos seus oponentes derrotados entre os bolcheviques aumentava após o assassinato de Sergei Kirov, a menor suspeita de tendências oposicionistas entre os Cominternianos em Moscou tornou-se “cataclísmica em suas consequências”. O Hotel Lux, outrora um refúgio para os viajantes de Studer, tornou-se uma prisão permeada por “medo e desconfiança mútua”, com oitenta e três membros da equipe do Comintern que ocupavam o prédio baleados, enquanto muitos outros tiraram suas próprias vidas.
Uma vez que o “carrossel de acusações” começou a girar, as vítimas podiam incluir não apenas antigos apoiadores de Trotsky ou Bukharin, mas também muitos stalinistas leais. Studer fornece uma visão próxima da trajetória de Heinz Neumann: a princípio um dos “meninos de olhos azuis de Stalin” na liderança do KPD, ele eventualmente criticou a linha do partido e mais tarde foi preso em Moscou e submetido a um processo aniquilador de interrogatório e “autodegradação” antes de sua execução em novembro de 1937.
O destino de Neumann captura em microcosmo a “estrada para o Calvário” trilhada por cinquenta e sete outros viajantes nomeados no relato de Studer (e inumeráveis milhares de membros do Partido Comunista Soviético). A esposa de Neumann, Margarete, considerada culpada por associação com seu marido, acabou entre as centenas de comunistas alemães que foram deportados de volta para as garras de Hitler em 1940.
O Terror de Stalin provou ser o maior exercício de assassinato em massa de comunistas da história, superando as realizações de Hitler, Chiang Kai-shek, Benito Mussolini, Francisco Franco, Syngman Rhee, Suharto, Ruhollah Khomeini ou qualquer um dos ditadores militares da América Latina que se empenharam nessa prática. A grande maioria dos viajantes de Studer que sobreviveram aos anos de expurgo o fizeram simplesmente porque não estavam em Moscou na época. Como o trotskista americano Max Shachtman disse uma vez sobre o líder do CPUSA no período entre guerras, Earl Browder, que foi posteriormente expulso do partido: “Lá, mas por um acidente geográfico, está um cadáver.” Isso não quer dizer que o longo braço da polícia secreta de Stalin tenha encontrado seu limite na fronteira soviética: Studer nos lembra dos assassinatos de Andreu Nin em Barcelona e Willi Münzenberg em uma floresta francesa.
Segundo Studer, o fim do Comintern foi um fato consumado muito antes de sua dissolução formal “sem alarde” em maio de 1943, como um agrado aos aliados anglo-estadunidenses de Stalin durante a guerra. Moscou já havia abandonado à própria sorte os oficiais do Comintern baseados na Alemanha após a ascensão nazista. Em 1933, ela argumenta, “em termos da política externa de Stalin, o Comintern era uma irrelevância”.
Depois disso, “amplamente paralisada pela repressão” dentro da URSS a partir de 1935, enquanto a missão espanhola da Internacional terminou em uma derrota sangrenta, a luta antifascista do Comintern na Europa foi finalmente debilitada “de uma só vez” pelo desorientador pacto de Moscou em 1939 com “o arqui-inimigo contra quem os agentes do Comintern consideravam que haviam dedicado anos de suas vidas a lutar”. Studer descreve assim a derrota de seus viajantes como algo nascido de uma asfixia intelectual prolongada, um enfraquecimento moral e a perseguição física avassaladora, tanto quanto de uma demissão formal.
As consolações da história
Concluindo com a nota emotiva da queda da França no verão de 1940, a narrativa de Studer se despede do leitor à meia-noite do século. Depois de 1938, ela escreve, “o tempo voltado para o futuro dos comunistas chegou ao fim”. Studer pinta um quadro de derrota colossal e geracional, com poucos viajantes que sobreviveram e permaneceram ilesos aos expurgos de Stalin, aos genocídios de Hitler e ao turbilhão apocalíptico mais amplo da Segunda Guerra Mundial.
“Studer pinta um quadro de derrota colossal e geracional, com poucos viajantes que sobreviveram e permaneceram ilesos aos expurgos de Stalin, aos genocídios de Hitler.”
Alguns, como Klement Gottwald da Tchecoslováquia, Mátyás Rákosi da Hungria e Walter Ulbricht da Alemanha Oriental tornaram-se pequenos tiranos após a guerra, tendo emergido intactos o suficiente da máquina de dilacerar do Stalinismo para servir como vice-reis nos novos países clientes por toda a Europa Oriental. Outros acabaram se dividindo em um anticomunismo pessimista e pró-estadunidense: denunciando The God That Failed [O Deus Que Falhou], informando Joseph McCarthy sobre antigos camaradas ou colaborando com a CIA. Esses dois caminhos abjetos para fora da revolução mundial representaram tragédias históricas gêmeas, ambas refletindo a desmoralização de tantos que sobreviveram da revolucionária “geração de 1920”. É um fato sombrio.
No entanto, nem todos os viajantes foram levados pela experiência da derrota. Zhou Enlai, da China, e Ho Chi Minh, do Vietnã , ex-alunos do Comintern stalinista por excelência, lideraram revoluções anti-imperialistas que abalaram o mundo em seus próprios países, que inspiraram a próxima grande onda revolucionária global, as anticoloniais dos anos 1960. Palmiro Togliatti estimulou a insurreição partigiana contra o fascismo à frente do Partido Comunista da Itália, enquanto Hilde Kramer ajudou a elaborar o Serviço Nacional de Saúde da Grã-Bretanha.
Uma figura ausente do livro de Studer, Moses Kotane, um graduado da International Lenin School do Comintern, provou ser fundamental na formação da aliança entre o Congresso Nacional Africano e o Partido Comunista Sul-Africano que eventualmente derrubou o apartheid. As energias revolucionárias da maior geração do comunismo internacional nunca poderiam ser minadas inteiramente.
Com seu relato abrangente em um empreendimento coletivo, Brigitte Studer fez justiça acadêmica incomparável à experiência total das mulheres e homens revolucionários para quem a Internacional Comunista era “uma maneira de viver o mundo”. O texto dela é essencial para qualquer leitor que busca entender o que significou ser comunista em uma época em que a revolução mundial parecia genuinamente iminente.Socialistas do século XXI, de todas as tendências, reconhecerão as personalidades que encontram ao longo da narrativa de Studer em suas próprias vidas, e por um bom motivo. Em suas aspirações, buscas, vitórias, fracassos e até crimes, os revolucionários profissionais da Internacional Comunista foram nossos camaradas, e eles permanecem assim ao longo do tempo. Este livro é um tributo digno às suas vidas revolucionárias como eles realmente as viveram, e ao sonho pelo qual as viveram. Viajantes da Revolução Mundial, presente!