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Tradução do castelhano e edição por CN, 03.04.2012
(http://www.nuovopci.it/arcspip/article62f3.html)
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Contribuição para o balanço da experiência
dos países socialistas (1)
Rapporti Sociali
n.ºs 6/7, Janeiro de 1990
Quais são os ensinamentos da experiência dos países socialistas desde a revolução de
Outubro até hoje?
Uma vez conquistado o poder político, arrebatado o poder às velhas classes
dominantes, destruído o velho Estado e criado em seu lugar um novo, as massas
proletárias e populares, sob a direcção do Partido Comunista e das organizações de
massas, começam a transformar as relações de produção com a ajuda do novo Estado.
A conquista do poder por parte do proletariado e a eliminação das velhas instituições
burguesas não levam por si próprias à instauração de novas relações de produção, nem
estas novas relações de produção surgem imediatamente, nem são ordenamentos
legislativos instaurados mediante uma decisão estatal.2 Em consequência, por si próprios
não determinam a extinção do Estado, mas instauram um novo Estado que, dado o papel
que a nova classe dominante (a classe operária) assume na sociedade, traz consigo os
gérmenes da sua extinção gradual.3
1 Este artigo, não assinado, foi publicado pela primeira vez na revista italiana Rapporti Sociali
n.ºs 6/7, de Janeiro de 1990. (N. Ed.)
2 Só a fantasia evasiva dos processos, de que dão mostras Antonio Negri, Rossana
Rossanda e outros cantores da «maturidade do comunismo», podia dar à luz a ideia das novas
relações de produção como um ordenamento da sociedade já preparado e que só a resistência
da burguesia impede de o pôr em prática. [Negri, Antonio (1933), filósofo e político marxista
italiano, é apontado como o ideólogo das Brigadas Vermelhas, tendo sido preso na sequência do
atentado contra Aldo Moro, em 1978. Sai da prisão em 1983, ao ser eleito deputado pelo Partido
Radical. Foge depois para França e só regressa a Itália em 1997, obtendo a libertação definitiva
em 2003. Rossanda, Rossana (1924), comunista italiana desde a juventude, participou no
movimento de resistência antifascista, tornando-se responsável pela política cultural do PCI. É
eleita deputada em 1963, assumindo nos anos 60 concepções anti-soviéticas. Em 1969 é
expulsa do partido, fundando depois o diário il Manifesto, que se torna também num partido
político. (N. Ed.)]
3 Quando os marxistas falam em extinção do Estado não o entendem como o
desaparecimento de organismos nos quais se forma a vontade colectiva dos membros da
sociedade e que permitem a sua realização. Os burgueses e os seus agentes procuram
apresentar o Estado actual como um organismo desse tipo (como porta-voz e executor da
vontade da sociedade). Nesse sentido, desfiguram a consigna dos comunistas, convertendo-a
numa palavra vazia de significado. Com efeito, é evidente que, na sociedade socialista e
comunista, deverão existir e existirão organismos em que essa vontade colectiva se expressa na
prática; isto será absolutamente necessário ao papel que assumirá finalmente o colectivo no que
2
Após a instauração do seu próprio poder político, do seu próprio Estado, o
proletariado enfrenta a tarefa de superar as relações capitalistas de produção.4
Assim, por conseguinte, o proletariado enfrenta a tarefa de criar instituições sociais
adequadas às forças produtivas que têm já um carácter social, de desenvolver as forças
produtivas que são ainda predominantemente privadas e de criar os instrumentos para a
gestão do processo produtivo por parte dos trabalhadores associados em função das suas
necessidades.
Além disso, após a revolução, com a destruição do poder político dos capitalistas e a
abolição da propriedade capitalista das forças produtivas, as contradições próprias das
relações de produção, que devem ser transformadas, não desaparecem por si próprias
imediatamente, como tão pouco desaparecem a velha ideologia e as velhas chagas sociais
provocadas pela burguesia. De igual modo, não desaparecem imediatamente as ideias
retrógradas, os limites sociais, culturais, económicos, ou de qualquer outro tipo,
existentes num país que acaba de se libertar.
As formas transitórias que as relações de produção e as instituições sociais assumem
durante a transição da relação de capital para o comunismo são variadas e determinadas
em concreto (não escolhidas arbitrariamente). Por outro lado, estão submetidas à
verificação prática e à passagem para formas superiores, dentro de um processo que,
para além dos contributos dos impulsos subjectivos e da dialéctica vanguarda-massas,
está necessariamente ligado ao processo de superação do trabalho necessário.
Além disso, existem duas premissas indispensáveis à sociedade comunista: a
abundância de bens materiais e a transformação dos indivíduos em todos os aspectos,
morais, culturais, etc. São duas condições que se devem perseguir em simultâneo durante
a fase de transição do capitalismo para o comunismo.
Esta fase que separa a sociedade capitalista da sociedade comunista é a fase de
construção do socialismo. Uma fase de transição durante a qual se criam as premissas
para alcançar o comunismo. Uma fase em que há avanços e retrocessos, dentro da
tendência geral, histórica, que é o avanço para o comunismo.
O socialismo não é, pois, um novo modo de produção, mas uma fase histórica de
transição do modo de produção capitalista para o comunismo, como deixou claro Marx,
na Crítica ao Programa de Gotha.5 Um país socialista é um país onde os indivíduos estão
ainda divididos em classes e existe luta de classes, onde a relação de capital ainda não
desapareceu, mas apenas foi abolida essencialmente a propriedade privada capitalista
das forças produtivas. Um país onde o poder político (o Estado) está nas mãos de uma
classe que luta para superar a relação de capital e para se transformar a si própria e toda
a humanidade, nas mãos de indivíduos capazes de dominar as condições da sua própria
reprodução e as suas próprias relações. Estas exigências realizam-se através de
respeita à actividade produtiva de cada membro da sociedade. Isto de acordo, naturalmente,
com as exigências colocadas pelo processo de produção e reprodução das condições materiais
de existência, tal como no capitalismo desenvolvido. Os marxistas falam de extinção do Estado
no sentido da extinção do que é sobretudo o Estado nas sociedades divididas em classes
antagónicas: monopólio da violência organizada, mediante o qual a classe dominante impõe a
sua lei às outras classes, apresentando-a ou não como emanada da vontade geral. Para quem
compreende esta essência do Estado, é óbvio que a sua extinção vai de par com o
desaparecimento da divisão da sociedade em classes antagónicas.
4 Ou seja, o domínio do trabalho morto sobre o trabalho vivo, a relação em que o trabalho
passado subordina a si próprio e absorve o trabalho vivo para se multiplicar, o papel de
vendedores de força de trabalho ao qual a sociedade burguesa vincula os trabalhadores.
5 Marx e Engels, Obras Escolhidas em três tomos, ed. Avante!, Lisboa, 1982, t. III, pp. 5-30. (N. Ed.)
3
organizações, instituições, práticas e costumes de milhões de indivíduos. Um país
socialista é um país cujas instituições sociais personificam, dão vontade, consciência e
voz à força motriz da superação da relação de capital; é um país em que a força do Estado
e do poder, em geral, está dirigida para facilitar o crescimento e a generalização desses
germens de comunismo de que Lénine falava na sua análise sobre o significado dos
sábados comunistas.6
Uma vez conquistado o poder, o proletariado toma rapidamente algumas medidas que
encaminham o processo de transição ou que permitem o seu desenvolvimento.
Seguidamente trata-se de ver se as medidas, que se tomam pouco a pouco, e se a situação
criada continuam a ser úteis à transição.
O proletariado exerce o poder político não por definição. O proletariado só exerce o
poder político:
1. Se o movimento proletário, as organizações do proletariado estão presentes no lugar
onde se estabelece a linha que guia a acção dos organismos de Estado;
2. Se as pessoas que compõem os organismos estatais estão em ligação constante com
o proletariado;
3. Se a linha que guia a acção dos órgãos do Estado representa na prática os interesses
históricos do proletariado;
4. Se é promovida a participação das massas no exercício do poder político (o que é
algo mais do que a participação no debate político e o conhecimento das questões
políticas), com a consequente e gradual difusão das funções políticas e a correspondente
extinção do Estado, enquanto corpo separado que tem o monopólio da repressão.
Um dos aspectos que diferencia a sociedade socialista da capitalista é a propriedade
dos meios de produção. Abolir a propriedade privada capitalista dos meios de produção,
torná-la propriedade de uma organização social (na URSS essa organização era tanto o
Estado federal, como os Estados republicanos e os sovietes locais) é um passo necessário,
embora não seja exclusivo.7 Todavia, uma vez abolida a propriedade privada capitalista
dos meios de produção, ainda fica a faltar levar a cabo uma participação efectiva dos
trabalhadores no seu governo, uma colaboração efectiva de cada unidade produtiva com
as demais unidades produtivas e uma orientação efectiva das actividades de cada unidade
produtiva, visando a satisfação de determinadas necessidades da sociedade.
A subordinação das actividades económicas das unidades produtivas a um único plano
válido para toda a sociedade é uma característica necessária da sociedade socialista. No
entanto, se se torna regra que as unidades produtivas e os indivíduos se subtraem a um
plano deste género com subterfúgios, incumprimentos e excepções, desenvolvendo
actividades alheias às planificadas, é evidente que tal plano só existirá no papel, ou, pelo
menos, haverá uma contradição entre o plano e a actividade económica real. Não
devemos confundir a elaboração e aprovação de um plano económico com o facto de a
actividade económica dos indivíduos e das unidades produtivas estar em conformidade
com ele: são duas coisas distintas.
6 Sobre as formas transitórias das relações de produção e das correspondentes instituições
da sociedade ver Lénine: Uma Grande Iniciativa (1919) [V.I. Lénine, Obras Escolhidas em três
tomos, Ed. Avante!, t. III pp. 139-160. (N. Ed.)] e «Relatório sobre os Sábados Comunistas na
Conferência da Cidade de Moscovo do PCR(b) (1919) [Obras Escolhidas em seis tomos, Ed.
Avante!, t. V, pp. 14-19. (N. Ed.)]
7 Com efeito, não é uma medida exclusiva: também a propriedade cooperativa, isto é, a
propriedade de um grupo de trabalhadores, foi em todos os países socialistas a forma de
organização da actividade económica de sectores produtivos inteiros, nos quais as forças
produtivas tinham uma carácter social limitado.
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Perante
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