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sexta-feira, 26 de julho de 2013

Filósofos - JEAN SALEM

Jean Salem, uma filosofia para transformar o mundo

25/02/2013

Milton Pinheiro*
de Paris (França)
 

“Jean Salem é um daqueles intelectuais humanistas, cada vez mais raros, que são homens de cultura integrada”. O elogio desferido por Miguel Urbano Rodrigues aconteceu em outubro de 2012, ao comentar o lançamento da edição portuguesa do livro A Felicidade ou a Arte de Ser Feliz Quando os Tempos São Difíceis, do escritor francês. 
Lutar pela felicidade, de acordo com Salem, também autor de Lênin e a Revolução, é um dever em meio à escalada da barbárie capitalista. 
Filho do revolucionário e escritor Henri Alleg, o filósofo escreve artigos para diversos jornais franceses e estrangeiros. Quanto às lutas concretas em que se envolve, elas visam essencialmente, segundo ele, à reconstrução de um movimento autenticamente revolucionário na França e no mundo.
Ao Brasil de Fato, Salem lança luz sobre o que foi a França de Nicolas Sarkozy e o que é a de François Hollande. Tece considerações acerca das lutas sociais na Europa que pecam por falta de coordenação política. Fala da imagem midiática do Brasil na Europa, mas enfatiza a visão segundo a qual ele, de fato, nos compreende.

Brasil de Fato – Você é um filósofo que estuda os materialistas na filosofia grega e romana; marxista ligado às lutas dos trabalhadores em seu país e no mundo, a exemplo de seu apoio ao MST no Brasil, foi sempre vinculado às ideias comunistas. Quem é o intelectual orgânico Jean Salem, sua história e suas lutas?
Jean Salem – Tenho, de fato, dedicado uma dúzia de anos e mais de uma dúzia de livros a estudar de maneira intensa o materialismo antigo: aquele de Demócrito, de Epicuro e de Lucrécio. No meio dos anos de 1980, enquanto tudo parecia colapsar ao lado dos Partidos Comunistas da Europa, e do “socialismo real”, eu decidi enfrentar os trabalhos acadêmicos sobre esse assunto. Mais que compor uma milésima tese sobre Marx, eu tentei (como o próprio Marx em sua tese de doutorado) conhecer mais de perto esses autores que ousaram enfrentar os preconceitos religiosos e que já estavam decididos a levantar um canto do véu, ou seja, a propor uma visão racional de tudo o que nos cerca. Uma visão que permanece compatível com a ciência moderna. Tenho também dedicado leituras a Maupassant, à Renascença italiana, à felicidade,  e tenho organizado diversos livros de filosofi a e de lógica matemática. 
Agora, você me pergunta sobre minhas lutas. Elas são muitas: eu me encontro na Coréia, em Portugal, na América Latina,  em congressos ou reuniões animadas pelos progressistas. Tomando o cuidado, sempre, de não cair no que eu chamaria de “jet-altermundismo”: muitos se perdem nele, outros aí se corrompem.

O projeto de Sarkozy, completamente enquadrado na ação imperialista pelo mundo, em especial no norte da África, foi derrotado eleitoralmente. Mas como fica a França com François Hollande?
 É evidente que Sarkozy encarnou um estilo de chefe de Estado de cultura medíocre, vulgar até, rompendo com a tradição de uma França onde, durante longo tempo, se quis crer que os notáveis deveriam aparecer como mais que simples representantes do meio de negócios. Sarkozy, que se vangloria de o denominarem “Sarkozy, o americano” [entenda-se, dos EUA], tudo fez para alinhar a política francesa com a da Casa Branca. Antes mesmo de assumir a presidência da república, em maio de 2007, [ainda que já ocupasse o cargo de Ministro do Interior] frequentava assiduamente a embaixada americana em Paris. E ele não hesitava em criticar a posição oficial da França – da França que em fevereiro de 2002 vetou, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a tentativa dos EUA aprovar a invasão do Iraque. Teve papel auxiliar nas guerras empreendidas pelo império no norte da África.
Quanto à política interna, Sarkozy tentou limitar o direito de greve, “reformou” as aposentadorias, inflou os sentimentos xenófobos e exacerbou a psicose da delinquência, assim como os temores mais primitivos. Promoveu uma redução das despesas públicas que desmantelou a saúde pública, desorganizou a Universidade, oprimindo-a cada dia mais.
O governo François Hollande, o que mudou? Muito pouco. Mas a única medida, a única, que parecia fazer pender um pouco à esquerda o seu governo foi a tentativa de taxar em 75% os ganhos suplementares de uma pessoa rica, o que geraria pelo menos 100 milhões de euros de receita. Mas essa medida foi declarada inconstitucional por um dos bastiões do conservadorismo: o Conselho constitucional. Quanto à atitude francesa face à situação na Síria, ela foi mais extrema e unilateral do que Obama! Eis que a pequena guerra levada pelo senhor Hollande ao Mali vem completar o quadro de comportamento dessa esquerda de direita, essa “esquerda” que parece cada vez mais à direita.

Quais são as lutas que têm pautado os trabalhadores franceses e europeus?
As lutas existem, é claro. Ainda que elas se “beneficiem” de um impressionante silêncio midiático. Elas se dão “com as costas na parede”, como dizemos em francês. Os trabalhadores da PSA Peugeot Citroën, em Aulnay, na periferia de Paris, fizeram greve para protestar contra o plano de licenciamento que os ameaça. E a direção da fábrica recorreu ao lock out, ou seja, ela fechou provisoriamente as portas! 
Mas as lutas seguem, bem e belas, eu repito! Em maio de 2012 os portugueses pararam massivamente; a Itália conheceu uma greve geral acompanhada de manifestações impressionantes; os gregos foram às ruas contra os planos da União Europeia e do FMI; os jovens na Espanha e os “indignados” em geral conseguiram que falassem deles, tanto pela ação surpresa, quanto por surpreender os sindicatos, que estavam muito ocupados em negociar uma redução da idade de aposentadoria a fim de assegurar a “paz social” visando tranquilizar “os mercados”. 
A questão não é tanto de ausênciae lutas, mas de falta de coordenação, de perspectiva: nós estamos morrendo, literalmente, por falta de organização, por ausência de um partido digno de seu nome!

Como professor da Sorbonne, você tem sido responsável por um ciclo de cursos sobre o marxismo. Quais são as presenças mais importantes de teóricos desse campo de pensamento?
Nós lançamos em 2005 um seminário intitulado “Marx no século XXI”, na Sorbonne. Para afirmar ali a presença do marxismo, que diziam morto há tempos. A ideia que preside a apresentação desse seminário era um pouco análoga àquela que conduziu Lênin a fundar seu jornal Iskra, um jornal destinado a reunir, a agrupar mil energias até então dispersas na Rússia dos czares. Para nós, se trata de convidar todos aqueles que trabalharam, ou pensavam trabalhar, “no seu canto”, isoladamente, nas condições atuais de pesquisa na França e no exterior: pois, aqui, particularmente, as pesquisas marxistas foram durante longo tempo marginalizadas, senão censuradas. Claro que a vinda de Domenico Losurdo, Enrique Dussel, David Harvey, ou a de Georges Labica, André Tosel, Daniel Bensaid, Michel Löwy, Slavoj Zizek, etc., constituíram grandes momentos do seminário!

Você é um intelectual acadêmico vinculado ao pensamento marxista e comunista com uma importante história de vida: é filho do legendário comunista Henri Alleg. O que você nos diz sobre a vida deste revolucionário internacionalista?

Meu pai nos deu a imagem de um homem que triunfou sobre seus torturadores, redigindo um livro, A questão. Ele os denunciou e fez saber, a todo mundo, qual era o método ao qual se costumava recorrer na Argélia durante a guerra colonial; e que a história e as lutas dos povos demonstraram que o sistema colonialista, inelutavelmente, deveria colapsar. 
Henri Alleg é filho de uma inglesa e de um polonês, judeus, que se encontraram em Londres e vieram para Paris. Mas ele se apaixona pela Argélia, onde se fixa. Depois de ser militante e membro do Partido Comunista argelino, ele se torna, em 1950, diretor do jornal Argélia Republicana, onde militou em favor da independência. E é como jornalista comunista que sofreu as perseguições e as torturas durante anos de prisão, e depois [após sua fuga] enfrentou o exílio nos países socialistas. 
Meu pai seguiu seu combate internacionalista trabalhando como redator, e depois como secretário geral do jornal L’Humanité. De suas grandes reportagens na China, nos EUA, na União Soviética em Cuba, ele extraiu numerosos livros. O último é seu livro de memórias, Memória argelina, publicado em 2005, pela editora Stock. 

Como intelectual e militante comunista você deve viajar por várias partes do mundo. O que nos diz sobre as lutas dos trabalhadores? Há algo de novo no front?
Sim, tenho tido a felicidade de ser convidado por universidades em todo o mundo. E tenho participado de muitas reuniões, algumas vezes acadêmicas, porém mais frequentemente políticas. Isso abre horizontes à reflexão. Na China pude constatar que o problema da poluição nas cidades não se reduz, nem um pouco, a um tema de propaganda inventada pelas redações ocidentais. Vi também o extraordinário progresso desse país, que o Império cerca de maneira já ameaçadora. 
Na Rússia se pode ver os efeitos do capitalismo selvagem imposto a partir do golpe de 1991: lojas abertas 24 horas por dia, sete dias por semana; reino do business e da corrupção generalizada; desigualdades ainda mais gritantes que na França, etc.
Mas eu fiquei impressionado, recentemente, pela seriedade e organização dos camaradas coreanos, que organizaram em setembro último, em Seul, um importante fórum internacional. Eles estão lidando com um modelo quase acabado de “democracia” completamente formal: uma lei dita de “segurança nacional” (que durante muito tempo era chamada simplesmente de “lei anticomunista”) permite, de fato, que o governo jogue na cadeia qualquer um que diga uma palavra que seja a favor da reunificação com o norte, qualquer um que denuncie o sistema de forma um pouco mais radical. Pude ver, nesse país longínquo (que a China e o Japão nos fazem quase esquecer), homens e mulheres dos quais a determinação, a coragem e a qualidade humana me lembraram as belas figuras de comunistas que, na minha juventude, eu admirava.

Como analista de profunda convicção internacionalista, qual a sua análise sobre o Brasil e qual a mensagem que você deixaria para aqueles que lutam pela emancipação humana, em nosso País?
Dei aulas, durante algumas semanas, na USP, e dei algumas conferências na Universidade São Judas Tadeu. Foi em 2007. Devorei sua literatura (Machado de Assis me agrada tanto quanto Sterne e certos romancistas franceses que, como Crébillon, por exemplo, eu aprecio particularmente). Sem querer dar lições e menos ainda ser um intelectual que emite julgamentos sem conhecer grande coisa sobre o que fala, o que eu posso dizer é que a imagem “midiática” do Brasil mudou radicalmente nos últimos 20 anos. Do Brasil dos trabalhadores superexplorados, que durante muito tempo nosso imaginário ocidental prontamente reduzia ao Nordeste, e a sua miséria apavorante, do Brasil que era descrito, por exemplo, em Cacau de Jorge Amado, passamos a um Brasil que nossas mídias apresentam como um país em pleno progresso, como um gigante em formação, como um “concorrente” muito sério para as economias cambaleantes da velha Europa, e etc.
Essa evolução foi acompanhada por uma unanimidade alardeando sem qualquer nuance a política do governo Lula. Quando o Tesouro estadunidense, os grandes bancos de negócios e as agências de classificação dirigem louvações a vocês, é normal que a mídia do sistema trate o Brasil com uma deferência entusiasta. Já a questão da corrupção foi enfocada de passagem por nossa mídia oficial. Em compensação, se fala muito pouco, na Europa, das desigualdades abissais que subsistem no Brasil. Jean Salem é fi lósofo, militante das lutas anticapitalistas e comunistas, estudioso da filosofia materialista greco-romana, professor da Universidade de Paris I (Sorbonne), onde coordena o seminário “Marx no Século XXI” e é diretor do CentroPara a História do Pensamento Moderno.

* Milton Pinheiro é Professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e editor da revista Novos Temas
Tradução: Ernesto Pichler.

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