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segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O silenciado extermínio de Raqqa, o My Lai sírio

Nazanín Amirian    30.Oct.17    Outros autores
A intervenção imperialista na Síria acumula crimes de guerra. Ao mesmo tempo que fica cada vez mais evidente que não se trata de qualquer «combate ao terrorismo» mas sim de consolidar a utilização desse instrumento, que o próprio imperialismo criou, alimenta e protege. Prossegue a destruição do Estado sírio e a ocupação de parcelas do seu território.
O mundo estremeceu em Novembro de 1969 quando o jornalista Seymour Hersh revelou o massacre de My Lai (Vietnam): todos os seres vivos da aldeia tinham sido aniquilados depois de sofrerem vários dias de tortura e terror.
E agora ocultam ao mundo a dimensão da tragedia que causaram à gente de Raqqa, muito maior que My Lai: 25.000 pessoas foram atacadas com espadas, espingardas, bombas e misseis por dois grupos terroristas (Daesh e as Forças Democráticas Sírias (FDS)), dirigidas pelos EUA e seus aliados. Raqqa não foi libertada, apenas passou das mãos de um grupo terrorista para outro.
Entretanto a imprensa ocidental, que acusava de “crimes de guerra” a Rússia pela sua intervenção militar em Alepo, ficou muda ante aquilo a que a Amnistia Internacional chamou “um labirinto mortal” e a ONU aponta a responsabilidade da coligação liderada por Washington por “uma assombrosa perda de vidas” de milhares de bebés, velhos, mulheres e homens cujos cadáveres putrefactos cobrem as ruas da cidade nortenha da Síria.
Na semana passada, durante a suposta libertação da cidade assediada de Raqqa - ocupada pelos jihadistas em 2014 -, o Pentágono (que não tem nenhum mandato legal para levar a cabo ataques aéreos na Síria), utilizou duas armas especialmente terroríficas. Por um lado, o fósforo branco, cujo uso é ilegal, que abrasa o corpo até ao osso e que quando se respira queima os pulmões. Por outro, os foguetes MGM-140B, que disparam cerca de 274 granadas antipessoais, capazes de exterminar qualquer ser vivo num raio de 15 metros. ¡É assim que Trump faz a “América Maior”!
EUA, Israel e Arabia Saudita acolheram com grande satisfação a expansão do Daesh na Síria, por debilitar o governo baas de Assad em Damasco, uma vez que lhes oferece o que chamam algumas oportunidades estratégicas, sobretudo contra o Irão.
O secretário da Defesa estado-unidense James Mattis, apodado “cão raivoso”, anunciou já que o Pentágono estava a adoptar “tácticas de extermínio” na sua campanha na Síria: “As baixas civis são uma realidade neste tipo de situações”, disse. Milhares de civis sírios não são mais que “danos colaterais” dos seus infames interesses, tal como foram na Jugoslávia, Afeganistão, Iraque, Líbia, Iémen, Sudão e Somália.
Durante os ataques, que duraram meses, os franco atiradores de ambos bandos mataram inclusivamente as personas que se rendiam ou as que tentavam fugir pelo Eufrates, afundando-os com os seus barcos no rio. Mattis é o mesmo general que organizou o cerco à cidade iraquiana de Fallujah, em 2004, matando milhares de civis com balas, bombas, fome e sede.
Enquanto a coligação dirigida pelos EUA rodeava Raqqa a partir do norte, este e oeste, deixou que os jihadistas do Daesh se escapassem pelo sueste para se refugiarem na província de Deir ez-Zour, e daí continuar lutando contra o Exército sírio. Washington volta a fazer de bombeiro pirómano: deixa que o Daesh ocupe territórios sírios, para depois se apresentar como força libertadora, apropria-se dos territórios que são o seu despojo de guerra, utilizando os curdos e os árabes como tropas terrestres suas. Em 2016, John Kerry comentou que com o avanço do Daesh, Assad se verá obrigado a negociar, conseguindo assim os objectivos político-militares que a NATO não pode alcançar, na sua Guerra-negocio sem fim.
¿Por quê Raqqa?
Os EUA apodera-se de outra cidade da Síria, país onde por primeira vez na sua história conseguiu bases militares, graças ao colaboracionismo curdo, que mesmo assim afirmam ser de esquerda.
Entre os motivos do Pentágono para ocupar esta cidade estão:
1. Adiantar-se ao Exército sírio e aos seus aliados russo-iranianos para recuperar esta estratégica urbe.
2. Anexar Raqqa aos seus territórios ocupados na Síria, e ali estabelecer uma presença militar permanente; começou já a instalar uma nova base militar em Tabqa. Por isso, os países da NATO apressaram-se a anunciar que apesar da derrota do Daesh não abandonarão a Síria.
3. Raqqa será a capital de facto das chamadas forças moderadas sírias, convertida em contrapeso do governo de Assad em Damasco. Situação que também criaram em países atacados como Líbia e Iraque, impondo dois governos paralelos.
4. Este ataque, que coincide com a invasão de Idlib pela Turquia com dezenas de tanques, garante a desintegração real da Síria.
Entre os objectivos de Trump em Iraque e Síria não está lutar contra o terrorismo, mas sim consolidar a hegemonia dos EUA sobre uma região com vastas reservas de petróleo no Próximo Oriente e neutralizar dois principais obstáculos: Irão e Rússia, enquanto o objectivo final é conter o avanço do seu verdadeiro rival, a China.
A manipulação da informação sobre o que está a suceder no Próximo Oriente está a impedir a formação de uma oposição organizada nos países atacantes e de um movimento contra as crescentes guerras a nível mundial.
http://blogs.publico.es/puntoyseguido/4329/el-silenciado-exterminio-de-raqqa-el-my-lai-sirio/

domingo, 29 de outubro de 2017

OPINIÃO

Parafraseando L. Trotsky

Não é notável que aqueles que falam com mais indignação sobre as vítimas da revolução social (nomeadamente, hoje, da Revolução Socialista de Outubro na Rússia de 1917) são geralmente os mesmos que, se não directamente responsáveis  pelas vítimas das guerras imperialistas do século XXI, as prepararam e glorificaram, ou ao menos as aceitaram?

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O que não aprendemos com a Revolução Russa

Parece-me, por vezes, que alguns celebram a Revolução Russa para melhor esquecê-la.

Por Mauro Luis Iasi.

“[Em alguns] processos, acontece com extraordinária frequência
ser ‘recordado’ algo que nunca poderia ter sido ‘esquecido’,
porque nunca foi, em ocasião alguma, notado […]”
S. Freud,  “Recordar, repetir e elaborar”, 1914)
O centenário da Revolução Russa foi marcado, aqui e no mundo, por inúmeras celebrações, debates, publicações e outras iniciativas, o que demonstra o incrível impacto que este acontecimento teve e ainda tem sobre todos nós. Tudo isso é muito importante e configura um dado extremamente positivo nesta conjuntura de defensiva da esquerda.

Nossa reflexão aqui vai em uma direção um pouco distinta da necessária celebração. Já na abertura de sua magistral obra O Estado e a revolução Lênin nos lembra que Marx, assim como outros revolucionários, foram perseguidos em vida, que suas obras foram alvo do ódio mais feroz, da difamação e da mentira. No entanto, “depois da morte deles, tentam transformá-los em ícones inofensivos, canonizá-los, por assim dizer”, tudo isso para consolo e enganação dos oprimidos, ao mesmo tempo “castrando o conteúdo da doutrina revolucionária, embotando seu gume revolucionário, vulgarizando-a.” (Lênin, O Estado e a revolução, p. 27).
Creio que algo semelhante ocorre quando falamos da Revolução Russa. Ao mesmo tempo em que se ressalta seus líderes e ícones, seus símbolos e sua grandiosidade, tenta-se cerca-la de uma rígida fronteira que a circunscreveria em sua época, incapaz de qualquer universalidade que não seja abstrata. Transforma-se este episódio épico em ícone, castrando sua substância revolucionária, aviltando-o.
Sabemos que este como qualquer outro acontecimento histórico é constituído de particularidades que o identificam e caracterizam. Mas estamos convencidos de que há ensinamentos universais que nem sempre são destacados como deveriam, exatamente porque são incômodos e provocativos no interior do caminho que a esquerda brasileira escolheu trilhar. O desafio está em determinar o que há de particular e o que há de universal nessa experiência histórica.
Acreditamos que podemos indicar, resumidamente, cinco aspectos que são próprios da experiência soviética e que dificilmente se apresentariam em novos contextos históricos, são eles: a) o tsarismo e a luta pelas nacionalidades; b) uma particular estrutura agrária e a forma da luta camponesa; c) um desenvolvimento urbano e industrial peculiar com o desenvolvimento do movimento operário e revolucionário (com uma particular forma de presença do marxismo); d) a crise da II Internacional e a natureza da disputa ali travada; e) uma conjuntura marcada pelas guerras de 1904 e depois 1914.
Cada um desses aspectos mereceria uma análise aprofundada que não cabe aqui. Digamos somente que contribuíram para a singularidade da Revolução Russa, ao mesmo tempo que são a base de sua universalidade. O império tsarista formou-se no século XV, estendendo-se desde a Europa Oriental até o mar do Japão, submetendo ao seu domínio uma série de nacionalidades e povos (57% da população do império não era russa). A base servil das relações e a formação de uma aristocracia, cuja forma tsarista é a expressão, faz com que a resistência se expresse na dupla determinação da luta pela terra e pela afirmação das nacionalidades. Esta contradição se apresenta numa intensa luta camponesa, em rebeliões que culminam nas revoltas de Pugachev em 1858 e no Movimento Terra e Liberdade de Tchernichevski de 1860 que levarão à abolição da servidão em 1861. O Estado tsarista centraliza e articula esta dominação com base em uma imponente máquina militar e burocrática, apoiando-se em uma sociedade patriarcal e em uma ideologia da superioridade predestinada do povo russo e da infalibilidade do tsar e seu poder divino. O tsarismo soube modernizar-se, principalmente nos reinados de Pedro (1682-1725) e Catarina (1762-1796), criando grandes cidades e, finalmente com Alexandre II (1855-1881), iniciando um processo de industrialização associado a presença do capital imperialista.
Tanto o desenvolvimento industrial como os limites das lutas camponesas que evoluem para o chamado populismo russo dos narodiniks até o terrorismo e o anarquismo, marcará a forma política da luta de classes na velha Rússia. Por um lado, a tradição da luta camponesa desembocará na formação do movimento Socialista Revolucionário, que se forma como partido em 1901, e de outro pela entrada do marxismo através de Plekhanov, Vera Zassulitch, Martov e outros, primeiro através de círculos de estudo e, em 1883, com a formação do POSDR.
Um forte partido operário, articulado internacionalmente através da II Internacional, enraizado na classe trabalhadora concentrada nas três principais cidades do império, faz com que a Rússia acompanhe o amadurecimento do movimento e da luta operária europeia, equalizando sua situação, o que em outras condições não seria possível.
Por fim, uma conjuntura de crise do capital e de guerras, primeiro a guerra com o Japão desfechada em 1904 e que provocou uma situação revolucionária em 1905 e, depois, a primeira Grande Guerra que eclodiu em 1914. Dada a particularidade da estrutura agrária, responsável por 45,3% da economia tsarista e 37% de todo cereal consumido da Europa), uma produção agrícola de baixa produtividade unitária que alcançava seu volume pela dimensão de seu conjunto, a guerra produz impactos significativos na queda da superfície plantada, e por conseguinte, no preço dos gêneros de primeira necessidade. A convocação massiva de camponeses não impacta somente na produtividade no campo, mas muda a composição das famílias fazendo com que as mulheres, submetidas à secular opressão, possam emergir no terreno fértil da luta de classes. A crise se expressa, também, no agudizar das contradições internas do bloco dominante, fazendo emergir contradições no seio da aristocracia e da recente burguesia que cobram mais espaço político no extremamente centralizado poder autocrático do Tsar.
Não podemos esperar que nenhum destes aspectos particulares possam se apresentar além das circunstâncias específicas que os produziram historicamente, assim como a subjetividade política que deles deriva. Lideranças como Lênin, Trótski, Kollontai, Krúpskaia e outros foram tanto artífices destes tempos como seu produto. Em seu conjunto, esses fatores objetivos e subjetivos, pode levar à percepção de que a Revolução Russa é um acontecimento único e do qual não se pode retirar nenhum aspecto universal.
No entanto, para aqueles que compreendem os fundamentos da dialética materialista, não é novidade que uma universalidade é a síntese de múltiplas particularidades e que exatamente aquilo que confere a singularidade a um acontecimento pode ser também a base de sua universalidade. A particularidade da revolução Russa expressa a forma específica em esta formação social transitou para o modo de produção capitalista, amaneira particular que se expressou a formação de seu Estado, a forma típica que assumiu nestas condições a luta de classes, principalmente no momento em que se produzem situações revolucionárias. Dito de outra forma, uma maneira particular através da qual os russos viveram a singularidade de nossos tempos.
Marx e Engels também viveram tempos particulares e ao mesmo tempo em que tiveram que atuar e responder a questões muito bem determinadas da conjuntura política da luta de classes em que estavam envolvidos, teorizaram sobre os caminhos da revolução proletária. A Prússia do século XIX não é a Rússia do inicio do século XX, mas ao abstrair as condições particulares emerge uma singularidade que pode indicar momentos de uma universalidade em construção.
Em sua Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas (1850) Marx e Engels apontam alguns aspectos que devemos ressaltar: a) os trabalhadores encontram-se em uma situação histórica na qual ainda lutam contra os adversários de seus adversários, o momento da revolução burguesa; b) no curso desta luta os trabalhadores devem estabelecer alianças e, por isso, devem se preocupar em não marchar a reboque de seus aliados que devem triunfar em um primeiro momento, consolidando seu poder contra o proletariado; c) para isso os trabalhadores devem cuidar de sua independência e autonomia de classe, tanto mantendo sua organização independente (legal e secreta) como um programa próprio; d) No curso desta luta, no momento em que a burguesia tentar consolidar o poder em benefício próprio, os trabalhadores devem criar órgãos próprios de poder, criando uma dualidade de poderes que deve ser defendida a todo custo contra os ataques da burguesia; e) Trata-se de gerar, desde o início da Revolução Burguesa, as condições de desenvolvimento de uma Revolução Proletária, uma revolução em permanência, ou mais precisamente, uma Revolução Permanente.
Não é necessário muito esforço para notar que se abstrairmos o contexto particular das lutas na Alemanha de 1848/1850, estamos diante de uma universalidade vazia de determinações, ou seja, uma singularidade, que é praticamente o roteiro da revolução Russa. Não porque Marx tinha dons premonitórios, mas porque a análise da realidade particular de seu tempo se eleva a uma universalidade que serve de ponto de partida singular àqueles que pensaram os caminhos da revolução no inicio do século XX.
Ocorre que as experiências posteriores vão agregando novas particularidades, tornando cada vez mais rico a universalidade que daí deriva. Em 1850 Marx não tem como responder uma questão central: qual a forma do Estado nesta transição revolucionária. Será a Comuna de Paris de 1870 que agregará a forma finalmente encontrada.
A revolução Russa dá um passo essencial nesta construção histórica, sem dúvida por suas particularidades, mas estamos convictos que inscreve novos aspectos à universalidade da alternativa revolucionária. Acreditamos que a revolução Russa nos deixa algumas questões essenciais para pensar os nossos dias, são elas: a) a questão do Estado; b) a combinação da espontaneidade e da ação política dirigida conscientemente pela classe revolucionária; c) a questão da transição, tanto no que diz respeito a forma econômica quanto a forma política a ela correspondente.
Antes, entretanto, gostaríamos de destacar que a experiência russa é a última que atualiza e supera a primeira das características apontadas por Marx e Engels em 1850, qual seja, o momento democrático burguês da revolução proletária. Os marxistas posteriores, por uma série de motivos, transformaram este momento em uma “etapa”, em um longo processo em que o capitalismo deveria se desenvolver e consolidar antes que fosse possível uma revolução socialista. Na verdade, esta é uma afirmação característica da II Internacional e do reformismo que levará à sua falência e que será transformada em dogma pela III Internacional stalinizada. A visão de Lênin e Trótski é, neste aspecto, heterodoxa ao ser ortodoxa. Ambos, por razões muitas vezes distintas, vêm a necessidade de se aproveitar o momento para superar, o mais rapidamente possível, o momento democrático burguês, aproveitando-se da instabilidade da queda do antigo regime para avançar a revolução proletária, de forma que parte do desenvolvimento necessário será realizado já sob o poder proletário. Ambos parecem relativizar a convicção de Marx segundo a qual nenhuma sociedade nova pode surgir antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que a velha sociedade pode conter (daí sua heterodoxia), para se aproximar de Marx e sua afirmação de que o movimento que leva do momento burguês ao momento proletário da revolução é uma revolução permanente (daí sua ortodoxia).
Este fato coloca no centro a questão que julgo ser a fundamental colocada pela experiência soviética: o Estado. Já em agosto de 1917, ao apresentar seu livro sobre o assunto, Lênin afirmava que “a questão do Estado assume, em nossos dias, particular importância, tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista político prático”. Mas no que consiste, em suma, esta questão?
Podemos resumir esta complexa questão à afirmação leniniana, sustentada numa compreensão precisa da teoria do Estado em Marx e Engels, segundo a qual o Estado Burguês não pode ser ocupado ou disputado, mas deve ser aniquilado pela ruptura revolucionária, substituindo-o por um Estado Proletário. Mencheviques e Socialistas Revolucionários de direita (existiam os de esquerda, como Martov que se opuseram a política de participação no Governo Provisório), estavam convencidos que era possível participar no Estado burguês graças a uma correlação de forças favorável que permitiria utilizar o Estado como instrumento de uma intencionalidade popular.
Esta questão teórica e política/prática foi respondida cabalmente pela Revolução Russa, mas não somente, também pela derrota da Revolução Alemã de 1918/19, por toda experiência socialdemocrata do pós segunda guerra, pelo governo da Unidade Popular no Chile (1970-1973) e inúmeras outras experiências do século XX.
No entanto, curiosamente, a esquerda construiu uma certeza no sentido exatamente oposto a este. Parece ter se consolidado a convicção que a ruptura e a passagem revolucionária para um Estado Proletário é um aspecto particular da Rússia e que a característica própria dos tempos que se abriam era de uma alteração na natureza do Estado que permitiria que se estabelecesse sua disputa e utilização no sentido da transição socialista ou de uma transição para o socialismo. É comum atribuir a Gramsci esta concepção de um “Estado ampliado” em contraposição a uma compreensão “restrita de Estado” presente em Marx e Lênin. Não cabe aqui aprofundar se esta atribuição é ou não pertinente (estamos convencidos que Gramsci debate sobre a forma da via revolucionária, mas não rompe com os fundamentos da Teoria de estado de Marx e, mesmo, de Lênin), mas o fato é que a Revolução Russa aconteceu e se consolidou, assim como a Chinesa em 1949 e a Cubana em 1959, ao mesmo tempo em que nenhuma das chamadas experiências de “democratização” do Estado burguês, desde o eurocomunismo e a social democracia até as recentes experiências democráticas populares levaram a nada remotamente perto do socialismo.
A atual tendência do irracionalismo hoje reinante funciona assim: escolhe um aspecto da realidade, o isola e proclama o fim da possibilidade do socialismo num êxtase hiperempirista, logo e seguida, quando a realidade parece desmentir sua convicção, passa a defender que a realidade não existe.
O mesmo ocorre com o segundo ensinamento da Revolução Russa. Lênin tinha certeza que as revoluções não acontecem simplesmente, elas precisam ser feitas. Isto é, a revolução proletária possui um aspecto de intencionalidade política muito mais marcante que sua antecessora histórica. Isto não significa que ela seja unicamente produto da intencionalidade da classe revolucionária ou de sua organização política. O que a Revolução Russa comprovou, e o rico debate entre Lênin e Rosa apenas expressa no campo teórico, é que a revolução de nossos tempos é uma combinação entre aspectos espontâneos e intencionais, objetivos e subjetivos, da luta de classes. Não é o caso de repassar aqui os fatos sobejamente conhecidos, mas reafirmar que a revolução não teria sido possível sem episódios onde a espontaneidade da classe foi marcante – tais como a insurreição de 1905 ou a de fevereiro de 1917, a revolta nas bases militares, as greves – da mesma forma que nada disso teria encontrado sucesso sem a capacidade de organização, de ação política e iniciativa de direção no sentido de resistir – como ocorreu depois do fracasso das jornadas de junho e a reação do governo, como na resistência ao golpe de Kornílov e a ação que levou à derrubada o Governo Provisório como em outubro de 1917.
No lugar desta complexa dialética, a esquerda contemporânea parece ter se rendido a um culto ao espontâneo e a uma inversão estranha. Empenha-se em realizar as tarefas objetivas, fazer manifestações, produzir greves, criar insatisfação, enquanto espera que a história resolva os problemas que só a ação subjetiva da classe pode gerar, tais como as questões da estratégia e da tática, o programa, o plano operacional e a via, os problemas da organização e outros.
Sem dúvida, a maior contribuição da Revolução Russa deriva do fato que ela possibilitou levar a transição socialista a um ponto onde não se havia antes chegado. Para o bem e para o mal, isto é, o que os russos generosamente nos ensinam se fundamenta em grande parte nos seus erros. Aqui, mais uma vez retornamos a questão do Estado. Se para nós a questão da necessária destruição do Estado burguês e sua substituição por um Estado proletário se comprovou válida, pela experiência soviética e pelos fatos posteriores, a relação entre o Estado proletário e a transição socialista nos coloca uma série de questões sobre as quais precisamos refletir.
Marx parecia estar convencido que na primeira fase da sociedade comunista, o que nós resolvemos chamar de socialismo, ocorre uma transição econômica que tem por objetivo eliminar as bases daquilo que um dia dividiu a sociedade em classes e que ele sintetiza em cinco iniciativas: a) superar a escravizante subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho; b) superar o antagonismo entre trabalho intelectual e manual; c) transformar o trabalho de meio de vida em primeira necessidade da existência; d) superar o indivíduo burguês, desenvolvendo o ser social em todos os sentidos; e) desenvolver as forças produtivas para sejam capazes de produzir além das necessidades, em abundância. Somente isso permitiria que cada um trabalhasse de acordo com suas possibilidades e recebesse de acordo com suas necessidades superando “os estreitos horizontes do direito burguês”, conforme Marx famosamente afirmou na Critica do programa de Gotha. A estas mudanças econômicas corresponderia uma transição política na qual o Estado só poderia ser a Ditadura Revolucionária do Proletariado.
Coerente com sua concepção de revolução permanente, Marx pensava que não apenas a passagem do momento democrático burguês para o momento proletário, mas da primeira fase para o comunismo, portanto, para uma sociedade sem classes e sem Estado, deveria ser um movimento contínuo. Dada as características das tarefas enunciadas, este movimento não poderia ser efetivado pelo ato único da revolução, daí a concepção de uma transição e da necessidade do Estado. Tal necessidade resulta diretamente da experiência da Comuna à qual nos referimos, seja pela necessidade de resistir às classes dominantes derrotadas e destruir sua capacidade de reação o que faltou fazer na Comuna de Paris), seja pela consolidação de uma ordem que seja fosse de conduzir a transição até a superação do Estado.
Lênin atribui este movimento um caráter de “definhamento”, uma vez que a própria ação do Estado proletário na medida em que fosse implementando as medidas citadas, iria tornando cada vez mais desnecessário o Estado. Para isso, a Ditadura do Proletariado deveria ser um Estado dos operários, camponeses e demais trabalhadores e não um Estado dos funcionários, como alertava o próprio Lênin em seu O Estado e a revolução. Ora, a experiência soviética demonstrou que a suspeita dos anarquistas que um Estado desenvolveria interesses próprios em sua perpetuação, independente do caráter revolucionário da classe que representa, acabou por se mostrar mais problemático que nós marxistas julgávamos.
O fato é que o Estado não definhou, pelo contrário, fortaleceu-se e consolidou uma profunda deformação burocrática invertendo a previsão leniniana, isto é, tornou-se de fato um estado dos funcionários com enorme poder sobre os trabalhadores. Costuma-se utilizar este fato como comprovação daquela convicção citada sobre o denominado caráter ampliado do Estado contemporâneo, isto é, o caráter “oriental” da formação social russa, nos termos gramscianos, teria permitido a tomada do poder, mas condenado a transição a um ato dirigido pelo alto, imposto à sociedade sem mediações. Nesta leitura os problemas da transição seriam melhor resolvidos pelo desenvolvimento de uma sociedade civil forte, resultado de um pleno desenvolvimento do capitalismo. O problema é que esta leitura faz com que muitos visitem o túmulo dos bolcheviques para criticá-los por sua impaciência enquanto levam flores e desculpas aos injustiçados mencheviques.
Acreditamos que os motivos e as determinações deste fenômeno são outros (trataremos deste assunto na próxima coluna), no entanto, não podemos concordar que a solução seria não ter ousado tomar o poder e construir uma experiência proletária e socialista, até porque a alternativa à tomada do poder pelos bolcheviques aliados aos SRs de esquerda e anarquistas não seria o lento amadurecimento de uma democrática sociedade ocidental, mas o golpe de Kornílov e possivelmente o desmembramento da Rússia em áreas de influência imperialista como ocorreu na China.
Assim, o risco é que muitos enaltecem e celebram a Revolução Russa para defender que hoje devemos fazer exatamente o oposto do que nossos camaradas realizaram: devemos ceder a tentação de tomar o poder e, no lugar da ruptura revolucionária propor a democratização do Estado burguês até que com o desenvolvimento das forças produtivas e da consciência de classe dos trabalhadores torne-se possível a passagem para o socialismo; devemos acreditar que as massas mudarão a sociedade quando estiverem prontas e dispostas a fazê-lo e as demais classes da sociedade (principalmente as camadas médias) estejam dispostas a aceitar isso sem surtar histericamente ou reagir de forma brutal; e, finalmente, devemos rejeitar a proposta de socializar os meios de produção exercitando formas mistas de propriedade e convivência de relações sociais de produção que vá introduzindo, aos poucos, formas socializadas em uma economia de mercado até que, em um místico dia futuro, cheguemos ao socialismo sem traumáticas rupturas.
Os herdeiros do reformismo se inquietam diante de uma realidade que atualiza o impasse do início do século: a guerra, o imperialismo, a crise, a prepotência de um Estado de classe se esforçando para manter um Modo de Produção moribundo. Lênin, na mesma apresentação do livro citado afirmou que dezenas de anos de relativa paz criaram os elementos do oportunismo que predominava nos partidos socialistas oficiais, mas que a crise teria varrido as certezas que embasam os desvios oportunistas e o líder bolchevique podia prever, com certo otimismo, ao final de sua apresentação que:
“A questão da atitude da revolução socialista do proletariado em relação ao Estado adquire, desse modo, não apenas importância política prática, mas também relevância da maior atualidade como questão do esclarecimento das massas sobre aquilo que terão de fazer num futuro próximo para sua libertação do jugo do capital.” (Vladímir Lênin, O Estado e a revolução, p.24)
As últimas décadas de “relativa paz” criaram as condições para a ressurreição do oportunismo. A crise atual recria as condições para a crise deste oportunismo e a retomada de uma política revolucionária.
Parece-me, por vezes, que alguns celebram a Revolução Russa para melhor esquecê-la.

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Tariq Ali apresenta O Estado e a revolução, de Lênin, na TV Boitempo.

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Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

The CIA and the Pentagon’s Dirty Secrets

By Global Research News
Global Research, October 25, 2017

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terça-feira, 17 de outubro de 2017


Chavismo ganha em 17 dos 23 Estados nas eleições regionais venezuelanas
O presidente do país, Nicolás Maduro, comemorou a vitória chavista: "ganhamos 75% dos governos do país (...) o chavismo está vivo, está triunfante e está nas ruas", disse
O Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) venceu em 17 dos 23 estados do país nas eleições para governadores realizadas neste domingo (15/10), segundo os resultados oficiais anunciados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
De acordo com o CNE, os candidatos da oposição venceram em cinco Estados, enquanto que os resultados do Estado de Bolívar ainda não foram divulgados devido à diferença apertada de votos entre os dois adversários.

O PSUV conseguiu ganhar da oposição o estado de Miranda (centro-norte) governado pelo duas vezes candidato à presidência do país Henrique Capriles, e os estados de Lara (oeste) e Amazonas (sul).

Com 95,8% das urnas apuradas, a presidente do CNE, Tibisay Lucena, disse que os resultados são "irreversíveis", explicando que nestas eleições houve uma participação de 61,14% do censo eleitoral.
Agência Efe
http://www.operamundi.com.br/media/images/636437300023877442.jpg
CNE divulgou resultados do pleito neste domingo (15/08)
O PSUV vai continuar governando os estados de Apure, Aragua, Barinas, Carabobo, Cojedes, Delta Amacuro, Falcón, Guárico, Monagas, Portuguesa, Sucre, Trujillo, Vargas e Yaracuy. A oposição, por sua vez, ganhou em Anzoátegui, Mérida, Nueva Esparta, Táchira e Zulia.
Governo
O presidente do país, Nicolás Maduro, comemorou a vitória chavista. "Ganhamos 75% dos governos do país (...) o chavismo está vivo, está triunfante e está nas ruas”, disse.
"A oposição teve cinco vitórias, as reconhecemos como fizemos sempre, e há um governo em disputa", disse, ao se referir a Bolívar. "Hoje ganhou a verdade da Venezuela, hoje o chavismo arrasou, hoje temos 17 governos, hoje temos 54% dos votos, hoje temos 61% de participação, e hoje a pátria se fortaleceu com 75% dos governos", afirmou Maduro.
"Esta vitória é uma proeza moral e política do povo venezuelano, que conseguiu resistir aos embates da guerra da oligarquia e que disse 'não às sanções', 'não ao intervencionismo'", finalizou o presidente venezuelano. 
Oposição

A coalizão de partidos opositores Mesa da Unidade Democrática (MUD) tinha antecipado minutos antes do anúncio oficial da CNE que os números com que seus operadores eleitorais trabalham eram "muito diferentes" dos que o órgão eleitoral ia divulgar, e já disse – mesmo antes de conhecer os resultados – que não iria aceitar o pleito.

Para a oposição, o CNE tinha tido um comportamento suspeito e diferente do registrado em outras eleições.
O chefe da campanha da MUD, Gerardo Blyde, afirmou afirmou que a aliança opositora pedirá uma auditoria de todo o processo eleitoral. Blyde explicou que a oposição não reconhecia os resultados "não somente devido a todas as violações de lei que vieram sendo cometidas durante o processo", como a substituição de candidatos e a realocação de centros eleitorais.

 

Chavismo está vivo: uma primeira análise das eleições regionais na Venezuela

Estas eleições regionais vêm precedidas de um ciclo de violência erguido pelos fatores antichavistas dentro e fora da Venezuela. Após quatro meses de violência, e em que a oposição venezuelana tentou boicotar as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte (ANC), o chavismo consegue levar o conflito para a rota eleitoral. A narrativa de que existe na Venezuela uma “ditadura” ficou deslocada com a participação da Mesa de Unidade Democrática (MUD) nestas eleições.
A Venezuela sofre, ademais, um ciclo de sanções políticas e econômicas auspiciadas pela Casa Branca. Assinalam a ausência de garantias democráticas na Venezuela. Por outro lado, a Organização de Estados Americanos (OEA), claramente tutelada pelos Estados Unidos, se baseia na mesma afirmação e, em diversas oportunidades, patrocinou atos de deslegitimação destas eleições, omitindo, inclusive, a participação de forças opositoras nelas.
No domingo, 15 de outubro, o presidente Nicolás Maduro criticou o silêncio das corporações midiáticas e porta-vozes políticos e governos que deslegitimaram a democracia venezuelana, ao tentar ocultar as eleições e seus resultados. Destacou os perigos de que se siga insistindo declarar a Venezuela como Estado foragido ou antidemocrático. E concluiu que “a Venezuela deu uma demonstração ao mundo de que vivemos em uma democracia plena”.
Em que pesem estas variáveis, a institucionalidade erigida do chavismo consegue organizar este evento eleitoral e submeter os currais da política aos fatores que, de maneira consistente, dentro e fora da Venezuela, tentaram socavar a estabilidade das instituições venezuelanas, empurrando o país ao preâmbulo de uma guerra civil.
Os resultados
A participação eleitoral de 61,14% dos inscritos no registro eleitoral permanente. Para o tipo de eleição, é considerada uma participação alta, superior a de eventos similares em países como Colômbia, Chile, Argentina, México, e as que se realizam em outras latitudes, com as de EUA, França e Alemanha.
O chavismo conseguiu alçar-se com 54% dos votos do total nacional, voltando ao caminho vitorioso em eleições para cargos públicos convencionais.
A MUD, por sua vez, obteve 45% dos votos. Setenta e cinco por cento dos Estados foram ganhado pelo chavismo, 17 governos de um total de 23. A MUD alcançou cinco governos e só um Estado (Bolívar), até agora, está por definir por não mostrar uma tendência irreversível.
No entanto, esta sólida vitória também se narra pelo simbólico: históricos bastiões políticos e eleitorais da oposição como Lara, Miranda e Amazonas, utilizados como catapulta política para se posicionar para as eleições presidenciais, passaram para as mãos do chavismo com uma margem folgada. Se isso se analisa desde sua lógica, de apresentar seus governos como “o modelo” alternativo ao chavismo, então a MUD perdeu três eleições presidências em sequência no dia de ontem. A liderança de Henri Falcón e Henrique Capriles fica diminuída e sem base de poder de onde se apoiar para aspirar a conquistas maiores.
Em termos de voto nacional, sem os resultados em Bolívar, o chavismo se alçou com mais de 5,2 milhões de votos – cifra que aumentará logo que 100% das atas eleitorais sejam transmitidas -, enquanto que a MUD chegou, arredondando, aos 4,5 milhões de votos.
Deste dado estatístico também se desprendem algumas comparações que não devem ser deixadas de lado: a MUD perdeu quase 3 milhões de votos se se compara com sua melhor votação, em que conseguiu mais de 7 milhões. Por sua parte, o chavismo, assediado e bloqueado pelos EUA, por seus satélites na região e alguns países europeus, conseguiu manter e recuperar seu capital político em um momento de grandes dificuldades.

Venezuelanos votam em pleitos regionais para elegerem os 23 governadores do país

Chavismo ganha em 17 dos 23 Estados nas eleições regionais venezuelanas

Líderes latino-americanos celebram vitória do chavismo em eleições regionais na Venezuela


Agência Efe
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PSUV venceu em 17 de 23 Estados na Venezuela
A vitória do chavismo se mede não só na quantidade de governos alcançados e na votação obtida, mas também no decréscimo eleitoral de uma MUD que esperava capitalizar o descontentamento econômico patrocinado, vale reforçar, por eles próprios a partir da Assembleia Nacional e mediante as sanções financeiras desenvolvidas em conjunto com os EUA.
Fatores políticos que incidiram nos resultados
À primeira vista, alguns elementos sobressalientes poderiam ser ressaltados a fim de explicar a vitória do chavismo. A seguir, alguns dos mais relevantes:
- Em um marco de adversidade econômica, o chavismo implementou sistemas de proteção em matéria alimentar de alcance massivo. Os Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP) foram chaves em proteger setores amplos, contendo os efeitos da caotização  dos sistemas de abastecimentos e preços como parte da guerra econômica contra a Venezuela. Em agosto, a cobertura deste plano aumentou em 58%, alcançando mais de 9 milhões de famílias atendidas.
- O sistema Carnê da Pátria, uma política do Estado venezuelano para tornar eficiente e focalizar a gestão das Missões (programas sociais), foi efetivo para organizar a população em situação socioeconômica vulnerável. Frente ao marco de adversidade econômica atual, a opção eleitoral da MUD não se traduz em soluções concretas, fator que incidiu diretamente na diminuição de seu apoio eleitoral;
- A organização eleitoral do chavismo e sua proposta de soluções às grandes demandas da população foram elementos que se conjugaram adequadamente. Grande parte do eleitorado assumiu que é o chavismo o setor com capacidade de assumir as grandes tarefas e desafios  na gestão de governos regionais.
- As sanções da administração Trump e as ações abertas de ingerência por parte do governo estadunidense deram pé à coesão de forças chavistas e aumentaram significativamente o apoio para defesa e segurança nacional, independência e soberania como fatores de mobilização e ideias-força do chavismo. Motivado por isso, a empresa Datanálisis, uma das empresas de pesquisa mais influentes do país, afirmou que a popularidade do presidente Nicolás Maduro aumentou 5,8% no final de setembro.
- As ações violentas da MUD, assim como seus frequentes giros no estrangeiro, solicitando sanções e a asfixia econômica contra a Venezuela, foram também elementos-chave na mesma direção. O chavismo articulou uma campanha favorável para conquistar a paz política, rechaçando a agenda de intervenção, polarizando o cenário político entre aqueles que perseguem a destruição da nação e aqueles que buscam soluções para os problemas sem a violência como meio.
- Com exceção dos recursos administrativos ou de gestão para as eleições regionais, o chavismo conseguiu levar o centro do conflito político para as urnas: decidir entre a estabilidade política ou caos, entre ordem ou ingovernabilidade.
- Novas lideranças regionais ascenderam no chavismo para estas eleições. Estes coincidiram com lideranças regionais já consolidadas. A oferta eleitoral do chavismo se mostrou renovada em boa medida, enquanto que, para a oposição, a mescla entre dirigentes de baixo perfil, prefeitos com péssimas gestões e quadros do aparelho partidário não deu os resultados esperados e influiu diretamente nas grandes brechas que se deram em alguns Estados.
- O chavismo como identidade política também é um fator a se resenhar. Tem bastiões sólidos no interior do país. As forças revolucionárias ganham com amplas margens em vários Estados onde a guerra econômica golpeou com mais força, paradoxalmente. Isso só é explicável por altos níveis de consciência nesta comunidade política. O chavismo entende, a partir de uma lógica muito simples, que existe um marco de extorsão econômica propiciado por fatores empresariais e comerciais aliados à MUD e se contrapõe a essas ações de submissão. Em consequência, o chavismo vota para castigar os promotores da guerra.
- A violência dos meses de abri, maio, junho e julho deste ano, com saldos fatais em perdas humanas (147 falecidos) e incontáveis danos à propriedade pública e privada, junto a práticas de terrorismo de rua e violência paramilitarizada, fizeram estragos na sociedade venezuelana, dividindo a oposição entre aqueles que rechaçaram a violência e aqueles que a apoiavam.
- Produziu-se um paradoxo eleitoral: houve opositores que não votaram na MUD por interpretá-la como uma organização violenta. Mas, também, houve importantes setores que, fervorosamente, acreditaram em um derrocamento do chavismo e viram frustradas suas aspirações quando a MUD resolveu participar da contenda eleitoral. Ambos os grupos, especialmente o segundo, foram símbolo de desencanto contra a direção da MUD, a qual consideram traidora, errática e incongruente. A abstenção eleitoral jogou contra a MUD.
- As imagens ainda frescas da violência e do terrorismo que provocaram caos na Venezuela durante quatro meses, deixando um saldo de mais de 100 mortos, produziu uma situação desfavorável em termos de apoio eleitoral à MUD, para além da base opositora. Não haver cristalizado seus planos de derrocar o governo fortaleceu o chavismo como referente de ordem e estabilidade. Fator que, em momentos de estresse, insegurança com o futuro e turbulência como os de hoje, atraem o apoio da população.
- Uma parte do eleitorado não se identificou com as medidas de asfixia econômica generalizada impostas pela administração Trump e que haviam sido solicitadas consistentemente pelos dirigentes da MUD. As ações de ingerência econômica que complicam mais o cotidiano econômico da população não tiveram respaldo majoritário dos eleitores no momento de ir às urnas.
- Ao perder seus bastiões em Lara, Miranda e Amazonas, fica refletido que a MUD não é uma referência de gestão governamental eficaz, que atende as expectativas da população. A percepção sobre a MUD – organização repleta de promessas não cumpridas – foi um referente que melou o apoio de seus seguidores, não só nestes Estados, mas também em muitos outros. Não são uma referência de gestão regional.
- O discurso da MUD, unicamente centralizado em caracterizar o governo de Maduro como uma “ditadura”, foi insuficiente. Esse discurso não mobilizou o apoio, pois se centralizou em mobilizar o rechaço ao chavismo. Em eleições regionais, oferecer soluções a demandas populacionais é chave e esse elemento esteve ausente no discurso da MUD, que foi transversalmente demagogo e pouco coerente com as necessidades imediatas da população.
(*) Publicado originalmente em Mision Verdad
O chavismo se alça com uma importante vitória nas eleições regionais realizadas no último domingo, dia 15 de outubro

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Entrevista com Maria Orlanda Pinassi

Maria Orlanda Pinassi é professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp (campus de Araraquara, São Paulo) e é autora de Três devotos, uma fé, nenhum milagre (Editora Unesp, 1998) e do recém lançado Da miséria ideológica à crise do capital: uma reconciliação histórica (Boitempo).
A autora participou no último dia 19 da mesa “Marx, Lukács e os intelectuais revolucionários”, durante o III Seminário Margem Esquerda, cujo tema, este ano, foi uma homenagem ao legado do filósofo húngaro István Mészáros. Abordando vários assuntos que se colocam no horizonte da civilização ante a crise estrutural do capital, Maria Orlanda comentou temas como a importância dos movimentos sociais, a obra de Mészáros, a questão agrária no Brasil e o feminismo. Confira a entrevista:
Durante o debate, você disse que após ler a obra de Mészáros, sentiu falta de um ‘o que fazer’,  de quais seriam os próximos passos após a crítica apurada que ele faz do sistema do capital. Se não há uma receita, quais seriam as ‘pistas’, as trilhas abertas por sua crítica que podemos seguir para desenvolvermos uma teoria e prática de transição, de superação do sistema?
De fato, eu disse que quando estava terminando de fazer a revisão da tradução do livro Para além do capital, pensei que, após ter atravessado aquela que me pareceu a mais arguta e radical crítica do sistema sócio-metabólico desde Marx, incluindo aí desde as experiências concretas da relação capital-trabalho, e todas as principais formulações teóricas, fossem elas apologéticas ou anticapitalistas, encontraria um capítulo conclusivo no qual pudéssemos trilhar os caminhos das pedras. No fundo, acho que todos nós buscamos modelos através dos quais possamos pegar atalhos. Não os encontrei ali, e só o amadurecimento da minha relação com as suas teses mais fundamentais é que me levaram a compreender que a realidade histórica é um processo ativado por causalidades impossíveis de serem controladas pela vontade revolucionária. Essa postura de Mészáros desmistifica, tanto quanto Marx fez no século XIX, a crença de que a consciência determina a história. O que Mészáros nos oferecia com aquele magistral estudo de mais de 25 anos eram as ferramentas para não só interpretarmos criticamente a nossa história passada e presente, mas, e acima de tudo, um chamado urgente da responsabilidade ontológica e da perspectiva radicalmente revolucionária na realidade potencialmente destrutiva e irreformável do capital.
Embora estejamos em uma democracia, os movimentos sociais e a pobreza seguem sendo criminalizados. Este é o preço a ser pago por quem se confronta com o capital? O movimento social é a base da transformação?
Durante muito tempo, as esquerdas acreditaram que o progresso do capitalismo corresponderia ao desenvolvimento da consciência da classe operária. Ou seja, que o momento mais desenvolvido do capital equivaleria, conseqüentemente, à construção plena das instituições democráticas e ao momento mais propício à ruptura revolucionária pela classe operária organizada e consciente de seu papel histórico. O que vivenciamos atualmente representa exatamente o contrário disso. Quanto mais o capital progride, mais recua a perspectiva revolucionária dos trabalhadores. O desemprego estrutural e a perda progressiva das conquistas trabalhistas são os principais motivos do refluxo da luta que cada vez mais assume contornos defensivos. Por outro lado, trabalhadores desempregados procuram, na mesma proporção, novas formas de representação político-organizativa, novas formas de aflorar a luta de classes, através de movimentos sociais de massas, cujas estratégias são baseadas, sobretudo, em ocupações de terra e de prédios públicos. Fora do controle imediato do Estado, essas estratégias põem à prova a verdadeira dimensão da democracia burguesa que vem se assumindo com muita desenvoltura os papéis que tradicionalmente foram desempenhados por regimes autoritários, fascistas. Neste caso, portanto, a criminalização dos movimentos e a repressão vêm para o primeiro plano na relação que o capital estabelece com o trabalho.
Qual o espaço de transformação pela via institucional? Após o fracasso das experiências sociais democratas na Europa, acredita que ela está esgotada?
Essa questão remete ao mesmo problema observado acima. Para István Mészáros, nesta fase de crise estrutural, o capital é irreformável, portanto, as velhas fórmulas de contenção das crises cíclicas articuladas pela social democracia, que no passado não muito longínquo, alcançaram tanto êxito, hoje não têm a menor chance de obter algum resultado realmente positivo. De alguma forma, podemos dizer o mesmo em relação a qualquer perspectiva de transformação pela via institucional que, na atualidade, vem se adaptando, através de múltiplas contra-reformas, às necessidades cada vez mais destrutivas, anti-civilizatórias e desumanizadoras do avanço do capital. Obviamente que, pela via institucional, ainda há necessariamente espaço efetivo para a luta defensiva seja pelos direitos humanos, seja nos planos sindical e político-parlamentar. No entanto, não se pode mais ter ilusões quanto à auto-suficiência e autonomia dessa luta historicamente controlada pela capital. Trata-se, hoje, de empreender formas de luta que só podem ser verdadeiramente ofensivas se constituírem uma importante unidade entre sindicatos, organizações político-partidárias e movimentos sociais de massas.
O Brasil tem reafirmado sua vocação agrícola no desenvolvimento desigual e combinado global? O que isto pode representar (os ônus) para o País em médio e longo prazo?
Eu costumo dizer que os países da América Latina, Brasil inclusive, apesar de seu novo papel “sub-imperialista” no continente, estão experimentando uma nova relação de colonialidade com os países do centro irradiador das determinações capitalistas. Essa condição se estabelece através da instalação extremamente agressiva, violenta e prepotente dos interesses das transnacionais do agronegócios por aqui que, estrategicamente, vêm obtendo todo tipo de incentivo do Estado, nos mais diversos níveis (federal, estadual, municipal), e se utilizam das elites internas para solapar o avanço dos movimentos sociais de massas, como o MST, no Brasil, e demais movimentos que compõem a Via Campesina. Caso clássico disso que estou dizendo é o que temos observado no Rio Grande do Sul, cujo governo é desavergonhadamente “parceiro” das transnacionais e tanto quanto os proprietários de terra (vide o terrível exemplo de São Gabriel) vêm comprometendo, mediante ameaças e severos atos de repressão, a permanência do MST no Estado. A intenção é também a de inviabilizar a atuação do Incra no sentido de desapropriar terras para fins de reforma agrária e destiná-las para plantio de soja, eucalipto, cana e demais monocultura. Tal cenário nos remete ao recrudescimento do insolvente desenvolvimento desigual e combinado que, para o bem e para o bem, impõe a absoluta desmistificação de que o progresso possa ainda ser civilizatório, sobretudo, neste canto do planeta. A curto prazo, portanto, – porque a intervenção é urgente – a desilusão com o sistema e a ausência de expectativas em relação às suas “positividades” deve necessariamente remeter a luta de classes para novas e muito mais desafiadoras formas de enfrentamento contra o capital.
Quando pensamos em autores do pensamento crítico radical, citamos poucas mulheres. Como o capital reforça a opressão de gênero? A sua superação garantirá a superação do machismo? Se não, qual a tarefa para os socialistas nesse sentido?
Para responder a essa questão, gostaria de me reportar a uma situação particularmente importante para mim. Venho acompanhando a organização interna das mulheres que compõem a Via Campesina, com destaque para as ações que, desde 2006, efetuam em oito de março, dia internacional das mulheres. Em todos esses momentos, uma questão que me parece particularmente problemática é a de que, muito embora a supressão da opressão das mulheres seja vital à construção de uma alternativa societária, essa afirmação está muito aquém de constituir unanimidade no interior dos movimentos sociais.
Ao que tudo indica, a atuação mais efetiva dos homens está voltada à realização objetiva das questões econômicas, tendendo a arrefecer com as conquistas mais imediatas da sua luta. A processualidade das lutas e a positividade das conquistas para o movimento como um todo é obviamente incontestável, mas pode também se converter numa regressividade – tendo em vista a retomada das relações hierarquicamente estruturadas – sobretudo para as mulheres que experimentam neste processo o retorno à antiga condição de seres submetidos à dominação patriarcal. É neste momento que as mulheres, ou pelo menos parte substantiva delas, tomam a decisão de não aceitar esse retrocesso e passam a lutar no interior do movimento pelo reconhecimento de seu papel fundamental em todos os momentos de afirmação da luta. Ou seja, são as mulheres que vêm impondo uma necessária autocrítica permanente ao movimento como um todo. [1]
Sua luta, portanto, não parece ser contra os homens, mas contra as deformações patriarcais que todos (inclusive mulheres) carreiam e reproduzem no movimento. Sua praxis ganha ainda mais radicalidade no confronto direto contra as transnacionais que reproduzem de forma explosiva a prática da monocultura e da destruição ambiental.
O quadro, enfim, descreve uma situação particularmente rica para tentarmos compreender e enfrentar os rumos atuais da organização da classe trabalhadora, tendo em vista as características que hoje se demandam do sujeito da transformação social. E, nesta medida, reúne alguns dos elementos que, a princípio, nos parecem essenciais: o protagonismo radical de mulheres trabalhadoras que, do interior de um movimento social de massas dos mais significativos da América Latina, enfrenta alguns dos epítetos mais consagrados do sistema sócio-metabólico do capital na atualidade, desafiando a própria capacidade deste movimento de constituir uma sociabilidade substantivamente igualitária.

[1] “Fundar y construir uma nueva civilización humana – desafio presente de la humanidad em busca de supervivencia – significa fundar y construir um nuevo modo de vida. Esto significa incorporar la noción y visión de gênero como elemento constitutivo del pensamiento y las prácticas questionadoras de las sociedades actuales, y de los procesos de construcción de las nuevas. Ello posibilitará hacer visibles y modificar las relaciones sociales asimétricas establecidas entre hombres y mujeres, base para la producción y reproducción de otras tantas asimetrias y discriminaciones: de color de piel, discapacidad física, etnia, cultura, belleza, identidad sexual, etc.” Isabel Rauber. ”Gênero y alternativas populares en Latinoamérica y el Caribe”. Texto baseado no artigo “Movimientos sociales, género y alternativas populares em Latinoamérica y el Caribe”, publicado em Itinéraires IUED, Genebra, n. 77, 2005.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Noam Chomsky Diagnoses the Trump Era

The president has abetted the collapse of a decaying system; Chomsky explains how.

This interview has been excerpted from Global Discontents: Conversations on the Rising Threats to Democracy, the new book by Noam Chomsky and David Barsamian to be published this December.
David Barsamian: You have spoken about the difference between Trump’s buffoonery, which gets endlessly covered by the media, and the actual policies he is striving to enact, which receive less attention. Do you think he has any coherent economic, political, or international policy goals? What has Trump actually managed to accomplish in his first months in office?
Noam Chomsky: There is a diversionary process under way, perhaps just a natural result of the propensities of the figure at center stage and those doing the work behind the curtains.
At one level, Trump’s antics ensure that attention is focused on him, and it makes little difference how. Who even remembers the charge that millions of illegal immigrants voted for Clinton, depriving the pathetic little man of his Grand Victory? Or the accusation that Obama had wiretapped Trump Tower? The claims themselves don’t really matter. It’s enough that attention is diverted from what is happening in the background. There, out of the spotlight, the most savage fringe of the Republican Party is carefully advancing policies designed to enrich their true constituency: the Constituency of private power and wealth, “the masters of mankind,” to borrow Adam Smith’s phrase.
These policies will harm the irrelevant general population and devastate future generations, but that’s of little concern to the Republicans. They’ve been trying to push through similarly destructive legislation for years. Paul Ryan, for example, has long been advertising his ideal of virtually eliminating the federal government, apart from service to the Constituency—though in the past he’s wrapped his proposals in spreadsheets so they would look wonkish to commentators. Now, while attention is focused on Trump’s latest mad doings, the Ryan gang and the executive branch are ramming through legislation and orders that undermine workers’ rights, cripple consumer protections, and severely harm rural communities. They seek to devastate health programs, revoking the taxes that pay for them in order to further enrich their constituency, and to eviscerate the Dodd-Frank Act, which imposed some much-needed constraints on the predatory financial system that grew during the neoliberal period.
That’s just a sample of how the wrecking ball is being wielded by the newly empowered Republican Party. Indeed, it is no longer a political party in the traditional sense. Conservative political analysts Thomas Mann and Norman Ornstein have described it more accurately as a “radical insurgency,” one that has abandoned normal parliamentary politics.
Much of this is being carried out stealthily, in closed sessions, with as little public notice as possible. Other Republican policies are more open, such as pulling out of the Paris climate agreement, thereby isolating the US as a pariah state that refuses to participate in international efforts to confront looming environmental disaster. Even worse, they are intent on maximizing the use of fossil fuels, including the most dangerous; dismantling regulations; and sharply cutting back on research and development of alternative energy sources, which will soon be necessary for decent survival.
The reasons behind the policies are a mix. Some are simply service to the Constituency. Others are of little concern to the “masters of mankind” but are designed to hold on to segments of the voting bloc that the Republicans have cobbled together, since Republican policies have shifted so far to the right that their actual proposals would not attract voters. For example, terminating support for family planning is not service to the Constituency. Indeed, that group may mostly support family planning. But terminating that support appeals to the evangelical Christian base—voters who close their eyes to the fact that they are effectively advocating more unwanted pregnancies and, therefore, increasing the frequency of resort to abortion, under harmful and even lethal conditions.
Not all of the damage can be blamed on the con man who is nominally in charge, on his outlandish appointments, or on the congressional forces he has unleashed. Some of the most dangerous developments under Trump trace back to Obama initiatives—initiatives passed, to be sure, under pressure from the Republican Congress.
The most dangerous of these has barely been reported. A very important study in the Bulletin of the Atomic Scientists, published in March 2017, reveals that the Obama nuclear-weapons-modernization program has increased “the overall killing power of existing US ballistic missile forces by a factor of roughly three—and it creates exactly what one would expect to see, if a nuclear-armed state were planning to have the capacity to fight and win a nuclear war by disarming enemies with a surprise first strike.” As the analysts point out, this new capacity undermines the strategic stability on which human survival depends. And the chilling record of near disaster and reckless behavior of leaders in past years only shows how fragile our survival is. Now this program is being carried forward under Trump. These developments, along with the threat of environmental disaster, cast a dark shadow over everything else—and are barely discussed, while attention is claimed by the performances of the showman at center stage.
Whether Trump has any idea what he and his henchmen are up to is not clear. Perhaps he is completely authentic: an ignorant, thin-skinned megalomaniac whose only ideology is himself. But what is happening under the rule of the extremist wing of the Republican organization is all too plain.
DB: Do you see any encouraging activity on the Democrats’ side? Or is it time to begin thinking about a third party?
NC: There is a lot to think about. The most remarkable feature of the 2016 election was the Bernie Sanders campaign, which broke the pattern set by over a century of US political history. A substantial body of political science research convincingly establishes that elections are pretty much bought; campaign funding alone is a remarkably good predictor of electability, for Congress as well as for the presidency. It also predicts the decisions of elected officials. Correspondingly, a considerable majority of the electorate—those lower on the income scale—are effectively disenfranchised, in that their representatives disregard their preferences. In this light, there is little surprise in the victory of a billionaire TV star with substantial media backing: direct backing from the leading cable channel, Rupert Murdoch’s Fox, and from highly influential right-wing talk radio; indirect but lavish backing from the rest of the major media, which was entranced by Trump’s antics and the advertising revenue that poured in.
The Sanders campaign, on the other hand, broke sharply from the prevailing model. Sanders was barely known. He had virtually no support from the main funding sources, was ignored or derided by the media, and labeled himself with the scare word “socialist.” Yet he is now the most popular political figure in the country by a large margin.
At the very least, the success of the Sanders campaign shows that many options can be pursued even within the stultifying two-party framework, with all of the institutional barriers to breaking free of it. During the Obama years, the Democratic Party disintegrated at the local and state levels. The party had largely abandoned the working class years earlier, even more so with Clinton trade and fiscal policies that undermined US manufacturing and the fairly stable employment it provided.
There is no dearth of progressive policy proposals. The program developed by Robert Pollin in his book Greening the Global Economy is one very promising approach. Gar Alperovitz’s work on building an authentic democracy based on worker self-management is another. Practical implementations of these approaches and related ideas are taking shape in many different ways. Popular organizations, some of them outgrowths of the Sanders campaign, are actively engaged in taking advantage of the many opportunities that are available.
At the same time, the established two-party framework, though venerable, is by no means graven in stone. It’s no secret that in recent years, traditional political institutions have been declining in the industrial democracies, under the impact of what is called “populism.” That term is used rather loosely to refer to the wave of discontent, anger, and contempt for institutions that has accompanied the neoliberal assault of the past generation, which led to stagnation for the majority alongside a spectacular concentration of wealth in the hands of a few.
Functioning democracy erodes as a natural effect of the concentration of economic power, which translates at once to political power by familiar means, but also for deeper and more principled reasons. The doctrinal pretense is that the transfer of decision-making from the public sector to the “market” contributes to individual freedom, but the reality is different. The transfer is from public institutions, in which voters have some say, insofar as democracy is functioning, to private tyrannies—the corporations that dominate the economy—in which voters have no say at all. In Europe, there is an even more direct method of undermining the threat of democracy: placing crucial decisions in the hands of the unelected troika—the International Monetary Fund, the European Central Bank, and the European Commission—which heeds the northern banks and the creditor community, not the voting population.
These policies are dedicated to making sure that society no longer exists, Margaret Thatcher’s famous description of the world she perceived—or, more accurately, hoped to create: one where there is no society, only individuals. This was Thatcher’s unwitting paraphrase of Marx’s bitter condemnation of repression in France, which left society as a “sack of potatoes,” an amorphous mass that cannot function. In the contemporary case, the tyrant is not an autocratic ruler—in the West, at least—but concentrations of private power.
The collapse of centrist governing institutions has been evident in elections: in France in mid-2017 and in the United States a few months earlier, where the two candidates who mobilized popular forces were Sanders and Trump—though Trump wasted no time in demonstrating the fraudulence of his “populism” by quickly ensuring that the harshest elements of the old establishment would be firmly ensconced in power in the luxuriating “swamp.”

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Noam ChomskyNoam Chomsky, Institute Professor emeritus at MIT, has written many books and articles on international affairs, in particular on Israel and Palestine. His latest book, Global Discontents: Conversations on the Rising Threats to Democracy, will be published in December 2017.

David BarsamianDavid Barsamian is the director of Alternative Radio in Boulder, Colorado (www.alternativeradio.org).

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