Centenário da Revolução de Outubro
O Que Não Foi Dito Nas Comemorações Dos 100 Anos Da Revolução De Outubro
Na
sequência das comemorações do centenário da Revolução de Outubro
publicaremos um conjunto de textos como contributo para estas
comemorações e a sua análise.
(PARTE I)
Importância do estudo das causas da derrota e da queda do sistema socialista
A
luta pelo socialismo passa hoje obrigatória e inevitavelmente pela
investigação das razões que levaram à derrota da URSS e dos países do
sistema socialista no leste da Europa e à sua queda no século XX. As
palavras com que se descreve esse facto histórico – derrota e queda -
têm relevância.
Nessa
altura o sistema socialista foi derrotado pelo imperialismo, pelo
inimigo de classe, que atuou interna e externamente. As forças internas
para se defender do inimigo estavam completamente minadas pela linha
revisionista do PCUS, que se iniciou, depois da morte de Stalin e a
subida ao poder de N. Khrustchov. Com a realização do seu XX Congresso, o
PCUS adotou uma linha política que se afastava do marxismo-leninismo e
prosseguiu em plano inclinado até à traição hedionda de Gorbachov. Foi
um processo com causas múltiplas, longo e, no que diz respeito à
intervenção do imperialismo, pacientemente desenvolvido e aplicado. O
socialismo não saiu da história nem desapareceu, nem morreu, como
pretende o inimigo de classe. O socialismo é cada vez mais o futuro da
humanidade.
Mas
as palavras não bastam. É necessário que o movimento comunista e cada
um dos seus partidos prossigam um grande trabalho de aprofundamento da
análise das causas que originaram essa derrota; é necessário, dentro de cada um dos partidos, estudar os materiais e as conclusões já disponíveis pela investigação e estudar a sua aplicabilidade à realidade concreta e às necessidades revolucionárias do seu país; é necessário fazer a agitação e a propaganda do socialismo.
A
propaganda do socialismo junto da classe operária é absolutamente
necessária, porque a propaganda burguesa lhe fez crer que o socialismo
já não é possível e está ultrapassado pela própria realidade histórica
da sua queda. É necessário que a propaganda do socialismo inclua os seus
êxitos, mas, imprescindivelmente, a explicação das causas da sua
derrota nos países de leste, porque a classe operária não acredita em
utopias. Só essa explicação tornará credível o socialismo como objeto da
sua luta.
Alguns
partidos comunistas, incluindo alguns dos países da antiga União
Soviética, fizeram parte desse trabalho de estudo e aprofundamento com o
material histórico disponível, com o distanciamento histórico
necessário e com o conhecimento da experiência própria da construção do
socialismo.
Seguramente,
ainda falta muito para avaliar a dimensão da força e as formas
concretas que a a intervenção interna das forças do imperialismo e a 5ª
coluna assumiram nos países socialistas. É sabido que foram montadas
linhas de propaganda imperialista e anticomunista contra o socialismo
através, por exemplo, de emissões de rádio, TV e muitas outras
intervenções ideológicas para minar a confiança do povo no sistema. Mas,
de certeza, o imperialismo não deixou de apostar na corrupção de
quadros do Estado e do Partido para a sabotagem do socialismo. Os
“dissidentes”, mais de 7 000 - inimigos do socialismo - que se
encontravam presos foram libertados por Khrustchov, reabilitados, e
vieram a ocupar vários cargos no partido e no Estado. O XX Congresso do
PCUS, em 1956, e a “aprovação” do “relatório secreto” constituiram um
ponto alto da solidificação do trabalho contrarrevolucionário.
Alguns tópicos acerca das causas da derrota do socialismo
Logo
após o final da II Guerra, o imperialismo adotou a tática da guerra
fria, apostando na sabotagem do sistema socialista sob todas as formas.
Assim, nos finais da década de 40, ainda a CIA não tinha esse nome e
funcionava num obscuro escritório na Suíça, já um dos irmãos Dulles
elaborava um documento propondo ao seu governo que adotasse uma tática
que passava por começar a enfraquecer as orlas do sistema, isto é, os
países do sistema socialista mais afastados da Rússia, como a
Jugoslávia. E, tal como hoje acontece, o FMI começou a interferir nas
relações económicas e comerciais que vários países vizinhos mantinham
com a URSS.
Existe
bastante unanimidade quanto à classificação do XX Congresso do PCUS,
como um marco histórico a partir do qual o sistema começou a
enfraquecer, não apenas na URSS como nos outros países socialistas. Este
Congresso teve reflexos muito negativos no MCI, que começou a
enfraquecer-se no seu conjunto, e traduziu-se também em desvios da linha
revolucionária de vários partidos. Nesse congresso, para além do
chamado “relatório secreto” que trouxe para a ribalta o conceito do
“culto da personalidade” de que supostamente Estaline seria alvo e teria
fomentado à sua volta, tomaram-se decisões relativas a questões da
estratégia do movimento comunista, às relações internacionais e à
economia soviética que davam início ao seu desvio do socialismo
científico, e à assunção de conceitos revisionistas.
Possivelmente
podemos dizer, com as palavras em voga hoje, que o tal “culto da
personalidade” de Stalin não passou de “fake news”, notícias falas, e de
uma “narrativa” fabricada à medida dos interesses do imperialismo e das
suas agências, entre as quais a CIA.
Esse Congresso constituiu também o caldo de cultura ideológico, político e económico para o que se passou em seguida.
Aí,
com o argumento da força de que dispunha o campo socialista,
aproveitando bem os êxitos da URSS e do PCUS na guerra, aparecem
novamente, e desta vez no próprio PCUS, o conceito da possibilidade da passagem do capitalismo ao socialismo sem revolução, designadamente pela via parlamentar, o conceito de coexistência pacífica entre os sistemas capitalista e socialista, e o fim da luta de classes sob o socialismo,
o que se revelou completamente errado, constituindo um novo patamar do
ponto de partida político e ideológico para o início da degenerescência
quer do sistema socialista, quer de alguns dos partidos comunistas de
países capitalistas.
A
ideia da “coexistência pacífica” apagou o facto de que o enfrentamento
do capitalismo e do socialismo a nível mundial é uma luta de classes de
vida ou de morte entre os dois sistemas.
As
Frentes Nacionais criadas para a resistência contra o fascismo e o
nazismo também trouxeram algumas ilusões quanto à possibilidade de
alianças estáveis com largos setores das burguesias nacionais. O P.C.
Francês, por exemplo, participou num governo em França tendo o seu
secretário-geral, M. Thorez ficado com uma pasta ministerial, mas
rapidamente foi afastado pelos seus aliados conjunturais e o PCF começou
a sua linha desviante até aos dias de hoje em que desapareceu.
Para
além dos aspetos políticos e ideológicos, todo o processo de
degenerescência do sistema assenta introdução gradual de relações de
produção capitalistas e na não consideração das leis económicas do
socialismo. Tal processo acentuou-se após a chamada «reforma Kosyguine»
(1965) que adotou a categoria burguesa de «lucro empresarial» de cada
unidade de produção e a ligação deste com os salários dos
administradores e dos trabalhadores.
Não
se pode esquecer que, no socialismo, o homem deixa de ser o objeto da
história e passa a ser o seu sujeito. Assim, as relações económicas
passam a depender da vontade do homem, alargando imensamente a
importância do fator subjetivo. Não existindo a anarquia da produção
própria do sistema capitalista, não funcionando as suas leis cegas e
irracionais, só a planificação central podia assegurar as relações de
produção socialistas.
O
desenvolvimento socialista, especialmente depois da II Guerra, colocou
novas necessidades e novas questões, designadamente económicas, de que
não havia experiência. Possivelmente, a par das medidas de
desenvolvimento da produção socialista nos campos, teria sido necessário
tomar outras medidas em relação à indústria no sentido de satisfazer as
novas necessidades do povo.
Nos
primeiros anos do pós-guerra predominava no PCUS uma direção que
mantinha firmemente como objetivo o desenvolvimento das relações
socialistas. Desenrolava-se um debate entre os comunistas sobre essas
questões económicas. A maior parte defendia que a lei do valor
capitalista e as relações monetário-mercantis não poderiam regular a
produção e distribuição socialistas. Tal processo acarretaria um entrave
ao desenvolvimento das forças produtivas.
Foi
por isso que, em vida de Estaline, se aplicou uma política económica
que privilegiava a concentração do sobreproduto do trabalho, aquilo que
no capitalismo constitui a mais-valia, para baixar os preços e aumentar,
por essa via, o poder de compra dos salários e alargar os serviços
sociais, como a saúde, a educação, a habitação, a cultura, etc. A
riqueza produzida pela sociedade era apropriada pelo conjunto da
sociedade e distribuída segundo os princípios socialistas de “a cada um
segundo o seu trabalho”, não aos indivíduos ou às empresas como passou a
acontecer com as reformas de 1965-1969.
Mas,
após a morte de Stalin em 1953, as posições corretas não se conseguiram
sobrepor às conceções revisionistas pró-mercado, quer no plano
ideológico, quer no plano político-económico. Em vez de se procurar uma
solução para a expansão e o fortalecimento das relações socialistas de
produção e de distribuição nas novas circunstâncias, olhou-se para o
passado procurando a utilização de ferramentas e de relações de produção
do capitalismo. Procurou-se a solução na expansão do mercado, no
«socialismo de mercado». O XX Congresso abriu as portas a essas
conceções que levaram à política de auto-gestão de empresas e à formação
de relações monetário-mercantis entre elas, enfraquecendo o planeamento
central. Em vez de integrar a produção dos Kolkhozes no conjunto da
produção socialista, os tratores e outras máquinas passaram a ser
propriedade dos kolkhozes, e não fornecidas a custo zero pelo Estado.
O
lucro tornou-se o principal critério da avaliação da atividade das
empresas socialistas e a empresa foi declarada como a unidade de base da
economia socialista. O processo de acumulação de cada unidade
socialista foi, pois, desligado da planificação central, o que teve como
consequência o debilitamento do caráter social dos meios de produção e
da reserva de produtos. Paralelamente, até 1975 todas as granjas
estatais, os sovkhozes, tinham passado ao regime de plena
autossuficiência. . Todas estas medidas levaram à criação das condições
prévias necessárias para a apropriação e a propriedade privada, relações
que estavam proibidas por lei.
Aumentaram
as diferenças das receitas do trabalho entre os trabalhadores e os
quadros de cada empresa, tal como entre os trabalhadores das diversas
empresas. Reforçou-se o interesse individual em detrimento do interesse
coletivo e da consciência comunista, um golpe na atitude de defesa e
promoção da propriedade social.
Então,
apareceu o chamado «capital sombra», não só como consequência do
enriquecimento com os lucros empresariais, mas também do «mercado
negro», de atos criminosos de apropriação do produto social, que
pretendia operar legalmente como capital na produção, o que significava a
privatização dos meios de produção e a contratação de trabalho alheio, a
restauração do capitalismo. Os seus dirigentes, que vieram a tornar-se
seus proprietários, foram a força social interna impulsionadora da
contrarrevolução.
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