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terça-feira, 3 de abril de 2018

Notas sobre “O socialismo jurídico”

Por Fernando Pereira
A presente nota analisa a questão das transformações revolucionárias e a possibilidade delas ocorrerem por meios jurídicos e pacíficos, sob a luz da crítica de Engels e Kautsky à obra “O socialismo jurídico”, de Anton Menger, que defendia a possibilidade de se implantar o socialismo por meios legais. As provocações apontam para necessárias reflexões no campo do trabalho, direito e das consequências da ideologia burguesa e jurídica na égide do capitalismo. 

Em meio a experiências socialistas ao redor do mundo, desde a revolução Russa de 1917 a Revolução Cubana, tem se muito enfatizado sobre novos meios de efetuar uma revolução, de como tomar o poder por outras vias, por um pacifismo, indo de contra a equação marxista: a violência é a parteira da história. Salvador Allende na década de 1970 é um exemplo mais claro dessa tentativa, um governo com apoio popular, ganhou nas urnas, porém gerou a reação: em 1973 golpe contra seu governo de cunho socialista, promovido por Pinochet com ajuda dos EUA.
Hodiernamente tem se muito colocado em questão pautas de minorias por meios jurídicos, o que seria de certo modo o enfrentamento de contradições sociais concretas através de leis; essas por sua vez resolveriam de efetivo o problema? Podemos mudar radicalmente a sociedade com essa solução? Esboços para tais respostas podem ser encontradas em um pequenino livro de Friedrich Engels e Karl Kautsky; intitulado: Socialismo Jurídico.
Tal questão abordada nos mostra que essa tentativa não é uma questão nova, o filósofo jurista Anton Menger um dos representantes do socialismo jurídico, pregava que as conquistas socialistas poderiam se efetuar no campo da esfera jurídica mesmo que paulatinamente a sociedade capitalista teria sua ruptura, nas palavras de Menger:
“Sua correta realização [reformulação jurídica do socialismo] trará uma essencial contribuição para que as imprescindíveis modificações da nossa ordem jurídica se efetuem por meio de reforma pacifica. Somente quando as ideias socialistas se converterem em princípios jurídicos sensatos os estadistas serão capazes de reconhecer a extensão das alterações necessárias na ordem jurídica vigente, no interesse da massa sofrida popular.” Menger citado por Engels e Kautsky in Socialismo Jurídico. p.45.
De antemão já percebemos que Menger desloca as pautas concretas do socialismo de modo direto para o campo jurídico, esse por sua vez uma área burguesa, que nasce paralelo à burguesia:
“A bandeira religiosa tremulou pela última vez na Inglaterra no século XVII, e menos de cinquenta anos mais tarde aparecia na França, sem disfarces, a nova concepção de mundo, fadada a se tornar clássica para a burguesia, a concepção jurídica de mundo. Trata-se da secularização da visão teológica. O dogma e o direito divino eram substituídos pelo direito humano, e a Igreja pelo Estado.” Engels e Kautsky in Socialismo Jurídico. p.18.
Engels e Kautsky de modo muito hábil desmonta todas as propostas sugeridas por Menger no decorrer do texto. Desde acusações falsas a contradições em seus próprios argumentos, Menger de toda forma tenta contar as pernas de um argumento muito grande para uma cama, e esticar os membros de um argumento caso esse seja curto para seu respectivo aposento de dormir. O que Engels e Kautsky chama de leito de Procusto [1].
De modo algum que as ideias socialistas descartem a possibilidade das pautas no terreno jurídico, que é essencial um partido socialista as reivindicar, porém Menger desloca totalmente a noção de tomada de poder pela tomada de leis. Engels e Kautsky a propósito de determinadas reivindicações jurídicas disserta:
“[…] não significa que os socialistas renunciem a propor determinadas reivindicações jurídicas. É impossível que um partido socialista não as tenha, como qualquer partido político em geral. As reivindicações resultantes dos interesses comuns de uma classe só podem ser realizadas quando essa classe conquista o poder político e suas reivindicações alcançam validade universal sob a forma de leis” Engels e Kautsky in Socialismo Jurídico. p.47.
Do mesmo modo que leis são burguesas, suas reivindicações também o são se não forem capazes de ter uma proposta de ruptura com o sistema vigente:
“O direito de greve é um direito burguês. Entendemo-nos: eu não disse que a greve é burguesa, o que não teria sentido, mas o direito de greve é um direito burguês. O que quer dizer muito precisamente que a greve só acede à legalidade em certas condições, e que essas condições são as mesmas que permitem a reprodução do capital. Bernard Edelman citado por Márcio Bilharinho Naves in prefácio Engels e Kautsky in Socialismo Jurídico. p.14.
Por fim o livro de Engels e Kautsky serve como uma introdução ao tema sobre o marxismo e a questão do direito, pois na atualidade como óbvio; o capitalismo é atuante e o direito burguês ainda prevalece, as pautas hoje majoritariamente em todo o mundo é pensada em conforme os direitos e não a ruptura com o sistema, é de urgência reflexão, quando os direitos anteriormente conquistados sejam eles trabalhistas ou no campo de minorias são inflexionados quando temos uma crise, própria do sistema capitalista.

NOTAS:
[1] Procusto – personagem da mitologia grega, bandido que, após oferecer hospitalidade às suas vítimas, forçava-as a se deitarem em uma cama de ferro: se fossem menores do que a cama, ele as esticava até que seu tamanho se ajustasse a ela; se fossem maiores, ele cortava seus membros.

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