Notas sobre “O socialismo jurídico”
Por Fernando Pereira
A presente nota analisa a questão das
transformações revolucionárias e a possibilidade delas ocorrerem por
meios jurídicos e pacíficos, sob a luz da crítica de Engels e Kautsky à
obra “O socialismo jurídico”, de Anton Menger, que defendia a
possibilidade de se implantar o socialismo por meios legais.
As provocações apontam para necessárias reflexões no campo do trabalho,
direito e das consequências da ideologia burguesa e jurídica na égide
do capitalismo.
Em meio a experiências socialistas ao
redor do mundo, desde a revolução Russa de 1917 a Revolução Cubana, tem
se muito enfatizado sobre novos meios de efetuar uma revolução, de como
tomar o poder por outras vias, por um pacifismo, indo de contra a
equação marxista: a violência é a parteira da história. Salvador Allende
na década de 1970 é um exemplo mais claro dessa tentativa, um governo
com apoio popular, ganhou nas urnas, porém gerou a reação: em 1973 golpe
contra seu governo de cunho socialista, promovido por Pinochet com
ajuda dos EUA.
Hodiernamente tem se muito colocado em
questão pautas de minorias por meios jurídicos, o que seria de certo
modo o enfrentamento de contradições sociais concretas através de leis;
essas por sua vez resolveriam de efetivo o problema? Podemos mudar
radicalmente a sociedade com essa solução? Esboços para tais respostas
podem ser encontradas em um pequenino livro de Friedrich Engels e Karl
Kautsky; intitulado: Socialismo Jurídico.
Tal questão abordada nos mostra que essa
tentativa não é uma questão nova, o filósofo jurista Anton Menger um dos
representantes do socialismo jurídico, pregava que as conquistas
socialistas poderiam se efetuar no campo da esfera jurídica mesmo que
paulatinamente a sociedade capitalista teria sua ruptura, nas palavras
de Menger:
“Sua correta realização
[reformulação jurídica do socialismo] trará uma essencial contribuição
para que as imprescindíveis modificações da nossa ordem jurídica se
efetuem por meio de reforma pacifica. Somente quando as ideias
socialistas se converterem em princípios jurídicos sensatos os
estadistas serão capazes de reconhecer a extensão das alterações
necessárias na ordem jurídica vigente, no interesse da massa sofrida
popular.” Menger citado por Engels e Kautsky in Socialismo Jurídico. p.45.
De antemão já percebemos que Menger
desloca as pautas concretas do socialismo de modo direto para o campo
jurídico, esse por sua vez uma área burguesa, que nasce paralelo à
burguesia:
“A bandeira religiosa
tremulou pela última vez na Inglaterra no século XVII, e menos de
cinquenta anos mais tarde aparecia na França, sem disfarces, a nova
concepção de mundo, fadada a se tornar clássica para a burguesia, a concepção jurídica de mundo. Trata-se
da secularização da visão teológica. O dogma e o direito divino eram
substituídos pelo direito humano, e a Igreja pelo Estado.” Engels e
Kautsky in Socialismo Jurídico. p.18.
Engels e Kautsky de modo muito hábil
desmonta todas as propostas sugeridas por Menger no decorrer do texto.
Desde acusações falsas a contradições em seus próprios argumentos,
Menger de toda forma tenta contar as pernas de um argumento muito grande
para uma cama, e esticar os membros de um argumento caso esse seja
curto para seu respectivo aposento de dormir. O que Engels e Kautsky
chama de leito de Procusto [1].
De modo algum que as ideias socialistas
descartem a possibilidade das pautas no terreno jurídico, que é
essencial um partido socialista as reivindicar, porém Menger desloca
totalmente a noção de tomada de poder pela tomada de leis. Engels e
Kautsky a propósito de determinadas reivindicações jurídicas disserta:
“[…] não significa que os socialistas renunciem a propor determinadas reivindicações jurídicas. É
impossível que um partido socialista não as tenha, como qualquer
partido político em geral. As reivindicações resultantes dos interesses
comuns de uma classe só podem ser realizadas quando essa classe
conquista o poder político e suas reivindicações alcançam validade
universal sob a forma de leis” Engels e Kautsky in Socialismo Jurídico. p.47.
Do mesmo modo que leis são burguesas,
suas reivindicações também o são se não forem capazes de ter uma
proposta de ruptura com o sistema vigente:
“O direito de greve é
um direito burguês. Entendemo-nos: eu não disse que a greve é burguesa, o
que não teria sentido, mas o direito de greve é um direito burguês. O
que quer dizer muito precisamente que a greve só acede à legalidade em
certas condições, e que essas condições são as mesmas que permitem a
reprodução do capital. Bernard Edelman citado por Márcio Bilharinho Naves in prefácio Engels e Kautsky in Socialismo Jurídico. p.14.
Por fim o livro de Engels e Kautsky serve
como uma introdução ao tema sobre o marxismo e a questão do direito,
pois na atualidade como óbvio; o capitalismo é atuante e o direito
burguês ainda prevalece, as pautas hoje majoritariamente em todo o mundo
é pensada em conforme os direitos e não a ruptura com o sistema, é de
urgência reflexão, quando os direitos anteriormente conquistados sejam
eles trabalhistas ou no campo de minorias são inflexionados quando temos
uma crise, própria do sistema capitalista.
NOTAS:
[1]
Procusto – personagem da mitologia grega, bandido que, após oferecer
hospitalidade às suas vítimas, forçava-as a se deitarem em uma cama de
ferro: se fossem menores do que a cama, ele as esticava até que seu
tamanho se ajustasse a ela; se fossem maiores, ele cortava seus membros.
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