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quinta-feira, 4 de junho de 2015

O SYRIZA SEM MÁSCARA
(por Miguel Urbano Rodrigues)
Foto de Guilherme Antunes.O SYRIZA SEM MÁSCARA
(por Miguel Urbano Rodrigues)
Manifestação do PAME, 1º Maio 2015. O governo presidido por Tsipras tem vindo aceleradamente a deixar cair as... suas promessas eleitorais. Tanto no plano interno como no plano internacional, a sua política é a do patronato, do grande capital, dos pólos europeu e norte-americano do imperialismo. O governo Syriza-Anel, que tem contado com o apoio transparente da burguesia, cria dificuldades à luta dos trabalhadores, mas não pode impedir a ascensão da luta de massas. Depois do êxito dos desfiles do 1º de Maio multiplicam-se em toda a Grécia as manifestações e as greves. Pode suceder que o Syriza, que tão útil foi ao capital na oposição, perca essa utilidade agora que está no poder.
Os dirigentes das principais potências da União Europeia e os media controlados pelo capital projectam no mundo uma imagem da Grécia grosseiramente deformada. Na caracterização da crise começam por esconder que os empréstimos concedidos à Grécia se destinaram a financiar o grande capital financeiro no âmbito da estratégia da União Europeia. Contrariamente ao que amplos sectores sociais admitiram, o governo Syriza-Anel foi recebido com agrado pelas organizações e representantes do mundo empresarial.
A coligação do Syriza com o Anel - partido nacionalista e xenófobo - formou-se em poucas horas porque existia um acordo prévio. É aliás significativo que a Federação Helénica de Empresas (SEV) e o director-geral de Business-Europe tenham felicitado Alexis Tsipras logo após a sua nomeação para primeiro-ministro.
As linhas gerais da política capituladora do novo governo foram traçadas com antecedência, mas Tsipras e o seu ministro Varoufakis esforçaram-se inicialmente nos seus discursos por transmitir ao mundo a imagem de um governo de esquerda, empenhado em realizar reformas progressistas de ruptura com a política da Nova Democracia e do PASOK, que respondessem às aspirações do povo. Confundir as massas foi objectivo prioritário.
Acompanhando uma chuva de promessas, o governo criou uma linguagem enganadora. O memorando passou a chamar-se "acordo-ponte", a troika "grupo de Bruxelas”, as privatizações "colaborações".
HIPOCRISIA E SUBMISSÃO OSTENSIVA
O êxito eleitoral do Syriza a 25 de Janeiro foi uma consequência do profundo descontentamento popular. O povo votou contra a política da Nova Democracia – PASOK que arruinara o país, empobrecera dramaticamente os trabalhadores em nome da competitividade e rentabilidade do capital.
Num contexto em que o desemprego atingira os 26,8%, o Syriza fez promessas que na prática não ultrapassavam políticas assistencialistas similares às aplicadas por outros governos burgueses, inclusive os do PASOK e da Nova Democracia, para gestão da pobreza extrema e da miséria absoluta. Não tinha, sublinhe-se, a intenção de as cumprir, como ficou demonstrado.
Prometeu, por exemplo, restabelecer o salário mínimo em 751 euros, mas manteve-o em 580 euros. Afirmou que reduziria drasticamente o IVA, mas engavetou rapidamente a promessa, e agora está negociando o seu aumento. A condenação frontal da "austeridade" cedeu lugar a uma "austeridade suavizada". Transcorridas poucas semanas, ficou ainda mais transparente que o governo Syriza-Anel se propunha a desenvolver uma política capitalista, totalmente alinhada com a estratégia e as políticas da União Europeia.
Afirma despudoradamente que a Grécia pagará integralmente a sua gigantesca dívida externa de 374 mil milhões de euros, pela qual não cabe ao povo grego nenhuma responsabilidade. A lentidão das negociações com Bruxelas não deve gerar ilusões. Acabaram por chegar a um acordo, como ambas as partes desejavam. Segundo declarou Varoufakis, será assinado antes do final de Junho. Registe-se, porém, que na última reunião do Comité Central do Syriza um sector minoritário desse partido criticou o acordo, manifestando-se contra a sua aprovação.
Para favorecer os grupos monopolistas e o patronato em geral, o governo precisa de realizar tímidas reformas nas áreas da política monetária e fiscal. As contradições existentes na União Europeia e no relacionamento desta com os EUA teriam de se reflectir no diálogo do governo com as potências imperialistas.Cabe lembrar que Washington disputa à Alemanha a hegemonia na Europa e tudo faz para sabotar as relações económicas do governo de Ângela Merkel com a Rússia.
O afastamento do ministro da Economia, Varoufakis, do papel de "negociador" foi tema de interpretações fantasistas. Na realidade, essa decisão não teve motivação ideológica, resultando da sua personalidade e estilo. É esclarecedor ele ter sido professor de uma universidade norte-americana e ser um keynesiano, defensor assumido do capitalismo e do aprofundamento das relações com os EUA. Declarou enfaticamente que está de acordo com 70% das medidas do memorando imposto pela troika.
O "Acordo de 20 de Fevereiro", negociado com o Euro-grupo, prolongou a validade do memorando. O governo Tsipras-Anel manteve todos os compromissos assumidos pelo governo de Samarás e os anteriores, e abre a porta a um pacote de novas medidas anti-populares: aumento de impostos, privatizações de infra-estruturas estratégicas, cortes em áreas sociais (saúde, educação, segurança social) e nos salários da função pública, benefícios fiscais para os grandes grupos económicos, etc. A privatização do porto do Pireu intensifica-se com o aumento do controlo privado para 51% – e perspectiva da venda de mais 16% num futuro próximo – bem como outras estruturas privadas e 14 aeroportos regionais.
Aliás, a Nova Democracia, o Pasok e o Potami apressaram-se a declarar que votarão a favor do Acordo de 20 de Fevereiro se ele for submetido ao Parlamento, e expressaram disponibilidade para aprovar qualquer acordo que mantenha a Grécia na zona euro.
MAIOR INTEGRAÇÃO NA NATO
O governo Syriza-Anel tem afirmado que pretende fortalecer as relações com os Estados Unidos e a NATO, instrumento militar da sua estratégia planetária de dominação imperialista. O ministro da Defesa, político de extrema-direita, defende um aprofundamento da cooperação com Israel. Ao visitar os EUA sugeriu a exploração conjunta dos recursos energéticos do Mar Egeu.
O governo coligado criou condições para a intensificação de manobras da NATO no país, alargando a cooperação com as bases militares da organização no território nacional. O ministro da Defesa propôs inclusive a instalação de mais uma base militar da NATO na ilha de Karpathos.
Não obstante a asfixia financeira, o governo de Tsipras aprovou uma verba de 500 milhões de dólares para modernização de aviões obsoletos Lockheed, destinados a missões de vigilância da NATO no sudeste do Mediterrâneo.
Numa exibição das suas contradições, discordou primeiro da imposição de um novo pacote de sanções à Rússia, mas depois aprovou-as. Aceitou também participar na escalada militar no Médio Oriente, invocando como pretexto "a protecção das populações cristãs" contra o chamado Estado Islâmico. Ampliam-se as relações com o estado terrorista de Israel, assumindo o perfil de uma aliança estratégica. Logo nos primeiros dias do actual governo, o ministro da Defesa sugeriu a criação de um espaço de defesa comum que inclua Chipre e Israel.
A Grécia acha-se cada vez mais envolvida nos projectos agressivos do imperialismo para a Região e, portanto, cada vez mais exposta aos perigos inseparáveis dessa política. É nesse contexto que o capital grego encara as suas relações com as outras potências capitalistas. A visita a Moscovo de Tsipras inseriu-se nesse quadro.
IRREDUTIVEL OPOSIÇÃO DO KKE
A direcção do KKE declarou desde o início da campanha eleitoral que não aceitaria em hipótese alguma participar em qualquer governo burguês.
O Partido Comunista está consciente das dificuldades da sua posição.
O facto de o Synapismos, núcleo do catual Syriza, ter sido formado por dissidentes do KKE contribuiu para que grandes media internacionais apresentassem o partido de Tsipras como força política radical e até revolucionária. O apoio do Partido da Esquerda Europeia (criado para desmobilizar a classe operária), de partidos comunistas reformistas como o PCF e o PCE ao governo Syriza-Anel, e da social-democracia europeia em geral também gerou alguma confusão.
O KKE desempenha um papel fundamental na organização da luta contra as medidas anti-populares do actual governo. A votação do projecto de lei que apresentou no Parlamento para abolição do memorando e das leis anti-populares tem sido adiada. Será certamente derrotado pela maioria.
O governo Syriza-Anel, que tem contado com o apoio transparente da burguesia, cria dificuldades à luta dos trabalhadores, mas não pode impedir a ascensão da luta de massas.
O Syriza com o seu populismo demagógico continua a confundir amplos sectores sociais. Mas a sua máscara apresenta-se cada vez mais esburacada. No momento em que escrevo multiplicam-se em toda a Grécia as manifestações e as greves. O êxito dos desfiles do 1º de Maio iluminou bem a atitude de milhares de trabalhadores perante uma política classista, favorável ao grande capital. Para os dias 11 e 23 de Junho foram convocadas pelo PAME – a frente de trabalhadores e organizações sindicais na qual o KKE desempenha um papel fundamental – grandes manifestações.
O capitalismo não tem soluções para a sua crise estrutural. Está condenado a desaparecer e a única alternativa é o Socialismo. O KKE não desconhece que no actual contexto europeu e mundial a agonia do monstruoso sistema de exploração do homem será provavelmente lenta. Mas como partido revolucionário marxista-leninista a estratégia do KKE não é elaborada em função de um calendário para a tomada do poder. Os comunistas gregos não excluem a possibilidade de uma agudização das contradições e antagonismos, situação essa que poderia desembocar numa guerra imperialista na Região.
De dirigentes seus ouvi repetidamente a afirmação de que [o Partido] está preparado para "todas as eventualidades".
Atenas, 30 de Maio de 2015

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