A máquina do Estado é constituída por uma imperatriz com poucos poderes ( é mais um resquício esbatido do antigo poder da aristocracia, derrotada pelo povo), por um Senado ( utilizo aquelas designações que me parecem mais próximas da verdade) cuja maioria é composta por mulheres, representando as diversas cidades ( única organização administrativa), por tribunais e por um corpo de “vigilantes”, desarmados, que velam pela segurança pública. A imperatriz reside numa casa particular que não se distingue das demais, excepto no facto de se encontrar mais vigiada. Grande e belo é o edifício do Senado, localizado na capital sobre uma formosa colina. Em todo o tempo em que lá estivemos, não chegámos a pôr os olhos em cima da imperatriz, provavelmente por ser muito idosa, recebendo dela apenas alguns recados de circunstância através de mensageiros muito bem engalanados.
Durante o longo período de estagnação que suportaram antes, limitaram-se ao estritamente necessário para sobreviverem; destruída toda a organização antiga, falida a economia, ameaçados pelas epidemias, dispersaram-se pelas zonas costeiras, para evitarem a propagação das doenças, tornando-se pouco a pouco ferozmente individualistas, as mulheres principalmente, visto que dispensam os homens se o quiserem. Agarraram-se às courelas ou aos barcos que sobraram da hecatombe. Deste modo conservam ainda a pequena propriedade, a habitação individual. Quando a ameaça desapareceu e as cidades recomeçaram a erguer-se , decidiram evitar os custos medonhos do modo de vida antigo. Estabeleceram um pacto entre eles, através de grandes concílios, algo a que poderíamos chamar de “contrato”, cujas cláusulas são mais ou menos as seguintes:
“ Art.º 1º - O contrato social que os cidadãos de Alkómos decidiram estabelecer, através de consulta directa, é uma forma de associação que protegerá de todo e qualquer tipo de força a pessoa e os bens de cada associado.
Art.º 2º - A propriedade dos cidadãos deve ser tão pequena e tão fraca quanto possível; o Estado vigiará para que os limites não sejam ultrapassados. Os cidadãos, porém, podem, sempre que o entenderem, colher e recolher em comum os frutos do seu trabalho, mantendo-se porém intacta a propriedade individual. O Estado representa a vontade geral; aquele, todavia, não pode expropriar os bens dos cidadãos, excepto quando algum não respeitar o contrato social que jurou. No caso dos cidadãos se unirem para o fim específico acima definido, não podem utilizar, pela força ou por compra, o trabalho de cidadãos que não pertençam à união específica referida.
Art.º 3º - Ficam estabelecidos pela lei os limites impostos à dimensão das oficinas e à quantidade dos combustíveis que consomem. As oficinas ficam sujeitas ao regime específico das uniões agrícolas e piscatórias, para efeitos de trabalho empregue. A finalidade deste contrato é impedir que haja gente opulenta e gente andrajosa e dominada.
Art.º 4º - O contrato não prevê a necessidade de forças armadas permanentes de qualquer género. É a própria comunidade que se levanta em armas quando necessário e que se constitui como milícia.
Art. 5º - O órgão supremo, o Senado, não admitirá jamais senadores, ou outros cargos, de carácter vitalício. O dito senado, composto por delegados das cidades com mandato de um ano não prorrogável, obriga-se a consultar periodicamente todos os cidadãos através de referendos. Os tribunais deverão punir com prioridade absoluta qualquer senador que transgrida as cláusulas deste contrato. A imperatriz, com direito a sucessão dinástica, não detém poder algum sobre o Senado e os tribunais, cingindo-se aos deveres honoríficos de representar nela o respeito devido às cidadãs do sexo feminino.
Art. º 6º - A administração do Estado não pratica nenhuma confissão religiosa, e a formação de uma crença religiosa particular com poderes políticos, culturais e territoriais, não será permitida.
Art.º 7º - É ao Senado que incumbe escolher o governo e a restante administração do Estado, excepto os tribunais cujos juizes são eleitos pelos cidadãos da cidade em consulta directa. Os senadores são eleitos por sufrágio universal; dos candidatos é eleito aquele que tiver maior número de votos. Os cidadãos para a votação determinam-se, em primeiro lugar, pelo grau de satisfação que lhes causar aquele projecto e aquele candidato, que melhor resistirem às sátiras levadas ao palco no decurso do período de campanha eleitoral consignado pela lei.
Art.º 7º - Não existe coisa alguma intocável pelo teatro satírico, ideias, pessoas, instituições. A sátira é elevada à categoria de modalidade artística suprema, merecendo todo o apoio do Estado, a quem cabe o sustento de autores e actores. O melhor autor será consagrado como herói de Alkómos durante o período consignado entre dois concursos. O herói e os melhores actores, quando morrem, são enterrados na colina do Panteão nacional, em Liskómos.
Art.º 8º - Todo o cidadão que reagir com brutalidade a um sátiro será punido nos termos da lei.
Art.º 9º - Tudo o mais que não for expressamente proibido é permitido, nos termos deste contrato e conforme as consultas directas periódicas aos cidadãos de Alkómos.
Art.º 10º - Este contrato não pode ser revisto no todo ou em parte excepto por vontade expressa das assembleias populares.”
II. A “Ameríndia”
Ao fim de algum tempo resolvemos viajar até à outra banda, à “Ameríndia, ou terra dos “roxos”. A nossa decisão foi compreendida pelos nossos hospedeiros, mas avisaram-nos de alguns cuidados a tomar. Assim sendo, precavemo-nos : a nave-mãe ficou em alerta máximo para nos prestar socorro imediato, com ordens para disparar se necessário.
Partimos numa fria madrugada. A cápsula atravessou vagarosamente as duas margens, sobrevoando numerosas ilhas, a maioria de pequenas dimensões, abrigo temporário de pescadores, excepto uma que possui extensão suficiente para nela habitarem cerca de um milhão de aborígenes, sendo mais de um terço “ameríndios” e o restante “iberos”. Estacionámos por um dia deles, ou seja dois dos nossos ( servia-nos de preâmbulo para o que quer que viéssemos a encontrar no continente). Esse tempo bastou para que nos apercebêssemos das diferenças que começavam a cavar-se entre aqueles povos, ou etnias. Os “iberos” continuavam ali a conduzirem-se como na terra de origem; os outros, pelo contrário, labutavam todo o dia e dividiam-no em períodos para rezas, afluindo em grandes procissões aos templos ; construíam as suas casas comuns sempre viradas na direcção da cidade santa , caminhavam pelas ruas com o livro sagrado na mão, parando constantemente para o lerem em silêncio ou declamarem-no; dedicavam-se principalmente ao comércio, muito embora o dinheiro seja entre eles proibido, excepto as tais fichas que depositam em bancos, emprestam-nas com juros (sobre outras fichas), vendem-nas no mercado negro, onde também especulam sobre tudo e mais alguma coisa. Não usufruímos do mínimo de simpatia, as mulheres escondiam os rostos em espessos véus negros e apenas um ou outro carregador ou moço de fretes, nos prestava alguma atenção disfarçada.
Chegados ao continente, estas características repetiam-se : as “mulheres” vestem-se da cabeça aos pés, sendo as cores escuras as mais comuns, e usam sob os rostos uma espécie de lenços ; apesar disso, muitas exibem três olhos negros muitíssimo belos e os pés nus em sandálias de tiras tornam-nas bastante apetecíveis. Ninguém nos recebeu, nem com honras nem sem elas. Tivemos de nos desenvencilhar sozinhos. O pior, no início porque aconteceriam depois coisas mais graves, foi com o alojamento: nas casas comuns, habitadas por numerosas famílias, nessas não nos deixaram penetrar ; por fim, servimo-nos das nossas tendas portáteis. Os transportes eram insuficientes para uma população que crescia a olhos vistos: atingira já os vinte milhões, partindo de um milhão, num período de apenas trinta anos! A causa desta elevadíssima taxa demográfica encontrava-se numa ruptura com os padrões dos “iberos”: aqui era estritamente proibido o sexo sem reprodução, as mulheres estéreis eram muito mal vistas, e a formação de famílias obrigatória, “conforme a vontade de Deus”, segundo dizem; de facto, não vimos par algum praticar o coito às claras, como na “Ibéria” ; seria absurdamente nas casas comuns? Viemos a descobrir que existiam locais reservados para esse efeito, nos quais os casais, obrigatoriamente casados pelos ritos religiosos, se esforçavam, a gosto ou contragosto, para “oferecerem filhos ao Senhor”. Vimos mulheres serem açoitadas sob a acusação de prostituição, o que significava que as desgraçadas haviam mantido relações extraconjugais.
Despertávamos, nas nossas tendas, geralmente cercados por bandos de garotos que, a princípio receosos, pouco a pouco nos incomodavam deveras, tentando roubar-nos peças do equipamento e até mesmo as próprias tendas. Éramos obrigados a desmontá-las todos os dias ( ou seja, ao fim de cada oito horas, pois conservávamos os horários terrestres: 12 horas diurnas e oito nocturnas, embora a noite deles se seguisse a quarenta horas diurnas das nossas) e a transportá-las connosco para todo o lado. Escondíamos a cápsula em locais diferentes, completamente cerrada, isto é, apenas dois de nós poderiam abri-la utilizando as vozes respectivas. No seu interior guardávamos as armas mais pesadas, levando connosco somente as micro armas de laser, que ocultámos no tacão das botas, assim como micro-comunicadores, disfarçados em botão das roupas. O seguro morreu de velho e foi isto que nos auxiliou.
Nos primeiros dias a população não nos incomodou particularmente, votando-nos mesmo a um certo desprezo, excepto os garotos e as mulheres. Desprezo que parecia disfarçar o medo, mas não por nós.
Vimos edifícios gigantescos de pedra nua, em forma de pirâmides, uns tantos de faces lisas e outros tantos com uma plataforma no topo, para a qual se subia por uma elevadíssima escadaria rude talhada no granito. Vimos torres esguias, de tijolo cru, com mais de cinquenta metros de altura, do cimo das quais se propagavam a toda a hora súplicas, berros e lamentos. Vimos esculturas monumentais, em forma de cone, aí para cima de trinta metros, levantadas sobre tudo que fosse colina, penhasco ou monte. Vimos povoações constituídas por três ou quatro extensos armazéns cobertos de colmo, dos quais saíam cortejos infindáveis de indivíduos que lá pernoitavam, mas vimos também estupendos palácios, às vezes geminados com templos austeros. As mulheres mantinham-se nas proximidades de choupanas paupérrimas, cuidando das proles numerosas, carreando águas em bilhas, lavando as roupas em charcos, cardando a lã, fiando, tecendo, parlando sem cessar, ou interrompendo amiúde para rezar.
Vimos as oficinas de olaria, de metais, de mármores, e muitas outras, pequenas, inumeráveis, onde indivíduos esquálidos seminus trabalhavam bem mais de doze horas, coadjuvados por crianças de ambos os sexos; tudo miserável, primitivo, manual, sujo. Quando passeávamos no litoral acercámo-nos de uma praia, infecta, onde milhares de criaturas desmontavam pedaço por pedaço enormes navios que ali tinham dado à costa; nas enseadas, outras filas, semelhantes a formigas, dedicavam-se aos trabalhos da pesca, puxando os barcos para terra a pulso com cordas ou por meio de juntas de animais poderosos, que classificaríamos de “bois” não fosse terem a forma das nossas baleias mas com patas. Vimos como eram profundas as desigualdades sociais : por exemplo, os “desmontadores” de navios constituíam uma massa de autênticos escravos famélicos, dominados por um punhado de comanditas gordos e déspotas, que os vigiavam do alto das falésias, e os pescadores diferenciavam-se conforme os seus barcos eram puxados a pulso ou por meio das baleias-boi.
Ao quarto dia fomos presos. Caminhávamos por uma viela onde lojistas se amontoavam uns sobre os outros e as pessoas se acotovelavam, éramos obrigados a dispersar-nos, tentando abrir caminho. Cometemos um erro crasso, reconheço. Subitamente cada um de nós foi puxado para dentro das lojas cobertas de lonas e vimo-nos, cada um por si, no meio dos mais variados e indescritíveis objectos: tapetes, roupas, loiça. Pelas traseiras juntaram-nos novamente, na sombra pois que a luz não entrava ali, e enfiaram-nos brutalmente numa carroça que parecia cair aos bocados. Não vimos absolutamente nada do percurso, apenas tentávamos concluir alguma coisa através dos sons. Tínhamos saído da povoação e atravessámos depois durante muito tempo algo que deveria ser uma planície; a seguir, exaustos e atordoados, apercebemo-nos de que a carroça rodava aos tombos num empedrado tosco. Quando estacou, abriram a jaula e empurraram-nos para fora. Vimos então as altas muralhas daquilo que viria a ser a nossa prisão durante duas semanas das nossas.
Os calabouços eram medonhos, húmidos, gelados, imundos, com grades de ferro, os tectos baixos, mesmo para nós, uns buracos na parede a servirem de respiradouro. Os carrascos ( “legionários de Deus” como se auto intitulavam) deixaram-nos conservar a roupa e o calçado, de modo que comunicávamos uns com os outros e sentíamo-nos, apesar de tudo, relativamente seguros, pois que usaríamos as nossas armas ocultas logo que necessitássemos. O que veio acontecer inevitavelmente.
Abandonaram-nos até à noite seguinte sem comer nem beber. Ao fim desse tempo, arrancaram-nos das celas e conduziram-nos aos empurrões através de corredores pavorosos de granito escorrendo humidade, até um amplo espaço abobadado, iluminado por archotes fedorentos. Por detrás de uma mesa estavam postados três indivíduos, todos eles barbudos e com farripas enormes sobre as orelhas pontiagudas e uns chapéus negros em cone. Visivelmente um deles chefiava o trio, era muito alto e magro, a sua voz era pausada e grave, quase amigável, em contraste completo com o brilho metálico, cínico e cruel, dos seus olhos.
Durante horas intermináveis interrogaram-nos, repetindo as perguntas constantemente, sem que nós houvéssemos respondido a alguma, fingindo que não conhecíamos a língua local. Já entendíamos o suficiente, porém, para perceber que andavam sempre à volta do mesmo : “ Quem sois, donde vindes, que sabem os “infiéis” sobre nós, preparam-se para a guerra? Que armas possuem e onde as escondem?”. Intercalavam as perguntas com espancamentos intermitentes ( não fosse o nosso treino físico e mental e sofreríamos imenso), sobre as orelhas, os lábios, as tíbias. Qualquer um de nós esteve à beira de sacar da arma. Todos os demais olhavam para mim e esperavam que ripostasse. A uma ordem seca os guardas conduziram-nos novamente para os calabouços, onde nos esperava uma terrina para cada um contendo uma água suja.
Estávamos a perder a paciência, como é de calcular. Pelo intercomunicador eu avisava de vez em quando para que não agíssemos, que ninguém agisse sem minha autorização, e fui estabelecendo um plano em contacto permanente com os meus camaradas. O sinal para o desencadear das operações seria dado, conforme o combinado, se os torcionários de chapéu em cone nos aplicassem a telepatia, porquanto nessa altura estaríamos em maus lençóis. Muito provavelmente já teriam tentado e se não surtiu efeito dever-se-ia somente à droga amnésica que ingeríramos preventivamente.
Ocupávamos dois calabouços, em cada um deles encontravam-se outros prisioneiros, tanto “iberos” como “ameríndios”. Estes eram de idade indefinida, mas os primeiros aparentavam visivelmente uma idade provecta – os “iberos” podem atingir os duzentos anos, enquanto os outros viviam até aos setenta anos no máximo, a maioria até aos cinquenta. Porque se encontravam presos os “ameríndios”, visto que dos outros era fácil perceber a razão? Soubemo-lo pelos próprios. Rapidamente confiaram em nós e lidavam razoavelmente com os da outra etnia, embora com alguma boa educação convencional. Um deles, que se conduzia como um verdadeiro líder do grupo, um indivíduo inteligente e corajoso que não parecia ter mais de quarenta anos, relatou-nos então que o país era dominado por uma classe sacerdotal que havia tomado o poder um século antes ( o que já sabíamos) por meio de um golpe sangrento, a tal Revolução Santa, com o apoio das massas populares ; chacinaram os opositores e romperam com todas as leis, isto é com os costumes dos “iberos”, em nome da pureza da “Antiga Tradição”, da “Palavra De Deus”, dos “Livros Sagrados”, etc., em suma : a casta sacerdotal passou a perseguir com ódio canino todos os chamados comportamentos “corrompidos”, “libertinos”, ”ibéricos”, “estrangeirados”, etc., etc. Tudo aquilo me fazia lembrar tempos já sofridos pelos terrestres. Bem, se tiveram tanto apoio é porque os iberos não eram bem vindos por outras razões. Das duas uma : ou os ameríndios cobiçavam as terras dos iberos, ou defendiam as suas da cobiça destes. Por outro lado, a descrição, embora muito “ideológica”, correspondia ponto por ponto àquilo que eu sabia estar a acontecer antes de sermos presos aqui : perseguições constantes, castigos corporais por dá aquela palha, trabalho infantil, escravatura de mulheres, haréns para os nababos, miséria geral e profundas desigualdades, império sinistro dos senhores dos templos, recrutamento maciço de jovens para as fileiras do “exército de Deus”, investigações secretas sobre as virtualidades mortíferas dos insectos. A perseguição dos hereges era contumaz, disfarçando mal a ganância de territórios e de riquezas; a concorrência e a cobiça entre os poderosos mascaravam-se com o rigor da ortodoxia e a treta de “povo eleito”. Os “pregadores” encarnavam as piores tradições dos tribunais inquisitoriais; qualquer um podia denunciar o vizinho ou um parente. A guerra religiosa no seu melhor.
Os nossos interlocutores não comungavam dos mesmos “ideais”. Eram operários e intelectuais liberais– os primeiros rebelavam-se contra a brutal exploração de que eram as principais vítimas, os segundos contra o extermínio sistemático da cultura e das liberdades. Os “iberos” estavam condenados por espionagem, os locais por traição a Deus. Aguardavam o dia do enforcamento. Calculámos que alguns deles teriam já denunciado outros camaradas, mas para nós isso pouco importava. De resto as torturas sobre eles deveriam ser necessariamente de provocar pavor. Segundo nos disse Yasser, o “ameríndio” de estatura meã, cara escanhoada, faces magras, sobrancelhas muito negras sobre uns olhos que irradiavam uma inteligência arguta e um carácter audaz e determinado, as torturas mais usuais iam desde o espancamento puro e simples, com tábuas, até ao requinte de lhes cobrirem as plantas dos pés com mel para que as abelhas os ferrassem sem parar; aquele que denunciasse apenas pelo efeito da tortura mais violenta era depois enforcado, um outro que delatasse por decisão própria ganhava um posto de guarda ou “bufo”. Para Yasser, a força da ditadura não assentava exclusivamente nas armas, nem sequer na intoxicação perpetrada pela ideologia, assentava sobretudo na indescritível desigualdade social, na tremenda miséria que açulava como um cão raivoso o carácter cobarde de muitos, infelizmente de muitos homens e mulheres, que não hesitavam em denunciar os parentes, os amigos, os vizinhos, em troca de um emprego ou do cargo cobiçado que o denunciado ocupava, da sua loja, da sua casa, da modesta mobília. A ditadura havia convertido aquele país e aquele povo num inesgotável potencial de delatores. Tive ocasião de contar a Yasser como na minha terra natal e no meu planeta se passaram as mesmas coisas e como era esse comportamento tão vulgar na nossa História; tão vulgar que agora me interrogava, assistindo ao mesmo a tão grande distância, se tal facto se devia ao fraco carácter dos homens ou tão só aos regimes ditatoriais. E ele, que não possuía o conhecimento científico que eu possuo, comparativamente, respondeu com estas palavras que eu não esqueço: “ Meu amigo, se queremos que uma árvore cresça torta batemos nela com um pau, se queremos que uma laranjeira de frutos amargos produza laranjas doces, enxertamo-la!”- Eu somente soube responder-lhe deste modo: “ É bem verdade. Se não queremos uma trepadeira parasita, arrancamo-la pela raiz”.
No dia aprazado resolvemos acabar com aquilo. Já haviam enforcado três dos condenados, no pátio em frente. Obrigaram-nos a assistir em formatura sob uma chuva gelada. Os desgraçados, dois da etnia local e um “ibero”, ficaram ali pendurados como carne no fumeiro. Heroicamente não soltaram lamentos, excepto as rezas que um ofereceu pateticamente a um céu mudo coberto de nuvens negras. Um sacerdote de chapéu em cone abençoou o carrasco e recitou uma ladainha tocando com uma cruz nos capuzes que cobriam as cabeças dos infelizes.
Emiti a ordem ao computador da cápsula para que a fizesse levantar voo e a dirigisse para o local “farejando” o meu sinal de rádio. Levaria cerca de meia hora apenas. Sacámos, a uma ordem minha, as armas de dentro dos tacões das botas, depois de aplicarmos uns valentes empurrões nos guardas. Disparámos com precisão eliminando quase todos. Saltei sobre o sacerdote-chefe que procurava escapar-se, agarrei-o fortemente e chamei dois dos condenados. Entenderam imediatamente as palavras que lhes dirigi : colocaram a corda na garganta do indivíduo e enforcaram-no entre grandes exclamações que significavam :” Viva a liberdade !”. Os guardas escapuliam-se para todos os cantos e recantos do monstruoso cárcere. Fomos eliminando-os tantos quanto pudemos. O terror estava-lhes estampado nas caras roxas, nos três oculares escancarados, fugindo com aquelas indumentárias compridas e escuras a dar-a-dar. Tenho disparado sobre muita coisa viva, durante as muitas viagens de exploração que já fiz até à data, sempre em legítima defesa e in extremis, raramente gostei desse acto, contudo naquela escassa meia hora não pude proibir-me uma certa satisfação por assistir àquele terror e àquela debandada geral : o procedimento cruel daqueles energúmenos fanáticos contra o seu próprio povo merecia o castigo que lhes infligimos, tanto mais justo quanto a ditadura sufocante que impunham não era mais do que um regime de exploração em favor de nababos. E de “santos” crudelíssimos e lúbricos.
Antes de partir reunimos os ex-condenados e transmiti-lhes a seguinte decisão : “ Sabemos perfeitamente o quanto sofrestes e admiramos a vossa coragem altruísta. Essa conduta é aquela que melhor serve os desígnios do universo, com certeza, e no nosso planeta é altamente prestigiada. Entre nós, erguemos monumentos, dedicamos odes, condecoramos homens e mulheres perante milhões de espectadores. Retiramo-nos deste continente e de todos os modos abandonamo-vos à vossa sorte. As nossas leis proíbem-nos expressa e claramente de intervir na organização social e nos regimes políticos dos povos com quem contactamos. Cada um tem o governo que merece. Não tenciono exportar o nosso regime para as galáxias, pois todos os povos são diferentes, cada um deve tratar de si mesmo, e o nosso modelo só poderia ser aceito pelo medo ou por puro servilismo. Dentro de alguns anos poderemos organizar viagens inter galáticas que permitirão, a vós e a muitos outros, conhecer os nossos costumes e o nosso regime. Podereis comparar e escolher. O conhecimento concreto é o triunfo da humanidade qualquer que ela seja. Se apreciais os Alkómos, como alguns de vós o demonstram, pois fazei como eles; se não, escolhei a vossa via. Deixai em paz quem deseja viver em paz. Sois poucos ainda : entrincheirai-vos nesta fortaleza, por conseguinte, forjai armas e guardai-vos dos ataques que hão-de vir. Muito povo virá esconder-se aqui : fazei de cada cidadão um soldado quando a hora for a das armas e um cidadão esclarecido quando for a hora das decisões moderadas e das negociações realistas. Adeus!”
III. A Guerra
Regressámos à “Ibéria”. Ao sobrevoarmos o continente dos “servos de Deus”, os altares gigantescos ao seu triste e severo Pai, vimos procissões sombrias carregando fachos e círios, escoltadas por guardas e um extenso muro contra o qual pobres diabos batiam com os crânios pelados, lamentando-se e suplicando perdão pelos seus pecados.
Na “Ibéria” fomos recebidos entre ovações e larga alegria : haviam tido conhecimento da nossa prisão e afiançaram-nos até que se preparavam para intervir de qualquer modo, tendo enviado, de resto, uma embaixada plenipotenciária para exigirem a nossa libertação.
Fomos obrigados a permanecer muito mais tempo do que eu calculava, porquanto decidimos assistir à reacção dos indígenas contra os sucessivos ataques de que foram alvos da parte dos seus vizinhos. A arma principal destes apresentava-se como sendo o maior número deles e a utilização dos insectos assassinos. Não foi de admirar, portanto, que iniciassem a tentativa de invasão abrindo caminho por meio destes animais. Antes que estes tivessem sido completamente exterminados, ainda fizeram grandes estragos na população: desencadearam-se surtos de misticismo paranóico, de alucinações esquizofrénicas, de pânicos paroxísticos, manipulados imediatamente por gurus ou chefes dementes que brotaram como cogumelos quando a chuva cai.
Numa primeira fase parecia que “Ibéria” se desmoronava, varrida por ventos de pestes e epidemias. Os sobreviventes, porém, souberam inventar engenhosas defesas contra os insectos : protegeram-se com capas rijas dos pés à cabeça, reuniram habilmente os loucos em vastos recintos fechados onde os submeteram a desintoxicações, por meio de antídotos cujo segredo haviam extraído a prisioneiros “ameríndios”. Depois, mobilizaram todas as embarcações velhas ou sem préstimo, e conduziram-nas até ao alto mar, dispuseram-nas em fila de norte a sul, e pegaram-lhes fogo; as embarcações continham do tal antídoto; assim varreram dos ares, fosse pela fumaça fosse pela antídoto, enxames espessos de abelhas, moscas e mosquitos. Ao mesmo tempo, esta táctica auxiliou-os na formidável batalha naval que travaram contra os vizinhos.
Assisti então a batalhas que foram vulgares em tempos recuados do nosso planeta. Navios contra navios, arpões e longas lanças, soldados-marinheiros uns contra os outros, armados com barras de ferro, pedras escaldantes lançadas por fundas, machados, tochas ardentes que inflamavam as velas, os cordames, os mastros. O mar cobriu-se de sangue e madeiros flutuantes, monstros marinhos digladiavam-se sob o comando de uns e outros, estripando-se reciprocamente, combatiam homens, mulheres e jovens quase garotos. Somente na Terra, aquando da última guerra, vi tanta dor e tanto sofrimento: aqui não havia, é certo, o cheiro da pólvora, o fedor abrasador do napalme, o crepitar das armas automáticas, era antes tudo primitivo, rostos esfacelados pelos chuços, aquele ali segurando as tripas com as mãos, os olhos suplicantes, aquela outra fugindo enlouquecida com o cadáver do filhinho agarrado ao peito, um jovem imberbe decapitando um adversário que podia ser seu avó, com um rito de nojo e medo, a catana rubra e gotejante.
Escrevendo, como escrevi, que “tudo ali era primitivo”, interrogo-me se é legítimo distinguir nas formas de matar algumas mais “primitivas” do que outras...quem mata pode, é certo, proceder de forma “cirúrgica”, disparando do ar observando apenas um monitor, ou executar o adversário com um cutelo – quem mata assim pode julgar-se menos assassino -, quem morre, morre na mesma, trucidado, esquartejado, com as tripas ou os miolos ao sol.
Apesar de sofrerem algumas derrotas por causa do número dos adversários, os “iberos”, povo de marinheiros hábeis e astuciosos, esmagaram o inimigo numa batalha final gloriosa : atacaram a frota almirante por uma noite de nevoeiro mais cerrado, utilizando embarcações mais pequenas, extremamente rápidas e fáceis de manobrar, que furaram o bloqueio e esburacaram os cascos dos enormes e pesados navios, apanhados de surpresa. Desbaratados, os sobreviventes tentaram refugiar-se nas suas fortalezas, mas foram recebidos por uma corajosa e acutilante guerrilha de patriotas que os foi dizimando.
Se a guerra continuasse por mais tempo, tanto uns como outros acabariam por inventar armas cada vez mais sofisticadas : calculo mesmo que pouco faltou aos “iberos” para redescobrir a pólvora.
Thuulipa, a ministra, a generala, ela mesma realizara esboços geniais de máquinas e artefactos de guerra. Lutando contra a escassez dos meios e de tempo, logrou dirigir a construção de pontes levadiças movidas por engrenagens, e fortificações que se aproximavam do betão armado, e arpões para os navios disparados por bestas enormes ou catapultas; descobriu inclusivamente o princípio do navio movido a vapor, idealizando um sistema de caldeiras que expeliam o ar aquecido através de tubagens submersas.
A “ministra” da Cultura correspondia grosso modo a um senador da nossa antiga república romana. Esta esplêndida criatura continuou a acompanhar-me sempre, melhor dizendo eu é que a acompanhei no decurso das reuniões, em que ela participou, dos comandos militares. Mulher (se assim posso exprimir-me) de notável inteligência e vontade indomável! Nas horas livres quando fazíamos amor, eu congratulava-me por ter nos braços ( ou melhor: ela é que me tinha nos braços) um ser daquela categoria. É evidente que mantive esta relação por razões diplomáticas. Quem não entendeu assim foi a Beatriz.
Na noite mais difícil dos combates, Thuulipa disse-me então o seguinte:
“ A causa verdadeira, meu amigo, deste antagonismo mortal entre os Alkómores e nós, tu não a sabes mas vou dizer-te qual foi: antes da civilização que ora temos tivemos outra; há milénios atrás havíamos desenvolvido todas as técnicas possíveis e imaginárias, incluindo os rudimentos de viagens espaciais. ( Abri a boca até às orelhas quando escutei estas palavras). Impelidos pela cobiça dos lucros, o saque e a exploração dos nossos vizinhos era uma constante desse sistema. O outro continente foi pura e simplesmente uma colónia nossa, subjugada até à escravatura. Em suma, arribávamos com prendas e armas, impúnhamos monoculturas convenientes, explorávamos a mão de obra, exportávamos as nossas mercadorias ( confeccionadas quantas vezes com as matérias primas saqueadas a eles mesmos) e as nossas bugigangas e retirávamos de lá o nosso dinheiro bem gordo! Fomos nós, aliás, que lhes transmitimos alguns aspectos das suas actuais crenças religiosas. É conveniente esclarecer-se que exportávamos, por meio da mentira ou por meio da força, não somente mercadorias mas também uma determinada cultura, conjuntamente com governos locais fantoches e corruptos. Quando essa civilização terminou aqui, também terminou lá por consequência. Ignoramos a causa. Sobrevivemos na extrema escassez em conjunto vários séculos; no início a independência deles, por seu mérito próprio, redundou em regimes tirânicos e dissolutos, com poucas excepções honrosas; mais tarde conquistámos ambos um clima de relativa paz e harmonia. Até que recentemente, talvez por causa da diferença de ritmo do desenvolvimento, uma casta de sacerdotes tomou o poder na outra Margem, a tal “Revolução Santa” de que eles falam, impôs uma tirania sob o pretexto da “Lei de Deus”, semeou ódios ancestrais contra nós, servindo-se sobretudo da descoberta que fizeram entretanto, não se sabe como, de antigos livros, que julgávamos desaparecidos, contendo relatos das atrocidades que nós lhes havíamos infligido. Aqui tens.”
Somente no fim fechei a boca, tal era o meu espanto. Tudo se esclarecia agora.
A nossa partida transformou-se num acontecimento glorioso, inesquecível. Realizaram-se festejos em todas as grandes cidades. As mulheres, que lá são muito consideradas, juntaram-se em grandes multidões, caóticas e alegres, presenteando-nos com danças e cantares muito belos, comoventes de harmonia e amor pela vida, os jovens mancebos fizeram outro tanto, desfilando pelas larguíssimas avenidas agitando folhas de palma e ramos de oliveira. Em todas as praças tocaram orquestras, entoando o esplêndido hino composto para aquela ocasião e intitulado “ Viva o Prazer!”, ou seja “Ma Zil ! Ma Zil!”. Organizaram em nossa honra um grandioso baile. A alegria era esfuziante para quem no dia anterior tanto havia chorado os seus mortos. As mulheres, autênticas heroínas desta guerra, jovens generalas de peitos ao léu ou matronas robustas e indomáveis, foram quem mais bailou. A “ministra” superava toda a gente, e obrigou-me a dançar levantado do chão nos braços dela. Trazemos connosco inúmeros presentes oferecidos à Terra, simbolizando a vontade de que venha a construir-se um Acordo Universal.
A situação nas “Duas Metades” pareceu-me sustentável a médio prazo. Consultei o nosso especialista em prognósticos que me facultou, após um exame minucioso de todos os dados disponíveis, o seguinte cálculo de desenvolvimento: Enquanto os “ameríndios” se pacificam, ensaiando uma aproximação com a “outra metade” (embora os dois países estejam com a economia de rastos, os “iberos” possuem grandes reservas) através de um processo de democratização que as camadas burguesas mostram apoiar e para o qual determinados sectores da igreja revelam grande capacidade de adaptação, nos “iberos” indiciam-se já os germens da acumulação capitalista, na medida em que a guerra e as suas sequelas provocaram a concentração da propriedade fundiária, a especulação com os bens, a corrupção e o mercado negro, o fortalecimento de uma casta militar e o endurecimento das leis. Os “estrategos”, os chefes militares, detêm uma grossa fatia do poder e opor-se-ão ao Senado. O desenvolvimento das cidades, onde se instalam cada vez mais os artesãos e os comerciantes, conduzirá a que estas se oponham ao campo, atraindo os pequenos proprietários das terras menos férteis e os mais endividados; o aumento do consumo e do comércio implicará a procura de novos mercados, a desigualdade no desenvolvimento das “duas metades” provocará desigualdade nas trocas e tendência crescente para importar matérias-primas de um lado e exportar produtos e capitais para o outro. A constituição política de Alkómos começará a abrir fendas. Por este caminho depressa instaurar-se-á uma economia mercantil florescente. Interrogo-me se tal processo conduzirá ao capitalismo, tal como sucedeu connosco, as condições pareciam reunir-se naquela espécie de acumulação primitiva do capital. Tenho para mim que o capitalismo não se define pelo modo de distribuição (pela existência de um mercado), mas pelo modo de produção. Ora, se as leis fundamentais da física, da química, da biologia, apresentam-se idênticas em toda a parte, sê-lo-ão determinadas leis dos processos sociais? E, por conseguinte, a configuração e a orientação do intelecto assemelhar-se-á em todo o lado? Pelos muitos mundos que percorri depois, procurei uma resposta. Sabendo de antemão que o bem e o mal, o belo e o feio, não são mais do que valores comparativos e infinitamente variáveis. Todavia, assisti a tanto sofrimento, paredes meias com tanta alegria, que já não sei mesmo se não existe um padrão, um denominador comum.
Na realidade o processo político decorreu, desde logo, de uma forma ligeiramente diferente. Durante o mês que ainda lá estacionámos, aconteceram duas coisas decisivas: em primeiro lugar, a “ministra” levou com ela o meu único exemplar de “O Príncipe”, de Maquiavel, aquando de uma das suas visitas discretas; em segundo lugar, pô-lo em prática; ou seja, à questão “Como conservar a paz depois da guerra?”, respondeu do seguinte modo: manobrou o espírito débil da imperatriz, desfiou discursos inflamados no Senado, agitando o espantalho do caos, manipulou uma dúzia de senadores influentes, atraiu para o seu lado um dos cabos-de-guerra mais prestigiados ( ela própria cobrira-se de glória na condução da guerra e na mobilização das massas), reuniu um poderoso exército e lançou-o contra os “senhores da guerra”, isto é, contra os chefes militares que não queriam abandonar as armas e os territórios onde se aquartelavam; derrotou-os um a um, com a mesma astúcia e valentia com que manobrava politicamente; fez-se depois receber pela população em delírio, com uma entrada triunfal em Liskómos, apelou num extraordinário discurso para a “imperiosa unidade nacional”, para o “trabalho em paz”, para o “prestígio do Estado”; conseguiu o apoio, incondicional ou por cobardia, da maior parte dos senadores, fez aprovar novas leis e reformou as instituições no sentido dos interesses da classe dos comerciantes, organizou uma máquina tentacular de organismos e de funcionários públicos, burocratas bem pagos e com autoridade que decapitaram a arrogância dos “príncipes feudais”, colectando impostos e realizando obras, defendendo, pelo menos numa primeira fase, os “municípios” ( dos agricultores, artesãos e comerciantes) contra o arbítrio dos “senhores de caserna”.
Quando levantámos âncora do planeta das “Duas Metades”, deixámo-lo nas mãos férreas de um possante e eficaz Estado, no topo do qual se agigantava a figura fascinante da minha outrora doce “ministra”. Grande parte dos seus dotes e dos seus sucessos dever-se-iam seguramente à sua destreza com a telepatia. Ou seja : adivinhava perfeitamente as fraquezas dos outros, adversários ou apoiantes úteis, satisfazia-lhes as ambições ou antecipava-se às suas manobras. Nunca assisti a tamanho espectáculo de psicologia das multidões.
Reservei para o fim deste relato, uma informação pouco mais do que curiosa para si, nesta fase do meu relatório, e no entanto para mim muito importante, visto que redijo estas linhas muitos anos depois destes acontecimentos. Antes da batalha final entre os dois continentes, numa determinada ocasião em que visitei a ministra nos seus aposentos pessoais, descobri um estranho pergaminho, ou uma cópia do original, guardado numa pequena vitrina, como um relicário. Redigido, obviamente, na língua desse povo, li as seguintes palavras : “ Ó gentes indómitas, despertai da resignação e da morte! A vossa salvação está próxima : quando o céu se romper e dele jorrar a luz de um amanhã solar, ascendereis à Casa Comum!”. Esta mensagem haveria de acompanhar-me no decurso destas viagens extraordinárias. Na primeira vez que me defrontei com ela, não lhe prestei muita atenção, excepto por um desenho que a acompanhava.
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