Na história do movimento psicanalítico, chama-se lacanismo a uma corrente representada pelos diversos partidários de Jacques Lacan, sejam quais forem suas tendências. Foi entre 1953 e 1963 que ganhou corpo, na França, a reformulação lacaniana, que depois desembocou, com a criação da École Freudienne de Paris (EFP), em 1964, num vasto movimento institucional e, em seguida, num vasto movimento institucional e, em seguida, numa nova forma de internacionalização, num rompimento definitivo com a International Psychoanalytical Association (IPA). Depois da morte de Lacan, em 1981, o lacanismo fragmentou-se numa multiplicidade de tendências, grupos, correntes e escolas que formam uma poderosa nebulosa, implantada de maneiras diversas em muitos países.
Tal como o annafreudismo, o kleinismo e várias outras correntes externas ou internas à IPA, o lacanismo pertence à constelação freudiana, na medida em que se reconhece na doutrina fundada por Sigmund Freud e se distingue claramente das outras escolas de psicoterapia por sua adesão à psicanálise, ou seja, ao tratamento pela fala como lugar exclusivo do tratamento psíquico, e aos grandes conceitos freudianos fundamentais: o inconsciente, a sexualidade, a transferência, o recalque e a pulsão.
Entretanto, diversamente do annafreudismo, da Ego Psychology e da Self Psychology, o lacanismo não é uma simples corrente, mas uma verdadeira escola. Com efeito, constitui-se como um sistema de pensamento, a partir de um mestre que modificou inteiramente a doutrina e a clínica freudianas, não só forjando novos conceitos, mas também inventando uma técnica original de análise da qual decorreu um tipo de formação didática diferente da do freudismo clássico. Nesse sentido, é comparável ao kleinismo, nascido dez anos antes; na verdade, aparenta-se sobretudo com o próprio freudismo, o qual reivindica em linha direta, à parte os outros comentários, leituras ou interpretações da doutrina vienense.
O lacanismo acha-se, portanto, numa situação excepcional. Lacan foi, com efeito, o único dos grandes intérpretes da doutrina freudiana a efetuar sua leitura não para “ultrapassa-la” ou conserva-la, mas com o objetivo confesso de “retornar literalmente aos textos de Freud”. Por ter surgido desse retorno, o lacanismo é uma espécie de revolução às avessas, não um progresso em relação a um texto original, mas uma “substituição ortodoxa” deste texto.
Assim, o lacanismo situa-se na direção inversa à das outras tendências do freudismo, em especial de todas as suas variações norte-americanas, pejorativamente qualificadas de “psicanálise norte-americana”. Por esse vocábulo, Jacques Lacan e, depois dele, seus discípulos e herdeiros designam o neofreudismo, o annafreudismo e a Ego Psychology. Todas essas correntes remetem, segundo eles, a uma concepção “desviada” da psicanálise, isto é, a doutrina centrada no eu e esquecida do isso, a uma visão adaptativa ou culturalista do indivíduo e da sociedade.
O lacanismo tem em comum com o kleinismo o fato de haver estendido a clínica das neuroses a uma clínica das psicoses, e de ter levado mais longe do que o freudismo clássico a interrogação sobre a relação arcaica com a mãe. Nesse sentido, inscreveu a loucura bem no cerne da subjetividade humana. Mas, ao contrário do kleinismo, perseguiu, sem aboli-la, a interrogação sobre o lugar do pai, a ponto de ver na deficiência simbólica deste a própria origem da psicose. Daí seu interesse pela paranóia, mais do que pela esquizofrenia. Por outro lado, o lacanismo procedeu a uma completa reformulação da metapsicologia freudiana, inventando uma teoria do sujeito (distinto do eu, do ego, do self, etc.), isto é, introduzindo uma filosofia do sujeito e do ser bem no coração do freudismo. Além disso, para pensar o inconsciente, apoiou-se não mais num modelo biológico (darwinista), mas num modelo lingüístico.
Pretendendo-se mais freudiano do que as diferentes correntes do freudismo dos anos cinqüenta, e pretendendo até mesmo expulsa-las em nome de um retorno à pureza originária, o lacanismo ocupa, portanto, um lugar único na história da psicanálise da segunda metade do século XX. Não apenas não é separável, como teoria, da obra original da qual pretende se o comentário, como está condenado a se transformar na própria essência do freudismo cuja bandeira reergue, assimilando-o a uma revolução permanente ou a uma peste subversiva. Donde o seguinte paradoxo: o lacanismo só existe por se constituir historicamente como um freudismo e, mais ainda, como a essência do “verdadeiro” freudismo. Por isso, só pode fundar-se acrescentando o próprio nome de Freud a sua trajetória e suas instituições.
É por isso que, depois de ser expulsa da IPA, lugar supremo da legitimidade freudiana, a corrente lacaniana viu-se obrigada, a partir de 1964, a criar um novo modelo de associação, mais legítimo do que a antiga legitimidade: assim, chamou de escola o que era denominado de sociedade ou associação, para expressar o caráter platônico de sua reformulação, e se apoderou do adjetivo “freudiano”, para deixar bem claro que se pautava no verdadeiro mestre, e não em seus herdeiros.
No plano político, o lacanismo implantou-se maciçamente, exportando o modelo institucional francês, em dois países do continente latino-americano (a Argentina e o Brasil), onde, no entanto, fragmentou-se numa centena de grupos e tendências, e onde coabita com um kleinismo muito poderoso no interior da Federação Psicanalítica da América Latina (FEPAL), ramo latino-americano da IPA. Obteve uma penetração importante na parte francófona do Canadá. Na Europa, o lacanismo conheceu um progresso variável, conforme os diferentes países. Foi na França que se implantou melhor. Na década de 1990, recensearam-se cerca de cinqüenta grupos e escolas, distribuídas pela totalidade do território.
O legitimismo lacaniano é encarnado, na França, por Jacques-Alain Miller, executor testamentário e genro de Jacques Lacan. É ele quem dirige, além disso , a internacional lacaniana, a Association Mondiale de Psychanalyse (AMP).
Fora da França, da Espanha e dos países da América Latina, e especialmente nos países anglófonos (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália), o lacanismo pouco se expandiu. Mas, em alguns casos, desenvolveu-se na universidade, nos departamentos de filosofia e literatura, onde a obra de Lacan é ensinada e comentada, independentemente de qualquer formação psicanalítica. É o que acontece em muitas universidades norte-americanas.
Quando começou a se implantar como médico clínico, por volta de 1970, o lacanismo enveredou no mundo inteiro pelo caminho da psicologia clínica, assim se tornando, frente a um freudismo amplamente medicalizado, o instrumento de uma expansão da análise leiga no campo das diversas escolas de psicoterapia e, em alguns casos, até no interior da IPA.
É interessante notar que emergiram correntes separatistas a partir de 1990, tendendo a fazer do lacanismo um movimento externo ao freudismo, embora sem renegar este último. Testemunho disso é, por exemplo, o primeiro dicionário publicado em língua inglesa sobre o assunto, em 1996. Seu título e seu conteúdo dão a entender que existiria uma “psicanálise lacaniana” (coisa que Lacan jamais desejou).
Assim como o kleinismo, o lacanismo gerou um fenômeno de idolatria do mestre fundador, uma hagiografia, um dogmatismo específico e algumas “súmulas” que fazem o inventário de seus conceitos e sua história.
Bibliografia:
RAMOS, HELSON- Aulas no Colégio Espaço Moébius, Ba-2001.
MARINI, MARCELE- Lacan a Trajetória do seu Ensino, Artes Médicas, RS-1991.
ROUDINESCO, ELISABETH - Dicionário de Psicanálise, Jorge Zahar Editor, RJ-1997.
CHEMAMA, ROLAND - Dicionário de Psicanálise Larousse, Artes Médicas, RS-1995.
LAPLANCHE E PONTALIS – Vocabulário da Psicanálise, Martins Fontes, SP-2000.
KAUFMANN, PIERRE – Primeiro Grande Dicionário Lacaniano, Jorge Zahar Editor, RJ-1996.
NASIO,J.-D.- Introdução às Obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan, Jorge Zahar Editor, RJ-1997.
NASIO, JUAN DAVID- Os 7 Conceitos Cruciais da Psicanálise, Jorge Zahar Editor, RJ-1995.
NASIO, JUAN DAVID- Cinco Lições Sobre a Teoria de Jacques Lacan, Jorge Zahar Editor, RJ-1993.
NASIO, JUAN DAVID- O Prazer de Ler Freud, Jorge Zahar Editor, RJ-1999.
NASIO, JUAN DAVID- Como Trabalha um Psicanalista?, Jorge Zahar Editor, RJ-1999.
NASIO, JUAN DAVID- O Livro da Dor e do Amor, Jorge Zahar Editor, RJ-1997.
NASIO, JUAN DAVID- A Histeria – Teoria e Clínica Psicanalítica, Jorge Zahar Editor, RJ-1991.
DOR, JOEL- Introdução à Leitura de Lacan, O Inconsciente Estruturado como Linguagem, Artmed Editora, RS-1989.
DOR, JOEL- Introdução à Leitura de Lacan ,Estrutura do Sujeito, Artes Médicas, RS-1995.
DOR, JOEL- O Pai e Sua Função em Psicanálise, Jorge Zahar Editor, RS-1997.
LACAN, JACQUES- Escritos, Campo Freudiano no Brasil, Jorge Zahar Editor, RJ-1998.
LACAN, JACQUES- O Seminário I, Os Escritos Técnicos de Freud, Jorge Zahar Editor, RJ-1986.
LACAN, JACQUES- O Seminário II, O Eu na Teoria de Freud e na Técnica da Psicanálise, Jorge Zahar Editor, RJ-1985.
LACAN, JACQUES- O Seminário III, As Psicoses, Jorge Zahar Editor, RJ-1988.
LACAN, JACQUES- O Seminário IV, A Relação de Objeto, Jorge Zahar Editor, RJ-1995.
LACAN, JACQUES- O Seminário V, As Formações do Inconsciente, Jorge Zahar Editor, RJ-1999.
LACAN, JACQUES- O Seminário VII, A Ética da Psicanálise, Jorge Zahar Editor, RJ-1986.
LACAN, JACQUES- O Seminário VIII, A Transferência, Jorge Zahar Editor, RJ-1997.
FELDSTEIN, RICHARD- Para Ler o Seminário XI de Lacan, Jorge Zahar Editor, RJ-1997.
LACAN, JACQUES- O Seminário XI, Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise, Jorge Zahar Editor, RJ-1981.
LACAN, JACQUES- O Seminário XVII, O Avesso da Psicanálise, Jorge Zahar Editor, RJ-1992.
LACAN, JACQUES- O Seminário XX, Mais, Ainda, Jorge Zahar Editor, RJ-1996.
in Psicanálise Lacaniana (Brasil)
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sexta-feira, 29 de julho de 2011
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Psicologia- S. FREUD
Sigmund Freud
(Psicanalista austríaco)
06/05/1856, Freiberg, atual Pribor (República Checa)
23/09/1939, Londres (Reino Unido)
O criador da psicanálise nasceu na região da Morávia, que então fazia parte do Império Austro-Húngaro, hoje na República Checa. Sua mãe, Amália, era a terceira esposa de Jacob, um modesto comerciante. A família mudou-se para Viena em 1860.
Em 1877, ele abreviou o seu nome de Sigismund Schlomo Freud para Sigmund Freud. Desde 1873, era um aluno da Faculdade de Medicina da Universidade de Viena, onde gostava de pesquisar no laboratório de Neurofisiologia.
Ao se formar, em 1882, entrou no Hospital Geral de Viena. Freud trabalhou por seis meses com o neurologista francês Jean-Martin Charcot, que lhe mostrou o uso da hipnose.
Em parceria com o médico Joseph Breuer, seu principal colaborador, ele publicou em 1895 o "Estudo sobre Histeria". O livro descreve a teoria de que as emoções reprimidas levam aos sintomas da histeria, que poderiam desaparecer se o paciente conseguisse se expressar.
Insatisfeito com a hipnose, Freud desenvolveu o que é hoje a base da técnica psicanalítica: a livre associação. O paciente é convidado a falar o que lhe vem à mente para revelar memórias reprimidas causadoras de neuroses.
Em 1899, publicou "A interpretação dos sonhos", em que afirma que os sonhos são "a estrada mestra para o inconsciente", a camada mais profunda da mente humana, um mundo íntimo que se oculta no interior de cada indivíduo, comandando seu comportamento, a despeito de suas convicções conscientes.
Mesmo com dificuldades para ser reconhecido pelo meio acadêmico, Freud reuniu um grupo que deu origem, em 1908, à Sociedade Psicanalítica de Viena. Seus mais fiéis seguidores eram Karl Abraham, Sandor Ferenczi e Ernest Jones. Já Alfred Adler e Carl Jung acabaram como dissidentes.
A perda de Jung foi muito mais dolorosa, pois Freud esperava que o discípulo, suíço e protestante, projetasse a psicanálise além do ambiente judaico. Além de discordar do papel prioritário dado por Freud ao desejo, Jung se tornou místico.
Sensibilizado pela Primeira Guerra Mundial e pela morte da filha Sophie, vítima de gripe, Freud teorizou sobre a luta constante entre a força da vida e do amor contra a morte e a destruição, simbolizados pelos deuses gregos Eros (amor) e Tanatos (morte). A sua teoria da mente ganhou forma com a publicação em 1923, de "O Ego e o Id".
Em 1936, disse considerar um avanço seus livros terem sido queimados pelos nazistas. Afinal, no passado, eram os autores que iam à fogueira. Mas a subida de Hitler ao poder ditatorial não demorou e a perseguição aos judeus se intensificou. Em 1938, já velho e com câncer, fugiu para a Inglaterra, onde morreu no ano seguinte.
Com Martha Bernays, teve seis filhos. A caçula Ana tornou-se discípula, porta-voz do pai, e uma eminente psicanalista.
Atualmente, Freud continua tão polêmico quanto na época em que esteve vivo. Por um lado, é verdadeiramente idolatrado por seguidores ortodoxos da teoria psicanalítica - e, aliás, em vida, Freud demonstrava uma inegável satisfação em ser reverenciado como um gênio. Por outro, é visto também como um mistificador, principalmente a partir da década de 1990, quando as descobertas da neurociência questionaram muitos dos princípios fundamentais da psicanálise.
in netsaber Biografias
(Psicanalista austríaco)
06/05/1856, Freiberg, atual Pribor (República Checa)
23/09/1939, Londres (Reino Unido)
O criador da psicanálise nasceu na região da Morávia, que então fazia parte do Império Austro-Húngaro, hoje na República Checa. Sua mãe, Amália, era a terceira esposa de Jacob, um modesto comerciante. A família mudou-se para Viena em 1860.
Em 1877, ele abreviou o seu nome de Sigismund Schlomo Freud para Sigmund Freud. Desde 1873, era um aluno da Faculdade de Medicina da Universidade de Viena, onde gostava de pesquisar no laboratório de Neurofisiologia.
Ao se formar, em 1882, entrou no Hospital Geral de Viena. Freud trabalhou por seis meses com o neurologista francês Jean-Martin Charcot, que lhe mostrou o uso da hipnose.
Em parceria com o médico Joseph Breuer, seu principal colaborador, ele publicou em 1895 o "Estudo sobre Histeria". O livro descreve a teoria de que as emoções reprimidas levam aos sintomas da histeria, que poderiam desaparecer se o paciente conseguisse se expressar.
Insatisfeito com a hipnose, Freud desenvolveu o que é hoje a base da técnica psicanalítica: a livre associação. O paciente é convidado a falar o que lhe vem à mente para revelar memórias reprimidas causadoras de neuroses.
Em 1899, publicou "A interpretação dos sonhos", em que afirma que os sonhos são "a estrada mestra para o inconsciente", a camada mais profunda da mente humana, um mundo íntimo que se oculta no interior de cada indivíduo, comandando seu comportamento, a despeito de suas convicções conscientes.
Mesmo com dificuldades para ser reconhecido pelo meio acadêmico, Freud reuniu um grupo que deu origem, em 1908, à Sociedade Psicanalítica de Viena. Seus mais fiéis seguidores eram Karl Abraham, Sandor Ferenczi e Ernest Jones. Já Alfred Adler e Carl Jung acabaram como dissidentes.
A perda de Jung foi muito mais dolorosa, pois Freud esperava que o discípulo, suíço e protestante, projetasse a psicanálise além do ambiente judaico. Além de discordar do papel prioritário dado por Freud ao desejo, Jung se tornou místico.
Sensibilizado pela Primeira Guerra Mundial e pela morte da filha Sophie, vítima de gripe, Freud teorizou sobre a luta constante entre a força da vida e do amor contra a morte e a destruição, simbolizados pelos deuses gregos Eros (amor) e Tanatos (morte). A sua teoria da mente ganhou forma com a publicação em 1923, de "O Ego e o Id".
Em 1936, disse considerar um avanço seus livros terem sido queimados pelos nazistas. Afinal, no passado, eram os autores que iam à fogueira. Mas a subida de Hitler ao poder ditatorial não demorou e a perseguição aos judeus se intensificou. Em 1938, já velho e com câncer, fugiu para a Inglaterra, onde morreu no ano seguinte.
Com Martha Bernays, teve seis filhos. A caçula Ana tornou-se discípula, porta-voz do pai, e uma eminente psicanalista.
Atualmente, Freud continua tão polêmico quanto na época em que esteve vivo. Por um lado, é verdadeiramente idolatrado por seguidores ortodoxos da teoria psicanalítica - e, aliás, em vida, Freud demonstrava uma inegável satisfação em ser reverenciado como um gênio. Por outro, é visto também como um mistificador, principalmente a partir da década de 1990, quando as descobertas da neurociência questionaram muitos dos princípios fundamentais da psicanálise.
in netsaber Biografias
A vida de M. C. Escher
Maurits Cornelis Escher nasceu a 17 de Junho de 1898 em Leenwarden (cidade no norte da Holanda). Filho de Sarah Gleichman e de George Arnold Escher, engenheiro civil, é encorajado desde cedo a aprender algumas artes ligadas à carpintaria. Mauk (como era tratado pela família) desenvolve rapidamente o gosto por trabalhos com madeira, aprendendo técnicas que mais tarde lhe serão muito úteis, nomeadamente a xilogravura.
Aos 13 anos dá entrada numa das escolas secundárias de Arrnheim para onde se havia mudado em 1903 com os pais. Era um aluno relativamente fraco, o que explica que não tenha conseguido obter o diploma final quando sai em 1918.
Neste espaço de tempo, e na companhia de um amigo, vai fazendo lineo-gravuras. O seu primeiro trabalho - Pássaro numa gaiola - data de 1916, e não foi apreciado pelos seus professores.
Em 1919, já com 21 anos, Escher vai para Haarlem estudar Arquitectura na Escola de Artes Decorativas. Descontente com o curso e contando com o incentivo do professor e director da escola, Samuel Jesserun de Mesquita (judeu de origem portuguesa), muda para o curso de Artes Decorativas. No entanto, apesar de dominar muito bem as técnicas de xilogravuras, o sucesso neste curso também não foi grande.
Perante tal situação, Escher acaba por abandonar a escola (1922), mantendo embora o apoio de Mesquita, com o qual manteve contacto até 1944, altura em que este é vítima do racismo nazi.
Ainda em 1922, Escher, na companhia de dois amigos holandeses, viaja pelo centro de Itália, país que o encanta desde logo! Pode ler-se mesmo, tal entusiasmo, nas suas cartas e diários, por exemplo, quando vê ao longe as 17 torres de San Diego Parecia um sonho, não podia ser real... (cit. in Locher, 1993, p.21). O encanto por Itália está na origem dos seus desenhos que tiveram início neste período.
Espanha foi outro dos países visitados por Escher em Setembro do mesmo ano. Desta visita é de destacar o contacto com a arte decorativa islâmica ...a coisa estranha para mim foi a grande riqueza de decoração e a grande dignidade e simples beleza do todo... (cit. in Locher, 1993, p.23).
Apesar de ter gostado de Espanha, Escher não esqueceu Itália e passados dois meses aí regressou. Primeiro, instalou-se em Siena mas, em Março de 1923, foi para Ravello, no sul de Itália, onde conheceu Jetta Umiker com quem viria a casar.
Datam desta época, fins de 1922 e inícios de 1923, as primeiras xilogravuras de paisagens italianas. Em Junho do mesmo ano regressou a Siena onde, em Agosto, expôs, pela primeira vez individualmente, os seus trabalhos. Em Fevereiro do ano seguinte expõe na Holanda onde viria a fazer inúmeras exposições dos seus trabalhos.
Esta década foi muito marcante na vida de Escher tanto a nível artístico, dado que os seus trabalhos começam a ser conhecidos, como a nível pessoal. Em 1926, mudou-se de Ravello para Roma, onde viriam a nascer os seus dois filhos mais velhos, George (1926) e Arthur (1930).
O reconhecimento ia aumentando. A sua obra foi apreciada não só a nível europeu, nomeadamente na Holanda, mas também na América onde foi premiado com o terceiro lugar numa exposição em Chicago (1934), com a litografia Nonza. Antes disso, em 1932 e 1933 foram publicados dois livros com ilustrações de Escher, XXIV Emblemata e De vreeselijke avonturen van Scholastica, respectivamente.
Em 1935, face à situação política na Itália, mudou-se com a família para Chateaux-dOex
na Suíça, onde viria a viver pouco tempo. A paisagem parecia-lhe monótona e pouco inspiradora. Dizia mesmo ...detestável, branca miséria de neve... (cit. in Locher, 1993, p.47). Assim, passados dois anos, e depois de ter feito uma viagem acompanhado da esposa revesitando alguns países como Espanha, França e Itália, mudou-se com a família para Ukkel na Bélgica, onde passados três anos foi pai pela terceira vez.
O ano de 1939 foi um ano dramático. Em Junho, Escher perdeu o pai que contava, então, 96 anos. Ainda não recomposto de tal perda, foi fustigado por mais uma tragédia familiar. Desta feita, em fins de Maio de 1940, perdeu a Mãe!
É então que, em 1941, decidiu regressar ao país natal, mudando-se para Baarn.
Só em 1951 parece ter atingido o ponto mais alto. Os artigos sobre Escher e o seu trabalho multiplicaram-se, nomeadamente em revistas como The Studio, Time e Life. Em 1954, em simultâneo com uma Conferência Internacional de Matemática, realizou-se em Amesterdão uma grande exposição dos trabalhos de Ercher no Stedelijk Museum. Expõe igualmente em Washington. Passados quatro anos, publicou o célebre texto Regelmating Vlakverdeling sobre a divisão regular do plano e, no ano seguinte, surge Grafick en Tekeningen M. C. Escher sobre a sua obra gráfica. Em 1960 expõe em Cambridge e é orador convidado numa conferência internacional de cristalografia. A sua obra torna-se, reconhecidamente, uma ponte entre a ciência e a arte.
Escher trabalhou sempre com regularidade, excepto quando alguns problemas de saúde o obrigaram afastar-se da vida artística. Referimo-nos ao período de 1962 a 1970 durante o qual foi submetido a algumas intervenções cirúrgicas. Mas, mesmo durante esse espaço de tempo, não esteve inactivo.
Um dos seus mais famosos trabalhos Serpentes data de 1969. Também ao nível de exposições não esteve parado. Os seus trabalhos foram apresentados publicamente numa grande exposição retrospectiva em The Hague (1968) e outra em Washington.
Depois de uma série de operações instala-se na Rosa Spier House em Laren, no norte da Holanda. Apesar do seu estado de saúde inspirar já algum cuidado, ainda chegou a assistir à publicação do livro -The World of M. C. Escher.
Faleceu a 27 de Março de 1972 no hospital de Hilversum quando ainda não tinha completado 74 anos.
www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/Escher.htm
Escher
Maurits Cornelis Escher nasceu a 17 de Junho de 1898 em Leenwarden (cidade no norte da Holanda). Filho de Sarah Gleichman e de George Arnold Escher, engenheiro civil, é encorajado desde cedo a aprender algumas artes ligadas à carpintaria. Mauk (como era tratado pela família) desenvolve rapidamente o gosto por trabalhos com madeira, aprendendo técnicas que mais tarde lhe serão muito úteis, nomeadamente a xilogravura.
Aos 13 anos dá entrada numa das escolas secundárias de Arrnheim para onde se havia mudado em 1903 com os pais. Era um aluno relativamente fraco, o que explica que não tenha conseguido obter o diploma final quando sai em 1918.
Neste espaço de tempo, e na companhia de um amigo, vai fazendo lineo-gravuras. O seu primeiro trabalho - Pássaro numa gaiola - data de 1916, e não foi apreciado pelos seus professores.
Em 1919, já com 21 anos, Escher vai para Haarlem estudar Arquitectura na Escola de Artes Decorativas. Descontente com o curso e contando com o incentivo do professor e director da escola, Samuel Jesserun de Mesquita (judeu de origem portuguesa), muda para o curso de Artes Decorativas. No entanto, apesar de dominar muito bem as técnicas de xilogravuras, o sucesso neste curso também não foi grande.
Perante tal situação, Escher acaba por abandonar a escola (1922), mantendo embora o apoio de Mesquita, com o qual manteve contacto até 1944, altura em que este é vítima do racismo nazi.
Ainda em 1922, Escher, na companhia de dois amigos holandeses, viaja pelo centro de Itália, país que o encanta desde logo! Pode ler-se mesmo, tal entusiasmo, nas suas cartas e diários, por exemplo, quando vê ao longe as 17 torres de San Diego Parecia um sonho, não podia ser real... (cit. in Locher, 1993, p.21). O encanto por Itália está na origem dos seus desenhos que tiveram início neste período.
Espanha foi outro dos países visitados por Escher em Setembro do mesmo ano. Desta visita é de destacar o contacto com a arte decorativa islâmica ...a coisa estranha para mim foi a grande riqueza de decoração e a grande dignidade e simples beleza do todo... (cit. in Locher, 1993, p.23).
Apesar de ter gostado de Espanha, Escher não esqueceu Itália e passados dois meses aí regressou. Primeiro, instalou-se em Siena mas, em Março de 1923, foi para Ravello, no sul de Itália, onde conheceu Jetta Umiker com quem viria a casar.
Datam desta época, fins de 1922 e inícios de 1923, as primeiras xilogravuras de paisagens italianas. Em Junho do mesmo ano regressou a Siena onde, em Agosto, expôs, pela primeira vez individualmente, os seus trabalhos. Em Fevereiro do ano seguinte expõe na Holanda onde viria a fazer inúmeras exposições dos seus trabalhos.
Esta década foi muito marcante na vida de Escher tanto a nível artístico, dado que os seus trabalhos começam a ser conhecidos, como a nível pessoal. Em 1926, mudou-se de Ravello para Roma, onde viriam a nascer os seus dois filhos mais velhos, George (1926) e Arthur (1930).
O reconhecimento ia aumentando. A sua obra foi apreciada não só a nível europeu, nomeadamente na Holanda, mas também na América onde foi premiado com o terceiro lugar numa exposição em Chicago (1934), com a litografia Nonza. Antes disso, em 1932 e 1933 foram publicados dois livros com ilustrações de Escher, XXIV Emblemata e De vreeselijke avonturen van Scholastica, respectivamente.
Em 1935, face à situação política na Itália, mudou-se com a família para Chateaux-dOex
na Suíça, onde viria a viver pouco tempo. A paisagem parecia-lhe monótona e pouco inspiradora. Dizia mesmo ...detestável, branca miséria de neve... (cit. in Locher, 1993, p.47). Assim, passados dois anos, e depois de ter feito uma viagem acompanhado da esposa revesitando alguns países como Espanha, França e Itália, mudou-se com a família para Ukkel na Bélgica, onde passados três anos foi pai pela terceira vez.
O ano de 1939 foi um ano dramático. Em Junho, Escher perdeu o pai que contava, então, 96 anos. Ainda não recomposto de tal perda, foi fustigado por mais uma tragédia familiar. Desta feita, em fins de Maio de 1940, perdeu a Mãe!
É então que, em 1941, decidiu regressar ao país natal, mudando-se para Baarn.
Só em 1951 parece ter atingido o ponto mais alto. Os artigos sobre Escher e o seu trabalho multiplicaram-se, nomeadamente em revistas como The Studio, Time e Life. Em 1954, em simultâneo com uma Conferência Internacional de Matemática, realizou-se em Amesterdão uma grande exposição dos trabalhos de Ercher no Stedelijk Museum. Expõe igualmente em Washington. Passados quatro anos, publicou o célebre texto Regelmating Vlakverdeling sobre a divisão regular do plano e, no ano seguinte, surge Grafick en Tekeningen M. C. Escher sobre a sua obra gráfica. Em 1960 expõe em Cambridge e é orador convidado numa conferência internacional de cristalografia. A sua obra torna-se, reconhecidamente, uma ponte entre a ciência e a arte.
Escher trabalhou sempre com regularidade, excepto quando alguns problemas de saúde o obrigaram afastar-se da vida artística. Referimo-nos ao período de 1962 a 1970 durante o qual foi submetido a algumas intervenções cirúrgicas. Mas, mesmo durante esse espaço de tempo, não esteve inactivo.
Um dos seus mais famosos trabalhos Serpentes data de 1969. Também ao nível de exposições não esteve parado. Os seus trabalhos foram apresentados publicamente numa grande exposição retrospectiva em The Hague (1968) e outra em Washington.
Depois de uma série de operações instala-se na Rosa Spier House em Laren, no norte da Holanda. Apesar do seu estado de saúde inspirar já algum cuidado, ainda chegou a assistir à publicação do livro -The World of M. C. Escher.
Faleceu a 27 de Março de 1972 no hospital de Hilversum quando ainda não tinha completado 74 anos.
www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/Escher.htm
Escher
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Cenas eventualmente chocantes de uma crise
Posted: 25 Jul 2011 11:11 PM PDT
1. Os sacrifícios para todos. No passado dia 14 o ministro das Finanças Vítor Gaspar anunciou um imposto extraordinário sobre salários e pensões.
Este corte, ou melhor este roubo, no subsídio de Natal, atingirá os 1025 milhões de euros – 185 cobrados em 2012 e 840 já no final do ano. Destes, três quartos sairão dos bolsos dos trabalhadores e o restante dos pensionistas.
Portanto o Governo PSD/CDS-PP pretende arrecadar, com a sobretaxa de IRS, 1025 milhões de euros. Mas, como já aqui sublinhámos, se aplicasse uma taxa de 20% nas transferências para os offshores a receita seria muito superior, na ordem dos 2200 milhões. Uma taxa de 0,2% sobre as transacções bolsistas representaria mais 220 milhões. A cobrança de uma taxa efectiva de IRC de 25% à banca aumentaria a receita fiscal em 300 milhões de euros.
Taxar as mais-valias das SGPS em sede de IRS e as mais de 2600 empresas sediadas no offshore da Madeira que, saliente-se, não pagam um euro de impostos, trariam também receitas significativas. Todas estas propostas, recorde-se, foram apresentadas na última legislatura pelo grupo parlamentar do PCP. Todas elas foram chumbadas pelos três partidos (PS/PSD/CDS-PP) que se têm sucedido nos governos do País.
«Medidas inevitáveis», uma ova! É tudo uma questão de opção. Opção de classe.
2. O Salário Mínimo Nacional (SMN). Pela boca dos dirigentes das confederações patronais ficámos todos a saber que as empresas portuguesas abrirão falência se o SMN for aumentado de 15 euros por mês. É preciso não ter vergonha na cara. Que empresa não pode pagar a um trabalhador mais 50 cêntimos por dia (menos do preço de um café)?
De facto CIP, CCP e CAP sabem perfeitamente que as remunerações têm um peso médio de 18% na estrutura de custos das empresas. Percentagem muito inferior a um conjunto de outros custos, tais como energia, combustíveis, crédito, seguros. O impacto na massa salarial do aumento previsto será nulo. Ou, em casos particulares, no máximo de 0,6% (não é gralha!).
Na Zona Euro, Portugal, em 2010, continuava a ser o país que registava o salário mínimo nacional mais baixo: Bélgica €1189,29, Irlanda €1253,02, Grécia €739,56, Espanha €633,30, França €1151,80, Luxemburgo €1442,37, Holanda €1206,51, Eslovénia €512,08, Portugal €475,00, Reino Unido €922,68. Mais: importa referir que, se o salário mínimo tivesse sido actualizado desde 1974, então, em 2009, o SMN já seria de 562 € e não de 475 €.
Tudo isto comprova claramente como é injusta a distribuição da riqueza existente no nosso País.
3. O Banco Português de Negócios (BPN). Não fosse estarmos perante um claro caso de polícia e dir-se-ia que todo este processo se assemelha a uma palhaçada sem nível.
Nada nem ninguém sabia o que se passava. O Banco de Portugal (BP) afirmava ter dificuldades em conhecer quem eram os 390 accionistas do BPN e/ou da Sociedade Lusa de Negócios (SLN). Os órgãos sociais do BPN e da SLN, sublinhe-se, saíram durante anos a fio do bloco central do poder, com predominância para o PSD. Administradores executivos e não executivos, membros dos órgãos sociais, que nada viam, nada ouviam, nada liam, logo nada sabiam.
O governo do PS nacionaliza o banco, mas não os bens do grupo SLN. Ou seja, nacionalizou os prejuízos e aumentou a dívida pública. O Presidente da República bateu todos os recordes, promulgando a legislação em apenas quatro (!!!) dias.
Foram injectados até hoje, recorde-se, 4,8 mil milhões de euros. Fala-se da necessidade de mais 2,9 mil milhões, atingindo-se assim a astronómica soma de 7,7 mil milhões de euros. Ou quase 5% do PIB de Portugal! Tudo isto num banco que, segundo se notícia, tem depósitos no valor de três mil milhões de euros. E se pretende privatizar por um estranho valor mínimo de 180 milhões!
E, não há responsáveis? Não há culpados? Não vai ninguém preso? Na Islândia foram…
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal “Público” – Edição de 22 de Julho de 2011
António Vilarigues
1. Os sacrifícios para todos. No passado dia 14 o ministro das Finanças Vítor Gaspar anunciou um imposto extraordinário sobre salários e pensões.
Este corte, ou melhor este roubo, no subsídio de Natal, atingirá os 1025 milhões de euros – 185 cobrados em 2012 e 840 já no final do ano. Destes, três quartos sairão dos bolsos dos trabalhadores e o restante dos pensionistas.
Portanto o Governo PSD/CDS-PP pretende arrecadar, com a sobretaxa de IRS, 1025 milhões de euros. Mas, como já aqui sublinhámos, se aplicasse uma taxa de 20% nas transferências para os offshores a receita seria muito superior, na ordem dos 2200 milhões. Uma taxa de 0,2% sobre as transacções bolsistas representaria mais 220 milhões. A cobrança de uma taxa efectiva de IRC de 25% à banca aumentaria a receita fiscal em 300 milhões de euros.
Taxar as mais-valias das SGPS em sede de IRS e as mais de 2600 empresas sediadas no offshore da Madeira que, saliente-se, não pagam um euro de impostos, trariam também receitas significativas. Todas estas propostas, recorde-se, foram apresentadas na última legislatura pelo grupo parlamentar do PCP. Todas elas foram chumbadas pelos três partidos (PS/PSD/CDS-PP) que se têm sucedido nos governos do País.
«Medidas inevitáveis», uma ova! É tudo uma questão de opção. Opção de classe.
2. O Salário Mínimo Nacional (SMN). Pela boca dos dirigentes das confederações patronais ficámos todos a saber que as empresas portuguesas abrirão falência se o SMN for aumentado de 15 euros por mês. É preciso não ter vergonha na cara. Que empresa não pode pagar a um trabalhador mais 50 cêntimos por dia (menos do preço de um café)?
De facto CIP, CCP e CAP sabem perfeitamente que as remunerações têm um peso médio de 18% na estrutura de custos das empresas. Percentagem muito inferior a um conjunto de outros custos, tais como energia, combustíveis, crédito, seguros. O impacto na massa salarial do aumento previsto será nulo. Ou, em casos particulares, no máximo de 0,6% (não é gralha!).
Na Zona Euro, Portugal, em 2010, continuava a ser o país que registava o salário mínimo nacional mais baixo: Bélgica €1189,29, Irlanda €1253,02, Grécia €739,56, Espanha €633,30, França €1151,80, Luxemburgo €1442,37, Holanda €1206,51, Eslovénia €512,08, Portugal €475,00, Reino Unido €922,68. Mais: importa referir que, se o salário mínimo tivesse sido actualizado desde 1974, então, em 2009, o SMN já seria de 562 € e não de 475 €.
Tudo isto comprova claramente como é injusta a distribuição da riqueza existente no nosso País.
3. O Banco Português de Negócios (BPN). Não fosse estarmos perante um claro caso de polícia e dir-se-ia que todo este processo se assemelha a uma palhaçada sem nível.
Nada nem ninguém sabia o que se passava. O Banco de Portugal (BP) afirmava ter dificuldades em conhecer quem eram os 390 accionistas do BPN e/ou da Sociedade Lusa de Negócios (SLN). Os órgãos sociais do BPN e da SLN, sublinhe-se, saíram durante anos a fio do bloco central do poder, com predominância para o PSD. Administradores executivos e não executivos, membros dos órgãos sociais, que nada viam, nada ouviam, nada liam, logo nada sabiam.
O governo do PS nacionaliza o banco, mas não os bens do grupo SLN. Ou seja, nacionalizou os prejuízos e aumentou a dívida pública. O Presidente da República bateu todos os recordes, promulgando a legislação em apenas quatro (!!!) dias.
Foram injectados até hoje, recorde-se, 4,8 mil milhões de euros. Fala-se da necessidade de mais 2,9 mil milhões, atingindo-se assim a astronómica soma de 7,7 mil milhões de euros. Ou quase 5% do PIB de Portugal! Tudo isto num banco que, segundo se notícia, tem depósitos no valor de três mil milhões de euros. E se pretende privatizar por um estranho valor mínimo de 180 milhões!
E, não há responsáveis? Não há culpados? Não vai ninguém preso? Na Islândia foram…
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal “Público” – Edição de 22 de Julho de 2011
António Vilarigues
A lavar cérebros de um modo polido e profissional
por John Pilger
Um dos livros mais originais e provocantes da última década é Mentes disciplinadas (Disciplined Minds) de Jeff Schmidt [NR 1] (Rowman & Littlefield). "Um olhar críticos aos profissionais assalariados", diz a capa, "e o sistema de massacre de almas que molda as suas vidas". O seu tema é a América pós-moderna mas também se aplica à Grã-Bretanha, onde o estado corporativo engendrou uma nova classe de administradores americanizados para dirigir os sectores privado e público: os bancos, os principais partidos, corporações, comités importantes, a BBC.
Dizem que os profissionais são meritórios e não ideológicos. Mas, apesar da sua educação, escreve Schmidt, eles pensam menos independentemente do que não profissionais. Eles utilizam jargões corporativos como "modelo", "desempenho", "alvos", "visão estratégica". Em Mentes disciplinadas, Schmidt argumenta que o que faz profissional moderno não é conhecimento técnico mas "disciplina ideológica". Aqueles na educação superior e nos media fazem "trabalho político" mas de um modo que não é visto como político. Ouçam um indivíduo sénior da BBC descrever o nirvana da neutralidade ao qual ele ou ela se elevaram. "Tomar partido" é anátema; e o profissional moderno sabe nunca desafiar a "ideologia incorporada do status quo". O que importa é a "atitude certa". [NR 2]
Uma chave para o treino de profissionais é o que Schmidt chama "curiosidade assinalável". As crianças são naturalmente curiosas, mas ao longo do caminho para tornar-se um profissional eles aprendem que a curiosidade é uma série de tarefas assinalada por outros. Ao entrar no treino, os estudantes são optimistas e idealistas. Ao deixá-lo, estão "pressionados e perturbados" porque percebem que "o objectivo primário para muitos é serem suficientemente compensados por abandonarem seus objectivos originais". Tenho encontrado muitos jovens, especialmente jornalistas novatos, que se reconheceriam a si próprios nesta descrição. Pois não importa quão indirecto é o seu efeito, a influência primária dos administradores profissionais é culto político extremo da devoção ao dinheiro e à desigualdade conhecido como neoliberalismo.
O supremo administrador profissional é Bob Diamond, o presidente do Barclays Bank em Londres, que em Março obteve um bónus de £6,5 milhões. Mas de 200 administradores do Barclays levaram para casa £554 milhões no ano passado. Em Janeiro, Diamond disse no comité do Tesouro do parlamento britânico que "o temo do remorso está ultrapassado". Ele referia-se ao £1 milhão de milhões (trillion) de dinheiro público entregue sem condições a bancos corrompidos por um governo trabalhista cujo líder, Gordon Brown, descreveu tais "financeiros" como a sua "inspiração" pessoal.
Isto foi o acto final do golpe de estado corporativo, agora disfarçado por um debate especioso acerca de "cortes" e de um "défice nacional". A maior parte das premissas humanas da vida britânica estão a ser eliminadas. O "valor" dos cortes diz-se ser de £83 mil milhões, quase exactamente o montante da tributação evitada legalmente pelos bancos e corporações. Que o público britânico continua a dar aos bancos um subsídio adicional anual de £100 mil milhões em seguro gratuito e garantias – um número que financiaria todo o Serviço Nacional de Saúde – é abafado.
Assim, também, é o absurdo da própria noção de "cortes". Quando a Grã-Bretanha estava oficialmente em bancarrota a seguir à Segunda Guerra Mundial, havia pleno emprego e algumas das suas maiores instituições públicas, tais como o Serviço de Saúde, foram montadas. Mas os "cortes" são administrados por aqueles que dizem opor-se a eles e fabricam consentimento para a sua aceitação ampla. Este é o papel dos administradores profissionais do Partido Trabalhista.
Em questões de guerra e paz, as mentes disciplinadas de Schmidt promovem violência, morte e caos numa escala ainda não reconhecida na Grã-Bretanha. Apesar da evidência incriminatória no inquérito Chilcot do antigo chefe de inteligência, general de divisão Michael Laurie, o administrador do "negócios principal", Alastair Campbell, permanece solto, assim como todos os outros administradores da guerra trabalharam com Blair e no Foreign Office para justificar e vender o banho de sangue no Iraque.
Os media de referência muitas vezes desempenham um papel subtilmente crítico. Frederick Ogilvie, o qual sucedeu ao fundador da BBC, Lord Reith, como director geral, escreveu que o seu objectivo era transformar a BBC num "instrumento de guerra plenamente efectivo". Ogilvie teria ficado deliciado com os seus administradores do século XXI. Na corrida para a invasão do Iraque, a cobertura da BBC reflectia esmagadoramente a posição mentirosa do governo, como mostra estudos da Universidade de Gales e da Media Tenor.
Contudo, o grande levantamento árabe não pode ser facilmente administrado, ou apropriado, com omissões e advertências, como deixa claro um diálogo no programa Today, da BBC, de 16 de Maio. Com o seu celebrado profissionalismo, concentrado em discursos corporativos, John Humphrys entrevistou um porta-voz palestino, Husam Zomlot, a seguir ao massacre de Israel de manifestantes desarmados no 63º aniversário da expulsão ilegal do povo palestino dos seus lares.
Humphrys: ... não é surpreendente que Israel tenha reagido do modo o fez?
Zomlot: ... estou muito orgulhoso e satisfeito [eles estavam] a manifestar-se pacificamente só para... realmente chamar atenção para os seus 63 anos de infortúnio.
Humphrys: Mas eles não se manifestaram pacificamente, esse é o meu ponto...
Zomlot: Nenhum deles... estava armado... Opuseram-se a tanques, helicópteros e F-16s israelenses. Você não pode sequer começar a comparar a violência... Isto não é uma questão de segurança... [os israelenses] sempre falham em tratar com um assuntos puramente político, humanitário e legal...
Humphrys: Desculpe interrompê-lo mas... se eu marcho dentro da sua casa agitando um cassetete e lançando-lhe um pedra então isso seria uma questão de segurança, não seria?
Zomlot: Desculpe-me. Segundo resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aquelas pessoas estavam a marchar para as suas casas; elas têm os direitos sobre os seus lares; é sua propriedade privada. Vamos então por as coisas em pratos limpos de uma vez por todas...
Foi um momento raro. Por as coisas em pratos limpos não é um "objectivo" administrativo.
23/Junho/2011
[NR 1] Jeff Schmidt foi editor da revista Physics Today durante 19 anos, até que foi despedido por ter escrito Disciplined Minds . Para encomendá-lo clique em Rowman & Littlefield Publishers Inc.
[NR 2) Desde a publicação deste livro as coisas agravaram-se. Agora os media que se proclamam como "referência" proíbem os profissionais que neles trabalham de exprimirem opiniões independentes fora dos mesmos (blogs, sítios web ou quaisquer outros meios de informação). Tais proibições estão mesmo fixadas nas suas respectivas normas internas. Anula-se assim a separação entre o trabalho feito para um patrão e a vida pessoal do assalariado. Este, na sua vida privada, está politicamente castrado: fica impedido de manifestar-se em público a fim de conservar o emprego.
O original encontra-se em http://www.johnpilger.com/articles/brainwashing-the-polite-and-professional-way
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
Um dos livros mais originais e provocantes da última década é Mentes disciplinadas (Disciplined Minds) de Jeff Schmidt [NR 1] (Rowman & Littlefield). "Um olhar críticos aos profissionais assalariados", diz a capa, "e o sistema de massacre de almas que molda as suas vidas". O seu tema é a América pós-moderna mas também se aplica à Grã-Bretanha, onde o estado corporativo engendrou uma nova classe de administradores americanizados para dirigir os sectores privado e público: os bancos, os principais partidos, corporações, comités importantes, a BBC.
Dizem que os profissionais são meritórios e não ideológicos. Mas, apesar da sua educação, escreve Schmidt, eles pensam menos independentemente do que não profissionais. Eles utilizam jargões corporativos como "modelo", "desempenho", "alvos", "visão estratégica". Em Mentes disciplinadas, Schmidt argumenta que o que faz profissional moderno não é conhecimento técnico mas "disciplina ideológica". Aqueles na educação superior e nos media fazem "trabalho político" mas de um modo que não é visto como político. Ouçam um indivíduo sénior da BBC descrever o nirvana da neutralidade ao qual ele ou ela se elevaram. "Tomar partido" é anátema; e o profissional moderno sabe nunca desafiar a "ideologia incorporada do status quo". O que importa é a "atitude certa". [NR 2]
Uma chave para o treino de profissionais é o que Schmidt chama "curiosidade assinalável". As crianças são naturalmente curiosas, mas ao longo do caminho para tornar-se um profissional eles aprendem que a curiosidade é uma série de tarefas assinalada por outros. Ao entrar no treino, os estudantes são optimistas e idealistas. Ao deixá-lo, estão "pressionados e perturbados" porque percebem que "o objectivo primário para muitos é serem suficientemente compensados por abandonarem seus objectivos originais". Tenho encontrado muitos jovens, especialmente jornalistas novatos, que se reconheceriam a si próprios nesta descrição. Pois não importa quão indirecto é o seu efeito, a influência primária dos administradores profissionais é culto político extremo da devoção ao dinheiro e à desigualdade conhecido como neoliberalismo.
O supremo administrador profissional é Bob Diamond, o presidente do Barclays Bank em Londres, que em Março obteve um bónus de £6,5 milhões. Mas de 200 administradores do Barclays levaram para casa £554 milhões no ano passado. Em Janeiro, Diamond disse no comité do Tesouro do parlamento britânico que "o temo do remorso está ultrapassado". Ele referia-se ao £1 milhão de milhões (trillion) de dinheiro público entregue sem condições a bancos corrompidos por um governo trabalhista cujo líder, Gordon Brown, descreveu tais "financeiros" como a sua "inspiração" pessoal.
Isto foi o acto final do golpe de estado corporativo, agora disfarçado por um debate especioso acerca de "cortes" e de um "défice nacional". A maior parte das premissas humanas da vida britânica estão a ser eliminadas. O "valor" dos cortes diz-se ser de £83 mil milhões, quase exactamente o montante da tributação evitada legalmente pelos bancos e corporações. Que o público britânico continua a dar aos bancos um subsídio adicional anual de £100 mil milhões em seguro gratuito e garantias – um número que financiaria todo o Serviço Nacional de Saúde – é abafado.
Assim, também, é o absurdo da própria noção de "cortes". Quando a Grã-Bretanha estava oficialmente em bancarrota a seguir à Segunda Guerra Mundial, havia pleno emprego e algumas das suas maiores instituições públicas, tais como o Serviço de Saúde, foram montadas. Mas os "cortes" são administrados por aqueles que dizem opor-se a eles e fabricam consentimento para a sua aceitação ampla. Este é o papel dos administradores profissionais do Partido Trabalhista.
Em questões de guerra e paz, as mentes disciplinadas de Schmidt promovem violência, morte e caos numa escala ainda não reconhecida na Grã-Bretanha. Apesar da evidência incriminatória no inquérito Chilcot do antigo chefe de inteligência, general de divisão Michael Laurie, o administrador do "negócios principal", Alastair Campbell, permanece solto, assim como todos os outros administradores da guerra trabalharam com Blair e no Foreign Office para justificar e vender o banho de sangue no Iraque.
Os media de referência muitas vezes desempenham um papel subtilmente crítico. Frederick Ogilvie, o qual sucedeu ao fundador da BBC, Lord Reith, como director geral, escreveu que o seu objectivo era transformar a BBC num "instrumento de guerra plenamente efectivo". Ogilvie teria ficado deliciado com os seus administradores do século XXI. Na corrida para a invasão do Iraque, a cobertura da BBC reflectia esmagadoramente a posição mentirosa do governo, como mostra estudos da Universidade de Gales e da Media Tenor.
Contudo, o grande levantamento árabe não pode ser facilmente administrado, ou apropriado, com omissões e advertências, como deixa claro um diálogo no programa Today, da BBC, de 16 de Maio. Com o seu celebrado profissionalismo, concentrado em discursos corporativos, John Humphrys entrevistou um porta-voz palestino, Husam Zomlot, a seguir ao massacre de Israel de manifestantes desarmados no 63º aniversário da expulsão ilegal do povo palestino dos seus lares.
Humphrys: ... não é surpreendente que Israel tenha reagido do modo o fez?
Zomlot: ... estou muito orgulhoso e satisfeito [eles estavam] a manifestar-se pacificamente só para... realmente chamar atenção para os seus 63 anos de infortúnio.
Humphrys: Mas eles não se manifestaram pacificamente, esse é o meu ponto...
Zomlot: Nenhum deles... estava armado... Opuseram-se a tanques, helicópteros e F-16s israelenses. Você não pode sequer começar a comparar a violência... Isto não é uma questão de segurança... [os israelenses] sempre falham em tratar com um assuntos puramente político, humanitário e legal...
Humphrys: Desculpe interrompê-lo mas... se eu marcho dentro da sua casa agitando um cassetete e lançando-lhe um pedra então isso seria uma questão de segurança, não seria?
Zomlot: Desculpe-me. Segundo resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aquelas pessoas estavam a marchar para as suas casas; elas têm os direitos sobre os seus lares; é sua propriedade privada. Vamos então por as coisas em pratos limpos de uma vez por todas...
Foi um momento raro. Por as coisas em pratos limpos não é um "objectivo" administrativo.
23/Junho/2011
[NR 1] Jeff Schmidt foi editor da revista Physics Today durante 19 anos, até que foi despedido por ter escrito Disciplined Minds . Para encomendá-lo clique em Rowman & Littlefield Publishers Inc.
[NR 2) Desde a publicação deste livro as coisas agravaram-se. Agora os media que se proclamam como "referência" proíbem os profissionais que neles trabalham de exprimirem opiniões independentes fora dos mesmos (blogs, sítios web ou quaisquer outros meios de informação). Tais proibições estão mesmo fixadas nas suas respectivas normas internas. Anula-se assim a separação entre o trabalho feito para um patrão e a vida pessoal do assalariado. Este, na sua vida privada, está politicamente castrado: fica impedido de manifestar-se em público a fim de conservar o emprego.
O original encontra-se em http://www.johnpilger.com/articles/brainwashing-the-polite-and-professional-way
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
domingo, 24 de julho de 2011
Étienne Balibar (Filosofia)
Étienne Balibar (Avallon, Yonne, 23 de abril de 1942) é um filósofo e professor universitário francês. Ensinou Filosofia Política e Filosofia Moral na Universidade de Paris X - Nanterre, até 2002.
Atualmente leciona Francês, Inglês e Literatura Comparada e é professor afiliado do departamento de Antropologia da Universidade da Califórnia em Irvine, nos Estados Unidos.
Principais obras publicadas
1965 : Lire le Capital (com Louis Althusser, Pierre Macherey, Jacques Rancière, Roger Establet), Éditions François Maspero.
1974: Cinq études du matérialisme historique, F. Maspero.
1976: Sur la dictature du prolétariat, F. Maspero
1985: Spinoza et la politique, P.U.F.
1988: Race, Nation, Classe, com Immanuel Wallerstein) La Découverte.
1991: Écrits pour Althusser, La Découverte.
1997: La Crainte des masses. Politique et philosophie avant et après Marx, Galilée.
1998: Droit de cité. Culture et politique en démocratie, Editions de l'Aube (reedição aumentada, em 2002, Presses Universitaires de France, Collection Quadrige)
1999: Sans-papiers : l’archaïsme fatal, La Découverte.
2001: Nous, citoyens d’Europe ? Les frontières, l’État, le peuple, La Découverte.
2003: L'Europe, l'Amérique, la Guerre. Réflexions sur la médiation européenne, La Découverte.
2005: Europe, Constitution, Frontière, éditions du Passant, Bordeaux.
in Wikipédia
Atualmente leciona Francês, Inglês e Literatura Comparada e é professor afiliado do departamento de Antropologia da Universidade da Califórnia em Irvine, nos Estados Unidos.
Principais obras publicadas
1965 : Lire le Capital (com Louis Althusser, Pierre Macherey, Jacques Rancière, Roger Establet), Éditions François Maspero.
1974: Cinq études du matérialisme historique, F. Maspero.
1976: Sur la dictature du prolétariat, F. Maspero
1985: Spinoza et la politique, P.U.F.
1988: Race, Nation, Classe, com Immanuel Wallerstein) La Découverte.
1991: Écrits pour Althusser, La Découverte.
1997: La Crainte des masses. Politique et philosophie avant et après Marx, Galilée.
1998: Droit de cité. Culture et politique en démocratie, Editions de l'Aube (reedição aumentada, em 2002, Presses Universitaires de France, Collection Quadrige)
1999: Sans-papiers : l’archaïsme fatal, La Découverte.
2001: Nous, citoyens d’Europe ? Les frontières, l’État, le peuple, La Découverte.
2003: L'Europe, l'Amérique, la Guerre. Réflexions sur la médiation européenne, La Découverte.
2005: Europe, Constitution, Frontière, éditions du Passant, Bordeaux.
in Wikipédia
Anton Pannekoek
Anton Pannekoek
1873 - 1960
Foto: Instituto Internacional de História Social de Amsterdã (IISG)
Cientista e teórico marxista holandês. Como cientista obteve reconhecimento internacional por seus trabalhos na área da astronomia. Como teórico, concebia o marxismo como a ciência aplicada aos problemas sociais e a humanização da ciência como um aspecto da humanização da sociedade. Sempre sustentou que o marxismo não era um dogma, mas um método de pensamento aplicável aos problemas sociais no processo real de transformação social, por tal motivo, para Pannekoek a teoria marxista não apenas seria ultrapassada pelo próprio marxismo em certos aspectos, como algumas de suas teses, originadas de condições determinadas, deveriam perder validade quando as condições mudassem. De sua obra sobressaem com solidez pelo menos duas idéias: 1) a autonomia do proletariado frente aos capitalistas e à degeneração burocrática de partidos e sindicatos de trabalhadores; 2) a impossibilidade de reconstruir o movimento operário nos moldes em que existiu, tanto antes de 1914, quanto no período de 1917-21.
Carta à Revista Socialisme et Barbarie
Anton Pannekoek
8 de Novembro de 1953
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Fonte: http://www.terravista.pt/IlhadoMel/1188/primeira_carta_de_pannekoek.htm.
HTML por José Braz para The Marxists Internet Archive
Recebemos do camarada Anton Pannekoek a carta que publicamos a seguir, com a resposta do camarada Chaulieu. É, decerto, supérfluo lembrar aos nossos leitores a longa e profunda actividade de militante e teórico de A. Pannekoek, a sua luta contra o oportunismo no seio da II Internacional, mesmo antes de 1914, a atitude resolutamente internacionalista que o grupo animado por ele e Gorter teve em 1914-18, a sua crítica ao centralismo burocrático do partido bolchevique a partir de 1919-1920 (que só é conhecida em França pela resposta de Lénine na Doença Infantil do Comunismo; a Resposta a Lénine de Gorter foi igualmente publicada em francês). Esperamos poder publicar brevemente nesta revista extractos da sua obra Os Conselhos Operários publicada em inglês depois da guerra.
8 de Novembro de 1953
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Caro Camarada Chaulieu,
Agradeço-lhe sinceramente os onze números de Socialisme ou Barbarie que me enviou através do camarada B... Li-os (se bem que ainda não os tenha terminado) com imenso interesse, devido à grande concordância de pontos de vista que revelam existir entre nós. Provavelmente fez a mesma constatação ao ler o meu livro Os Conselhos Operários. Durante muitos anos pareceu-me que o pequeno número de socialistas que partilham estas ideias não tinha aumentado. O livro foi ignorado pela quase totalidade da imprensa socialista (salvo, recentemente no Socialist Leader do I.L.P. Fiquei, portanto contente de conhecer um grupo que chegara às mesmas conclusões por outra via. O domínio completo dos trabalhadores sobre o seu trabalho que vocês exprimem dizendo: "os produtores organizam eles próprios a gestão da produção" também eu a descrevo nos capítulos sobre "a organização das secções de fábrica" e "a organização social". Os organismos de que os trabalhadores necessitam para deliberar, formados por assembleias de delegados, a que chamam "organismos soviéticos" são os mesmos a que nós chamamos "Conselhos Operários", "Arbeiterrate", "Workers' Councils".
Claro que há diferenças. Tratarei este assunto considerando-o como um esforço de colaboração para a discussão na nossa revista. Ao passo que vocês restringem a actividade destes organismos à organização do trabalho nas fábricas depois da tomada do poder social pelos trabalhadores, nós consideramo-los também como meio pelo qual os trabalhadores conquistarão esse poder. Para conquistar o poder não é preciso que "um partido revolucionário" tome a direcção da revolução proletária. Este "partido revolucionário" é um conceito trotskista que encontrou grande adesão (depois de 1930) entre o grande número de ex-militantes do P.C. desiludidos com a prática do partido. A nossa oposição e a nossa crítica remontam já aos primeiros anos da revolução russa e eram dirigidos contra Lénine e suscitados pela sua viragem para o oportunismo político.
Por este motivo ficámos fora da via trotskista, não sofremos nunca a sua influência. Consideramos Trotsky o mais hábil porta-voz do bolchevismo e que ele deveria ter sido o sucessor de Lénine. Mas depois de reconhecer que despontava na Rússia um capitalismo de Estado, virámos a nossa atenção principalmente para a Europa Ocidental do grande capital, onde os trabalhadores terão de transformar este capitalismo, altamente desenvolvido, num comunismo real (no sentido literal do termo). Trotsky com o seu fervor revolucionário cativou todos os dissidentes que o estalinismo levara a abandonar o P.C., e ao inculcar-lhes o vírus bolchevique tornou-os quase incapazes de compreender as novas grandes tarefas da revolução proletária.
Dado que a revolução russa e as suas ideias têm ainda uma grande influência nos espíritos, é necessário penetrar mais profundamente no seu carácter fundamental. Trata-se em poucas palavras, da ultima revolução burguesa mas que foi obra da classe operária. Revolução burguesa(1) significa uma revolução que destrói o feudalismo e abre a via à industrialização, com todas as consequências que esta implica. A revolução russa está, portanto, na linha da revolução inglesa de 1647 e da revolução francesa de 1789, e das que se lhe seguiram em 1830, 1848, 1871. No decorrer de todas estas revoluções os artesãos, camponeses e operários forneceram o poderio maciço necessário à destruição do antigo regime. Seguidamente, os comités e os partidos dos políticos representantes das camadas ricas, que constituiriam a futura classe dominante, vêm a primeiro plano e apoderam-se do poder governamental. Era o desfecho natural, porque a classe operária não estava ainda preparada para se governar a si própria, e a nova sociedade de classes onde o trabalhador era explorado. Uma tal classe dominante tem necessidade de um governo composto por uma minoria de funcionários e políticos. A revolução russa, mais recentemente, parecia ser uma revolução proletária, sendo os operários os seus autores através de greves e acções de massas. Seguidamente, no entanto, o partido bolchevique conseguiu, pouco a pouco, apropriar-se do poder (a classe operária era uma pequena minoria entre a população camponesa). Assim, o carácter burguês (em sentido lato) da revolução russa torna-se dominante e toma a forma de capitalismo de Estado. Depois, pela sua influência ideológica e espiritual no mundo, a revolução russa torna-se precisamente o contrário da revolução proletária que deve libertar os operários, torná-los senhores do aparelho de produção.
Para nós a tradição gloriosa da revolução russa consiste em que, nas suas primeiras explosões de 1905 e 1917, foi a primeira a desenvolver e a mostrar aos trabalhadores do mundo inteiro a forma organizada da sua acção revolucionária autónoma, os sovietes. Desta experiência, confirmada mais tarde, em mais pequena escala, na Alemanha, tirámos as nossas ideias sobre as formas de acção de massas que são próprias da classe operária e que ela deve usar para a sua libertação.
Exemplos do contrário são as tradições, ideias e métodos saídos da revolução logo que o P.C. tomou o poder. Estas ideias, que só servem de obstáculo a uma acção proletária correcta, constituíram a essência e base da propaganda de Trotsky.
A nossa conclusão é que as formas de organização de poder autónomo, expressas pelos termos "sovietes" ou "Conselhos Operários", devem servir não só para a conquista do poder mas também para a direcção do trabalho produtivo depois desta conquista. Por um lado, porque o poder dos trabalhadores na sociedade não pode ser conseguido de outro modo, por exemplo pelo que se denomina partido revolucionário. Em segundo lugar, porque estes sovietes, que serão mais tarde necessários à produção, não se podem formar senão pela luta de classes para a conquista do poder.
Parece-me que neste conceito o "nó de contradições" do problema da "direcção revolucionária", desaparece. Porque a fonte das contradições é a impossibilidade de harmonizar o poder e a liberdade de uma classe que governa os seus próprios destinos com a exigência de obediência a uma direcção formada por um pequeno grupo ou partido. Mas poderemos nós manter uma tal exigência? Contradiz completamente a ideia mais citada de Marx de que A LIBERTAÇÃO DOS TRABALHADORES TERÁ DE SER OBRA DOS PRÓPRIOS TRABALHADORES. Para além disso, a revolução proletária não pode ser comparada a uma rebelião única ou a uma campanha militar dirigida por um comando central, nem mesmo a um período de lutas parecido, por exemplo, com a revolução francesa, que não foi mais que um episódio da ascensão da burguesia ao poder. A revolução proletária é bastante mais basta e profunda, é o acesso das massas populares à consciência da sua existência e do seu carácter. Não será uma convulsão única, ela formará o conteúdo inteiro de um período inteiro da história da humanidade, durante o qual a classe operária terá de descobrir e concretizar as suas próprias faculdades e potencialidades, bem como os seus fins e métodos de luta. Tentei concretizar certos aspectos desta revolução no meu livro Os Conselhos Operários no capítulo intitulado "A revolução operária". Evidentemente que tudo isto só fornece um esquema abstracto que pode servir para fazer avançar as diversas forças em acção e as suas relações.
Pode ser que agora me perguntem: mas então, no quadro desta orientação, para que serve um partido ou um grupo e quais as suas tarefas? Podemos estar certos que o nosso grupo não chegará a comandar as massas trabalhadoras na sua acção revolucionária. Ao nosso lado há mais de uma meia dúzia de outros grupos ou partidos, que se consideram revolucionários, mas todos diferentes no seu programa e ideias, e comparados ao grande partido socialista não são mais que liliputianos. No quadro da discussão apresentada no n.º 10 da vossa revista, foi com razão afirmado que a nossa tarefa é principalmente teórica: encontrar e indicar pelo estudo e discussão o melhor caminho de acção para a classe operária. No entanto, esta educação não deve ser dirigida somente aos membros do grupo ou partido mas sim à massa da classe operária. É ela que deve decidir nas suas reuniões de fábrica e nos Conselhos, qual a melhor maneira de agir. Mas para que decidam da melhor maneira possível devem ser esclarecidos por opiniões bem ponderadas e vindas do maior número de lados possível. Por consequência, um grupo que proclama que a acção autónoma da classe operária é a força principal da revolução socialista, considerará que a sua tarefa primordial é ir ao encontro dos operários, por exemplo, por meio de panfletos populares que esclareçam os trabalhadores explicando as principais mudanças da sociedade, e a necessidade de uma direcção dos operários por eles mesmos, em todas as suas acções bem como em todo o trabalho produtivo futuro.
Estas são algumas das reflexões que me suscitou a leitura das discussões altamente interessantes publicadas na vossa revista. Para mais devo dizer que fiquei satisfeito com os artigos sobre "O operário americano"(1), que clarificam uma grande parte do enigmático problema desta classe operária sem socialismo, e ainda com o instrutivo artigo sobre a classe operária na Alemanha Ocidental(2).
Espero que o vosso grupo possa publicar ainda mais números da sua revista.
Peço-vos desculpa de ter escrito esta carta em inglês mas é-me difícil exprimir-me satisfatoriamente em francês.
Sinceramente, o vosso
Ant. Pannekoek
1873 - 1960
Foto: Instituto Internacional de História Social de Amsterdã (IISG)
Cientista e teórico marxista holandês. Como cientista obteve reconhecimento internacional por seus trabalhos na área da astronomia. Como teórico, concebia o marxismo como a ciência aplicada aos problemas sociais e a humanização da ciência como um aspecto da humanização da sociedade. Sempre sustentou que o marxismo não era um dogma, mas um método de pensamento aplicável aos problemas sociais no processo real de transformação social, por tal motivo, para Pannekoek a teoria marxista não apenas seria ultrapassada pelo próprio marxismo em certos aspectos, como algumas de suas teses, originadas de condições determinadas, deveriam perder validade quando as condições mudassem. De sua obra sobressaem com solidez pelo menos duas idéias: 1) a autonomia do proletariado frente aos capitalistas e à degeneração burocrática de partidos e sindicatos de trabalhadores; 2) a impossibilidade de reconstruir o movimento operário nos moldes em que existiu, tanto antes de 1914, quanto no período de 1917-21.
Carta à Revista Socialisme et Barbarie
Anton Pannekoek
8 de Novembro de 1953
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Fonte: http://www.terravista.pt/IlhadoMel/1188/primeira_carta_de_pannekoek.htm.
HTML por José Braz para The Marxists Internet Archive
Recebemos do camarada Anton Pannekoek a carta que publicamos a seguir, com a resposta do camarada Chaulieu. É, decerto, supérfluo lembrar aos nossos leitores a longa e profunda actividade de militante e teórico de A. Pannekoek, a sua luta contra o oportunismo no seio da II Internacional, mesmo antes de 1914, a atitude resolutamente internacionalista que o grupo animado por ele e Gorter teve em 1914-18, a sua crítica ao centralismo burocrático do partido bolchevique a partir de 1919-1920 (que só é conhecida em França pela resposta de Lénine na Doença Infantil do Comunismo; a Resposta a Lénine de Gorter foi igualmente publicada em francês). Esperamos poder publicar brevemente nesta revista extractos da sua obra Os Conselhos Operários publicada em inglês depois da guerra.
8 de Novembro de 1953
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Caro Camarada Chaulieu,
Agradeço-lhe sinceramente os onze números de Socialisme ou Barbarie que me enviou através do camarada B... Li-os (se bem que ainda não os tenha terminado) com imenso interesse, devido à grande concordância de pontos de vista que revelam existir entre nós. Provavelmente fez a mesma constatação ao ler o meu livro Os Conselhos Operários. Durante muitos anos pareceu-me que o pequeno número de socialistas que partilham estas ideias não tinha aumentado. O livro foi ignorado pela quase totalidade da imprensa socialista (salvo, recentemente no Socialist Leader do I.L.P. Fiquei, portanto contente de conhecer um grupo que chegara às mesmas conclusões por outra via. O domínio completo dos trabalhadores sobre o seu trabalho que vocês exprimem dizendo: "os produtores organizam eles próprios a gestão da produção" também eu a descrevo nos capítulos sobre "a organização das secções de fábrica" e "a organização social". Os organismos de que os trabalhadores necessitam para deliberar, formados por assembleias de delegados, a que chamam "organismos soviéticos" são os mesmos a que nós chamamos "Conselhos Operários", "Arbeiterrate", "Workers' Councils".
Claro que há diferenças. Tratarei este assunto considerando-o como um esforço de colaboração para a discussão na nossa revista. Ao passo que vocês restringem a actividade destes organismos à organização do trabalho nas fábricas depois da tomada do poder social pelos trabalhadores, nós consideramo-los também como meio pelo qual os trabalhadores conquistarão esse poder. Para conquistar o poder não é preciso que "um partido revolucionário" tome a direcção da revolução proletária. Este "partido revolucionário" é um conceito trotskista que encontrou grande adesão (depois de 1930) entre o grande número de ex-militantes do P.C. desiludidos com a prática do partido. A nossa oposição e a nossa crítica remontam já aos primeiros anos da revolução russa e eram dirigidos contra Lénine e suscitados pela sua viragem para o oportunismo político.
Por este motivo ficámos fora da via trotskista, não sofremos nunca a sua influência. Consideramos Trotsky o mais hábil porta-voz do bolchevismo e que ele deveria ter sido o sucessor de Lénine. Mas depois de reconhecer que despontava na Rússia um capitalismo de Estado, virámos a nossa atenção principalmente para a Europa Ocidental do grande capital, onde os trabalhadores terão de transformar este capitalismo, altamente desenvolvido, num comunismo real (no sentido literal do termo). Trotsky com o seu fervor revolucionário cativou todos os dissidentes que o estalinismo levara a abandonar o P.C., e ao inculcar-lhes o vírus bolchevique tornou-os quase incapazes de compreender as novas grandes tarefas da revolução proletária.
Dado que a revolução russa e as suas ideias têm ainda uma grande influência nos espíritos, é necessário penetrar mais profundamente no seu carácter fundamental. Trata-se em poucas palavras, da ultima revolução burguesa mas que foi obra da classe operária. Revolução burguesa(1) significa uma revolução que destrói o feudalismo e abre a via à industrialização, com todas as consequências que esta implica. A revolução russa está, portanto, na linha da revolução inglesa de 1647 e da revolução francesa de 1789, e das que se lhe seguiram em 1830, 1848, 1871. No decorrer de todas estas revoluções os artesãos, camponeses e operários forneceram o poderio maciço necessário à destruição do antigo regime. Seguidamente, os comités e os partidos dos políticos representantes das camadas ricas, que constituiriam a futura classe dominante, vêm a primeiro plano e apoderam-se do poder governamental. Era o desfecho natural, porque a classe operária não estava ainda preparada para se governar a si própria, e a nova sociedade de classes onde o trabalhador era explorado. Uma tal classe dominante tem necessidade de um governo composto por uma minoria de funcionários e políticos. A revolução russa, mais recentemente, parecia ser uma revolução proletária, sendo os operários os seus autores através de greves e acções de massas. Seguidamente, no entanto, o partido bolchevique conseguiu, pouco a pouco, apropriar-se do poder (a classe operária era uma pequena minoria entre a população camponesa). Assim, o carácter burguês (em sentido lato) da revolução russa torna-se dominante e toma a forma de capitalismo de Estado. Depois, pela sua influência ideológica e espiritual no mundo, a revolução russa torna-se precisamente o contrário da revolução proletária que deve libertar os operários, torná-los senhores do aparelho de produção.
Para nós a tradição gloriosa da revolução russa consiste em que, nas suas primeiras explosões de 1905 e 1917, foi a primeira a desenvolver e a mostrar aos trabalhadores do mundo inteiro a forma organizada da sua acção revolucionária autónoma, os sovietes. Desta experiência, confirmada mais tarde, em mais pequena escala, na Alemanha, tirámos as nossas ideias sobre as formas de acção de massas que são próprias da classe operária e que ela deve usar para a sua libertação.
Exemplos do contrário são as tradições, ideias e métodos saídos da revolução logo que o P.C. tomou o poder. Estas ideias, que só servem de obstáculo a uma acção proletária correcta, constituíram a essência e base da propaganda de Trotsky.
A nossa conclusão é que as formas de organização de poder autónomo, expressas pelos termos "sovietes" ou "Conselhos Operários", devem servir não só para a conquista do poder mas também para a direcção do trabalho produtivo depois desta conquista. Por um lado, porque o poder dos trabalhadores na sociedade não pode ser conseguido de outro modo, por exemplo pelo que se denomina partido revolucionário. Em segundo lugar, porque estes sovietes, que serão mais tarde necessários à produção, não se podem formar senão pela luta de classes para a conquista do poder.
Parece-me que neste conceito o "nó de contradições" do problema da "direcção revolucionária", desaparece. Porque a fonte das contradições é a impossibilidade de harmonizar o poder e a liberdade de uma classe que governa os seus próprios destinos com a exigência de obediência a uma direcção formada por um pequeno grupo ou partido. Mas poderemos nós manter uma tal exigência? Contradiz completamente a ideia mais citada de Marx de que A LIBERTAÇÃO DOS TRABALHADORES TERÁ DE SER OBRA DOS PRÓPRIOS TRABALHADORES. Para além disso, a revolução proletária não pode ser comparada a uma rebelião única ou a uma campanha militar dirigida por um comando central, nem mesmo a um período de lutas parecido, por exemplo, com a revolução francesa, que não foi mais que um episódio da ascensão da burguesia ao poder. A revolução proletária é bastante mais basta e profunda, é o acesso das massas populares à consciência da sua existência e do seu carácter. Não será uma convulsão única, ela formará o conteúdo inteiro de um período inteiro da história da humanidade, durante o qual a classe operária terá de descobrir e concretizar as suas próprias faculdades e potencialidades, bem como os seus fins e métodos de luta. Tentei concretizar certos aspectos desta revolução no meu livro Os Conselhos Operários no capítulo intitulado "A revolução operária". Evidentemente que tudo isto só fornece um esquema abstracto que pode servir para fazer avançar as diversas forças em acção e as suas relações.
Pode ser que agora me perguntem: mas então, no quadro desta orientação, para que serve um partido ou um grupo e quais as suas tarefas? Podemos estar certos que o nosso grupo não chegará a comandar as massas trabalhadoras na sua acção revolucionária. Ao nosso lado há mais de uma meia dúzia de outros grupos ou partidos, que se consideram revolucionários, mas todos diferentes no seu programa e ideias, e comparados ao grande partido socialista não são mais que liliputianos. No quadro da discussão apresentada no n.º 10 da vossa revista, foi com razão afirmado que a nossa tarefa é principalmente teórica: encontrar e indicar pelo estudo e discussão o melhor caminho de acção para a classe operária. No entanto, esta educação não deve ser dirigida somente aos membros do grupo ou partido mas sim à massa da classe operária. É ela que deve decidir nas suas reuniões de fábrica e nos Conselhos, qual a melhor maneira de agir. Mas para que decidam da melhor maneira possível devem ser esclarecidos por opiniões bem ponderadas e vindas do maior número de lados possível. Por consequência, um grupo que proclama que a acção autónoma da classe operária é a força principal da revolução socialista, considerará que a sua tarefa primordial é ir ao encontro dos operários, por exemplo, por meio de panfletos populares que esclareçam os trabalhadores explicando as principais mudanças da sociedade, e a necessidade de uma direcção dos operários por eles mesmos, em todas as suas acções bem como em todo o trabalho produtivo futuro.
Estas são algumas das reflexões que me suscitou a leitura das discussões altamente interessantes publicadas na vossa revista. Para mais devo dizer que fiquei satisfeito com os artigos sobre "O operário americano"(1), que clarificam uma grande parte do enigmático problema desta classe operária sem socialismo, e ainda com o instrutivo artigo sobre a classe operária na Alemanha Ocidental(2).
Espero que o vosso grupo possa publicar ainda mais números da sua revista.
Peço-vos desculpa de ter escrito esta carta em inglês mas é-me difícil exprimir-me satisfatoriamente em francês.
Sinceramente, o vosso
Ant. Pannekoek
quarta-feira, 20 de julho de 2011
CHARLES FOURIER
François Marie Charles Fourier (Besançon, 7 de Abril de 1772 – Paris, 10 de Outubro de 1837) foi um socialista francês da primeira parte do século XIX, um dos pais do cooperativismo. Foi também um crítico ferino do economicismo e do capitalismo de sua época, e adversário da industrialização, da civilização urbana, do liberalismo e da família baseada no matrimônio e na monogamia.
O caráter jovial com que Fourier realizou algumas de suas críticas fez dele um dos grandes satíricos de todos os tempos. Propôs a criação de unidades de produção e consumo - as falanges ou falanstérios - baseadas em uma forma de cooperativismo integral e auto-suficiente, assim como na livre perseguição do que chamava paixões individuais e seu desenvolvimento, o que constituiria um estado que chamava harmonia. Neste sentido antecipa a linhagem do socialismo libertário dentro do movimento socialista, mas também em linhas críticas da moral burguesa e cristã, restritiva do desejo e do prazer - neste sentido, sendo também em um dos precursores da psicanálise.[1] Em 1808 Fourier já argumentava abertamente em favor da igualdade de gênero entre homens e mulheres, apesar da palavra feminismo só ter surgido em 1837.[2]
Entusiastas de suas ideias estabeleceram comunidades intencionais nas três Américas. O Falanstério do Saí em Santa Catarina e a Colônia Cecília no Paraná foram experiências práticas inspiradas por Fourier no Brasil, assim como La Réunion no Texas e a Falange Norteamericana em Nova Jersey, nos Estados Unidos. (In Wikipédia)
Crítica à "civilização"
.Grande parte das críticas de Fourier são voltadas contra as posições que justificam e perpetuam o sofrimento humano como é o caso do cristianismo.
Nesse sentido identifica no centro do cristianismo a imagem do pecado original. "Fourier encarna um momento único do pensamento ocidental; levando a crítica à religião, elaborada pelo movimento filosófico, até as últimas consequências lógicas, até à rejeição da moral da família e da hierarquia social e simboliza todo um momento em que a reação pós-revolucionária estava em todo seu apogeu, se sustentando ainda por muito tempo boa parte das conquistas intelectuais do século XVIII".[1] Nesta mesma linha argumentativa vinculava a ideia de civilização a um sentido pejorativo, reconhecendo nesta uma forma social contemporânea a ser superada. Desta forma Fourier transcendia o economicismo de grande parte do pensamento socialista de sua época e de momentos posteriores. Assim não só criticava as estruturas econômicas do capitalismo, mas também a moral inteira da sociedade contemporânea e seus costumes.
Através da sua crítica à moral pessimista e focada na dor, propunha assumir como foco a felicidade entendida como satisfação dos sentidos, e também como prazer. Tudo isto indo contra o que chamava "o masoquismo mental". Este elemento foi ponto fundamental em sua crítica à estrutura da família nuclear promovida pelo cristianismo, as unidades camponesas e o capitalismo de seu contexto. Dizia que essa estrutura era ao mesmo tempo economicamente absurda e passionalmente absurda. A primeira se devia ao fato da família enquanto unidade econômica não ser capaz de prover sua própria sustentação e necessitava de uma maior cooperação entre um maior número de pessoas assim como o trabalho cooperativo de um número maior de pessoas que é desperdiçado às vezes no trabalho familiar de pequenos grupos. A segunda era porque Fourier afirmava que viver com as mesmas pessoas toda a vida e o tempo todo (e pior no caso de relações amorosas/sexuais com a mesma pessoa por toda a vida) condenava os envolvidos à monotonia e ao tédio, assim como ao conformismo, impedindo um maior desenvolvimento da personalidade se comparado às possibilidades existentes nas relações mais múltiplas de duração diversa.
Nesta perspectiva, a sociedade atual encontraria claramente seu fundamente na hipocrisia ou em uma estrutura basicamente hipócrita. Isto devido ao fato de se ter uma constante contradição entre as palavras e as ações assim como entre os deveres e as aspirações. As pessoas aspiram à realização de seus desejos, no entanto se reprimem e recorrem à moral para se auto-justificarem e reprimir os que quiserem perseguir seus desejos, ou como diria Fourier suas paixões.
Contra esta moral, a qual se atravessa tanto no âmbito da vida doméstica como nas esferas do trabalho, da economia e da política, Fourier afirma abertamente que as paixões não são nocivas mas sim, ao contrário, parte fundamental da natureza humana e assim mesmo elemento necessário para o desenvolvimento da personalidade.
Fourier também denunciou a exploração de que eram vítimas os trabalhadores, as mulheres e crianças, e a desigualdade social de sua época. Foi o primeiro que chegou a afirmar por exemplo que "o grau de emancipação da mulheres em uma sociedade é o termômetro geral através do qual se mede a emancipação geral".
As paixões e o livre desenvolvimento da personalidade
Hakim Bey na seguinte citação resume a crítica de Fourier à civilização:
As misérias da Civilização têm desviado a Terra e a humanidade de seu proprio destino em um sentido literalmente cósmico. A Paixão, a qual temos aprendido a entender como "o mal", é de fato, virtualmente, o princípio divino. Os seres humanos são estrelas microscópicas, e todas as paixões e desejos (incluindo os "fetiches" e as "perversões") são por natureza não somente boas, mas sim necessárias para a realização do destino dos humanos. No sistema de Harmonia de Fourier todas atividades criativas incluindo a indústria, o artesanato, a agricultura (etc) surgiram da libertação da paixão - esta é a famosa teoria do "trabalho atrativo". Fourier sexualiza o próprio trabalho - a vida do Falanstério é uma contínua orgia do sentimento intenso, do pensamento e da atividade, uma sociedade de amantes e selvagens entusiastas. Quando a vida social da terra é harmonizada, nosso planeta voltará a ser incorporado ao universo da Paixão e serão experimentadas vastas transformações na forma do corpo humano, no tempo atmosférico, nos animais e nas plantas, e mesmo nos oceanos.
—Hakim Bey, O oceano de limonada e os tempos modernos.
Fourier afirmava que as paixões são impulsos e necessidades que podem ser desenvolvidas. Contra seus críticos que afirmavam que o desenfreio irracional das paixões poderia ser algo potencialmente suícida, Fourier advertia que um completo abandono às paixões só poderia dar-se em harmonia e fazê-lo em civilização seria perigoso. Assim mesmo contra os críticos que diziam que as paixões podem ser também destrutivas dos outros ou malignas ele decidiu fazer uma tendência de paixões ou instâncias passionais harmônicas e outras subversivas. As primeiras quando se realizam não ferem aos outros ou até podem ajudar-lhes a realizarem-se, enquanto que as segundas podem ferir aos outros ou limitá-los. Fourier afirmava que na restrição se promovia a dívida e a escassez de oportunidades de auto-realização tendendo irremediavelmente ao conflito. Num estado de livre expressão da personalidade e de superação desta escassez o conflito irremediavelmente se reduz quando não é mesmo eliminado. Por outro lado ele propõe um esquema no qual haveria algumas paixões "distributivas" que eliminam o conflito e também evitam tédio.
O cooperativismo como alternativa
.Não sacrificai a felicidade de hoje em nome da felicidade futura. Desfrutai do momento, evitai toda associação de matrimônio ou de interesse que não satisfaça vossas paixões no mesmo instante. Por que trabalhar pela felicidade futura, se ela se sobrepõe aos vossos desejos, e, na ordem combinada, tereis apenas um desprazer: o de não poder dobrar a duração dos dias, a fim de que eles comportem o imenso círculo de gozos que tereis a percorrer
—C. Fourier, Fourier, Aviso aos civilizados a respeito da próxima metamorfose social.
Diante deste panorama Fourier propunha uma alternativa cooperativista. Se se permitisse às pessoas realizar livremente suas inclinações ou paixões se produziria um estado de equilíbrio entre todos, ou como o chamou, harmonia. Como fundamento da tese de Fourier estava a possibilidade de se estabelecer uma sociedade verdadeiramente justa, para a qual propôs a fundação de falanstérios (Comunidades); os benefícios obtidos seriam repartidos entre os membros da falange e os capitalistas que houvessem investido dinheiro em sua construção. Uma das cooperativas mais famosas idealizada por Fourier foi a Coopérative des bijoutiers em Doré. Fourier pretendia convencer os capitalistas a proporcionarem recursos necessários para a construção de Falanstérios, no entanto, nenhum deles aceitaria a sua proposta.
A Falange e o falanstério teriam as seguintes características:
No lugar dos vastos centros que absorvem as populações, as aldeias, as casas, construídas ao azar no mapa, mal distribuídos, mal traçados seus limites, tão incoerentes em sua distribução geral como em sua organização particular, a humanidade deve estar agrupada por comunidades, regulares pelo número de seus habitantes, por sua ordem interior e pelas condições de equilíbrio na relação com outras comunidades, obedecendo todas a lei análogas. Na ordem combinada ou societária estas comunidades recebem o nome de falange, palavra que significa uma ideia de conjunto, de unidade, de vontade e de objeto. A falange deve ser composta de 400 famílias (1.600 ou 1.800 pessoas, com uma média da densidade das famílias de 4,5). As bases desta associação são: 1º Todos os habitantes da comunidade, ricos e pobres, formarão parte da associação; o capital social o constituirão os imóveis de todos e os móveis e capitais investidos por cada um à sociedade. 2º Cada associado em troca de seus investimentos, receberá ações que representem o valor exato do que haja investido. 3º Toda ação terá hipoteca sobre a parte dos imóveis que represente e sobre a propriedade geral da sociedade. 4º Todo associado (se é associado ainda quando não se possuem ações nem capital algum) deve concorrer à exploração do bem comum, com seu trabalho e com seu talento. 5º As mulheres e as crianças entram na sociedade com o mesmo título que os homens. 6º O beneficio anual, depois de satisfeitos os gastos comuns, será repartido proporcionalmente segundo as três faculdades produtivas: capital, trabalho e talento. Os fourieristas supõem que esta organização produzirá importantíssimas e fecundas consequências, pois, por exemplo, as 400 familias reunidas levariam grandes vantagens em substituir seus 400 lugares, que empregam a 400 mulheres, por uma boa cozinha dirigida por umas quantas pessoas hábeis na arte de cozinhar; seus 400 depósitos de grãos por um bom; suas 400 adegas por uma ampla e magnífica, &c., &c. A falange, ou seja a reunião de 400 casinhas, viria com o tempo a se reunirem em um só edifício; com 400 departamentos com dependências comuns e particulares, e este grande edifício unitário receberá o nome de falanstério.
—Dicionário Enciclopédico Hispano-Americano, verbete Fourierismo
Desta forma Fourier antecipa as propostas posteriores do socialismo libertário ao edificar comunas de associação voluntária como base do sistema político que substituiria o estado e o capitalismo. Portanto, a proposta do falanstério antecipa projetos posteriores como os sovietes, as comunas autônomas e o principio federativo (etc) as quais formam parte integral do anarquismo, do comunalismo intencional e de algumas alas menos autoritárias do marxismo como o comunismo de conselhos.
Théorie des quatre movements (Teoria dos quatro movimentos) (1808),
Fourier divide toda história anterior em quatro fases: selvageria, barbárie, patriarcado e civilização. Coincidindo esta última fase com o capitalismo burguês do século XIX e cuja origem remonta Fourier ao século XVI e sobre a qual chegaria a afirmar que esta "ordem civilizada eleva a uma forma complexa, ambígua, equívoca e hipócrita todos aqueles vícios que a barbárie praticava em um meio da maior ingenuidade". Também afirma nessa obra que "Na civilização, a miséria brota da própria abundância".
Traité de l'association doméstique-agricole (Tratado de associação doméstica e agrícola) (1822).
Le nouveau monde industriel et societaire (O novo mundo industrial e societário) (1829).
La fausse industrie (A falsa indústria) (1835-1836).
Le nouveau monde amoureux (O novo mundo amoroso). Tal obra nunca chegou a ser levada à imprensa por Fourier, sendo editada postumamente, só em 1967. Nela descrevia um momento da sociedade em que as paixões de alguns indivíduos se combinariam com as paixões de outros com o qual deixariam de ser perversões. Nesta sociedade seria abolido o comércio, cancro da economia e causa do desperdício e do parasitismo. O consumo se reduziria espontâneamente ao essencial; a indústria se reorientaria; o trabalho se organizaria em pequenas comunidades e se distribuiria sobre a base das aptidões e desejos individuais.
Nas revoltas do século XIX e fundação dos falanstérios
As ideias de Fourier tiveram influência nas revoluções populares de 1848 conhecidas como Primavera dos povos através de seguidores como Victor Considérant. A essa época na América do Norte e na América do Sul foram fundadas diversas comunidades intencionais por seguidores, geralmente imigrantes europeus. Entre outros, no Brasil surgiram o Falanstério do Saí em Santa Catarina e a Colônia Cecília no Paraná, enquanto nos Estados Unidos foram erguidos A Utopia, em Ohio, La Réunion no Texas, e a Falange Norteamericana em Nova Jersey.
Os escritos de Fourier foram incluídos pela igreja católica no Index Librorum Prohibitorum, lista daquelas publicações que a Igreja Católica catalogou como livros perniciosos para a fé. O propósito desta lista era prevenir a leitura de livros ou trabalhos imorais que contivessem erros teológicos ou morais e prevenir da corrupção seus fiéis.
[editar] Marxismo e o rótulo de socialismo utópico
"Fourier, de ti eles zombaram, mas não haverá remédio a se tomar mais dia menos dia que a tua medicina"
—André Breton,Ode à Charles Fourier
Depois de que os surrealistas romperam com o Partido Comunista Francês, André Breton escreveu o poema Ode à Charles Fourier em 1947. No livro clássico de freudo-marxismo de Herbert Marcuse da década de cinquenta Eros e civilização, Fourier é mencionado como representante importante da tradição hedonista.
(in Wikipédia, excertos e adaptações da minha responsabilidade)
O caráter jovial com que Fourier realizou algumas de suas críticas fez dele um dos grandes satíricos de todos os tempos. Propôs a criação de unidades de produção e consumo - as falanges ou falanstérios - baseadas em uma forma de cooperativismo integral e auto-suficiente, assim como na livre perseguição do que chamava paixões individuais e seu desenvolvimento, o que constituiria um estado que chamava harmonia. Neste sentido antecipa a linhagem do socialismo libertário dentro do movimento socialista, mas também em linhas críticas da moral burguesa e cristã, restritiva do desejo e do prazer - neste sentido, sendo também em um dos precursores da psicanálise.[1] Em 1808 Fourier já argumentava abertamente em favor da igualdade de gênero entre homens e mulheres, apesar da palavra feminismo só ter surgido em 1837.[2]
Entusiastas de suas ideias estabeleceram comunidades intencionais nas três Américas. O Falanstério do Saí em Santa Catarina e a Colônia Cecília no Paraná foram experiências práticas inspiradas por Fourier no Brasil, assim como La Réunion no Texas e a Falange Norteamericana em Nova Jersey, nos Estados Unidos. (In Wikipédia)
Crítica à "civilização"
.Grande parte das críticas de Fourier são voltadas contra as posições que justificam e perpetuam o sofrimento humano como é o caso do cristianismo.
Nesse sentido identifica no centro do cristianismo a imagem do pecado original. "Fourier encarna um momento único do pensamento ocidental; levando a crítica à religião, elaborada pelo movimento filosófico, até as últimas consequências lógicas, até à rejeição da moral da família e da hierarquia social e simboliza todo um momento em que a reação pós-revolucionária estava em todo seu apogeu, se sustentando ainda por muito tempo boa parte das conquistas intelectuais do século XVIII".[1] Nesta mesma linha argumentativa vinculava a ideia de civilização a um sentido pejorativo, reconhecendo nesta uma forma social contemporânea a ser superada. Desta forma Fourier transcendia o economicismo de grande parte do pensamento socialista de sua época e de momentos posteriores. Assim não só criticava as estruturas econômicas do capitalismo, mas também a moral inteira da sociedade contemporânea e seus costumes.
Através da sua crítica à moral pessimista e focada na dor, propunha assumir como foco a felicidade entendida como satisfação dos sentidos, e também como prazer. Tudo isto indo contra o que chamava "o masoquismo mental". Este elemento foi ponto fundamental em sua crítica à estrutura da família nuclear promovida pelo cristianismo, as unidades camponesas e o capitalismo de seu contexto. Dizia que essa estrutura era ao mesmo tempo economicamente absurda e passionalmente absurda. A primeira se devia ao fato da família enquanto unidade econômica não ser capaz de prover sua própria sustentação e necessitava de uma maior cooperação entre um maior número de pessoas assim como o trabalho cooperativo de um número maior de pessoas que é desperdiçado às vezes no trabalho familiar de pequenos grupos. A segunda era porque Fourier afirmava que viver com as mesmas pessoas toda a vida e o tempo todo (e pior no caso de relações amorosas/sexuais com a mesma pessoa por toda a vida) condenava os envolvidos à monotonia e ao tédio, assim como ao conformismo, impedindo um maior desenvolvimento da personalidade se comparado às possibilidades existentes nas relações mais múltiplas de duração diversa.
Nesta perspectiva, a sociedade atual encontraria claramente seu fundamente na hipocrisia ou em uma estrutura basicamente hipócrita. Isto devido ao fato de se ter uma constante contradição entre as palavras e as ações assim como entre os deveres e as aspirações. As pessoas aspiram à realização de seus desejos, no entanto se reprimem e recorrem à moral para se auto-justificarem e reprimir os que quiserem perseguir seus desejos, ou como diria Fourier suas paixões.
Contra esta moral, a qual se atravessa tanto no âmbito da vida doméstica como nas esferas do trabalho, da economia e da política, Fourier afirma abertamente que as paixões não são nocivas mas sim, ao contrário, parte fundamental da natureza humana e assim mesmo elemento necessário para o desenvolvimento da personalidade.
Fourier também denunciou a exploração de que eram vítimas os trabalhadores, as mulheres e crianças, e a desigualdade social de sua época. Foi o primeiro que chegou a afirmar por exemplo que "o grau de emancipação da mulheres em uma sociedade é o termômetro geral através do qual se mede a emancipação geral".
As paixões e o livre desenvolvimento da personalidade
Hakim Bey na seguinte citação resume a crítica de Fourier à civilização:
As misérias da Civilização têm desviado a Terra e a humanidade de seu proprio destino em um sentido literalmente cósmico. A Paixão, a qual temos aprendido a entender como "o mal", é de fato, virtualmente, o princípio divino. Os seres humanos são estrelas microscópicas, e todas as paixões e desejos (incluindo os "fetiches" e as "perversões") são por natureza não somente boas, mas sim necessárias para a realização do destino dos humanos. No sistema de Harmonia de Fourier todas atividades criativas incluindo a indústria, o artesanato, a agricultura (etc) surgiram da libertação da paixão - esta é a famosa teoria do "trabalho atrativo". Fourier sexualiza o próprio trabalho - a vida do Falanstério é uma contínua orgia do sentimento intenso, do pensamento e da atividade, uma sociedade de amantes e selvagens entusiastas. Quando a vida social da terra é harmonizada, nosso planeta voltará a ser incorporado ao universo da Paixão e serão experimentadas vastas transformações na forma do corpo humano, no tempo atmosférico, nos animais e nas plantas, e mesmo nos oceanos.
—Hakim Bey, O oceano de limonada e os tempos modernos.
Fourier afirmava que as paixões são impulsos e necessidades que podem ser desenvolvidas. Contra seus críticos que afirmavam que o desenfreio irracional das paixões poderia ser algo potencialmente suícida, Fourier advertia que um completo abandono às paixões só poderia dar-se em harmonia e fazê-lo em civilização seria perigoso. Assim mesmo contra os críticos que diziam que as paixões podem ser também destrutivas dos outros ou malignas ele decidiu fazer uma tendência de paixões ou instâncias passionais harmônicas e outras subversivas. As primeiras quando se realizam não ferem aos outros ou até podem ajudar-lhes a realizarem-se, enquanto que as segundas podem ferir aos outros ou limitá-los. Fourier afirmava que na restrição se promovia a dívida e a escassez de oportunidades de auto-realização tendendo irremediavelmente ao conflito. Num estado de livre expressão da personalidade e de superação desta escassez o conflito irremediavelmente se reduz quando não é mesmo eliminado. Por outro lado ele propõe um esquema no qual haveria algumas paixões "distributivas" que eliminam o conflito e também evitam tédio.
O cooperativismo como alternativa
.Não sacrificai a felicidade de hoje em nome da felicidade futura. Desfrutai do momento, evitai toda associação de matrimônio ou de interesse que não satisfaça vossas paixões no mesmo instante. Por que trabalhar pela felicidade futura, se ela se sobrepõe aos vossos desejos, e, na ordem combinada, tereis apenas um desprazer: o de não poder dobrar a duração dos dias, a fim de que eles comportem o imenso círculo de gozos que tereis a percorrer
—C. Fourier, Fourier, Aviso aos civilizados a respeito da próxima metamorfose social.
Diante deste panorama Fourier propunha uma alternativa cooperativista. Se se permitisse às pessoas realizar livremente suas inclinações ou paixões se produziria um estado de equilíbrio entre todos, ou como o chamou, harmonia. Como fundamento da tese de Fourier estava a possibilidade de se estabelecer uma sociedade verdadeiramente justa, para a qual propôs a fundação de falanstérios (Comunidades); os benefícios obtidos seriam repartidos entre os membros da falange e os capitalistas que houvessem investido dinheiro em sua construção. Uma das cooperativas mais famosas idealizada por Fourier foi a Coopérative des bijoutiers em Doré. Fourier pretendia convencer os capitalistas a proporcionarem recursos necessários para a construção de Falanstérios, no entanto, nenhum deles aceitaria a sua proposta.
A Falange e o falanstério teriam as seguintes características:
No lugar dos vastos centros que absorvem as populações, as aldeias, as casas, construídas ao azar no mapa, mal distribuídos, mal traçados seus limites, tão incoerentes em sua distribução geral como em sua organização particular, a humanidade deve estar agrupada por comunidades, regulares pelo número de seus habitantes, por sua ordem interior e pelas condições de equilíbrio na relação com outras comunidades, obedecendo todas a lei análogas. Na ordem combinada ou societária estas comunidades recebem o nome de falange, palavra que significa uma ideia de conjunto, de unidade, de vontade e de objeto. A falange deve ser composta de 400 famílias (1.600 ou 1.800 pessoas, com uma média da densidade das famílias de 4,5). As bases desta associação são: 1º Todos os habitantes da comunidade, ricos e pobres, formarão parte da associação; o capital social o constituirão os imóveis de todos e os móveis e capitais investidos por cada um à sociedade. 2º Cada associado em troca de seus investimentos, receberá ações que representem o valor exato do que haja investido. 3º Toda ação terá hipoteca sobre a parte dos imóveis que represente e sobre a propriedade geral da sociedade. 4º Todo associado (se é associado ainda quando não se possuem ações nem capital algum) deve concorrer à exploração do bem comum, com seu trabalho e com seu talento. 5º As mulheres e as crianças entram na sociedade com o mesmo título que os homens. 6º O beneficio anual, depois de satisfeitos os gastos comuns, será repartido proporcionalmente segundo as três faculdades produtivas: capital, trabalho e talento. Os fourieristas supõem que esta organização produzirá importantíssimas e fecundas consequências, pois, por exemplo, as 400 familias reunidas levariam grandes vantagens em substituir seus 400 lugares, que empregam a 400 mulheres, por uma boa cozinha dirigida por umas quantas pessoas hábeis na arte de cozinhar; seus 400 depósitos de grãos por um bom; suas 400 adegas por uma ampla e magnífica, &c., &c. A falange, ou seja a reunião de 400 casinhas, viria com o tempo a se reunirem em um só edifício; com 400 departamentos com dependências comuns e particulares, e este grande edifício unitário receberá o nome de falanstério.
—Dicionário Enciclopédico Hispano-Americano, verbete Fourierismo
Desta forma Fourier antecipa as propostas posteriores do socialismo libertário ao edificar comunas de associação voluntária como base do sistema político que substituiria o estado e o capitalismo. Portanto, a proposta do falanstério antecipa projetos posteriores como os sovietes, as comunas autônomas e o principio federativo (etc) as quais formam parte integral do anarquismo, do comunalismo intencional e de algumas alas menos autoritárias do marxismo como o comunismo de conselhos.
Théorie des quatre movements (Teoria dos quatro movimentos) (1808),
Fourier divide toda história anterior em quatro fases: selvageria, barbárie, patriarcado e civilização. Coincidindo esta última fase com o capitalismo burguês do século XIX e cuja origem remonta Fourier ao século XVI e sobre a qual chegaria a afirmar que esta "ordem civilizada eleva a uma forma complexa, ambígua, equívoca e hipócrita todos aqueles vícios que a barbárie praticava em um meio da maior ingenuidade". Também afirma nessa obra que "Na civilização, a miséria brota da própria abundância".
Traité de l'association doméstique-agricole (Tratado de associação doméstica e agrícola) (1822).
Le nouveau monde industriel et societaire (O novo mundo industrial e societário) (1829).
La fausse industrie (A falsa indústria) (1835-1836).
Le nouveau monde amoureux (O novo mundo amoroso). Tal obra nunca chegou a ser levada à imprensa por Fourier, sendo editada postumamente, só em 1967. Nela descrevia um momento da sociedade em que as paixões de alguns indivíduos se combinariam com as paixões de outros com o qual deixariam de ser perversões. Nesta sociedade seria abolido o comércio, cancro da economia e causa do desperdício e do parasitismo. O consumo se reduziria espontâneamente ao essencial; a indústria se reorientaria; o trabalho se organizaria em pequenas comunidades e se distribuiria sobre a base das aptidões e desejos individuais.
Nas revoltas do século XIX e fundação dos falanstérios
As ideias de Fourier tiveram influência nas revoluções populares de 1848 conhecidas como Primavera dos povos através de seguidores como Victor Considérant. A essa época na América do Norte e na América do Sul foram fundadas diversas comunidades intencionais por seguidores, geralmente imigrantes europeus. Entre outros, no Brasil surgiram o Falanstério do Saí em Santa Catarina e a Colônia Cecília no Paraná, enquanto nos Estados Unidos foram erguidos A Utopia, em Ohio, La Réunion no Texas, e a Falange Norteamericana em Nova Jersey.
Os escritos de Fourier foram incluídos pela igreja católica no Index Librorum Prohibitorum, lista daquelas publicações que a Igreja Católica catalogou como livros perniciosos para a fé. O propósito desta lista era prevenir a leitura de livros ou trabalhos imorais que contivessem erros teológicos ou morais e prevenir da corrupção seus fiéis.
[editar] Marxismo e o rótulo de socialismo utópico
"Fourier, de ti eles zombaram, mas não haverá remédio a se tomar mais dia menos dia que a tua medicina"
—André Breton,Ode à Charles Fourier
Depois de que os surrealistas romperam com o Partido Comunista Francês, André Breton escreveu o poema Ode à Charles Fourier em 1947. No livro clássico de freudo-marxismo de Herbert Marcuse da década de cinquenta Eros e civilização, Fourier é mencionado como representante importante da tradição hedonista.
(in Wikipédia, excertos e adaptações da minha responsabilidade)
terça-feira, 19 de julho de 2011
Opinião de Manuel António Pina
A via dos juros
O presidente do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, o alemão Klaus Regling, explicou ontem porque é que portugueses (e gregos, e irlandeses) devem escrever "ajuda" com aspas quando se referem aos planos de resgate da dívida soberana apoiados por países como a Alemanha: "Até hoje, só houve ganhos para os alemães, porque recebemos da Irlanda e Portugal juros acima dos refinanciamentos que fizemos e a diferença reverte a favor do orçamento alemão".
Repetindo o retrato que do colonizado faz o colonizador, Merkel diz que portugueses (e gregos, e demais "pretos" dos países do Sul) não gostam de trabalhar. Por sua vez, na passada semana, Hans-Werner Sinn, presidente do IFO, afirmou que "os portugueses e os gregos vivem à custa dos alemães".
Dados da OCDE e do EUROSTAT revelam porém que portugueses e gregos trabalham afinal mais que os alemães: os gregos 2119 horas por ano, e os portugueses 1719 (espanhóis 1654, italianos 1773), enquanto os alemães se ficam por 1390. Os mesmos dados mostram que a produtividade individual é semelhante na Alemanha e nos países do Sul, e que, na Grécia, a produtividade horária é até superior à da Alemanha.
Tudo isso mais as afirmações de Regling confirmam o óbvio: que os alemães é que vivem à nossa custa e dos demais PIIGS do "Lebensraum". Por algum motivo Helmut Kohl acusa a Alemanha de, pela mão da ambição hegemónica de Merkel, estar a fracturar de novo a Europa.
in Jornal de Notícias, 18 julho
O presidente do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, o alemão Klaus Regling, explicou ontem porque é que portugueses (e gregos, e irlandeses) devem escrever "ajuda" com aspas quando se referem aos planos de resgate da dívida soberana apoiados por países como a Alemanha: "Até hoje, só houve ganhos para os alemães, porque recebemos da Irlanda e Portugal juros acima dos refinanciamentos que fizemos e a diferença reverte a favor do orçamento alemão".
Repetindo o retrato que do colonizado faz o colonizador, Merkel diz que portugueses (e gregos, e demais "pretos" dos países do Sul) não gostam de trabalhar. Por sua vez, na passada semana, Hans-Werner Sinn, presidente do IFO, afirmou que "os portugueses e os gregos vivem à custa dos alemães".
Dados da OCDE e do EUROSTAT revelam porém que portugueses e gregos trabalham afinal mais que os alemães: os gregos 2119 horas por ano, e os portugueses 1719 (espanhóis 1654, italianos 1773), enquanto os alemães se ficam por 1390. Os mesmos dados mostram que a produtividade individual é semelhante na Alemanha e nos países do Sul, e que, na Grécia, a produtividade horária é até superior à da Alemanha.
Tudo isso mais as afirmações de Regling confirmam o óbvio: que os alemães é que vivem à nossa custa e dos demais PIIGS do "Lebensraum". Por algum motivo Helmut Kohl acusa a Alemanha de, pela mão da ambição hegemónica de Merkel, estar a fracturar de novo a Europa.
in Jornal de Notícias, 18 julho
domingo, 17 de julho de 2011
O Capital da Capital do Império
Os Estados Unidos não são Portugal, diz Obama
Felizmente Portugal também não é os Estados Unidos.
Obama referia-se especialmente à situação da dívida americana que o atormenta. Mesmo na política económica, apesar dos EUA fabricarem dólares ao preço do papel impresso, os seus gastos com as guerras em que permanentemente estão envolvidos, levou a que estejam perante dívidas a todo o mundo que ultrapassam o seu PIB. Os EUA vivem à custa de muitos países, que exploram, e a quem não pagam as dívidas, como é o caso da China. Os EUA usam a força militar para impor a sua política, roubar as matérias primas de muitos países do mundo e reprimir os que tentam libertar-se das suas "ajudas".
Portugal tem uma longa história. Fez muitas barbaridades. Mas não tantas como as feitas pelos EUA na sua curta história.
As listas de crimes contra a humanidade e afrontas aos direitos humanos, são muito extensas e repugnantes.
EUA é o exemplo mais evidente da natureza do sistema capitalista.
A notícia de que a agência de classificação de risco Standard and Poor's reduziu de estável para negativa a perspectiva de rating dos Estados Unidos provocou surpresa e reações de todo tipo. O jornal "Le Monde" observou a preocupação do FMI e de muitos especialistas sobre a incapacidade do Governo solucionar a redução dos deficits e da dívida americana.
Joseph Stiglitz, num artigo intitulado "Of the 1%, by the 1%, for the 1%" da revista "Vanity Fair" (acessível online), demonstra os efeitos nefastos das desigualdades sociais nos Estados Unidos nas últimas décadas.
Há 25 anos, a faixa dos 1% mais ricos da população detinha 12% da renda americana e controlava 33% da riqueza do país. Agora, este 1% do topo da pirâmide social tem perto de 25% da renda e 40% da riqueza nacional.
O aumento da desigualdade social reduz a democracia americana, abala a eficiência da economia e reduz a acção para modernizar a sociedade.
Democracia?
Stiglitz aponta também o tráfico de influências e o poder do grande capital na manipulação das políticas governamentais afirmando: "Quando entram no Congresso, virtualmente todos os senadores e a maior parte dos deputados são membros da categoria composta pelos 1% mais ricos, em seguida, são reeleitos com o dinheiro destes 1%, e sabem que, se servirem os membros destes 1%, serão recompensados por estes quando terminarem seu mandato".
Para o prémio Nobel de Economia de 2001 a desigualdade social é um elemento chave no emperramento da democracia e no aviltamento da identidade nacional americana.
As desigualdades de rendimentos chegaram a extremos nunca antes contabilizados. Com dinheiro fácil, os bancos de Wall Street estão agora a padecer do “moderno” milagre da alavancagem – capacidade de gerar lucros recorrendo a crédito alheio e a produtos financeiros – derivativos – fortemente especulativos e de alto risco. Ou seja fazer dinheiro sem ter que imprimir papel, nem criar riqueza.
Governo de ricos alimentado pelos pobres
Um dos principais indicadores da desigualdade é o «coeficiente Gini». Este índice, é o maior já registado, traduzindo-se numa “extrema desigualdade”.
Entre 1979 e 2005 o rendimento antes de impostos dos agregados familiares mais pobres aumentou 1,3% por ano e o da classe média 1%. O rendimento dos super-ricos – 1% da população (3 milhões de pessoas) cresceu 200% antes da liquidação de impostos e, pasme-se, 228% depois desses impostos (dados de 2005 que hoje são muito mais elevados). O grupo dos mais pobres da população recebeu 15 300 dólares, a classe média 50 200, enquanto os milionários arrecadaram, em média, mais de 1 milhão. Em 1979, os rendimentos dos super-ricos era 8 vezes superior à da classe média e 23 vezes maior do que a dos 20% dos americanos mais pobres. Em 2005, aquelas proporções aumentaram respectivamente para 21 e 70 vezes. Entre 2002 e 2006, o topo da pirâmide arrecadou quase 75% dos lucros gerados com o aumento da riqueza produzida.
Bill Gross, líder do maior fundo de acções do mundo (Pimco) disse: “Quando o fruto do trabalho da sociedade é mal distribuído, quando os ricos ficam mais ricos e as classes média e baixa lutam para sobreviver, o sistema desmorona-se. Os diversos barcos não acompanham a maré. O centro é incapaz de se sustentar”. As taxas de criminalidade, de todos os tipos, crescem exponencialmente.
Criminalidade e lei da selva
O FBI informou, em Setembro de 2007, que durante 2006 ocorreram 1,41 milhões de delitos violentos, número que representa um aumento de 1,9% com respeito ao ano anterior. As estatísticas dadas a conhecer pelo FBI mostram que, em 2006, o número de assassinatos e homicídios involuntários aumentou 1,8%, enquanto o número de roubos cresceu 7,2%.
Nesse mesmo ano, os residentes norte-americanos de 12 anos de idade ou mais sofreram 25 milhões de delitos violentos e roubos, o que significa 24,6 delitos violentos por cada 1.000 pessoas dessa faixa etária e 159,5 delitos contra a propriedade por cada 1.000 lares.
Nos Estados Unidos, é cometido um crime violento em cada 22 segundos, um assassinato em cada 30 minutos, um estupro em cada 5 minutos, um roubo em cada minuto e um assalto com agressão física a cada 36 segundos (FBI Release its 2006 Crime Statistics, FBI, http://www.fbi.gov/ pressre1/pressre107/cius092407.htm).
Enquanto os salários dos executivos americanos quadruplicaram desde os anos 1970, a renda de 90% dos trabalhadores do país estagnou nesse período. Em muitos casos, as empresas que aumentaram os executivos reduziram os salários dos empregados comuns.
O grupo dos 0,1% mais ricos, formado por pessoas que ganham cerca de US$ 1,7 milhão, acumulou mais de 10% da riqueza pessoal dos EUA. Há quarenta anos, os ganhos desse grupo representava 2,5% da riqueza do país. Enquanto isso, uma pesquisa do FED, o banco central americano, mostra que a renda dos mais pobres caiu 18% nos últimos anos. Estes dados são de 2008, hoje é muito pior.
Em resumo:
1) O topo de 0,01% da população ganha 976 vezes mais do que 90% dos americanos. (The Nation Online)
2) Metade dos americanos detem somente o 2,5% da riqueza nacional. Os 1% mais ricos, 33,8% (Institute for Policy Studies)
3) Os 1% mais ricos detêm 50,9% das acções americanas. Os 50% mais pobres, 2,5%.
4) Em 1986, os 1% mais ricos levavam 38% dos ganhos de capital, enquanto que os 80% mais pobres recebiam 25%. Hoje, os 1% mais ricos levam 58%, e os 80% mais pobres, 13%.
5) Enquanto na última década os salários dos CEOs cresceram 298,2%, os salários dos trabalhadores aumentaram apenas 4,3%, e o salário mínimo diminuiu 9,3%.
6) O salário hora (médio) mantém-se praticamente no mesmo valor real desde 1964 (cerca de 18 dólares/ hora)
7) A taxa de poupança pessoal caiu de 10,9% em 1982 a 2,7% em 2008 (BoEA)
8) As possibilidades de ascensão social, que na década de 40 eram de 12%, hoje são de menos de 4%
9) Em 1962, o 1% mais rico detinha 125 vezes mais riqueza que a família média americana. Hoje é 190 vezes. (NYT)
10) A carga tributária do 1% mais rico era de mais de 60% em 1968, hoje é de menos de 40%
11) Os EUA redistribuem a riqueza até 3 vezes pior que países desenvolvidos como Finlandia, Alemanha, Reino Unido, Dinamarca, Noruega, Holanda, Austrália e Canadá.
12) Os 1% mais ricos viram sua riqueza dobrar desde 1979. Os 90% mais pobres diminuíram a sua riqueza.
Concluindo:
Os EUA, país exemplar do capitalismo, são uma fraude total. Não só porque vivem do que roubam, como fabricam o dinheiro que querem, sem ter nada que o garanta, como mesmo assim, 90% da população vive mal. De nada vale serem o país mais rico quando essa riqueza está nas mão de apenas 1% de super ricos.
Domingo, 17 de Julho de 2011
in C de...blogspot.com
Felizmente Portugal também não é os Estados Unidos.
Obama referia-se especialmente à situação da dívida americana que o atormenta. Mesmo na política económica, apesar dos EUA fabricarem dólares ao preço do papel impresso, os seus gastos com as guerras em que permanentemente estão envolvidos, levou a que estejam perante dívidas a todo o mundo que ultrapassam o seu PIB. Os EUA vivem à custa de muitos países, que exploram, e a quem não pagam as dívidas, como é o caso da China. Os EUA usam a força militar para impor a sua política, roubar as matérias primas de muitos países do mundo e reprimir os que tentam libertar-se das suas "ajudas".
Portugal tem uma longa história. Fez muitas barbaridades. Mas não tantas como as feitas pelos EUA na sua curta história.
As listas de crimes contra a humanidade e afrontas aos direitos humanos, são muito extensas e repugnantes.
EUA é o exemplo mais evidente da natureza do sistema capitalista.
A notícia de que a agência de classificação de risco Standard and Poor's reduziu de estável para negativa a perspectiva de rating dos Estados Unidos provocou surpresa e reações de todo tipo. O jornal "Le Monde" observou a preocupação do FMI e de muitos especialistas sobre a incapacidade do Governo solucionar a redução dos deficits e da dívida americana.
Joseph Stiglitz, num artigo intitulado "Of the 1%, by the 1%, for the 1%" da revista "Vanity Fair" (acessível online), demonstra os efeitos nefastos das desigualdades sociais nos Estados Unidos nas últimas décadas.
Há 25 anos, a faixa dos 1% mais ricos da população detinha 12% da renda americana e controlava 33% da riqueza do país. Agora, este 1% do topo da pirâmide social tem perto de 25% da renda e 40% da riqueza nacional.
O aumento da desigualdade social reduz a democracia americana, abala a eficiência da economia e reduz a acção para modernizar a sociedade.
Democracia?
Stiglitz aponta também o tráfico de influências e o poder do grande capital na manipulação das políticas governamentais afirmando: "Quando entram no Congresso, virtualmente todos os senadores e a maior parte dos deputados são membros da categoria composta pelos 1% mais ricos, em seguida, são reeleitos com o dinheiro destes 1%, e sabem que, se servirem os membros destes 1%, serão recompensados por estes quando terminarem seu mandato".
Para o prémio Nobel de Economia de 2001 a desigualdade social é um elemento chave no emperramento da democracia e no aviltamento da identidade nacional americana.
As desigualdades de rendimentos chegaram a extremos nunca antes contabilizados. Com dinheiro fácil, os bancos de Wall Street estão agora a padecer do “moderno” milagre da alavancagem – capacidade de gerar lucros recorrendo a crédito alheio e a produtos financeiros – derivativos – fortemente especulativos e de alto risco. Ou seja fazer dinheiro sem ter que imprimir papel, nem criar riqueza.
Governo de ricos alimentado pelos pobres
Um dos principais indicadores da desigualdade é o «coeficiente Gini». Este índice, é o maior já registado, traduzindo-se numa “extrema desigualdade”.
Entre 1979 e 2005 o rendimento antes de impostos dos agregados familiares mais pobres aumentou 1,3% por ano e o da classe média 1%. O rendimento dos super-ricos – 1% da população (3 milhões de pessoas) cresceu 200% antes da liquidação de impostos e, pasme-se, 228% depois desses impostos (dados de 2005 que hoje são muito mais elevados). O grupo dos mais pobres da população recebeu 15 300 dólares, a classe média 50 200, enquanto os milionários arrecadaram, em média, mais de 1 milhão. Em 1979, os rendimentos dos super-ricos era 8 vezes superior à da classe média e 23 vezes maior do que a dos 20% dos americanos mais pobres. Em 2005, aquelas proporções aumentaram respectivamente para 21 e 70 vezes. Entre 2002 e 2006, o topo da pirâmide arrecadou quase 75% dos lucros gerados com o aumento da riqueza produzida.
Bill Gross, líder do maior fundo de acções do mundo (Pimco) disse: “Quando o fruto do trabalho da sociedade é mal distribuído, quando os ricos ficam mais ricos e as classes média e baixa lutam para sobreviver, o sistema desmorona-se. Os diversos barcos não acompanham a maré. O centro é incapaz de se sustentar”. As taxas de criminalidade, de todos os tipos, crescem exponencialmente.
Criminalidade e lei da selva
O FBI informou, em Setembro de 2007, que durante 2006 ocorreram 1,41 milhões de delitos violentos, número que representa um aumento de 1,9% com respeito ao ano anterior. As estatísticas dadas a conhecer pelo FBI mostram que, em 2006, o número de assassinatos e homicídios involuntários aumentou 1,8%, enquanto o número de roubos cresceu 7,2%.
Nesse mesmo ano, os residentes norte-americanos de 12 anos de idade ou mais sofreram 25 milhões de delitos violentos e roubos, o que significa 24,6 delitos violentos por cada 1.000 pessoas dessa faixa etária e 159,5 delitos contra a propriedade por cada 1.000 lares.
Nos Estados Unidos, é cometido um crime violento em cada 22 segundos, um assassinato em cada 30 minutos, um estupro em cada 5 minutos, um roubo em cada minuto e um assalto com agressão física a cada 36 segundos (FBI Release its 2006 Crime Statistics, FBI, http://www.fbi.gov/ pressre1/pressre107/cius092407.htm).
Enquanto os salários dos executivos americanos quadruplicaram desde os anos 1970, a renda de 90% dos trabalhadores do país estagnou nesse período. Em muitos casos, as empresas que aumentaram os executivos reduziram os salários dos empregados comuns.
O grupo dos 0,1% mais ricos, formado por pessoas que ganham cerca de US$ 1,7 milhão, acumulou mais de 10% da riqueza pessoal dos EUA. Há quarenta anos, os ganhos desse grupo representava 2,5% da riqueza do país. Enquanto isso, uma pesquisa do FED, o banco central americano, mostra que a renda dos mais pobres caiu 18% nos últimos anos. Estes dados são de 2008, hoje é muito pior.
Em resumo:
1) O topo de 0,01% da população ganha 976 vezes mais do que 90% dos americanos. (The Nation Online)
2) Metade dos americanos detem somente o 2,5% da riqueza nacional. Os 1% mais ricos, 33,8% (Institute for Policy Studies)
3) Os 1% mais ricos detêm 50,9% das acções americanas. Os 50% mais pobres, 2,5%.
4) Em 1986, os 1% mais ricos levavam 38% dos ganhos de capital, enquanto que os 80% mais pobres recebiam 25%. Hoje, os 1% mais ricos levam 58%, e os 80% mais pobres, 13%.
5) Enquanto na última década os salários dos CEOs cresceram 298,2%, os salários dos trabalhadores aumentaram apenas 4,3%, e o salário mínimo diminuiu 9,3%.
6) O salário hora (médio) mantém-se praticamente no mesmo valor real desde 1964 (cerca de 18 dólares/ hora)
7) A taxa de poupança pessoal caiu de 10,9% em 1982 a 2,7% em 2008 (BoEA)
8) As possibilidades de ascensão social, que na década de 40 eram de 12%, hoje são de menos de 4%
9) Em 1962, o 1% mais rico detinha 125 vezes mais riqueza que a família média americana. Hoje é 190 vezes. (NYT)
10) A carga tributária do 1% mais rico era de mais de 60% em 1968, hoje é de menos de 40%
11) Os EUA redistribuem a riqueza até 3 vezes pior que países desenvolvidos como Finlandia, Alemanha, Reino Unido, Dinamarca, Noruega, Holanda, Austrália e Canadá.
12) Os 1% mais ricos viram sua riqueza dobrar desde 1979. Os 90% mais pobres diminuíram a sua riqueza.
Concluindo:
Os EUA, país exemplar do capitalismo, são uma fraude total. Não só porque vivem do que roubam, como fabricam o dinheiro que querem, sem ter nada que o garanta, como mesmo assim, 90% da população vive mal. De nada vale serem o país mais rico quando essa riqueza está nas mão de apenas 1% de super ricos.
Domingo, 17 de Julho de 2011
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Movimento Escola Pública
Por uma escola exigente para responder à crise
Posição do Movimento Escola Pública sobre o programa do Governo PSD/PP
O Movimento Escola Pública considera que o programa do governo para a Educação apresenta desde já objectivos que, a serem concretizados, terão consequências graves na qualidade da escola pública e na igualdade de oportunidades que constitucionalmente esta deve assegurar.
Condenamos o corte de cerca de 400 milhões de euros previsto no memorando da Troika para 2011 e 2012, verba que será poupada através da criação de mais mega-agrupamentos e redução de pessoal, dando continuidade às políticas do anterior governo. A despersonalização da escola com uma pequena direcção cada vez mais afastada de uma grande comunidade de alunos(as), professores(as), famílias e funcionários(as) é uma tendência oposta às melhores práticas internacionais.
Recusamos frontalmente a “examocracia” patente em todo o documento programático. Através de “provas para o 4.º ano, provas finais de ciclo no 6.º e 9.º anos, com um peso na avaliação final e exames nacionais no 11.º e 12.º ano”, prevê-se que a introdução de exames com peso na avaliação final seja um mecanismo de selecção para definir prematuramente o percurso escolar dos alunos, transformando a escola num centro de treino para exames e alimentando ainda mais o negócio crescente das explicações privadas. Examinar para excluir é a solução mais facilitista que pode existir. Do que precisamos é de uma escola exigente que não desista dos(as) alunos(as), apostando no acompanhamento pedagógico individualizado sempre que necessário.
É ainda com grande preocupação que olhamos para: - a possibilidade do peso das notas dos exames finais na avaliação dos professores, por ser um mecanismo aleatório, incapaz de avaliar o trabalho concreto desenvolvido pelos docentes devido à diversidade dos contextos económicos, culturais e sociais de crianças e jovens;
- a recusa em suspender o actual modelo de avaliação de professores, prolongando assim desnecessariamente conflitos e instabilidades prejudiciais a um ambiente pedagógico sereno;
- a “defesa da política de contratos de associação com estabelecimentos de ensino particular e cooperativo”, aparentemente sem condições, associada ao objectivo de “desenvolver progressivamente iniciativas de liberdade de escolha para as famílias em relação à oferta disponível pública ou privada”. Desenha-se aqui um objectivo antigo dos sectores mais conservadores da sociedade portuguesa: uma escola pública para os pobres e uma escola privada para as classes médias e altas, financiada pelo dinheiro do Estado, ou seja, de todos. Esta aposta do governo merecerá a nossa oposição total.
O Movimento Escola Pública considera que é urgente transformação da escola numa outra escola, mais exigente, contra os facilitismos e a passividade face às dificuldades, e que tal implica a adopção de medidas concretas, com impacto no desempenho de alunos e professores. Por isso, lamentamos a ausência de qualquer referência:
- à necessidade da redução do número de alunos por turma e por professor. Pelo contrário, com a redução drástica do número de docentes, o tamanho das turmas e do total de alunos a cargo de cada um tenderá a aumentar.
- ao número de elementos do pessoal não docente em cada estabelecimento - especialmente nos que acolhem crianças mais novas
- à introdução de equipas multidisciplinares nas escolas que garantam um acompanhamento eficaz de cada aluno(a).
Fácil é eliminar e seleccionar. Difícil é garantir um ensino de qualidade para todos e todas. O governo escolhe o facilitismo. Nós acreditamos que somos capazes, como sociedade, de não nos contentarmos com pouco, e escolher a exigência.
Julho 2011, Movimento Escola Pública.
Posição do Movimento Escola Pública sobre o programa do Governo PSD/PP
O Movimento Escola Pública considera que o programa do governo para a Educação apresenta desde já objectivos que, a serem concretizados, terão consequências graves na qualidade da escola pública e na igualdade de oportunidades que constitucionalmente esta deve assegurar.
Condenamos o corte de cerca de 400 milhões de euros previsto no memorando da Troika para 2011 e 2012, verba que será poupada através da criação de mais mega-agrupamentos e redução de pessoal, dando continuidade às políticas do anterior governo. A despersonalização da escola com uma pequena direcção cada vez mais afastada de uma grande comunidade de alunos(as), professores(as), famílias e funcionários(as) é uma tendência oposta às melhores práticas internacionais.
Recusamos frontalmente a “examocracia” patente em todo o documento programático. Através de “provas para o 4.º ano, provas finais de ciclo no 6.º e 9.º anos, com um peso na avaliação final e exames nacionais no 11.º e 12.º ano”, prevê-se que a introdução de exames com peso na avaliação final seja um mecanismo de selecção para definir prematuramente o percurso escolar dos alunos, transformando a escola num centro de treino para exames e alimentando ainda mais o negócio crescente das explicações privadas. Examinar para excluir é a solução mais facilitista que pode existir. Do que precisamos é de uma escola exigente que não desista dos(as) alunos(as), apostando no acompanhamento pedagógico individualizado sempre que necessário.
É ainda com grande preocupação que olhamos para: - a possibilidade do peso das notas dos exames finais na avaliação dos professores, por ser um mecanismo aleatório, incapaz de avaliar o trabalho concreto desenvolvido pelos docentes devido à diversidade dos contextos económicos, culturais e sociais de crianças e jovens;
- a recusa em suspender o actual modelo de avaliação de professores, prolongando assim desnecessariamente conflitos e instabilidades prejudiciais a um ambiente pedagógico sereno;
- a “defesa da política de contratos de associação com estabelecimentos de ensino particular e cooperativo”, aparentemente sem condições, associada ao objectivo de “desenvolver progressivamente iniciativas de liberdade de escolha para as famílias em relação à oferta disponível pública ou privada”. Desenha-se aqui um objectivo antigo dos sectores mais conservadores da sociedade portuguesa: uma escola pública para os pobres e uma escola privada para as classes médias e altas, financiada pelo dinheiro do Estado, ou seja, de todos. Esta aposta do governo merecerá a nossa oposição total.
O Movimento Escola Pública considera que é urgente transformação da escola numa outra escola, mais exigente, contra os facilitismos e a passividade face às dificuldades, e que tal implica a adopção de medidas concretas, com impacto no desempenho de alunos e professores. Por isso, lamentamos a ausência de qualquer referência:
- à necessidade da redução do número de alunos por turma e por professor. Pelo contrário, com a redução drástica do número de docentes, o tamanho das turmas e do total de alunos a cargo de cada um tenderá a aumentar.
- ao número de elementos do pessoal não docente em cada estabelecimento - especialmente nos que acolhem crianças mais novas
- à introdução de equipas multidisciplinares nas escolas que garantam um acompanhamento eficaz de cada aluno(a).
Fácil é eliminar e seleccionar. Difícil é garantir um ensino de qualidade para todos e todas. O governo escolhe o facilitismo. Nós acreditamos que somos capazes, como sociedade, de não nos contentarmos com pouco, e escolher a exigência.
Julho 2011, Movimento Escola Pública.
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Opinião de Carvalho da Silva (coordenador da CGTP)
Travemos o desastre!
2011-07-09
Para onde caminha o país? Qual a fundamentação e eficácia das políticas que nos estão a ser impostas? O primeiro-ministro (PM), no discurso de apresentação do programa do Governo na Assembleia da República, disse que "as actuais circunstâncias exigem capacidade de antecipação e agilidade na acção" e, no seguimento dessa afirmação, anunciou "medidas de antecipação e de prevenção capazes de inverter este ciclo e de contribuir para restaurar a confiança na nossa economia". Nesse contexto fez o anúncio do corte "equivalente a 50 por cento do subsídio de Natal acima do salário mínimo nacional".
Nesta semana, a agência de rating Moody"s "notou" a dívida pública de Portugal como lixo, seguindo-se posições idênticas sobre as Regiões Autónomas, diversos municípios e empresas públicas. De imediato, o PM afirmou que "é o chamado murro no estômago" e o Governo, pela voz do ministro das Finanças, afirmou que "a Moody"s não teve em conta o imposto extraordinário" que o Governo anunciou.
Estes governantes sabem, tão bem quanto qualquer português informado, que a chantagem e o roubo que vêm sendo feitos sobre o povo português (como sobre o grego, o espanhol e outros) não pára com cedências atrás de cedências. Os sacrifícios impostos aos trabalhadores e ao povo, agora designados por medidas de "antecipação e agilidade na acção" são, afinal, brutais sacrifícios que apenas aprofundam o empobrecimento do país. Claro que o "filme" vai continuar e os grandes capitalistas internacionais e nacionais estão a enriquecer.
Observem-se alguns efeitos desta chantagem: i) os defensores da inevitabilidade da aplicação das receitas da troika, FMI/UE/BCE, aí estão a dizer que a posição da Moody"s é excessiva e que o caminho a seguir é aplicar-se rigorosamente aquele programa; ii) os responsáveis da União Europeia dizem que agora é de mais e que vão reagir, mas ao mesmo tempo reclamam que se apliquem escrupulosamente os programas de austeridade que estão a destruir o Estado social e o projecto europeu; iii) os patrões sem escrúpulos reforçam o seu argumentário neoliberal e, em nome da aplicação do programa da troika, vão insistir no ataque aos direitos no trabalho, na redução da retribuição do trabalho e na instabilidade da Segurança Social; iv) os capitalistas portugueses e estrangeiros que se "preparam" para as privatizações esfregam as mãos de satisfação pois, com esta posição da Moody"s, o preço de saldo baixa ainda mais; v) entretanto os portugueses pagam juros mais elevados, a recessão económica e o desemprego agravam-se e a dívida aumenta.
É chocante ouvir portugueses com grande responsabilidade em instituições de prestígio dizerem aos portugueses que o corte no 13.º mês "é justo porque não atinge os mais desfavorecidos". O dr. José Silva Lopes lembrou, nesta semana, que apenas vão ser atingidas as pessoas que apresentam rendimentos englobados para efeitos de IRS, ou seja, mais de metade da riqueza produzida, que é apropriada apenas por uns quantos milhares de portugueses, não contribuirá com um cêntimo para o "sacrifício necessário". Então onde estão a razão e a justiça?
Razão tem o prof. José Reis quando afirma que "a culpa europeia e nacional" destas chantagens é de "quem entregou tudo aos mercados e a essas agências, inclusive o financiamento dos estados e das necessidades colectivas". Diz ele, muito bem, que o "nosso sacrifício" (imposto extraordinário) foi levado "numa bandeja de ouro a estas agências".
Claro que o Governo vai prosseguir nas suas políticas desastrosas! E o presidente da República vai continuar a repetir a necessidade de sujeição "aos mercados" e às "suas instituições"?
Neste momento em que se misturam denúncias genuínas do papel subversivo das agências de rating e dos "mercados", com lágrimas de crocodilo sobre a matéria, é preciso dizer basta, dizer ao comum dos portugueses e das portuguesas "acordai": Vós não sois os responsáveis pelos bloqueios em que o país se encontra; o fundamental dos sacrifícios que Vos estão a ser impostos são injustos e ignóbeis.
Há caminhos alternativos e temos de partir com determinação para a sua construção e afirmação.
in Jornal de Notícias, 14 julho 2011
2011-07-09
Para onde caminha o país? Qual a fundamentação e eficácia das políticas que nos estão a ser impostas? O primeiro-ministro (PM), no discurso de apresentação do programa do Governo na Assembleia da República, disse que "as actuais circunstâncias exigem capacidade de antecipação e agilidade na acção" e, no seguimento dessa afirmação, anunciou "medidas de antecipação e de prevenção capazes de inverter este ciclo e de contribuir para restaurar a confiança na nossa economia". Nesse contexto fez o anúncio do corte "equivalente a 50 por cento do subsídio de Natal acima do salário mínimo nacional".
Nesta semana, a agência de rating Moody"s "notou" a dívida pública de Portugal como lixo, seguindo-se posições idênticas sobre as Regiões Autónomas, diversos municípios e empresas públicas. De imediato, o PM afirmou que "é o chamado murro no estômago" e o Governo, pela voz do ministro das Finanças, afirmou que "a Moody"s não teve em conta o imposto extraordinário" que o Governo anunciou.
Estes governantes sabem, tão bem quanto qualquer português informado, que a chantagem e o roubo que vêm sendo feitos sobre o povo português (como sobre o grego, o espanhol e outros) não pára com cedências atrás de cedências. Os sacrifícios impostos aos trabalhadores e ao povo, agora designados por medidas de "antecipação e agilidade na acção" são, afinal, brutais sacrifícios que apenas aprofundam o empobrecimento do país. Claro que o "filme" vai continuar e os grandes capitalistas internacionais e nacionais estão a enriquecer.
Observem-se alguns efeitos desta chantagem: i) os defensores da inevitabilidade da aplicação das receitas da troika, FMI/UE/BCE, aí estão a dizer que a posição da Moody"s é excessiva e que o caminho a seguir é aplicar-se rigorosamente aquele programa; ii) os responsáveis da União Europeia dizem que agora é de mais e que vão reagir, mas ao mesmo tempo reclamam que se apliquem escrupulosamente os programas de austeridade que estão a destruir o Estado social e o projecto europeu; iii) os patrões sem escrúpulos reforçam o seu argumentário neoliberal e, em nome da aplicação do programa da troika, vão insistir no ataque aos direitos no trabalho, na redução da retribuição do trabalho e na instabilidade da Segurança Social; iv) os capitalistas portugueses e estrangeiros que se "preparam" para as privatizações esfregam as mãos de satisfação pois, com esta posição da Moody"s, o preço de saldo baixa ainda mais; v) entretanto os portugueses pagam juros mais elevados, a recessão económica e o desemprego agravam-se e a dívida aumenta.
É chocante ouvir portugueses com grande responsabilidade em instituições de prestígio dizerem aos portugueses que o corte no 13.º mês "é justo porque não atinge os mais desfavorecidos". O dr. José Silva Lopes lembrou, nesta semana, que apenas vão ser atingidas as pessoas que apresentam rendimentos englobados para efeitos de IRS, ou seja, mais de metade da riqueza produzida, que é apropriada apenas por uns quantos milhares de portugueses, não contribuirá com um cêntimo para o "sacrifício necessário". Então onde estão a razão e a justiça?
Razão tem o prof. José Reis quando afirma que "a culpa europeia e nacional" destas chantagens é de "quem entregou tudo aos mercados e a essas agências, inclusive o financiamento dos estados e das necessidades colectivas". Diz ele, muito bem, que o "nosso sacrifício" (imposto extraordinário) foi levado "numa bandeja de ouro a estas agências".
Claro que o Governo vai prosseguir nas suas políticas desastrosas! E o presidente da República vai continuar a repetir a necessidade de sujeição "aos mercados" e às "suas instituições"?
Neste momento em que se misturam denúncias genuínas do papel subversivo das agências de rating e dos "mercados", com lágrimas de crocodilo sobre a matéria, é preciso dizer basta, dizer ao comum dos portugueses e das portuguesas "acordai": Vós não sois os responsáveis pelos bloqueios em que o país se encontra; o fundamental dos sacrifícios que Vos estão a ser impostos são injustos e ignóbeis.
Há caminhos alternativos e temos de partir com determinação para a sua construção e afirmação.
in Jornal de Notícias, 14 julho 2011
quarta-feira, 13 de julho de 2011
Um texto de MARX
Excerto do capítulo sobre a "Acumulação Primitiva do Capital"
"A acumulação primitiva desempenha na economia política quase o mesmo papel que o pecado original na teologia. Adão mordeu a maçã e por isso o pecado abateu-se sobre a espécie humana. Pretende-se explicar a origem da acumulação por meio de uma anedota ocorrida num passado distante. Havia outrora, em tempos muito remotos, duas espécies de gente: uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo frugal, e uma população constituída de vadios, trapalhões que gastavam mais do que tinham. A lenda teológica conta-nos que o homem foi condenado a comer o pão com o suor do seu rosto. Mas a lenda económica explica-nos o motivo porque existem pessoas que escapam a esse mandamento divino. … Aconteceu que a elite foi acumulando riquezas e a população vadia acabou por ficar sem ter outra coisa para vender além da própria pele. Temos aí o pecado original da economia. Por causa dele, a grande massa é pobre e, apesar de se esfalfar, só tem para vender a própria força de trabalho, enquanto cresce continuamente a riqueza de poucos, embora esses poucos tenham cessado de trabalhar há muito. Tal infantilidade insípida nos é pregada todos os dias para a defesa da propriedade. … Na história real, é um facto notório que a conquista, a escravização, o roubo, o assassinato, em resumo, a força, desempenha o maior papel. Nos delicados anais da economia política, o idílico reina desde tempos imemoriais. … Como matéria de facto, os métodos da acumulação primitiva são tudo menos idílicos. … O proletariado criado pela separação dos bandos de servos feudais e pela expropriação forçada dos solos às pessoas, este proletariado 'livre' [ vogelfrei, i.e., 'livre como um pássaro'] não podia ser absorvido pelas manufacturas nascentes tão depressa como foi atirado ao mundo. Por outro lado, estes homens, repentinamente arrancados do seu modo de vida habitual, não podiam adaptar-se repentinamente à disciplina da sua nova condição. Eles foram, em massa, transformados em pedintes, ladrões e vagabundos, em parte por inclinação, na maioria dos casos devido ao stress das circunstâncias. Portanto no final do século XV e durante todo o século XVI, por toda a Europa ocidental [foi instituída] uma legislação sanguinária contra a vagabundagem. Os pais da presente classe trabalhadora foram punidos pela sua transformação forçada em vagabundos e pobres. A legislação tratava-os como criminosos 'voluntários', e assumia que dependia da sua boa vontade continuarem a trabalhar sob as anteriores condições que de facto já não existiam . …Dentre os pobres fugitivos, acerca dos quais Thomas More diz que foram forçados a roubar, '72.000 grandes e pequenos ladrões foram mortos' no reinado de Henrique VIII. [12]
Marx, O Capital, Vol. 1, pp. 713-14 e 734-36;
"A acumulação primitiva desempenha na economia política quase o mesmo papel que o pecado original na teologia. Adão mordeu a maçã e por isso o pecado abateu-se sobre a espécie humana. Pretende-se explicar a origem da acumulação por meio de uma anedota ocorrida num passado distante. Havia outrora, em tempos muito remotos, duas espécies de gente: uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo frugal, e uma população constituída de vadios, trapalhões que gastavam mais do que tinham. A lenda teológica conta-nos que o homem foi condenado a comer o pão com o suor do seu rosto. Mas a lenda económica explica-nos o motivo porque existem pessoas que escapam a esse mandamento divino. … Aconteceu que a elite foi acumulando riquezas e a população vadia acabou por ficar sem ter outra coisa para vender além da própria pele. Temos aí o pecado original da economia. Por causa dele, a grande massa é pobre e, apesar de se esfalfar, só tem para vender a própria força de trabalho, enquanto cresce continuamente a riqueza de poucos, embora esses poucos tenham cessado de trabalhar há muito. Tal infantilidade insípida nos é pregada todos os dias para a defesa da propriedade. … Na história real, é um facto notório que a conquista, a escravização, o roubo, o assassinato, em resumo, a força, desempenha o maior papel. Nos delicados anais da economia política, o idílico reina desde tempos imemoriais. … Como matéria de facto, os métodos da acumulação primitiva são tudo menos idílicos. … O proletariado criado pela separação dos bandos de servos feudais e pela expropriação forçada dos solos às pessoas, este proletariado 'livre' [ vogelfrei, i.e., 'livre como um pássaro'] não podia ser absorvido pelas manufacturas nascentes tão depressa como foi atirado ao mundo. Por outro lado, estes homens, repentinamente arrancados do seu modo de vida habitual, não podiam adaptar-se repentinamente à disciplina da sua nova condição. Eles foram, em massa, transformados em pedintes, ladrões e vagabundos, em parte por inclinação, na maioria dos casos devido ao stress das circunstâncias. Portanto no final do século XV e durante todo o século XVI, por toda a Europa ocidental [foi instituída] uma legislação sanguinária contra a vagabundagem. Os pais da presente classe trabalhadora foram punidos pela sua transformação forçada em vagabundos e pobres. A legislação tratava-os como criminosos 'voluntários', e assumia que dependia da sua boa vontade continuarem a trabalhar sob as anteriores condições que de facto já não existiam . …Dentre os pobres fugitivos, acerca dos quais Thomas More diz que foram forçados a roubar, '72.000 grandes e pequenos ladrões foram mortos' no reinado de Henrique VIII. [12]
Marx, O Capital, Vol. 1, pp. 713-14 e 734-36;
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