François Marie Charles Fourier (Besançon, 7 de Abril de 1772 – Paris, 10 de Outubro de 1837) foi um socialista francês da primeira parte do século XIX, um dos pais do cooperativismo. Foi também um crítico ferino do economicismo e do capitalismo de sua época, e adversário da industrialização, da civilização urbana, do liberalismo e da família baseada no matrimônio e na monogamia.
O caráter jovial com que Fourier realizou algumas de suas críticas fez dele um dos grandes satíricos de todos os tempos. Propôs a criação de unidades de produção e consumo - as falanges ou falanstérios - baseadas em uma forma de cooperativismo integral e auto-suficiente, assim como na livre perseguição do que chamava paixões individuais e seu desenvolvimento, o que constituiria um estado que chamava harmonia. Neste sentido antecipa a linhagem do socialismo libertário dentro do movimento socialista, mas também em linhas críticas da moral burguesa e cristã, restritiva do desejo e do prazer - neste sentido, sendo também em um dos precursores da psicanálise.[1] Em 1808 Fourier já argumentava abertamente em favor da igualdade de gênero entre homens e mulheres, apesar da palavra feminismo só ter surgido em 1837.[2]
Entusiastas de suas ideias estabeleceram comunidades intencionais nas três Américas. O Falanstério do Saí em Santa Catarina e a Colônia Cecília no Paraná foram experiências práticas inspiradas por Fourier no Brasil, assim como La Réunion no Texas e a Falange Norteamericana em Nova Jersey, nos Estados Unidos. (In Wikipédia)
Crítica à "civilização"
.Grande parte das críticas de Fourier são voltadas contra as posições que justificam e perpetuam o sofrimento humano como é o caso do cristianismo.
Nesse sentido identifica no centro do cristianismo a imagem do pecado original. "Fourier encarna um momento único do pensamento ocidental; levando a crítica à religião, elaborada pelo movimento filosófico, até as últimas consequências lógicas, até à rejeição da moral da família e da hierarquia social e simboliza todo um momento em que a reação pós-revolucionária estava em todo seu apogeu, se sustentando ainda por muito tempo boa parte das conquistas intelectuais do século XVIII".[1] Nesta mesma linha argumentativa vinculava a ideia de civilização a um sentido pejorativo, reconhecendo nesta uma forma social contemporânea a ser superada. Desta forma Fourier transcendia o economicismo de grande parte do pensamento socialista de sua época e de momentos posteriores. Assim não só criticava as estruturas econômicas do capitalismo, mas também a moral inteira da sociedade contemporânea e seus costumes.
Através da sua crítica à moral pessimista e focada na dor, propunha assumir como foco a felicidade entendida como satisfação dos sentidos, e também como prazer. Tudo isto indo contra o que chamava "o masoquismo mental". Este elemento foi ponto fundamental em sua crítica à estrutura da família nuclear promovida pelo cristianismo, as unidades camponesas e o capitalismo de seu contexto. Dizia que essa estrutura era ao mesmo tempo economicamente absurda e passionalmente absurda. A primeira se devia ao fato da família enquanto unidade econômica não ser capaz de prover sua própria sustentação e necessitava de uma maior cooperação entre um maior número de pessoas assim como o trabalho cooperativo de um número maior de pessoas que é desperdiçado às vezes no trabalho familiar de pequenos grupos. A segunda era porque Fourier afirmava que viver com as mesmas pessoas toda a vida e o tempo todo (e pior no caso de relações amorosas/sexuais com a mesma pessoa por toda a vida) condenava os envolvidos à monotonia e ao tédio, assim como ao conformismo, impedindo um maior desenvolvimento da personalidade se comparado às possibilidades existentes nas relações mais múltiplas de duração diversa.
Nesta perspectiva, a sociedade atual encontraria claramente seu fundamente na hipocrisia ou em uma estrutura basicamente hipócrita. Isto devido ao fato de se ter uma constante contradição entre as palavras e as ações assim como entre os deveres e as aspirações. As pessoas aspiram à realização de seus desejos, no entanto se reprimem e recorrem à moral para se auto-justificarem e reprimir os que quiserem perseguir seus desejos, ou como diria Fourier suas paixões.
Contra esta moral, a qual se atravessa tanto no âmbito da vida doméstica como nas esferas do trabalho, da economia e da política, Fourier afirma abertamente que as paixões não são nocivas mas sim, ao contrário, parte fundamental da natureza humana e assim mesmo elemento necessário para o desenvolvimento da personalidade.
Fourier também denunciou a exploração de que eram vítimas os trabalhadores, as mulheres e crianças, e a desigualdade social de sua época. Foi o primeiro que chegou a afirmar por exemplo que "o grau de emancipação da mulheres em uma sociedade é o termômetro geral através do qual se mede a emancipação geral".
As paixões e o livre desenvolvimento da personalidade
Hakim Bey na seguinte citação resume a crítica de Fourier à civilização:
As misérias da Civilização têm desviado a Terra e a humanidade de seu proprio destino em um sentido literalmente cósmico. A Paixão, a qual temos aprendido a entender como "o mal", é de fato, virtualmente, o princípio divino. Os seres humanos são estrelas microscópicas, e todas as paixões e desejos (incluindo os "fetiches" e as "perversões") são por natureza não somente boas, mas sim necessárias para a realização do destino dos humanos. No sistema de Harmonia de Fourier todas atividades criativas incluindo a indústria, o artesanato, a agricultura (etc) surgiram da libertação da paixão - esta é a famosa teoria do "trabalho atrativo". Fourier sexualiza o próprio trabalho - a vida do Falanstério é uma contínua orgia do sentimento intenso, do pensamento e da atividade, uma sociedade de amantes e selvagens entusiastas. Quando a vida social da terra é harmonizada, nosso planeta voltará a ser incorporado ao universo da Paixão e serão experimentadas vastas transformações na forma do corpo humano, no tempo atmosférico, nos animais e nas plantas, e mesmo nos oceanos.
—Hakim Bey, O oceano de limonada e os tempos modernos.
Fourier afirmava que as paixões são impulsos e necessidades que podem ser desenvolvidas. Contra seus críticos que afirmavam que o desenfreio irracional das paixões poderia ser algo potencialmente suícida, Fourier advertia que um completo abandono às paixões só poderia dar-se em harmonia e fazê-lo em civilização seria perigoso. Assim mesmo contra os críticos que diziam que as paixões podem ser também destrutivas dos outros ou malignas ele decidiu fazer uma tendência de paixões ou instâncias passionais harmônicas e outras subversivas. As primeiras quando se realizam não ferem aos outros ou até podem ajudar-lhes a realizarem-se, enquanto que as segundas podem ferir aos outros ou limitá-los. Fourier afirmava que na restrição se promovia a dívida e a escassez de oportunidades de auto-realização tendendo irremediavelmente ao conflito. Num estado de livre expressão da personalidade e de superação desta escassez o conflito irremediavelmente se reduz quando não é mesmo eliminado. Por outro lado ele propõe um esquema no qual haveria algumas paixões "distributivas" que eliminam o conflito e também evitam tédio.
O cooperativismo como alternativa
.Não sacrificai a felicidade de hoje em nome da felicidade futura. Desfrutai do momento, evitai toda associação de matrimônio ou de interesse que não satisfaça vossas paixões no mesmo instante. Por que trabalhar pela felicidade futura, se ela se sobrepõe aos vossos desejos, e, na ordem combinada, tereis apenas um desprazer: o de não poder dobrar a duração dos dias, a fim de que eles comportem o imenso círculo de gozos que tereis a percorrer
—C. Fourier, Fourier, Aviso aos civilizados a respeito da próxima metamorfose social.
Diante deste panorama Fourier propunha uma alternativa cooperativista. Se se permitisse às pessoas realizar livremente suas inclinações ou paixões se produziria um estado de equilíbrio entre todos, ou como o chamou, harmonia. Como fundamento da tese de Fourier estava a possibilidade de se estabelecer uma sociedade verdadeiramente justa, para a qual propôs a fundação de falanstérios (Comunidades); os benefícios obtidos seriam repartidos entre os membros da falange e os capitalistas que houvessem investido dinheiro em sua construção. Uma das cooperativas mais famosas idealizada por Fourier foi a Coopérative des bijoutiers em Doré. Fourier pretendia convencer os capitalistas a proporcionarem recursos necessários para a construção de Falanstérios, no entanto, nenhum deles aceitaria a sua proposta.
A Falange e o falanstério teriam as seguintes características:
No lugar dos vastos centros que absorvem as populações, as aldeias, as casas, construídas ao azar no mapa, mal distribuídos, mal traçados seus limites, tão incoerentes em sua distribução geral como em sua organização particular, a humanidade deve estar agrupada por comunidades, regulares pelo número de seus habitantes, por sua ordem interior e pelas condições de equilíbrio na relação com outras comunidades, obedecendo todas a lei análogas. Na ordem combinada ou societária estas comunidades recebem o nome de falange, palavra que significa uma ideia de conjunto, de unidade, de vontade e de objeto. A falange deve ser composta de 400 famílias (1.600 ou 1.800 pessoas, com uma média da densidade das famílias de 4,5). As bases desta associação são: 1º Todos os habitantes da comunidade, ricos e pobres, formarão parte da associação; o capital social o constituirão os imóveis de todos e os móveis e capitais investidos por cada um à sociedade. 2º Cada associado em troca de seus investimentos, receberá ações que representem o valor exato do que haja investido. 3º Toda ação terá hipoteca sobre a parte dos imóveis que represente e sobre a propriedade geral da sociedade. 4º Todo associado (se é associado ainda quando não se possuem ações nem capital algum) deve concorrer à exploração do bem comum, com seu trabalho e com seu talento. 5º As mulheres e as crianças entram na sociedade com o mesmo título que os homens. 6º O beneficio anual, depois de satisfeitos os gastos comuns, será repartido proporcionalmente segundo as três faculdades produtivas: capital, trabalho e talento. Os fourieristas supõem que esta organização produzirá importantíssimas e fecundas consequências, pois, por exemplo, as 400 familias reunidas levariam grandes vantagens em substituir seus 400 lugares, que empregam a 400 mulheres, por uma boa cozinha dirigida por umas quantas pessoas hábeis na arte de cozinhar; seus 400 depósitos de grãos por um bom; suas 400 adegas por uma ampla e magnífica, &c., &c. A falange, ou seja a reunião de 400 casinhas, viria com o tempo a se reunirem em um só edifício; com 400 departamentos com dependências comuns e particulares, e este grande edifício unitário receberá o nome de falanstério.
—Dicionário Enciclopédico Hispano-Americano, verbete Fourierismo
Desta forma Fourier antecipa as propostas posteriores do socialismo libertário ao edificar comunas de associação voluntária como base do sistema político que substituiria o estado e o capitalismo. Portanto, a proposta do falanstério antecipa projetos posteriores como os sovietes, as comunas autônomas e o principio federativo (etc) as quais formam parte integral do anarquismo, do comunalismo intencional e de algumas alas menos autoritárias do marxismo como o comunismo de conselhos.
Théorie des quatre movements (Teoria dos quatro movimentos) (1808),
Fourier divide toda história anterior em quatro fases: selvageria, barbárie, patriarcado e civilização. Coincidindo esta última fase com o capitalismo burguês do século XIX e cuja origem remonta Fourier ao século XVI e sobre a qual chegaria a afirmar que esta "ordem civilizada eleva a uma forma complexa, ambígua, equívoca e hipócrita todos aqueles vícios que a barbárie praticava em um meio da maior ingenuidade". Também afirma nessa obra que "Na civilização, a miséria brota da própria abundância".
Traité de l'association doméstique-agricole (Tratado de associação doméstica e agrícola) (1822).
Le nouveau monde industriel et societaire (O novo mundo industrial e societário) (1829).
La fausse industrie (A falsa indústria) (1835-1836).
Le nouveau monde amoureux (O novo mundo amoroso). Tal obra nunca chegou a ser levada à imprensa por Fourier, sendo editada postumamente, só em 1967. Nela descrevia um momento da sociedade em que as paixões de alguns indivíduos se combinariam com as paixões de outros com o qual deixariam de ser perversões. Nesta sociedade seria abolido o comércio, cancro da economia e causa do desperdício e do parasitismo. O consumo se reduziria espontâneamente ao essencial; a indústria se reorientaria; o trabalho se organizaria em pequenas comunidades e se distribuiria sobre a base das aptidões e desejos individuais.
Nas revoltas do século XIX e fundação dos falanstérios
As ideias de Fourier tiveram influência nas revoluções populares de 1848 conhecidas como Primavera dos povos através de seguidores como Victor Considérant. A essa época na América do Norte e na América do Sul foram fundadas diversas comunidades intencionais por seguidores, geralmente imigrantes europeus. Entre outros, no Brasil surgiram o Falanstério do Saí em Santa Catarina e a Colônia Cecília no Paraná, enquanto nos Estados Unidos foram erguidos A Utopia, em Ohio, La Réunion no Texas, e a Falange Norteamericana em Nova Jersey.
Os escritos de Fourier foram incluídos pela igreja católica no Index Librorum Prohibitorum, lista daquelas publicações que a Igreja Católica catalogou como livros perniciosos para a fé. O propósito desta lista era prevenir a leitura de livros ou trabalhos imorais que contivessem erros teológicos ou morais e prevenir da corrupção seus fiéis.
[editar] Marxismo e o rótulo de socialismo utópico
"Fourier, de ti eles zombaram, mas não haverá remédio a se tomar mais dia menos dia que a tua medicina"
—André Breton,Ode à Charles Fourier
Depois de que os surrealistas romperam com o Partido Comunista Francês, André Breton escreveu o poema Ode à Charles Fourier em 1947. No livro clássico de freudo-marxismo de Herbert Marcuse da década de cinquenta Eros e civilização, Fourier é mencionado como representante importante da tradição hedonista.
(in Wikipédia, excertos e adaptações da minha responsabilidade)
1 comentário:
abraço, meu caro
... "aprender, aprender... sempre!"
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