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segunda-feira, 4 de julho de 2011

GYORGY LUKÁCS (Filósofo húngaro)

Velha e Nova Cultura


György Lukács

1920



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Escrito: 1920.

Primeira Edição: Publicado originalmente em 1920 na revista Kommunismus, nº 43.

Fonte da Presente Tradução: texto publicado em "Revolución y Antiparlamentarismo", Ediciones Pasado y Presente, México, 1978.

Transcrição de: Biblioteca Virtual Revolucionária.

HTML por José Braz para Arquivo Marxists na Internet.

A característica principal da organização social capitalista deveria ser buscada então no fato de que a vida econômica deixou de ser um instrumento para a função vital da sociedade e se colocou no centro: se converteu em fim em si mesmo, o objetivo de toda a atividade social. A primeira conseqüência, e a mais importante, é a transformação da vida social em uma grande relação de troca; a sociedade em seu conjunto tomou a forma de mercado. Nas distintas funções da vida, tal situação se expressa no fato de que cada produto da época capitalista, como também todas as energias dos produtores e dos criadores, reveste a forma de mercadoria. Cada coisa deixou de valer em virtude de seu valor intrínseco (por exemplo, valor ético, valor artístico): tem valor unicamente como coisa vendável ou adquirível no mercado. Tudo o que este realizou destrutivamente sobre toda a cultura - expressando-se esta seja em atos, em criações de obras de arte, ou em instituições - é algo que não exige análises ulteriores. Da mesma maneira que a independência dos homens das preocupações de sustento e a livre utilização de suas próprias forças como fim em si são a condição humana e social preliminar da cultura, assim tudo o que a cultura produz pode ter valor cultural autêntico só quando tem valor para si. No momento em que assume o caráter de mercadoria e entra no sistema de relações que o transforma em mercadoria, cessa ainda sua autonomia, a possibilidade da cultura.




Mas em outro ponto o capitalismo corroeu nas raízes a possibilidade social da cultura. Este ponto está constituído por sua relação com a fabricação dos produtos culturais. Já vimos: do ponto de vista do produto, a cultura é impossível quando os produtos não levam em si seu fim. Do ponto de vista das relações entre produto e produtor, a cultura é possível só onde o surgimento do produto constitui - com relação a seu criador - um processo unitário, em si acabado. Ou seja, um processo cujas condições dependem da possibilidade e das ações humanas do criador. O exemplo característico para um processo de tal caráter é a obra de arte, onde o nascimento da obra é, definitivamente, em sua integridade, resultado da atividade do artista e onde a peculiaridade da obra está determinada pelas qualidades individuais do artista. Nas épocas pré-capitalistas este espírito artístico dominou toda indústria. A impressão do livro era em essência tão pouco distinta de escrevê-lo como a pintura de um quadro o era da fabricação de uma mesa (em relação ao caráter humano do produto). Pelo contrário, a produção capitalista não só tira do trabalhador a propriedade do meio mas também que, por conseqüência da divisão do trabalho, mais fortemente especializado, fragmenta o processo de fabricação em partes, nenhuma das quais é tal que origine algo significativo, em si e para si acabado. Não existe trabalho singular que não esteja em ligação imediata e perceptível com o produto terminado; esse processo tem um sentido somente para o cálculo abstrato do capitalista; só enquanto mercadoria está dotado de sentido. Ao se estender a indústria intensifica-se mais ainda a inumanidade dessa relação. Na divisão do trabalho que existe dentro da manufatura, mesmo sendo o processo de fabricação sumamente fragmentado e despedaçado, a qualidade das partes singulares do produto dependia sem dúvida das atitudes físicas e espirituais do trabalhador; enquanto que na indústria desenvolvida toda relação entre produto e produtor foi suprimida. Nela, então, o processo produtivo depende definitivamente das possibilidades das máquinas; o homem serve a máquina, se adapta a ela; a produção se torna completamente independente das possibilidades e atitudes humanas do trabalhador.[2]



Junto a essas forças que destróem a cultura e que nós consideramos até aqui do ponto de vista do produto e do produtor singular e isolado, no capitalismo atuam ainda outras similares as primeiras. Podemos observar a mais importante quando consideramos o nexo recíproco dos produtos. A cultura das épocas pré-capitalistas era possível graças à relação de continuidade em que se encontravam os produtos culturais singulares: um produto levava adiante o problema colocado por outro, e assim sucessivamente. A cultura em seu conjunto delineava portanto uma determinada continuidade de desenvolvimento lento e orgânico. Assim era possível que em cada campo se afirmasse uma cultura coerente, unívoca e entretanto original; uma cultura cujo nível superava também em muito o nível mais alto alcançável através de atos individuais, isolados. Enquanto revolucionou o processo produtivo, enquanto tornou permanente este caráter revolucionário através do caos da produção, o capitalismo suprimiu a continuidade e a organicidade da velha cultura. Por um lado, a revulocionarização da produção significa, para a cultura, que o processo produtivo se origina de contínuos momentos que influem de maneira decisiva sobre a marcha e o modo da produção, sem que isso se ligue logo de maneira alguma com a essência do produto - uma obra como fim em si - (é assim que na indústria, na arquitetura desaparece a autenticidade do material). Por outro lado, como conseqüência do produzir-para-o-mercado (sem o qual a revolução constante da produção seria inimaginável) vem à luz na fabricação do produto tudo o que é mera novidade, o elemento sensacional e caduco, sem consideração alguma pelo problema da contribuição ou perda do autêntico, íntimo valor do produto. O reflexo cultural desse caráter revolucionário é o fenômeno que habitualmente chamamos moda. Moda e cultura configuram por suas essências conceitos que se excluem reciprocamente. O domínio da moda significa que a forma e a qualidade dos produtos postos no mercado mudam a breve prazo, independentemente da relação com a beleza e a finalidade. A essência desse mercado contém o fato de que dentro de determinados períodos devem ser fabricados novos objetos, de modo que possam diferenciar-se radicalmente dos precedentes; de forma que, ao produzi-los, seja possível se basear sobre experiências recolhidas na produção precedente. Da rapidez do desenvolvimento resulta a impossibilidade de recolhê-las e senti-las; ou ninguém quer mais se basear nelas, pois a essência mesma da moda requer justamente o oposto ao velho. Assim desaparece lentamente todo desenvolvimento orgânico: aparece uma oscilação sem meta e um diletantismo vazio e ruidoso.

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