Jean Salem
O filósofo marxista Jean Salem publicou recentemente um novo livro: “Eléctions, piége à cons”. Publicamos a Introdução desse importante texto, que coloca uma questão central: nos dias de hoje, em tantos lugares da Europa, é através dos mecanismos eleitorais das democracias burguesas que forças fascistas e de extrema-direita vêm assumindo uma importante parcela do poder político.
Em criança, depois em adolescente, e talvez mesmo até ao início dos anos 1980, interrogávamo-nos como fora possível que povos amassados em cultura, como os alemães em especial, tenham sido incapazes de prever aquilo que veio a ser feito, aquilo que foi cometido em seu nome antes e durante o período da Segunda Guerra Mundial. De forma acessória, essa interrogação servia para moderar os ardores daqueles que estavam sempre disponíveis para se inclinar perante a mais insignificante emoção popular e, em particular, perante aquelas que pareciam indicar a insatisfação de tal ou tal fracção da população nos países do “socialismo real”. E, sobretudo, ela proporcionava aos mais argutos a oportunidade para relembrar em cada dia uma evidência que fere, ao que parece, o preconceito democrático: a de que os povos podem equivocar-se. E podem, consequentemente, votar mal… Hitler (podemos, naturalmente, lamentá-lo) não se apossou do poder por meio de um golpe de Estado! Na eleição presidencial de Março-Abril de 1932 tinha obtido 2,75 milhões de votos, o que representava 37,3% do eleitorado, mas tinha sido ultrapassado, em qualquer caso, pelo marechal Hindenburg. Num contexto marcado, entretanto, pelas terríveis acções violentas dos bandos nacional-socialistas (contavam-se às centenas os mortos que estes tinham provocado apenas no decurso do mês de Julho, em confrontos de rua desde a Prússia até Altona, a norte de Hamburgo), o NSDAP obteve igualmente 37,3% dos votos nas eleições de 31 de Julho de 1932.
De forma ainda mais genérica, o tão prosaico percurso dos regimes ditos “representativos” só pode levar as pessoas de bom-senso a pensar, com Alexis de Tocqueville, que “aqueles que encaram o sufrágio universal como uma garantia da qualidade das escolhas iludem-se completamente”. O “voto universal”, acrescentava Tocqueville, “possui outras vantagens, mas não essa” (De la démocratie en Amérique, II parte, cap. 5, Vrin, t. I, p 153). Porque ninguém pode afirmar que a maioria tem sempre razão. Sobretudo quando essa maioria é tão evidentemente fabricada como o é nos dias de hoje. Sem falar da imensa massa daqueles que deixaram de participar no jogo eleitoral, tão frequentemente enganador, frustrante, entorpecedor mesmo. A tradição filosófica em que me integro aliou constantemente, pelo menos até ao século XVIII, um muito grande optimismo naturalista a um carregado pessimismo em matéria de antropologia. Para o materialismo do Ancien Régime, para o epicurismo antigo como para os grandes senhores do libertinismo, não se trata em nenhuma circunstância de imaginar que, de progresso em progresso, todo o indivíduo acederá às luzes da razão, à sabedoria e à felicidade. Os “déniaisés” (“desparvecidos”), como se designavam a si próprios, sabem bem que a religião é um instrumento do poder de Estado; mas que o povo, têm eles o cuidado de acrescentar de imediato, não deixa de crer nela e de continuar a ignorar os seus truques. Em resumo, será apenas com as Luzes, e a fortiori com o comtismo, o marxismo e outras doutrinas racionalistas datando do séc. XIX que se formou, entre os adeptos do materialismo filosófico, a ideia de uma possível conversão dos humanos a opções políticas justas, morais, e susceptíveis de trazer a felicidade a todos.
E eis entretanto o estado em que estamos: os herdeiros do fascismo e do nacional-socialismo voltam a levantar a cabeça na Europa… Aqui, é um movimento fundado por um antigo torcionário que obtém, desde há mais de vinte anos, entre 10% e 18% dos votos expressos. Acolá, o NPD, o Partido nacional democrático alemão, obtém 9,2% dos votos nas eleições de 2004, no Saxe. Desde 1986 que os resultados obtidos pelo muito mal designado Partido austríaco da liberdade (FPO) não cessam de aumentar em eleições legislativas, chegando a atingir 27% dos votos expressos em 1999. Nessa altura o FPO era a segunda força política na Áustria. Depois de uma descida transitória ressurgiu em força nas legislativas de 2008 com um resultado de 18%, ao qual devem ser acrescentados os 11% recolhidos pela Aliança para o Futuro da Áustria (BZO) – ela própria resultante de uma cisão do FPO – o que dá um total acumulado de 29% dos votos expressos a favor da extrema-direita! Na Noruega também, o FrP, o Partido do progresso, impôs-se como a segunda força política do país ao alcançar 23% dos votos expressos quando das eleições legislativas de 2009. Nos Países-Baixos, finalmente, 17% dos votos foram para a extrema-direita nas eleições europeias de Junho de 2009. Por todo o lado, ou quase, há governos aos quais não só não repugna formar alianças com a extrema-direita ou mesmo a pedinchar o seu apoio (Dinamarca, Hungria); há governos – em geral eleitos, é certo, ou pelo menos que alcançaram o poder por meio de eleições – que entregam pastas de ministérios a racistas certificados ou a autênticos fascistas reconvertidos de fresca data em muito sinceros democratas (Itália). Por toda a parte, o perigo ainda-rastejante-mas-já-muito-pouco do regresso da peste negra ou da chegada das suas reencarnações pós-modernas (Bélgica, Suíça).
Para sintetizar, existe já um problema que pode legitimamente agitar os nossos neurónios: as campanhas eleitorais, as boas intenções e os escrutínios que aí vêm serão suficientes para evitar que aqueles que militam à esquerda, neste XXIº século que começa, não venham a acabar em campos (estilo antigo) ou em estádios (estilo chileno)? Tanto mais que, como me dizia um estudante no decurso de uma prova oral bastante frustrante, “o capitalismo tem um grande problema: foi demasiado longe”. Ou, dito por outras palavras, poderia culminar em apocalipse…E nem os votos “úteis” nem os pânicos sem grande futuro dos pequenos burgueses poderão constituir uma barreira eficaz contra o que aí vem! É pensando nisso sobretudo, ou seja, no estado vacilante da nossa civilização que eu gostaria aqui de falar:
1- Daquilo que eu chamarei de boa vontade o actual circo eleitoral;
2- Da confiscação do poder que este circo autoriza e realiza perante nós;
3- Do regime de eleição ininterrupta no qual se faz viver nos dias de hoje o cidadão das nossas esgotadas democracias, regime que é parte integrante de um período de crise sobreaguda do capitalismo, de um período de perturbações e de ansiedade, de um período em que se sente o odor que antecede a guerra.
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domingo, 26 de fevereiro de 2012
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
crise do capitalismo global"
– Crise de quem? Quem lucra?
por James Petras [*]
Desde o Financial Times até à extrema-esquerda, toneladas de tinta têm sido gastas a escrever acerca de alguma variante da "Crise do capitalismo global". Se bem que os autores divirjam quanto às causas, consequências e curas, de acordo com as suas luzes ideológicas, há um acordo comum em que "as crises" ameaçam acabar o sistema capitalista tal como o conhecemos.
Não há dúvida de que, entre 2008 e 2009, o sistema capitalista na Europa e nos Estados Unidos sofreu um choque severo que abalou os fundamentos do seu sistema financeiro e ameaçou levar à bancarrota seus "sectores principais".
Contudo, argumentarei que as "crises do capitalismo" foram transformadas em "crises do trabalho". O capital financeiro, o principal detonador do crash e da crise, recuperou-se, a classe capitalista como um todo foi fortalecida e, acima de tudo, ela utilizou as condições políticas, sociais e ideológicas criadas em resultado das "crises" para mais uma vez consolidar sua dominação e exploração sobre o resto da sociedade.
Por outras palavras, a "crise do capital" foi convertida numa vantagem estratégica para promover os interesses mais fundamentais do capital: a expansão de lucros, a consolidação do domínio capitalista, a maior concentração da propriedade, o aprofundamento de desigualdades entre capital e trabalho e a criação de enormes reservas de trabalho para promover o aumento dos seus lucros.
Além disso, a noção de um crise global homogénea do capitalismo passa por alto as profundas diferenças em desempenho e condições entre países, classes e grupos etários.
A tese da crise global: O argumento económico e social
Os advogados da crise global argumentam que começando em 2007 e continuando até o presente, o sistema capitalista mundial entrou em colapso e a recuperação é uma miragem. Eles mencionam a estagnação e a recessão contínua na América do Norte e na Eurozona. Eles apresentam dados do PIB que variam entre o crescimento negativo e o zero. A sua argumentação é apoiada por dados que mencionam dois dígitos de desemprego em ambas as regiões. Frequentemente corrigem os dados oficiais que minimizam a percentagem desempregada através da exclusão de trabalhadores desempregados em tempo parcial e a longo prazo. O argumento da "crise" é fortalecido com a citação dos milhões de proprietários de casas que foram despejados pelos bancos, pelo aumento agudo da pobreza e da penúria que acompanha perdas de emprego, reduções de salário e a eliminação ou redução de serviços sociais. A "crise" também é associada ao aumento maciço de bancarrotas, principal de pequenos e médios negócios e bancos regionais.
A crise global: A perda de legitimidade
Críticos, especialmente na imprensa financeira, escrevem acerca de uma "crise de legitimidade do capitalismo" citando inquéritos que mostram maiorias substanciais a questionarem a justiça do sistema capitalista, as vastas e crescentes desigualdades e as regras manipuladas pelas quais bancos exploram a sua dimensão ("demasiado grande para falir") a fim de atacar o Tesouro a expensas de programas sociais.
Em suma, os advogados da tese de uma "Crise global do capitalismo" apresentam uma argumentação convincente, demonstrando os efeitos profundos e generalizados do sistema capitalista sobre a vida da grande maioria da humanidade.
O problema é que uma "crise da humanidade" (mais especificamente dos trabalhadores assalariados) não é o mesmo que uma crise do sistema capitalista. De facto, como argumentaremos adiante, a adversidade social crescente, o declínio do rendimento e do emprego tem sido um factor importante que facilitou a recuperação rápida e maciça das margens de lucro da maior parte das corporações de grande dimensão.
Além disso, a tese de uma crise "global" do capitalismo combina economias, países, classes e grupos etários díspares com desempenhos agudamente divergentes em diferentes momentos históricos.
Crise global ou desenvolvimento irregular e desigual?
É absolutamente louco argumentar a existência de uma "crise global" quando várias das maiores economias na economia mundial não sofreram uma grande baixa de actividade e outras recuperaram-se e expandiram-se rapidamente. A China e a Índia não sofreram sequer uma recessão. Mesmo durante os piores anos do declínio europeu-estado-unidense, os gigantes asiáticos cresceram a uma média de cerca de 8%. As economias da América Latina, especialmente os maiores exportadores agro-minerais (Brasil, Argentina, Chile) com mercados diversificados, especialmente na Ásia, detiveram-se brevemente (em 2009) antes de assumirem crescimento moderado a rápido (entre 3% e 7%) entre 2010 e 2012.
Ao agregar dados económicos da eurozona como um todo os advogados da crise global ignoraram as enormes disparidades de desempenho dentro da zona. Enquanto a Europa do Sul afunda-se numa depressão profunda e constante, por qualquer medida, desde 2008 até o futuro previsível, as exportações alemãs em 2011 estabeleceram um recorde de um milhão de milhões (trillion) de euros; seu excedente comercial atingiu 158 mil milhões de euros, depois de excedentes de 155 mil milhões de euros em 2010. (BBC News, Feb. 8 2012).
Enquanto o desemprego agregado da eurozona atinge os 10,4%, as diferenças internas desafiam qualquer noção de uma "crise geral". O desemprego na Holanda é 4,9%, na Áustria 4,1% e na Alemanha 5,5% com reclamações do patronato de escassez de trabalho qualificado em sectores chave para o crescimento. Por outro lado, no explorado Sul da Europa o desemprego caminha para níveis de depressão, Grécia 21%, Espanha 22,9%, Irlanda 14,5% e Portugal 13,6% (FT 1/19/12, p.7). Por outras palavras, "a crise" não afecta adversamente algumas economias, que de facto lucram com a sua dominação de mercado e fortaleza tecno-financeira em relação a economias dependentes, devedoras e atrasadas. Falar de uma "crise global" obscurece as relações fundamentais dominantes e exploradoras que facilitam a "recuperação" e o crescimento das economias de elite sobre e contra os seus competidores e estados clientes. Além disso os teóricos da crise global erradamente amalgamam economias financeiras-especulativas cavalgadas pela crise (EUA, Inglaterra) com economias produtivas exportadoras (Alemanha, China).
O segundo problema com a tese de uma "crise global" é que ela ignora profundas diferenças internas entre grupos etários. Em vários países europeus a juventude desempregada (16-25) chega a estar entre 30 e 50% (Espanha 48,7%, Grécia 47,2%, Eslováquia 35,6%, Itália 31%, Portugal 30,8% e Irlanda 29%) ao passo que na Alemanha, Áustria e Holanda o desemprego juvenil vai dos 7,8% para a Alemanha, 8,2% para a Áustria e 8,6% para a Holanda ( Financial Times 2/1/12, p2). Estas diferenças fundamentam a razão porque não há um "movimento juvenil global" de "indignados" e "ocupantes". Diferenças de cinco vezes entre juventude desempregada não são propícias à solidariedade "internacional". A concentração dos números do alto desemprego juvenil explica o desenvolvimento desigual dos protestos de rua em massa centrados especialmente no Sul da Europa. Também explica porque o movimento "anti-globalização" no Norte euro-americano é em grande media um fórum sem vida que atrai explicações académicas pomposas sobre a "crise capitalista global" e a impotência dos "Fóruns sociais" que são incapazes de atrair milhões de jovens desempregados do Sul da Europa. Eles são mais atraídos para a acção directa. Teóricos globalistas ignoram o modo específico pelo qual a massa de jovens trabalhadores desempregados é explorada nos seus países dependentes cavalgados pela dívida. Eles ignoram o modo específico pelo qual são dominados e reprimidos por partidos capitalistas de centro-esquerda e de direita. O contraste é mais evidente no Inverno de 2012. Trabalhadores gregos são pressionados a aceitar um corte de 20% nos salários mínimos ao passo que trabalhadores da Alemanha estão a exigir um aumento de 6%.
Se a "crise" do capitalismo se manifesta em regiões específicas, ela igualmente afecta diferentes sectores etários/raciais das classes assalariadas. As taxas de desemprego da juventude aos trabalhadores mais velhos variam enormemente. Na Itália a proporção é 3,5/1, na Grécia 2,5/1, em Portugal 2,3/1, na Espanha 2,1/1 e na Bélgica 2,9/1. Na Alemanha é 1,5/1 (FT 2/1/12). Por outras palavras, devido aos níveis de desemprego mais altos entre os jovens eles têm maior propensão para a acção directa "contra o sistema", ao passo que trabalhadores mais velhos com níveis de emprego mais altos (e benefícios de desemprego) têm mostrado uma maior propensão para confiar na urna eleitoral e comprometer-se em greves limitadas sobre questões relacionadas com o emprego e o pagamento. A vasta concentração do desemprego entre jovens trabalhadores significa que eles constituem o "núcleo disponível" para a acção constante; mas também significa que só podem alcançar limitada unidade de acção com a classe trabalhadora mais velha que experimenta desemprego de um algarismo.
Contudo, também é verdadeiro que a grande massa da juventude desempregada proporciona uma arma formidável, nas mãos dos patrões, para ameaçar substituir trabalhadores empregados mais velhos. Hoje, os capitalistas recorrem constantemente à utilização dos desempregados para reduzir salários e benefícios e intensificar a exploração (baptizada como "aumento de produtividade") para aumentar margens de lucro. Longe de serem simplesmente um indicador da "crise capitalista", os altos níveis de desemprego têm servido juntamente com outros factores par aumentar a taxa de lucro, acumular rendimento, ampliar desigualdades de rendimento as quais aumentam o consumo de bens de luxo para a classe capitalista: as vendas de automóveis e relógios de luxo estão florescentes.
Crise de classe: A contra-tese
Contrariando os teóricos da "crise capitalista global", emergiu uma quantidade substancial de dados que refuta suas suposições. Um estudo recente informa "Lucros corporativos estado-unidenses estão mais altos em proporção do produto interno bruto do que em qualquer momento desde 1950" (FT 1/30/12). Os saldos de caixa de companhias dos EUA nunca foram maiores, graças à exploração intensificada dos trabalhadores e a um sistema de salários multi-estratificado no qual novos contratados trabalham por uma fracção do que os trabalhadores mais velhos recebiam (graças a acordos assinados por líderes sindicais capachos).
Os ideólogos da "crise do capitalismo" ignoraram os relatórios financeiros das principais corporações estado-unidenses. Segundo o relatório de 2011 da General Motors destinado aos seus accionistas, eles celebraram o maior lucro de sempre, revelando um lucro de US$7,6 mil milhões, o que ultrapassa o recorde anterior de US$6,7 mil milhões em 1997. Uma grande parte destes lucros resulta do congelamento dos seus fundos de pensão subfinanciados e da extracção de maior produtividade do menor número de trabalhadores – por outras palavras, da intensificação da exploração – e do corte pela metade dos salários horários dos novos contratados. (Earthlink News 2/16/12)
Além disso, a importância agravada da exploração imperialista é evidente pois a proporção de lucros das corporações estado-unidenses que é extraída além-mar mantém-se em ascensão a expensas do crescimento do rendimento dos empregados. Em 2011, a economia dos EUA cresceu em 1,7%, mas a mediana dos salários caiu em 2,7%. Segundo a imprensa financeira, "as margens de lucro das S&P 500 saltaram de 6% para 9% do PIB nos últimos três anos. A última vez que foi alcançada tal proporção foi há três gerações. Em linha gerais um terço, a fatia estrangeira destes lucros, mais do que duplicou desde 2000" (FT 2/13/12 P9. Se isto é uma "crise capitalista", então quem é que precisa de um boom capitalista?
Inquéritos a corporações de topo revelam que companhias estado-unidenses possuem US$1,73 milhão de milhões em cash, "os frutos do recorde de altas margens de lucro" (FT 1/30/12 p.6). Estas margens de lucro recorde resultam de despedimentos em massa os quais levaram à intensificação da exploração dos restantes trabalhadores. Taxas de juro federais desprezíveis e acesso fácil ao crédito também permitem aos capitalistas explorarem amplos diferenciais entre a contracção de empréstimos e a concessão dos mesmos e o investimento. Impostos mais baixos e cortes em programas sociais resultam numa crescente acumulação de cash das corporações. Dentro da estrutura corporativa, o rendimento vai para o topo onde executivos seniores pagam a si próprios bónus enormes. Dentre as principais corporações S&P 500 a proporção de rendimento que vai para dividendos de accionistas é a mais baixa desde 1900 (FT 1/30/12, p.6).
Uma crise capitalista real afectaria adversamente margens de lucro, ganhos brutos e a acumulação de cash. Lucros ascendentes estão a ser amontoados porque quando capitalistas se aproveitam da exploração intensa o consumo das massas estagna.
Os teóricos da crise confundem o que é claramente a degradação do trabalho, a degradação das condições de vida e de trabalho e mesmo a estagnação da economia, com uma "crise" do capital: quando a classe capitalista aumenta suas margens de lucros, arrecada milhões de milhões, ela não está em crise. O ponto-chave é que a "crise do trabalho" é um grande estímulo para a recuperação de lucros capitalistas. Não podemos generalizar de uma para a outra. Não há dúvida de que houve um momento de crise capitalista (2008-2009) mas graças à maciça transferência de riqueza, sem precedentes no estado capitalista, do tesouro público para a classe capitalista – bancos da Wall Street em primeiro lugar – o sector corporativo recuperou, ao passo que os trabalhadores e o resto da economia permaneceu em crise, foi à bancarrota e ficou sem trabalho.
Da crise à recuperação de lucros: 2008/9 a 2012
A chave para a "recuperação" de lucros corporativos tem pouco a ver com o ciclo de negócios e tudo com a tomada de poder em grande escala da Wall Street e a pilhagem do Tesouro dos EUA. Entre 2009-2012 centenas de antigos executivos da Wall Street, administradores e conselheiros de investimento apoderaram-se de todas as principais posições decisiva no Departamento do Tesouro e canalizaram milhões de milhões de dólares para os cofres das principais financeiras e corporações. Eles intervieram em corporações financeiramente perturbadas, como a General Motors, impondo grandes cortes salariais e demissões de milhares de trabalhadores.
Os homens da Wall Street no Tesouro elaboraram a doutrina do "Demasiado grande para falir" a fim de justificar a transferência maciça de riqueza. A totalidade do edifício especulativo construído em parte por um aumento de 234 vezes no volume de transacções cambiais entre 1977-2010 foi restaurado (FT 1/10/12, p.7). A nova doutrina argumentou que a primeira e principal prioridade do estado é devolver a lucratividade ao sistema financeiro a qualquer custo para a sociedade, os cidadãos, os contribuintes e os trabalhadores. O "Demasiado grande para falir" é um repúdio completo dos mais básicos princípios do sistema capitalista de "mercado livre": a ideia de que aqueles capitalistas que perdem arquem as consequências; que cada investidor ou presidente de empresa é responsável pela sua acção. Os capitalistas financeiros já não precisam justificar sua actividade em termos de qualquer contribuição para o crescimento da economia ou da "utilidade social". De acordo com os que agora dominam a Wall Street deve ser salva porque é a Wall Street, mesmo se o resto da economia e o povo afundarem (FT 1/20/12, p.11). Os salvamentos e financiamentos do estado são complementados por centenas de milhares de milhões em concessões fiscais, levando a défices fiscais sem precedentes e ao crescimento de desigualdades sociais maciças. O pagamento de um presidente de empresa (CEO) como um múltiplo do trabalhador médio passou de 24 para 1 em 1965 para 325:1 em 2010 (FT 1/9/12, p.5).
A classe dominante exibe a sua riqueza e poder com a ajuda conivente da Casa Branca e do Tesouro. Face à hostilidade popular à pilhagem do Tesouro pela Wall Street, Obama chegou ao fingimento de pedir ao Tesouro para impor um tecto aos bónus de muitos milhões de dólares que os presidentes de bancos salvos concediam-se a si próprios. Os homens da Wall Street no Tesouro recusaram-se a impor a ordem executiva, os CEOs obtiveram milhares de milhões em bónus em 2011. O presidente Obama continuou, pensando que enganava o público estado-unidense com o seu gesto falso, enquanto arrecadava milhões de fundos de campanha junto à Wall Street!
A razão porque o Tesouro foi capturado pela Wall Street é que nas décadas de 1990 e 2000 os bancos se tornaram uma força dominante nas economias ocidentais. Sua fatia do PIB subiu drasticamente (de 2% na década de 1950 para 8% em 2010" (FT 1/10/12, p.7).
Hoje é "procedimento operacional normal" para o presidente nomear homens da Wall Street para todas as posições económicas chave e é "normal" para estes mesmos responsáveis prosseguirem políticas que maximizam lucros da Wall Street e eliminam qualquer risco de fracasso, não importa quão aventurosos e corruptos sejam os seus praticantes.
A porta giratória: Da Wall Street para o Tesouro e retorno
A relação entre a Wall Street e o Tesouro tornou-se efectivamente uma "porta giratória": da Wall Street para o Departamento do Tesouro para a Wall Street. Banqueiros privados assumem compromissos no Tesouro (ou são recrutados) para assegurar que todos os recursos e políticas que a Wall Street são concedidas com o máximo esforço, com o mínimo obstáculo de cidadãos, trabalhadores ou contribuintes. Os homens da Wall Street no Tesouro dão a mais alta prioridade à sobrevivência, recuperação e expansão dos lucros da Wall Street. Eles bloqueiam quaisquer regulamentações ou restrições a bónus ou a repetições das fraudes do passado.
Os homens da Wall Street "ganham reputação" no Tesouro e então retornam ao sector privado em posições mais altas, como conselheiros sénior e sócios. Uma nomeação no Tesouro é uma escada para subir na hierarquia da Wall Street. O Tesouro é um posto de abastecimento para a Limusine da Wall Street: o ex homens da Wall Streets enchem o tanque, verificam o óleo e então salvam para o assento da frente e correm para um emprego lucrativo, deixando o posto de abastecimento (público) pagar a conta.
Aproximadamente 774 responsáveis saíram do Tesouro entre Janeiro de 2009 e Agosto de 2011 (FT 2/6/12, p. 7). Todos eles proporcionaram "serviços" lucrativos para os seus futuros patrões da Wall Street, descobrindo uma grande maneira de re-entrar nas finanças privadas numa posição lucrativa mais alta.
Uma notícia no Financial Times Fev. 6, 2012 (p. 7) adequadamente intitulada "Manhattan Transfer" proporcionava ilustrações típicas da "porta giratória" Tesouro-Wall Street.
Ron Bloom passou de banqueiro júnior no Lazard para o Tesouro, ajudando a engendrar um salvamento de um milhão de milhões de dólares da Wall Street e retornou ao Lazard como conselheiro sénior. Jake Siewert foi da Wall Street tornando-se ajudante principal do secretário do Tesouro Tim Geithner e então graduado na Goldman Sachs, tendo servido para solapar qualquer tecto nos bónus da Wall Street.
Michael Mundaca, o mais sénior responsável fiscal no regime Obama veio da Street e então passou par um posto altamente lucrativo na Ernst and Young, uma firma corporativa de contabilidade, tendo ajudado a reduzir impostos corporativos durante o seu período no "gabinete público".
Eric Solomon, um responsável fiscal sénior na infame isenção de impostos corporativos da administração Bush, fez a mesma comutação. Jeffrey Goldstein que Obama encarregou da regulação financeira e teve êxito em solapar exigências populares, retornou ao seu patrão anterior, Hellman and Friedman, com a adequada promoção pelos serviços prestados.
Stuart Levey que dirigiu as sanções da AIPAC contra políticas do Irão a partir da chamada "agência anti-terrorista" do Tesouro foi contratado como advogado geral pelo HSBC para defendê-lo de investigações de lavagem de dinheiro (FT 2/6/12, p. 7). Neste caso Levey passou da promoção dos objectivos de guerra de Israel para a defesa de um banco internacional acusados de lavar milhares de milhões do cartel mexicano. Levey, a propósito gastou tanto tempo a insistir na agenda iraniana de Israel que ignorou totalmente a lavagem de dinheiro dos carteis mexicanos da droga com operações transfronteiriças durante quase uma década.
Lew Alexander, conselheiro sénior de Geithner na concepção do salvamento de mil milhões de dólares, é agora responsável sénior no Nomura, o banco japonês. Lee Sachs passou do Tesouro para o Bank Alliance (sua própria "plataforma de concessão de empréstimos"). James Millstein foi do Lazard para o Tesouro, salvou a seguradora AIG dirigida abusivamente por Greenberg e então estabeleceu a sua própria firma privada de investimento tomando consigo um conjunto de responsáveis do Tesouro bem conectados.
A "porta giratória" Goldman Sachs-Tesouro continua ainda hoje. Além do passado e actual chefes do Tesouro, Paulson e Geithner, Mark Patterson, antigo sócio da Goldman, foi recentemente nomeado "chefe de equipe" de Geithner. Tim Bowler, antigo administrador director foi nomeado por Obama para chefe da divisão de mercados de capital.
Deveria ser perfeitamente claro que eleições, partidos e os mil milhões de dólares de campanhas eleitorais têm pouco a ver com "democracia" e mais a ver com a selecção dos presidente e dos legisladores que nomearão homens não eleitos da Wall Street para tomarem todas as decisões económicas estratégicas para 99% dos americanos. Os resultados da porta giratória Wall Street-Tesouro são claros e proporcionam-nos uma estrutura para entender porque a "crise do lucro" desvaneceu-se e a crise do trabalho aprofundou-se.
Os "alcances políticos" da porta giratória
O conluio Wall Street-Tesouro (CWST) tem desempenhado um trabalho hercúleo e audacioso para o capital financeiro e corporativo. Face à condenação universal da Wall Street pela vasta maioria do público pelas suas fraudes, bancarrotas, perdas de empregos e arrestos hipotecários, o CWST apoiou publicamente os trapaceiros com um salvamento de um milhão de milhões de dólares. Um movimento ousado face a isto, como se maiorias e eleições contassem para alguma coisa. Igualmente importante é que o CWTS lançou ao lixo toda a ideologia do "livre mercado" que justificava lucros dos capitalistas com base nos seus "riscos", pela imposição do novo dogma do "demasiado grande para falir" pelo qual o tesouro do estado garante lucros mesmo quando capitalistas enfrentam a bancarrota, desde que sejam firmas de milhares de milhões de dólares. O CWST também deitou ao lixo o principio capitalista da "responsabilidade fiscal" em favor de centenas de milhares de milhões de dólares de isenções fiscais para a classe dominante corporativo-financeira, provocando défices orçamentais recordes em tempo de paz e tendo então a audácia de culpar os programas sociais apoiados pelas maiorias populares. (Será de admirar que estes ex-responsáveis do Tesouro obtenham ofertas tão lucrativas no sector privado quando abandonam o gabinete público?)
Em terceiro lugar, o Tesouro e o Banco Central (Federal Reserve) proporcionam empréstimos a juro próximo de zero que garantem grandes lucros a instituições financeiras privadas as quais tomam emprestado a juro baixo do Fed e concedem empréstimos a juro alto (incluindo o Governo!) especialmente na compra de governos além mar e títulos corporativos. Eles recebem em qualquer lugar de quatro a dez vezes as taxas de juro que pagam. Por outras palavras, os contribuintes proporcionam um monstruoso subsídio à especulação da Wall Street. Com a condição acrescentada de que hoje estas actividades especulativas são agora assegurados pelo governo federal, sob a doutrina do "Demasiado grande para falir".
Sob a ideologia da "recuperação da competitividade" a equipe económica de Obama (desde o Tesouro até o Federal Reserve, o Departamento do Comércio e o do Trabalho) encorajaram o patronato a empenhar-se no mais agressivo despedimento acelerado (shedding) de trabalhadores da história moderna. A produtividade e a lucratividade aumentadas não é o resultado de " inovação" como proclamam Obama, Geithner e Bernache; é um produto de uma política de estado quanto ao trabalho que aprofunda a desigualdade pela manutenção de salários baixos e margens de lucro em ascensão. Menos trabalhadores a produzirem menos mercadorias. Crédito barato e salvamentos para os bancos de milhares de milhões de dólares e nenhum refinanciamento para casas e firmas de pequena e média dimensão que levam a bancarrotas, absorções (buyouts) e nomeadamente "consolidação", maior concentração de propriedade. Em resultado o mercado de massa estagna mas os lucros corporativos e dos bancos alcançam níveis recorde. Segundo peritos financeiros, sob a "nova ordem" do CWST "os banqueiros são uma classe protegida que desfruta de bónus sem relação com o desempenho, enquanto confia no contribuinte para socializar suas perdas" (FT 1/9/12, p.5).
Em contraste, o trabalho, sob a equipe económica de Obama, enfrenta a maior insegurança e a mais ameaçadora situação da história recente: "o que é inquestionavelmente novo é a ferocidade com que os negócios nos EUA sangra o trabalho agora que o pagamento dos executivos e os esquemas de incentivo estão ligados a objectivos de desempenho a curto prazo" (FT 1/9/2012, p. 5).
Consequências económicas de políticas de estado
Por causa da captura pela Wall Street das posições estratégicas no governo quanto à política económica podemos entender o paradoxo de margens de lucro recordes em meio à estagnação económica. Podemos compreender porque a crise capitalista, pelo menos a curto prazo, foi substituída por uma profunda crise do trabalho. Dentro da matriz de poder da Wall Street-Departamento do Tesouro retornaram todas as velhas e corruptas práticas de exploração que levaram ao crash de 2008-2009: bónus multi-bilionários para banqueiros de investimento que conduziram a economia ao crash; bancos "a apanharem rapidamente milhares de milhões de dólares de produtos hipotecários empacotados que recordam a dívida fatiada e jogada aos dados que alguns (sic) culpam pela crise financeira" (FT 2/8/12, p.1). A diferença hoje é que estes instrumentos especulativos são agora apoiados pelo contribuinte (Tesouro). A supremacia da estrutura financeira da economia estado-unidense anterior à crise está em vigor em próspera ... "só" a força de trabalho dos EUA afundou no maior desemprego, declínio de padrões de vida, insegurança generalizada e profundo descontentamento.
Conclusão: O processo contra o capitalismo e pelo socialismo
A crise profunda de 2008-2009 provocou um jorro de questionamentos do sistema capitalista, mesmo entre muitos dos seus mais ardentes advogados a crítica abunda (FT 1/8/12 a 1/30/12). "Reforma, regulamentação e redistribuição" eram o cardápio de colunistas financeiros. Mas a classe dominante na economia e no governo não lhe presta atenção. Os trabalhadores são controlados por líderes sindicais capachos e falta-lhe um instrumento político. Os pseudo populistas de direita abraçam uma agenda pró capitalista ainda mais virulenta, clamando pela eliminação total de programas sociais e impostos corporativos. Dentro do estado verificou-se uma grande transformação que efectivamente esmagou qualquer ligação entre capitalismo e estado previdência, entre a tomada de decisões pelo governo e o eleitorado. A democracia foi reatada por um estado corporativo, fundamentado na porta giratória entre o Tesouro e a Wall Street, a qual canaliza riqueza pública para cofres dos financeiros privados. A brecha entre o bem-estar da sociedade e as operações da arquitectura financeira é definitiva.
A actividade da Wall Street não tem utilidade social, seus praticantes enriquecem-se sem actividade que os redima. O capitalismo demonstrou conclusivamente que prospera através da degradação de dezenas de milhões de trabalhadores e rejeita as súplicas infindáveis por reforma e regulamentação. O capitalismo real existente não pode ser arreado para elevar padrões de vida ou assegurar emprego livre do medo de despedimentos em grande escala, súbitos e brutais. O capitalismo, como experimentámos ao longo da última década e no futuro previsível, está em oposição polar à igualdade social, à tomada de decisões democráticas e ao bem-estar colectivo.
Lucros capitalistas recordes são ampliados pela pilhagem do tesouro publico, negando pensões e prolongando "trabalho até que você morra", levando famílias à bancarrota com exorbitantes custos corporativos de medicina e educação.
Mais do que nunca na história recente, maiorias recordes rejeitam o domínio por e para os banqueiros e a classe dominante corporativa (FT 2/6/12, p. 6). Desigualdades entre os 1% do topo e a base dos 99% atingiram proporções recordes. Presidentes de empresas ganham 325 vezes mais do que um trabalhador médio (FT 1/9/12, p.5). Desde que o estado tornou-se um "fundamento" da economia dos predadores da Wall Street, e desde que a "reforma" e regulamentação fracassaram tristemente, é tempo de considerar uma transformação sistémica fundamental que abra caminho a uma revolução política a qual forçosamente expulsará as elites financeiras e corporativas não eleitas que dirigem o estado para os seus próprios exclusivos interesses. A totalidade do processo político, incluindo eleições, está profundamente corrompida: cada nível de gabinete tem o seu próprio preço inflacionado. A actual disputa presidencial custará US$2 a US$3 mil milhões de dólares para determinar qual dos servidores da Wall Street presidirá sobre a porta giratória.
O socialismo já não é a palavra assustadora do passado. O socialismo envolve a reorganização em grande escala da economia, a transferência de milhões de milhões dos cofres das classes predadoras de nenhuma utilidade social para o bem-estar público. Esta mudança pode financiar uma economia produtiva e inovadora baseada no trabalho e no lazer, no estudo e no desporto. O socialismo substitui o terror diário da demissão pela segurança que traz confiança, segurança e respeito ao lugar de trabalho. A democracia no lugar de trabalho está no cerne da visão de socialismo do século XXI. Começamos por nacionalizar os bancos e eliminar a Wall Street. As instituições financeiras são redesenhadas para criar emprego produtivo, servir o bem-estar social e preservar o ambiente. O socialismo começaria a transição, de uma economia capitalista dirigida por predadores e trapaceiros e um estado sob o seu comando, rumo a uma economia de propriedade pública sob controle democrático.
[*] O seu livro mais recente é The Arab Revolt and the Imperialist Counter Attack, Clarity Press, 2012, 2ª edição.
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=29388
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
Carta de um Alemão a um Grego e a Resposta do Grego
Há algum tempo, foi publicada na revista Stern uma "carta aberta" de um cidadão alemão, Walter Wuelleenweber, dirigida aos "caros gregos", com um título e sub-título:
Depois da Alemanha ter tido de salvar os bancos, agora tem de salvar também a Grécia
Os gregos, que primeiros fizeram alquimias com o euro, agora, em vez de fazerem economias, fazem greves
Caros gregos,
Desde 1981 pertencemos à mesma família.
Nós, os alemães, contribuímos como ninguém mais para um Fundo comum, com mais de 200 mil milhões de euros, enquanto a Grécia recebeu cerca de 100 mil milhões dessa verba, ou seja a maior parcela per capita que qualquer outro povo da U.E.
Nunca nenhum povo até agora ajudou tanto outro povo e durante tanto tempo.
Vocês são, sinceramente, os amigos mais caros que nós temos.
O caso é que não só se enganam a vocês mesmos, como nos enganam a nós.
No essencial, vocês nunca mostraram ser merecedores do nosso Euro. Desde a sua incorporação como moeda da Grécia, nunca conseguiram, até agora, cumprir os critérios de estabilidade. Dentro da U.E., são o povo que mais gasta em bens de consumo.
Vocês descobriram a democracia, por isso devem saber que se governa através da vontade do povo, que é, no fundo, quem tem a
responsabilidade. Não digam, por isso, que só os políticos têm a responsabilidade do desastre. Ninguém vos obrigou a durante anos fugir
aos impostos, a opor-se a qualquer política coerente para reduzir os gastos públicos e ninguém vos obrigou a eleger os governantes que têm tido e têm.
Os gregos são quem nos mostraram o caminho da Democracia, da Filosofia e dos primeiros conhecimentos da Economia Nacional. Mas, agora, mostram-nos um caminho errado. E chegaram onde chegaram, não vão mais adiante!!!
Na semana seguinte, a mesma Stern publicou uma "carta aberta" de um grego, dirigida a Wuelleenweber:
Caro Walter,
Chamo-me Georgios Psomás. Sou funcionário público e não "empregado público" como, depreciativamente, como insulto, se referem a nós os meus compatriotas e os teus compatriotas.
O meu salário é de 1.000 euros. Por mês, hem!... não vás pensar que por dia, como te querem fazer crer no teu País.
Repara que ganho um número que nem sequer é inferior em 1.000 euros ao teu, que é de vários milhares.
Desde 1981, tens razão, estamos na mesma família. Só que nós vos concedemos, em exclusividade, um montão de privilégios, como serem os principais fornecedores do povo grego de tecnologia, armas, infraestruturas (duas autoestradas e dois aeroportos internacionais), telecomunicações, produtos de consumo, automóveis, etc..
Se me esqueço de alguma coisa, desculpa-me. Chamo-te a atenção para o fato de sermos, dentro da U.E., os maiores importadores de produtos de consumo que são fabricados nas fábricas alemãs.
A verdade é que não responsabilizamos apenas os nossos políticos pelo desastre da Grécia. Para ele contribuíram muito algumas grandes empresas alemãs, as que pagaram enormes "comissões" aos nossos políticos para terem contratos, para nos venderem de tudo, e uns quantos submarinos fora de uso, que postos no mar, continuam tombados de fundos para o ar.
Sei que ainda não dás crédito ao que te escrevo. Tem paciência, espera, lê toda a carta, e se não conseguir convencer-te, autorizo-te
a que me expulses da Eurozona, esse lugar de VERDADE, de PROSPERIDADE, de JUSTIÇA e do CORRETO.
Estimado Walter, passou mais de meio século desde que a 2ª Guerra Mundial terminou. QUER DIZER MAIS DE 50 ANOS desde a época em que a Alemanha deveria ter saldado as suas obrigações para com a Grécia. Estas dívidas, QUE SÓ A ALEMANHA até agora resiste a saldar com a Grécia (Bulgária e Romênia cumpriram, ao pagar as indenizações estipuladas), e que consistem em:
1. Uma dívida de 80 milhões de marcos alemães por indemnizações, que ficou por pagar da 1ª Guerra Mundial;
2. Dívidas por diferenças de clearing, no período entre-guerras, que ascendem hoje a 593.873.000 dólares EUA.
3. Os empréstimos em obrigações que contraíu o III Reich em nome da Grécia, na ocupação alemã, que ascendem a 3,5 mil milhões de dólares durante todo o período de ocupação.
4. As reparações que deve a Alemanha à Grécia, pelos confiscos, perseguições, execuções e destruições de povoados inteiros, estradas, pontes, linhas férreas, portos, produto do III Reich, e que, segundo o determinado pelos tribunais aliados, ascende a 7,1 mil milhões de dólares, dos quais a Grécia não viu sequer uma nota.
5. As imensuráveis reparações da Alemanha pela morte de 1.125.960 gregos (38,960 executados, 12 mil mortos como dano colateral, 70 mil mortos em combate, 105 mil mortos em campos de concentração na Alemanha, 600 mil mortos de fome, etc., etc.).
6. A tremenda e imensurável ofensa moral provocada ao povo grego e aos ideais humanísticos da cultura grega.
Amigo Walter, sei que não te deve agradar nada o que escrevo. Lamento-o. Mas, mais me magoa o que a Alemanha quer fazer comigo e com os meus compatriotas.
Amigo Walter, na Grécia laboram 130 empresas alemãs, entre as quais se incluem todos os colossos da indústria do teu País, as que têm lucros anuais de 6,5 mil milhões de euros. Muito em breve, se as coisas continuarem assim, não poderei comprar mais produtos alemães porque cada vez tenho menos dinheiro. Eu e os meus compatriotas crescemos sempre com privações, vamos aguentar, não tenhas problema. Podemos viver sem BMW, sem Mercedes, sem Opel, sem Skoda. Deixaremos de comprar produtos do Lidl, do Praktiker, da IKEA.
Mas vocês, Walter, como se vão arranjar com os desempregados que esta situação criará, que por aí os vai obrigar a baixar o vosso nível de vida, perder os seus carros de luxo, as suas férias no estrangeiro, as suas excursões sexuais à Tailândia?
Vocês (alemães, suecos, holandeses, e restantes "compatriotas" da Eurozona) pretendem que saíamos da Europa, da Eurozona e não sei mais de onde.
Creio firmemente que devemos fazê-lo, para nos salvarmos de uma União que é um bando de especuladores financeiros, uma equipe em que jogamos se consumirmos os produtos que vocês oferecem: empréstimos, bens industriais, bens de consumo, obras faraônicas, etc.
E, finalmente, Walter, devemos "acertar" um outro ponto importante, já que vocês também disso são devedores a Grécia:
EXIGIMOS QUE NOS DEVOLVAM A CIVILIZAÇÃO QUE NOS ROUBARAM!!!
Queremos de volta à Grécia as imortais obras dos nossos antepassados, que estão guardadas nos museus de Berlim, de Munique, de Paris, de Roma e de Londres.
E EXIJO QUE SEJA AGORA!! Já que posso morrer de fome, quero morrer ao lado das obras dos meus antepassados.
Cordialmente,
Georgios
Depois da Alemanha ter tido de salvar os bancos, agora tem de salvar também a Grécia
Os gregos, que primeiros fizeram alquimias com o euro, agora, em vez de fazerem economias, fazem greves
Caros gregos,
Desde 1981 pertencemos à mesma família.
Nós, os alemães, contribuímos como ninguém mais para um Fundo comum, com mais de 200 mil milhões de euros, enquanto a Grécia recebeu cerca de 100 mil milhões dessa verba, ou seja a maior parcela per capita que qualquer outro povo da U.E.
Nunca nenhum povo até agora ajudou tanto outro povo e durante tanto tempo.
Vocês são, sinceramente, os amigos mais caros que nós temos.
O caso é que não só se enganam a vocês mesmos, como nos enganam a nós.
No essencial, vocês nunca mostraram ser merecedores do nosso Euro. Desde a sua incorporação como moeda da Grécia, nunca conseguiram, até agora, cumprir os critérios de estabilidade. Dentro da U.E., são o povo que mais gasta em bens de consumo.
Vocês descobriram a democracia, por isso devem saber que se governa através da vontade do povo, que é, no fundo, quem tem a
responsabilidade. Não digam, por isso, que só os políticos têm a responsabilidade do desastre. Ninguém vos obrigou a durante anos fugir
aos impostos, a opor-se a qualquer política coerente para reduzir os gastos públicos e ninguém vos obrigou a eleger os governantes que têm tido e têm.
Os gregos são quem nos mostraram o caminho da Democracia, da Filosofia e dos primeiros conhecimentos da Economia Nacional. Mas, agora, mostram-nos um caminho errado. E chegaram onde chegaram, não vão mais adiante!!!
Na semana seguinte, a mesma Stern publicou uma "carta aberta" de um grego, dirigida a Wuelleenweber:
Caro Walter,
Chamo-me Georgios Psomás. Sou funcionário público e não "empregado público" como, depreciativamente, como insulto, se referem a nós os meus compatriotas e os teus compatriotas.
O meu salário é de 1.000 euros. Por mês, hem!... não vás pensar que por dia, como te querem fazer crer no teu País.
Repara que ganho um número que nem sequer é inferior em 1.000 euros ao teu, que é de vários milhares.
Desde 1981, tens razão, estamos na mesma família. Só que nós vos concedemos, em exclusividade, um montão de privilégios, como serem os principais fornecedores do povo grego de tecnologia, armas, infraestruturas (duas autoestradas e dois aeroportos internacionais), telecomunicações, produtos de consumo, automóveis, etc..
Se me esqueço de alguma coisa, desculpa-me. Chamo-te a atenção para o fato de sermos, dentro da U.E., os maiores importadores de produtos de consumo que são fabricados nas fábricas alemãs.
A verdade é que não responsabilizamos apenas os nossos políticos pelo desastre da Grécia. Para ele contribuíram muito algumas grandes empresas alemãs, as que pagaram enormes "comissões" aos nossos políticos para terem contratos, para nos venderem de tudo, e uns quantos submarinos fora de uso, que postos no mar, continuam tombados de fundos para o ar.
Sei que ainda não dás crédito ao que te escrevo. Tem paciência, espera, lê toda a carta, e se não conseguir convencer-te, autorizo-te
a que me expulses da Eurozona, esse lugar de VERDADE, de PROSPERIDADE, de JUSTIÇA e do CORRETO.
Estimado Walter, passou mais de meio século desde que a 2ª Guerra Mundial terminou. QUER DIZER MAIS DE 50 ANOS desde a época em que a Alemanha deveria ter saldado as suas obrigações para com a Grécia. Estas dívidas, QUE SÓ A ALEMANHA até agora resiste a saldar com a Grécia (Bulgária e Romênia cumpriram, ao pagar as indenizações estipuladas), e que consistem em:
1. Uma dívida de 80 milhões de marcos alemães por indemnizações, que ficou por pagar da 1ª Guerra Mundial;
2. Dívidas por diferenças de clearing, no período entre-guerras, que ascendem hoje a 593.873.000 dólares EUA.
3. Os empréstimos em obrigações que contraíu o III Reich em nome da Grécia, na ocupação alemã, que ascendem a 3,5 mil milhões de dólares durante todo o período de ocupação.
4. As reparações que deve a Alemanha à Grécia, pelos confiscos, perseguições, execuções e destruições de povoados inteiros, estradas, pontes, linhas férreas, portos, produto do III Reich, e que, segundo o determinado pelos tribunais aliados, ascende a 7,1 mil milhões de dólares, dos quais a Grécia não viu sequer uma nota.
5. As imensuráveis reparações da Alemanha pela morte de 1.125.960 gregos (38,960 executados, 12 mil mortos como dano colateral, 70 mil mortos em combate, 105 mil mortos em campos de concentração na Alemanha, 600 mil mortos de fome, etc., etc.).
6. A tremenda e imensurável ofensa moral provocada ao povo grego e aos ideais humanísticos da cultura grega.
Amigo Walter, sei que não te deve agradar nada o que escrevo. Lamento-o. Mas, mais me magoa o que a Alemanha quer fazer comigo e com os meus compatriotas.
Amigo Walter, na Grécia laboram 130 empresas alemãs, entre as quais se incluem todos os colossos da indústria do teu País, as que têm lucros anuais de 6,5 mil milhões de euros. Muito em breve, se as coisas continuarem assim, não poderei comprar mais produtos alemães porque cada vez tenho menos dinheiro. Eu e os meus compatriotas crescemos sempre com privações, vamos aguentar, não tenhas problema. Podemos viver sem BMW, sem Mercedes, sem Opel, sem Skoda. Deixaremos de comprar produtos do Lidl, do Praktiker, da IKEA.
Mas vocês, Walter, como se vão arranjar com os desempregados que esta situação criará, que por aí os vai obrigar a baixar o vosso nível de vida, perder os seus carros de luxo, as suas férias no estrangeiro, as suas excursões sexuais à Tailândia?
Vocês (alemães, suecos, holandeses, e restantes "compatriotas" da Eurozona) pretendem que saíamos da Europa, da Eurozona e não sei mais de onde.
Creio firmemente que devemos fazê-lo, para nos salvarmos de uma União que é um bando de especuladores financeiros, uma equipe em que jogamos se consumirmos os produtos que vocês oferecem: empréstimos, bens industriais, bens de consumo, obras faraônicas, etc.
E, finalmente, Walter, devemos "acertar" um outro ponto importante, já que vocês também disso são devedores a Grécia:
EXIGIMOS QUE NOS DEVOLVAM A CIVILIZAÇÃO QUE NOS ROUBARAM!!!
Queremos de volta à Grécia as imortais obras dos nossos antepassados, que estão guardadas nos museus de Berlim, de Munique, de Paris, de Roma e de Londres.
E EXIJO QUE SEJA AGORA!! Já que posso morrer de fome, quero morrer ao lado das obras dos meus antepassados.
Cordialmente,
Georgios
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Sem crescimento económico o problema da divida portuguesa é irresolúvel – e não é possível ter crescimento com esta politica de austeridade
por Eugénio Rosa [*]
RESUMO DESTE ESTUDO
Apesar da experiência e da ciência económica já terem provado que é impossível ter crescimento económico com uma politica de austeridade violentamente recessiva como é a que está a ser imposta a Portugal, governo PSD/CDS, "troika estrangeira" e defensores nos media têm procurado criar a ilusão junto da opinião pública de que isso é possível e que, como afirma o ministro das Finanças, isso "será o caminho para um novo ciclo de prosperidade, crescimento e criação de emprego". Não há nenhum economista honesto que possa garantir que isso aconteça, até porque tudo que se está fazer em Portugal vai contra os ensinamentos da ciência económica. Aqueles que, por um lado, afirmam que é preciso cumprir o acordo e, por outro lado, dizem que é necessário crescimento económico, como isso fosse possível simultaneamente, como se ouve muitas vezes, ou não percebem nada de economia ou têm a intenção deliberada de manipular e enganar a opinião pública com o objectivo de a levar a aceitar passivamente os sacrifícios brutais que lhe estão a ser impostos que, no fim, se vão revelar inúteis porque o país ficará ainda pior.
Apesar do espírito de obediência cega que tem caracterizado o governo PSD/CDS e seus defensores relativamente ao programa de austeridade imposto pela "troika estrangeira", os próprios "mercados", tão idolatrados por eles, mostram que não acreditam que, com esta politica, o problema da divida externa e, nomeadamente, da divida do Estado sejam resolvidos. O valor do "spread"de títulos do Estado a 10 anos face à Alemanha, que é um indicador de risco utilizado pelos chamados "mercados", em Janeiro de 2012, atingiu, em relação a Portugal, mais 15,6 pontos percentuais tendo aumentado em apenas num mês 4,1 pontos percentuais, quando no mesmo mês (Janeiro de 2012), o "spread" não aumentou para Espanha, e diminuiu para a Grécia, Itália, França e Irlanda, países que também estão na linha da frente a sofrer a chantagem dos chamados "mercados".
Por outro lado, segundo um estudo elaborado pelo próprio FMI, quando a consolidação orçamental num país é feita simultaneamente com a de muitos outros países, que é o que se verifica actualmente na União Europeia, ou seja, citando, " quando o resto do mundo leva a cabo uma consolidação fiscal ao mesmo tempo, a redução da relação entre défice e PIB em 1 ponto percentual, com ajustamento baseado apenas na despesa … o custo para o Canadá (que foi o país estudado por ser uma economia pequena e suficientemente aberta, Portugal também tem uma economia ainda mais pequena e aberta ao exterior, portanto muito dependente do que acontece em outros países) em termos de produto duplica e alcança 2% " (pág.123). E, em Portugal, em dois anos (2010/2012), de acordo com o Memorando do FMI/BCE/CE, o défice orçamental terá de ser reduzido de 9,8% do PIB para 4,5% do PIB, ou seja, em 5,3 pontos percentuais. Tomando como base de cálculo os resultados do estudo realizado pelo FMI, conclui-se que uma redução do défice orçamental de 5,3% do PIB, com pretende a "troika estrangeira, devia determinar, num período de dois anos, uma redução do PIB em -10%, e um aumento da taxa de desemprego em 6 pontos percentuais. Como em 2011, a quebra no PIB foi de 1,6%, a estimativa para 2012 de quebra do PIB, de acordo com o estudo do FMI, deveria rondar os 8% e a taxa de desemprego deveria aumentar em mais de 4 pontos percentuais, o que faria subir a taxa oficial de desemprego para cerca de 18%. Mesmo admitindo desvios em relação a estes valores, é inevitável que, em 2012, se esta politica de austeridade continuar, e se a "troika estrangeira" continuar a insistir que o défice em 2012 terá de ser reduzido para apenas 4,5%, Portugal será certamente atingido por uma recessão económica profunda, que destruirá uma parte muito grande da sua economia levando à falência milhares de empresas, fazendo disparar o desemprego para valores inimagináveis, e tornando muito mais difícil e prolongada a recuperação futura.
Toda esta situação é ainda agravada pela falta de financiamento à economia que a "troika estrangeira" se recusa a admitir, e de uma forma irresponsável Paul Thomson do FMI. É a teoria alemã que Portugal está viciado no crédito (bêbado, como afirmou o ministro das Finanças da Alemanha) e que, por isso, o financiamento deve ser fortemente restringido ou mesmo cortado ainda que isso destrua a economia e leve à multiplicação das falências das empresas e do desemprego, o que significa mais pobreza e miséria. No entanto, a Alemanha ganha com as dificuldades dos outros países. Em primeiro lugar, porque tem de pagar " spread " muito baixos nos empréstimos que obtém devido a funcionar como país de "refúgio" face à existência de países com "elevado risco". Em segundo lugar, porque obtém no mercado internacional empréstimos a juros baixos que depois servem para financiar o Fundo Europeu de Estabilização Financeira cobrando juros mais altos, ficando com uma margem de lucro à custa dos países em dificuldades. Eis uma outra forma da "solidariedade alemã" que é, muitas vezes, esquecida. Para terminar interessa referir, como recorda o prémio Nobel da economia, Joseph Stiglitz, no seu livro "Os loucos anos 90 – A década mais próspera do mundo", que o objectivo principal do FMI, e agora da "troika estrangeira", não é defender os interesses do pais ou da população, mas sim garantir o reembolso dos empréstimos aos credores.
Um dos aspectos mais chocantes que caracteriza a actuação do governo PSD/CDS é a sua total insensibilidade e esquecimento dos interesses nacionais, traduzido na incapacidade para analisar de uma forma objectiva as consequências que está a ter a nível da destruição da economia e da sociedade portuguesa, a politica de austeridade imposta pela "troika estrangeira" num período de grave crise, e uma obsessão, quase doentia, em ser considerado um aluno obediente que muitas vezes, para agradar a quem tem de prestar contas, toma medidas ainda mais gravosas que as constantes do "Memorando" com o FMI/BCE/EU, aumentando, dessa forma as desigualdades, as injustiças e a pobreza, como concluiu um estudo realizado pela própria Comissão Europeia referido por nós em estudo anterior, e procurando transformar Portugal num país em que uma parte crescente da população sobrevive à custa da assistência e da esmola, agora transformados pelo Ministério da Solidariedade Social, dominado pelo CDS, em quase desígnios nacionais.
Apesar deste espírito de obediência cega e mesmo servil que se instalou a nível do governo e dos seus defensores, os "mercados" tão idolatrados por todos estes "senhores", mostram claramente que não acreditam nesta politica, e que ela resolva o problema da divida externa e, nomeadamente, da divida do Estado. A tabela 1, contém a variação do chamado " spread " que, segundo os mesmos "mercados" é um indicador do nível de risco de reembolso dos empréstimos, revela que a confiança no actual governo e na politica imposta pela "troika estrangeira" continua a cair de uma forma rápida.
Depois da Grécia, e cada vez mais próxima dela, é em relação à divida portuguesa que o "spread" de títulos emitidos a 10 anos face à Alemanha, apresenta valores mais elevados, tendo sido também o país que, no 1º mês de 2012, o ritmo de subida aumentou mais. Em Janeiro de 2012, portanto muito depois deste governo ter tomado posse e ter implementado com grande violência e satisfação, como já afirmou publicamente Passos Coelho, o programa de austeridade da "troika estrangeira, o "spread" para Portugal aumentou significativamente, enquanto que para os restantes países considerados, que são aqueles que enfrentam maior pressão dos "mercados", o "spread" não aumentou (Espanha) ou mesmo diminuiu (Grécia, Itália, França e Irlanda).
Os dados da Tabela 1 revelam também outros aspectos muito importantes que não devem ser esquecidos, que são os seguintes: (1) A divida soberana de países como a Grécia e Portugal, com valores elevadíssimos de "spread" relativamente à Alemanha (+15,6 pontos percentuais para Portugal e +29,1 pontos percentuais para a Grécia), a que se tem ainda de somar a taxa de juro, são negócios altamente lucrativos, para não dizer mesmo especulativos, para os bancos, fundos e grandes companhias de seguros, que dominam os chamados "mercados", permitindo a estes recuperar num curto período de tempo a totalidade do capital emprestado, e mesmo que sofram uma redução no empréstimo, como acontecerá com a Grécia, já foram anteriormente altamente compensados com o "spread" e juros recebidos; (2) A Alemanha está a ser altamente beneficiada com actual situação não só porque tem de suportar um "spread" extremamente baixo determinado pela existência de países que são considerados de alto risco (funciona como zona de "refúgio"), mas também porque sendo o principal financiador do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), obtém no mercado empréstimos a juros muito baixos que depois empresta ao FEEF a juros mais elevados ficando com a diferença, obtendo assim elevadas margens de lucro.
SEM CRESCIMENTO ECONÓMICO EM PORTUGAL O PROBLEMA DA DIVIDA NÃO SE RESOLVE, E É IMPOSSIVEL CRESCER COM ESTA POLITICA DE AUSTERIDADE
por Eugénio Rosa [*]
RESUMO DESTE ESTUDO
Apesar da experiência e da ciência económica já terem provado que é impossível ter crescimento económico com uma politica de austeridade violentamente recessiva como é a que está a ser imposta a Portugal, governo PSD/CDS, "troika estrangeira" e defensores nos media têm procurado criar a ilusão junto da opinião pública de que isso é possível e que, como afirma o ministro das Finanças, isso "será o caminho para um novo ciclo de prosperidade, crescimento e criação de emprego". Não há nenhum economista honesto que possa garantir que isso aconteça, até porque tudo que se está fazer em Portugal vai contra os ensinamentos da ciência económica. Aqueles que, por um lado, afirmam que é preciso cumprir o acordo e, por outro lado, dizem que é necessário crescimento económico, como isso fosse possível simultaneamente, como se ouve muitas vezes, ou não percebem nada de economia ou têm a intenção deliberada de manipular e enganar a opinião pública com o objectivo de a levar a aceitar passivamente os sacrifícios brutais que lhe estão a ser impostos que, no fim, se vão revelar inúteis porque o país ficará ainda pior.
Apesar do espírito de obediência cega que tem caracterizado o governo PSD/CDS e seus defensores relativamente ao programa de austeridade imposto pela "troika estrangeira", os próprios "mercados", tão idolatrados por eles, mostram que não acreditam que, com esta politica, o problema da divida externa e, nomeadamente, da divida do Estado sejam resolvidos. O valor do "spread"de títulos do Estado a 10 anos face à Alemanha, que é um indicador de risco utilizado pelos chamados "mercados", em Janeiro de 2012, atingiu, em relação a Portugal, mais 15,6 pontos percentuais tendo aumentado em apenas num mês 4,1 pontos percentuais, quando no mesmo mês (Janeiro de 2012), o "spread" não aumentou para Espanha, e diminuiu para a Grécia, Itália, França e Irlanda, países que também estão na linha da frente a sofrer a chantagem dos chamados "mercados".
Por outro lado, segundo um estudo elaborado pelo próprio FMI, quando a consolidação orçamental num país é feita simultaneamente com a de muitos outros países, que é o que se verifica actualmente na União Europeia, ou seja, citando, " quando o resto do mundo leva a cabo uma consolidação fiscal ao mesmo tempo, a redução da relação entre défice e PIB em 1 ponto percentual, com ajustamento baseado apenas na despesa … o custo para o Canadá (que foi o país estudado por ser uma economia pequena e suficientemente aberta, Portugal também tem uma economia ainda mais pequena e aberta ao exterior, portanto muito dependente do que acontece em outros países) em termos de produto duplica e alcança 2% " (pág.123). E, em Portugal, em dois anos (2010/2012), de acordo com o Memorando do FMI/BCE/CE, o défice orçamental terá de ser reduzido de 9,8% do PIB para 4,5% do PIB, ou seja, em 5,3 pontos percentuais. Tomando como base de cálculo os resultados do estudo realizado pelo FMI, conclui-se que uma redução do défice orçamental de 5,3% do PIB, com pretende a "troika estrangeira, devia determinar, num período de dois anos, uma redução do PIB em -10%, e um aumento da taxa de desemprego em 6 pontos percentuais. Como em 2011, a quebra no PIB foi de 1,6%, a estimativa para 2012 de quebra do PIB, de acordo com o estudo do FMI, deveria rondar os 8% e a taxa de desemprego deveria aumentar em mais de 4 pontos percentuais, o que faria subir a taxa oficial de desemprego para cerca de 18%. Mesmo admitindo desvios em relação a estes valores, é inevitável que, em 2012, se esta politica de austeridade continuar, e se a "troika estrangeira" continuar a insistir que o défice em 2012 terá de ser reduzido para apenas 4,5%, Portugal será certamente atingido por uma recessão económica profunda, que destruirá uma parte muito grande da sua economia levando à falência milhares de empresas, fazendo disparar o desemprego para valores inimagináveis, e tornando muito mais difícil e prolongada a recuperação futura.
Toda esta situação é ainda agravada pela falta de financiamento à economia que a "troika estrangeira" se recusa a admitir, e de uma forma irresponsável Paul Thomson do FMI. É a teoria alemã que Portugal está viciado no crédito (bêbado, como afirmou o ministro das Finanças da Alemanha) e que, por isso, o financiamento deve ser fortemente restringido ou mesmo cortado ainda que isso destrua a economia e leve à multiplicação das falências das empresas e do desemprego, o que significa mais pobreza e miséria. No entanto, a Alemanha ganha com as dificuldades dos outros países. Em primeiro lugar, porque tem de pagar " spread " muito baixos nos empréstimos que obtém devido a funcionar como país de "refúgio" face à existência de países com "elevado risco". Em segundo lugar, porque obtém no mercado internacional empréstimos a juros baixos que depois servem para financiar o Fundo Europeu de Estabilização Financeira cobrando juros mais altos, ficando com uma margem de lucro à custa dos países em dificuldades. Eis uma outra forma da "solidariedade alemã" que é, muitas vezes, esquecida. Para terminar interessa referir, como recorda o prémio Nobel da economia, Joseph Stiglitz, no seu livro "Os loucos anos 90 – A década mais próspera do mundo", que o objectivo principal do FMI, e agora da "troika estrangeira", não é defender os interesses do pais ou da população, mas sim garantir o reembolso dos empréstimos aos credores.
Um dos aspectos mais chocantes que caracteriza a actuação do governo PSD/CDS é a sua total insensibilidade e esquecimento dos interesses nacionais, traduzido na incapacidade para analisar de uma forma objectiva as consequências que está a ter a nível da destruição da economia e da sociedade portuguesa, a politica de austeridade imposta pela "troika estrangeira" num período de grave crise, e uma obsessão, quase doentia, em ser considerado um aluno obediente que muitas vezes, para agradar a quem tem de prestar contas, toma medidas ainda mais gravosas que as constantes do "Memorando" com o FMI/BCE/EU, aumentando, dessa forma as desigualdades, as injustiças e a pobreza, como concluiu um estudo realizado pela própria Comissão Europeia referido por nós em estudo anterior, e procurando transformar Portugal num país em que uma parte crescente da população sobrevive à custa da assistência e da esmola, agora transformados pelo Ministério da Solidariedade Social, dominado pelo CDS, em quase desígnios nacionais.
Apesar deste espírito de obediência cega e mesmo servil que se instalou a nível do governo e dos seus defensores, os "mercados" tão idolatrados por todos estes "senhores", mostram claramente que não acreditam nesta politica, e que ela resolva o problema da divida externa e, nomeadamente, da divida do Estado. A tabela 1, contém a variação do chamado " spread " que, segundo os mesmos "mercados" é um indicador do nível de risco de reembolso dos empréstimos, revela que a confiança no actual governo e na politica imposta pela "troika estrangeira" continua a cair de uma forma rápida.
Depois da Grécia, e cada vez mais próxima dela, é em relação à divida portuguesa que o "spread" de títulos emitidos a 10 anos face à Alemanha, apresenta valores mais elevados, tendo sido também o país que, no 1º mês de 2012, o ritmo de subida aumentou mais. Em Janeiro de 2012, portanto muito depois deste governo ter tomado posse e ter implementado com grande violência e satisfação, como já afirmou publicamente Passos Coelho, o programa de austeridade da "troika estrangeira, o "spread" para Portugal aumentou significativamente, enquanto que para os restantes países considerados, que são aqueles que enfrentam maior pressão dos "mercados", o "spread" não aumentou (Espanha) ou mesmo diminuiu (Grécia, Itália, França e Irlanda).
Os dados da Tabela 1 revelam também outros aspectos muito importantes que não devem ser esquecidos, que são os seguintes: (1) A divida soberana de países como a Grécia e Portugal, com valores elevadíssimos de "spread" relativamente à Alemanha (+15,6 pontos percentuais para Portugal e +29,1 pontos percentuais para a Grécia), a que se tem ainda de somar a taxa de juro, são negócios altamente lucrativos, para não dizer mesmo especulativos, para os bancos, fundos e grandes companhias de seguros, que dominam os chamados "mercados", permitindo a estes recuperar num curto período de tempo a totalidade do capital emprestado, e mesmo que sofram uma redução no empréstimo, como acontecerá com a Grécia, já foram anteriormente altamente compensados com o "spread" e juros recebidos; (2) A Alemanha está a ser altamente beneficiada com actual situação não só porque tem de suportar um "spread" extremamente baixo determinado pela existência de países que são considerados de alto risco (funciona como zona de "refúgio"), mas também porque sendo o principal financiador do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), obtém no mercado empréstimos a juros muito baixos que depois empresta ao FEEF a juros mais elevados ficando com a diferença, obtendo assim elevadas margens de lucro.
SEM CRESCIMENTO ECONÓMICO EM PORTUGAL O PROBLEMA DA DIVIDA NÃO SE RESOLVE, E É IMPOSSIVEL CRESCER COM ESTA POLITICA DE AUSTERIDADE
sábado, 11 de fevereiro de 2012
Revelações da WikiLeaks sobre a actuação dos EUA na Síria
Oposição síria, em 2006, para os EUA:
[Uns] "Sejam mais discretos. Metam os US$ numa mala, e estamos conversados."
[Outros] "Respeitem-nos! Os EUA não querem parceiros na Síria: querem serviçais".
Telegrama 06DAMASCUS760
http://wikileaks.org/cable/2006/02/06DAMASCUS760.html#
Reference ID Created Released Classification Origin
06DAMASCUS760 2006-02-27 09:57 2011-08-30 01:44 CONFIDENTIAL Embassy Damascus
ASSUNTO: Mais dinheiro dos EUA para a oposição síria [em 2006]
REF: DAMASCUS 0701
1. (C) Resumo: A operação "Anunciando a Democracia Síria", do Governo dos EUA, continua a provocar reações contraditórias em Damasco, entre a oposição e outras figuras políticas. Já informamos em telegrama anterior as primeiras reações negativas. Exame posterior da mesma questão permite ver um conjunto mais nuançado de reações. Alguns receberam com entusiasmo a iniciativa, dizendo que nossa operação envia a mensagem de que os EUA apoiam a oposição e não farão nenhum tipo de "negócio" com o governo de Assad; mas mesmo esses ainda questionam se o dinheiro que estamos oferecendo chegará às mãos dos membros mais sérios da oposição. Um de nossos contatos descreveu a reação inicial (negativa) de membros da oposição como exagerada, "mas típica". Vários contatos ofereceram sugestões de como podemos ajudar com dinheiro, apoiando a sociedade civil e o desenvolvimento democrático na Síria.
Um importante dissidente e ex-prisioneiro político, ecoando suspeitas generalizadas sobre as intenções dos EUA, considerou nossa oferta "insultuosa". Para ele, os EUA são hipócritas ao apoiar a democracia na região; disse que nos interessamos apenas por encontrar "instrumentos" por aqui, não parceiros. Não se registrou nenhum (ou quase nenhum) apoio público à oferta de dinheiro que fizemos à oposição síria. FIM DO RESUMO.
2. (C) "Metam o dinheiro numa mala, e estamos conversados"
Basil Dahdouh, deputado independente do Parlamento Sírio entende que o dinheiro agora oferecido envia importante mensagem à oposição, indicando que os EUA estão sendo "sérios", na disposição para cooperar. Essa mensagem estimulará a oposição. Contudo, o deputado considera o modo como o dinheiro tem sido entregue "burocrático, legalista e 'público' demais para dar algum resultado". "Aqui nessa região as coisas não são feitas desse modo" – disse Dahdouh. "Khalid Misha'al vai a Teerã e volta com alguns milhões numa mala simples. Não precisa assinar recibos, nem papelada, nem precisa de computadores" – disse ele. Para o deputado, o modo como os EUA entregam o dinheiro é característico de estado com leis e regulações, "mas nada disso corresponde à mentalidade nessa região". Por fim, o deputado Dahdouh disse que o fato de a entrega de dinheiro ser pública, do conhecimento de vários, dada a imagem dos EUA no mundo árabe, acabará por destruir a credibilidade de qualquer um que receba o dinheiro. As pessoas dirão "Ora, claro que ele disse tal ou tal coisa. Ele é pago pelos norte-americanos".
3. (C) SUGESTÕES MAIS AMPLAS PARA APOIARMOS: Quanto a sugestões de áreas nas quais os EUA poderiam oferecer apoio mais discreto à oposição, Dahdouh sugeriu ajuda financeira a famílias de prisioneiros políticos, algo como algumas poucas centenas de dólares por mês, por família. Essa ajuda reduziria o "alto risco de empobrecimento das famílias" que acompanha sempre a prisão de qualquer dissidente. Embora admita que não sabe como se poderia implementar esse tipo de programa, Dahdouh indicou o International Committee of the Red Cross (ICRC) como possibilidade. Também sugeriu que os EUA ampliem o alcance dos programas culturais, programas de conferências, bolsas para estudo de inglês e acesso à internet. Na opinião dele, os EUA podem usar relações culturais para canalizar pequenas quantias de dinheiro para bolsas de estudo, prêmios, remuneração de conferencistas e painelistas e coisas desse tipo. A chave é não procurar a controvérsia, mas manter programas regulares com reuniões, através das quais pequenas quantidades de dinheiro possam ser distribuídas. Dahdouh também sugeriu que se crie um centro de traduções que se concentraria não nas manchetes e nas opiniões "das vozes mais ouvidas" (quase todas de apoio ao regime), mas em ideias alternativas, com bom conteúdo intelectual sério. Esse centro também poderia ser usado como veículo para distribuir alguns subsídios informais. (...)
9. (C) CRÍTICA DOS DISSIDENTES: Yassin Haj Saleh, prisioneiro político por 18 anos, foi quem apresentou a crítica mais consistente contra nossa proposta de oferecer dinheiro à oposição. Disse que a oferta é "insultuosa". Pede que os EUA "parem de negociar com os sírios desse modo desrespeitoso". Solicitado a explicar-se melhor, Saleh disse que os EUA são hipócritas quando oferecem apoio à democracia no mundo árabe, mas só apoiam a democracia na Síria, e não apoiam democracia alguma na Palestina – onde os EUA ignoraram completamente o governo democraticamente eleito do Hamás. "Vocês cortam milhões de ajuda à democracia na Palestina e oferecem centavos à democracia síria. Vocês só querem instrumentos, subordinados, não querem nem parceiros nem amigos" – Saleh insistiu.
10. (C) Na opinião de Saleh, os EUA "continuam a ser profundamente hostis a qualquer ideia de independência no mundo árabe, mesmo hoje", anos depois do fim da Guerra Fria e décadas depois de Nasser ter desaparecido do cenário. O "maior presente que os EUA poderiam dar, para ajudar a democracia na Síria, seria uma proclamação pública em que criticassem a ocupação israelense no Golan, exigissem a imediata retirada de Israel e oferecessem apoio a negociações" – disse Saleh. Saleh também observou que as pessoas que aceitarem dinheiro dos EUA "são as menos confiáveis de toda a oposição síria." Disse que os EUA dariam melhor uso ao seu dinheiro se oferecessem bolsas para estudantes sírios pobres estudarem nos EUA.
11. (C) NENHUM APOIO POPULAR: Figuras do campo das Relações Públicas tendem a dividir-se entre declarações categoricamente críticas (dos nacionalistas tradicionais), e formulações um pouco mais nuançadas – mas sempre rejeitando qualquer ajuda, por princípio –, dos que parecem mais simpáticos ao apoio ocidental. Hassan Abdul Azim, porta-voz do Grupo Democrático Nacional, coligação de cinco partidos da oposição constituído de pan-arabistas e ex-comunistas, disse que seu grupo recusaria qualquer "financiamento vindo do lado ocidental" e puniria membros que aceitassem aquele dinheiro.
Michel Kilo, ativista, disse que os problemas da oposição síria são políticos, não financeiros. Acrescentou, porém, que a oposição não quer receber apoio financeiro dos EUA, por causa "da política dos EUA no Oriente Médio e sobre a Palestina". [assina] SECHE
Ver também:
UNDERSTANDING THE SYRIAN CRISIS: Selection of Key Articles and News Reports
SYRIA: Moscow and Tehran to Provide Military Aid to Curb US-NATO Supported Armed Insurrection
Exposed: The Arab Agenda In Syria
Le CCG et l’OTAN perdent leur leadership
Syria Assassination Plot: 1957 Intel. Documents Reveal How Eisenhower and Macmillan Conspired against Syria
O original encontra-se em http://wikileaks.org/cable/2006/02/06DAMASCUS760.html#
Este telegrama encontra-se em http://resistir.info/ .
[Uns] "Sejam mais discretos. Metam os US$ numa mala, e estamos conversados."
[Outros] "Respeitem-nos! Os EUA não querem parceiros na Síria: querem serviçais".
Telegrama 06DAMASCUS760
http://wikileaks.org/cable/2006/02/06DAMASCUS760.html#
Reference ID Created Released Classification Origin
06DAMASCUS760 2006-02-27 09:57 2011-08-30 01:44 CONFIDENTIAL Embassy Damascus
ASSUNTO: Mais dinheiro dos EUA para a oposição síria [em 2006]
REF: DAMASCUS 0701
1. (C) Resumo: A operação "Anunciando a Democracia Síria", do Governo dos EUA, continua a provocar reações contraditórias em Damasco, entre a oposição e outras figuras políticas. Já informamos em telegrama anterior as primeiras reações negativas. Exame posterior da mesma questão permite ver um conjunto mais nuançado de reações. Alguns receberam com entusiasmo a iniciativa, dizendo que nossa operação envia a mensagem de que os EUA apoiam a oposição e não farão nenhum tipo de "negócio" com o governo de Assad; mas mesmo esses ainda questionam se o dinheiro que estamos oferecendo chegará às mãos dos membros mais sérios da oposição. Um de nossos contatos descreveu a reação inicial (negativa) de membros da oposição como exagerada, "mas típica". Vários contatos ofereceram sugestões de como podemos ajudar com dinheiro, apoiando a sociedade civil e o desenvolvimento democrático na Síria.
Um importante dissidente e ex-prisioneiro político, ecoando suspeitas generalizadas sobre as intenções dos EUA, considerou nossa oferta "insultuosa". Para ele, os EUA são hipócritas ao apoiar a democracia na região; disse que nos interessamos apenas por encontrar "instrumentos" por aqui, não parceiros. Não se registrou nenhum (ou quase nenhum) apoio público à oferta de dinheiro que fizemos à oposição síria. FIM DO RESUMO.
2. (C) "Metam o dinheiro numa mala, e estamos conversados"
Basil Dahdouh, deputado independente do Parlamento Sírio entende que o dinheiro agora oferecido envia importante mensagem à oposição, indicando que os EUA estão sendo "sérios", na disposição para cooperar. Essa mensagem estimulará a oposição. Contudo, o deputado considera o modo como o dinheiro tem sido entregue "burocrático, legalista e 'público' demais para dar algum resultado". "Aqui nessa região as coisas não são feitas desse modo" – disse Dahdouh. "Khalid Misha'al vai a Teerã e volta com alguns milhões numa mala simples. Não precisa assinar recibos, nem papelada, nem precisa de computadores" – disse ele. Para o deputado, o modo como os EUA entregam o dinheiro é característico de estado com leis e regulações, "mas nada disso corresponde à mentalidade nessa região". Por fim, o deputado Dahdouh disse que o fato de a entrega de dinheiro ser pública, do conhecimento de vários, dada a imagem dos EUA no mundo árabe, acabará por destruir a credibilidade de qualquer um que receba o dinheiro. As pessoas dirão "Ora, claro que ele disse tal ou tal coisa. Ele é pago pelos norte-americanos".
3. (C) SUGESTÕES MAIS AMPLAS PARA APOIARMOS: Quanto a sugestões de áreas nas quais os EUA poderiam oferecer apoio mais discreto à oposição, Dahdouh sugeriu ajuda financeira a famílias de prisioneiros políticos, algo como algumas poucas centenas de dólares por mês, por família. Essa ajuda reduziria o "alto risco de empobrecimento das famílias" que acompanha sempre a prisão de qualquer dissidente. Embora admita que não sabe como se poderia implementar esse tipo de programa, Dahdouh indicou o International Committee of the Red Cross (ICRC) como possibilidade. Também sugeriu que os EUA ampliem o alcance dos programas culturais, programas de conferências, bolsas para estudo de inglês e acesso à internet. Na opinião dele, os EUA podem usar relações culturais para canalizar pequenas quantias de dinheiro para bolsas de estudo, prêmios, remuneração de conferencistas e painelistas e coisas desse tipo. A chave é não procurar a controvérsia, mas manter programas regulares com reuniões, através das quais pequenas quantidades de dinheiro possam ser distribuídas. Dahdouh também sugeriu que se crie um centro de traduções que se concentraria não nas manchetes e nas opiniões "das vozes mais ouvidas" (quase todas de apoio ao regime), mas em ideias alternativas, com bom conteúdo intelectual sério. Esse centro também poderia ser usado como veículo para distribuir alguns subsídios informais. (...)
9. (C) CRÍTICA DOS DISSIDENTES: Yassin Haj Saleh, prisioneiro político por 18 anos, foi quem apresentou a crítica mais consistente contra nossa proposta de oferecer dinheiro à oposição. Disse que a oferta é "insultuosa". Pede que os EUA "parem de negociar com os sírios desse modo desrespeitoso". Solicitado a explicar-se melhor, Saleh disse que os EUA são hipócritas quando oferecem apoio à democracia no mundo árabe, mas só apoiam a democracia na Síria, e não apoiam democracia alguma na Palestina – onde os EUA ignoraram completamente o governo democraticamente eleito do Hamás. "Vocês cortam milhões de ajuda à democracia na Palestina e oferecem centavos à democracia síria. Vocês só querem instrumentos, subordinados, não querem nem parceiros nem amigos" – Saleh insistiu.
10. (C) Na opinião de Saleh, os EUA "continuam a ser profundamente hostis a qualquer ideia de independência no mundo árabe, mesmo hoje", anos depois do fim da Guerra Fria e décadas depois de Nasser ter desaparecido do cenário. O "maior presente que os EUA poderiam dar, para ajudar a democracia na Síria, seria uma proclamação pública em que criticassem a ocupação israelense no Golan, exigissem a imediata retirada de Israel e oferecessem apoio a negociações" – disse Saleh. Saleh também observou que as pessoas que aceitarem dinheiro dos EUA "são as menos confiáveis de toda a oposição síria." Disse que os EUA dariam melhor uso ao seu dinheiro se oferecessem bolsas para estudantes sírios pobres estudarem nos EUA.
11. (C) NENHUM APOIO POPULAR: Figuras do campo das Relações Públicas tendem a dividir-se entre declarações categoricamente críticas (dos nacionalistas tradicionais), e formulações um pouco mais nuançadas – mas sempre rejeitando qualquer ajuda, por princípio –, dos que parecem mais simpáticos ao apoio ocidental. Hassan Abdul Azim, porta-voz do Grupo Democrático Nacional, coligação de cinco partidos da oposição constituído de pan-arabistas e ex-comunistas, disse que seu grupo recusaria qualquer "financiamento vindo do lado ocidental" e puniria membros que aceitassem aquele dinheiro.
Michel Kilo, ativista, disse que os problemas da oposição síria são políticos, não financeiros. Acrescentou, porém, que a oposição não quer receber apoio financeiro dos EUA, por causa "da política dos EUA no Oriente Médio e sobre a Palestina". [assina] SECHE
Ver também:
UNDERSTANDING THE SYRIAN CRISIS: Selection of Key Articles and News Reports
SYRIA: Moscow and Tehran to Provide Military Aid to Curb US-NATO Supported Armed Insurrection
Exposed: The Arab Agenda In Syria
Le CCG et l’OTAN perdent leur leadership
Syria Assassination Plot: 1957 Intel. Documents Reveal How Eisenhower and Macmillan Conspired against Syria
O original encontra-se em http://wikileaks.org/cable/2006/02/06DAMASCUS760.html#
Este telegrama encontra-se em http://resistir.info/ .
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
Islândia- Um exemplo de soberania
Por Deena Stryker
À medida que um país europeu atrás do outro atinge ou fica próximo de atingir a bancarrota, pondo em perigo o Euro e com repercussões para o mundo inteiro, a última coisa que os poderes em questão querem é que a Islândia se torne um exemplo. Eis a razão:
Cinco anos de um regime puramente neoliberal fizeram da Islândia (população de 320 mil habitantes, sem Exército) um dos mais ricos países do mundo. Em 2003 todos os bancos do país foram privatizados e, num esforço para atrair o investimento estrangeiro, passaram a oferecer serviços on-line, cujos custos reduzidos lhes permitiram oferecer taxas internas de rendibilidade relativamente elevadas. Estas contas, designadas "IceSave", atraíram muitos pequenos investidores ingleses e holandeses. Mas, à medida que os investimentos cresciam, também a dívida externa dos bancos aumentava.
Em 2003, a dívida islandesa equivalia a 200 vezes o seu PIB e, em 2007, era de 900%. A crise financeira de 2008 foi o golpe de misericórdia. Os três principais bancos islandeses, o Landbanki, o Kapthing e o Glitnir caíram e foram nacionalizados, enquanto o Kroner perdeu 85% do seu valor em relação ao Euro. No final do ano, a Islândia declarou a bancarrota.
Ao contrário do que se poderia esperar, da crise resultou que os islandeses recuperaram os seus direitos soberanos, através de um processo de democracia participativa directa, que acabou por conduzir a uma nova Constituição. Mas só depois de muito sofrimento.
Geir Haarde, primeiro-ministro de um governo de coligação social-democrata, negociou um empréstimo de dois mil milhões e cem mil dólares, ao qual os países nórdicos acrescentaram mais dois mil milhões e meio. Mas a comunidade financeira internacional pressionou a Islândia a impor medidas drásticas. O FMI e a União Europeia quiseram apoderar-se da sua dívida, alegando que este era o único caminho para que o país pudesse pagar à Holanda e ao Reino Unido, que haviam prometido reembolsar os seus cidadãos.
Os protestos e as revoltas continuaram, acabando por forçar o governo a demitir-se. As eleições foram antecipadas para Abril de 2009, resultando numa coligação de esquerda, que condenou o sistema económico neoliberal, mas logo cedeu às exigências daquele, de acordo com as quais a Islândia deveria pagar um total de três mil milhões e meio de Euros.
Isto exigia que cada cidadão islandês pagasse 100 euros por mês (cerca de US $ 130) por quinze anos, a juros de 5,5%, para pagar uma dívida contraída por particulares perante particulares. Foi a gota de água que fez transbordar o copo.
O que aconteceu depois foi extraordinário. A crença de que os cidadãos tinham que pagar pelos erros de um monopólio financeiro, que uma nação inteira deveria ser tributada para pagar dívidas privadas caiu por terra, transformando a relação entre os cidadãos e suas instituições políticas, e acabando por trazer os líderes da Islândia para o mesmo lado dos seus eleitores. O Chefe de Estado, Olafur Ragnar Grímsson, recusou-se a ratificar a lei que teria feito os cidadãos da Islândia responsáveis pelas dívidas dos seus banqueiros, e aceitou o repto para um referendo.
É claro que isto apenas fez com que a comunidade internacional aumentasse a pressão sobre a Islândia. O Reino Unido e a Holanda ameaçaram com represálias terríveis, que isolariam o país. Quando os islandeses foram a votos, os banqueiros estrangeiros ameaçaram bloquear qualquer ajuda do FMI. O governo britânico ameaçou congelar poupanças islandesas e contas correntes. Como afirmou Grimsson: "Foi-nos dito que, se recusássemos as condições da comunidade internacional, nos tornaríamos na Cuba do Norte. Mas, se tivéssemos aceitado, ter-nos-íamos tornado antes no Haiti do Norte."
(Quantas vezes escrevi que quando os cubanos olham para os problemas do seu vizinho, o Haiti, consideram que têm sorte.)
No referendo de Março de 2010, 93% dos islandeses votou contra o pagamento da dívida. O FMI imediatamente congelou o seu empréstimo. Mas a revolução (apesar de não ter sido transmitida nos EUA), não se deixaria intimidar. Com o apoio de uma cidadania em fúria, o governo colocou sob investigação os responsáveis pela crise financeira. A Interpol lançou um mandado internacional de captura para o ex-presidente do Kaupthing, Sigurdur Einarsson, à medida que outros banqueiros envolvidos no crash fugiram do país.
Mas os islandeses não pararam por aí: decidiram elaborar uma nova constituição que iria libertar o país do poder exagerado da finança internacional e do dinheiro virtual. (A que vigorava havia sido escrita quando a Islândia ganhou sua independência à Dinamarca, em 1918, sendo que a única diferença relativamente à Constituição Dinamarquesa a de que a palavra "presidente" a palavra substituiu a palavra "rei".)
Para escrever a nova constituição, o povo da Islândia elegeu 25 cidadãos, de entre 522 adultos que não pertenciam a nenhum partido político, mas recomendados por pelo menos trinta cidadãos. Este documento não foi obra de um punhado de políticos, mas foi escrito na Internet. Reuniões da Constituinte são transmitidas on-line, e os cidadãos podem enviar os seus comentários e sugestões, vendo o documento tomar forma. A Constituição que resultará deste processo participativo e democrático será submetida ao Parlamento para aprovação depois das próximas eleições.
Alguns leitores lembrar-se-ão de que a crise agrícola da Islândia do século 9 foi tratada no livro de Jared Diamond que tem esse nome. Hoje, esse país está a recuperar do colapso financeiro de forma exactamente oposta àquela geralmente considerada inevitável, como foi confirmado ontem pela nova presidente do FMI, Christine Lagarde, a Fareed Zakaria. Foi dito ao povo da Grécia que a privatização de seu sector público é a única solução. Os povos da Itália, da Espanha e de Portugal enfrentam a mesma ameaça.
Estes povos devem olhar para a Islândia. Recusando curvar-se perante os interesses estrangeiros, este pequeno país afirmou, alto e a bom som, que o povo é soberano.
É por isso que já não aparece nas notícias.
Da mesma autora:
“Iceland’s Ongoing Revolution” http://www.greens.org/s-r/57/57-15.html
À medida que um país europeu atrás do outro atinge ou fica próximo de atingir a bancarrota, pondo em perigo o Euro e com repercussões para o mundo inteiro, a última coisa que os poderes em questão querem é que a Islândia se torne um exemplo. Eis a razão:
Cinco anos de um regime puramente neoliberal fizeram da Islândia (população de 320 mil habitantes, sem Exército) um dos mais ricos países do mundo. Em 2003 todos os bancos do país foram privatizados e, num esforço para atrair o investimento estrangeiro, passaram a oferecer serviços on-line, cujos custos reduzidos lhes permitiram oferecer taxas internas de rendibilidade relativamente elevadas. Estas contas, designadas "IceSave", atraíram muitos pequenos investidores ingleses e holandeses. Mas, à medida que os investimentos cresciam, também a dívida externa dos bancos aumentava.
Em 2003, a dívida islandesa equivalia a 200 vezes o seu PIB e, em 2007, era de 900%. A crise financeira de 2008 foi o golpe de misericórdia. Os três principais bancos islandeses, o Landbanki, o Kapthing e o Glitnir caíram e foram nacionalizados, enquanto o Kroner perdeu 85% do seu valor em relação ao Euro. No final do ano, a Islândia declarou a bancarrota.
Ao contrário do que se poderia esperar, da crise resultou que os islandeses recuperaram os seus direitos soberanos, através de um processo de democracia participativa directa, que acabou por conduzir a uma nova Constituição. Mas só depois de muito sofrimento.
Geir Haarde, primeiro-ministro de um governo de coligação social-democrata, negociou um empréstimo de dois mil milhões e cem mil dólares, ao qual os países nórdicos acrescentaram mais dois mil milhões e meio. Mas a comunidade financeira internacional pressionou a Islândia a impor medidas drásticas. O FMI e a União Europeia quiseram apoderar-se da sua dívida, alegando que este era o único caminho para que o país pudesse pagar à Holanda e ao Reino Unido, que haviam prometido reembolsar os seus cidadãos.
Os protestos e as revoltas continuaram, acabando por forçar o governo a demitir-se. As eleições foram antecipadas para Abril de 2009, resultando numa coligação de esquerda, que condenou o sistema económico neoliberal, mas logo cedeu às exigências daquele, de acordo com as quais a Islândia deveria pagar um total de três mil milhões e meio de Euros.
Isto exigia que cada cidadão islandês pagasse 100 euros por mês (cerca de US $ 130) por quinze anos, a juros de 5,5%, para pagar uma dívida contraída por particulares perante particulares. Foi a gota de água que fez transbordar o copo.
O que aconteceu depois foi extraordinário. A crença de que os cidadãos tinham que pagar pelos erros de um monopólio financeiro, que uma nação inteira deveria ser tributada para pagar dívidas privadas caiu por terra, transformando a relação entre os cidadãos e suas instituições políticas, e acabando por trazer os líderes da Islândia para o mesmo lado dos seus eleitores. O Chefe de Estado, Olafur Ragnar Grímsson, recusou-se a ratificar a lei que teria feito os cidadãos da Islândia responsáveis pelas dívidas dos seus banqueiros, e aceitou o repto para um referendo.
É claro que isto apenas fez com que a comunidade internacional aumentasse a pressão sobre a Islândia. O Reino Unido e a Holanda ameaçaram com represálias terríveis, que isolariam o país. Quando os islandeses foram a votos, os banqueiros estrangeiros ameaçaram bloquear qualquer ajuda do FMI. O governo britânico ameaçou congelar poupanças islandesas e contas correntes. Como afirmou Grimsson: "Foi-nos dito que, se recusássemos as condições da comunidade internacional, nos tornaríamos na Cuba do Norte. Mas, se tivéssemos aceitado, ter-nos-íamos tornado antes no Haiti do Norte."
(Quantas vezes escrevi que quando os cubanos olham para os problemas do seu vizinho, o Haiti, consideram que têm sorte.)
No referendo de Março de 2010, 93% dos islandeses votou contra o pagamento da dívida. O FMI imediatamente congelou o seu empréstimo. Mas a revolução (apesar de não ter sido transmitida nos EUA), não se deixaria intimidar. Com o apoio de uma cidadania em fúria, o governo colocou sob investigação os responsáveis pela crise financeira. A Interpol lançou um mandado internacional de captura para o ex-presidente do Kaupthing, Sigurdur Einarsson, à medida que outros banqueiros envolvidos no crash fugiram do país.
Mas os islandeses não pararam por aí: decidiram elaborar uma nova constituição que iria libertar o país do poder exagerado da finança internacional e do dinheiro virtual. (A que vigorava havia sido escrita quando a Islândia ganhou sua independência à Dinamarca, em 1918, sendo que a única diferença relativamente à Constituição Dinamarquesa a de que a palavra "presidente" a palavra substituiu a palavra "rei".)
Para escrever a nova constituição, o povo da Islândia elegeu 25 cidadãos, de entre 522 adultos que não pertenciam a nenhum partido político, mas recomendados por pelo menos trinta cidadãos. Este documento não foi obra de um punhado de políticos, mas foi escrito na Internet. Reuniões da Constituinte são transmitidas on-line, e os cidadãos podem enviar os seus comentários e sugestões, vendo o documento tomar forma. A Constituição que resultará deste processo participativo e democrático será submetida ao Parlamento para aprovação depois das próximas eleições.
Alguns leitores lembrar-se-ão de que a crise agrícola da Islândia do século 9 foi tratada no livro de Jared Diamond que tem esse nome. Hoje, esse país está a recuperar do colapso financeiro de forma exactamente oposta àquela geralmente considerada inevitável, como foi confirmado ontem pela nova presidente do FMI, Christine Lagarde, a Fareed Zakaria. Foi dito ao povo da Grécia que a privatização de seu sector público é a única solução. Os povos da Itália, da Espanha e de Portugal enfrentam a mesma ameaça.
Estes povos devem olhar para a Islândia. Recusando curvar-se perante os interesses estrangeiros, este pequeno país afirmou, alto e a bom som, que o povo é soberano.
É por isso que já não aparece nas notícias.
Da mesma autora:
“Iceland’s Ongoing Revolution” http://www.greens.org/s-r/57/57-15.html
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
Ponto de vista sobre a Síria
Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
http://www.pelosocialismo.net
_____________________________________
Publicado em: http://www.initiative-communiste.fr/wordpress/?p=10427#more-10427
Tradução do francês de TAM
Colocado em linha em: 2012/02/06
Claude Beaulieu
[de regresso da Síria, Claude Beaulieu, do
Comité Valmy, testemunha]
Que se passa na Síria ? Algumas semanas depois da nossa visita a este país, os
franceses, nesta matéria como noutras, estão mais do que nunca dominados por uma
desinformação generalizada.
Uma permanente lavagem aos cérebros em imersão no pensamento único
ambiente, o jacto contínuo de mentiras e a falsificação da realidade síria, impostos
metodicamente ao povo da França pelos média da oligarquia no poder, tornam
impraticável, para a maioria dos cidadãos manipulados como nós somos, a
investigação crítica e o discernimento da verdade a respeito da situação política
complexa que se desenvolve neste país.
A trágica agressão, mediaticamente orquestrada, que atingiu recentemente o povo
líbio, demonstrou que, mesmo para alguns militantes que se reclamam de uma
cultura progressista e anti-imperialista, é fácil ser atingido pelos efeitos da
impregnação ideológica dominante e não resistir à pressão político-mediática da
frente americano-ocidental. A este propósito, o caso do NPA, que não é único, à
«esquerda da esquerda» em França, na sua divagação ideológica, é edificante. (1)
Desde 1945, os émulos de Goebbels realizaram imensos progressos na fabricação de
opiniões públicas, graças, em particular, ao seu domínio sobre os modernos meios de
comunicação e de propaganda.
A guerra ideológica contra os povos que o seu inimigo comum estadunidense e os
seus vassalos conduzem é desigual. Ela exige, pois, permanentemente, dos militantes
e das organizações anti-imperialistas, uma vigilância rigorosa e uma forte
mobilização, em primeiro lugar, nesta batalha de ideias. Torna urgente a reflexão
anti-imperialista individual e coletiva. A concertação e o debate militantes, assim
como a elaboração de esforços multiformes de frente unida numa escala
internacional, para fazer frente à guerra imperialista hoje permanente e que tende a
generalizar-se, tornaram-se indispensáveis e urgentes.
2
A visita à Síria e ao Líbano onde, em meados de novembro, tive ocasião de
acompanhar um grupo de jornalistas, foi muito rica em visitas a zonas sensíveis e em
possibilidades de apreciar a realidade política no local, a partir de encontros diversos
e do contributo de testemunhos preciosos. Esta experiência, se confirmou e reforçou
a minha apreciação prévia da situação na Síria, foi entretanto extremamente útil por
diferentes razões, a principal das quais foi ter-me permitido apreciar, ainda mais
concretamente, o nível sideral alcançado nos nossos dias pela estupro ideológico e
político-mediático dos povos em geral e do nosso povo francês em particular.
Reagindo à sua derrota no Iraque e àquela que se desenha no Afeganistão, Obama,
sempre obcecado pela perseguição quimérica de uma «nova aurora da liderança
americana», tal como os seus apaniguados, os verdadeiros detentores do poder na
oligarquia americano-ocidental, estão à procura de alternativas políticas susceptíveis,
segundo eles, de eternizar a sua ditadura mundializada, cujo futuro se adivinha
incerto. Escolheram especialmente desestruturar os estados-nação, que surgem como
a armadura das resistências e dos combates populares contra o imperialismo.
Esta estratégia geopolítica – que também se desenvolve entre nós em França, contra
a soberania nacional e popular, através da euroditadura atlantista e com
objetivos regionalistas, etnicista e supranacional – é paralelamente concretizada
contra os povos árabe-muçulmanos no relançamento das guerras de remodelação do
Grande Médio Oriente, já previsto pela administração de George W. Bush.
Existe um paralelismo evidente entre os objetivos supranacionais eurotransatlânticos
e a política de remodelação ocidentalista, que pretende desmembrar a Síria e outros
países árabes ou muçulmanos. Nos dois casos, o objetivo de domínio pretendido
implica a destruição das nações, muito particularmente no caso da Síria e no da
França.
No caso da Síria, trata-se de destruir uma nação que representa um obstáculo da
maior importância para os objetivos do imperialismo e da sua componente sionista. A
unidade nacional da Síria está profundamente enraizada numa história milenar
caraterizada, particularmente, por um hábito ancestral de vida em comum e de uma
aptidão para a coexistência fraterna entre sensibilidades religiosas. Segundo o
jornalista americano Webster Tarpley, que participava no nosso grupo, a sociedade
síria é a mais tolerante do Médio-Oriente.
Na sua maioria, os Sírios são patriotas convictos – independentemente das
suas pertenças religiosas – incluindo, ao que parece, os sunitas maioritariamente
favoráveis à unidade nacional. A minoria cristã está particularmente mobilizada
contra a guerra civil que poderia traduzir-se para si numa depuração confessional, a
exemplo do que aconteceu no Iraque.
É a riqueza desta realidade nacional específica, forjada num longo período histórico e
o patriotismo exemplar do povo sírio que daí decorre e que se torna percetível
concreta e permanentemente nos Sírios, que permitem um otimismo razoável em
relação ao futuro. Se o povo-nação da Síria não foi ainda manifestamente socorrido,
estou pessoalmente convencido de que, apoiando-se nas suas próprias forças
3
nacionais, culturais, progressistas e nas escolhas laicas, rejeitando o comunitarismo
confessional, triunfará no fim sobre os seus inimigos exteriores, assim como sobre os
seus agentes dos esquadrões da morte, infiltrados ou recrutados no interior. Poderá
também contar, no seu combate, com o apoio de numerosos amigos e aliados nos
estados que estão a ser conduzidos para o bloqueio da ameaça estadunidense e
ocidentalista, assim como com os povos do mundo, entre os quais a tomada de
consciência anti-imperialista progride.
Na oposição ao governo de Bachar el-Assad encontra-se logicamente uma
componente nacional, que recusa a guerra civil, a intervenção militar estrangeira e se
pronuncia a favor da independência e da soberania da Síria. É assim, por exemplo,
que Haytham Manaa, presidente da Coordenação nacional, que agrupa uma
tendência da oposição interna síria, acaba de se demarcar do Conselho nacional sírio,
vassalo da NATO. Afirmou a um jornal libanês, a propósito da Síria: «Nunca a
entregaremos à NATO, nunca ficará nas mãos dessa gente!». Existe, pois, na Síria
uma oposição que reivindica legitimamente mais liberdades democráticas. Mas que
não tem as mãos sujas de sangue e não está globalmente implicada nesta política
criminosa armada e organizada, dirigida e teleguiada do estrangeiro.
Quanto aos comunistas sírios, eles estão também no campo dos patriotas. Ao mesmo
tempo que combatem por reformas democráticas, pela recusa das privatizações e das
diretivas neoliberais do FMI, opõem-se à ingerência imperialista e aos elementos
favoráveis à guerra civil. O Partido Comunista Sírio (unificado) apelou a «juntar
forças para defender a pátria e levar a cabo as reformas necessárias».
Dois grupos distintos chegados em meados de novembro de 2011, por iniciativa de
cristãos estimulados por Agnès–Mariam de la Croix, religiosa patriota e militante
admirável da causa dos cristãos do oriente, viveram praticamente juntos esta estada
na Síria. O primeiro reunia alguns jornalistas, belgas na sua maioria, que tinham
manifestamente como missão impossível consolidar, através das suas reportagens, o
ponto de vista ocidentalista das suas redações. O segundo grupo era composto por
militantes anti-imperialistas comprometidos com a resistência à desinformação e a
busca de uma alternativa de comunicação ideologicamente rebelde à alienação
ideológica dominante. Os dois grupos beneficiaram dos contactos e do excelente
conhecimento da situação na Síria e no Líbano do militante anti-imperialista Thierry
Meyssan e da Réseau Voltaire.
A observação essencial que o nosso grupo anti-imperialista retirou desta experiência
excecional é que os dirigentes estadunidenses e os seus vassalos mais servis (como os
Juppé e Sarkozy, utilizados, de novo, com o seu alter ego, o emir do Qatar, como as
primeiras lanças da máfia americano-ocidental) não conseguiram até aqui
desencadear uma guerra civil na Síria, apesar dos seus esforços encarniçados e de
todos os milhões que eles distribuem em abundância para o conseguir.
Sublinhamos o caráter antidemocrático da desinformação praticada em
grande escala pelos média do sistema americano-ocidental e a sua utilização
metódica da mentira, incluindo a manipulação de imagens ou o travestimento do
conteúdo real de certas reportagens televisivas: não é invulgar a exibição de vídeos de
4
manifestações de massas favoráveis a Assad e apresentá-las fraudulentamente como
sendo de facto da oposição. É da mesma forma metódica que se sobreavalia a
importância das manifestações da oposição síria.
O que nós pudemos observar no local em novembro era totalmente contrário à
propaganda mediática ocidental, que martelava no tema da guerra civil, nas
manifestações de massas da oposição, na sua repressão sangrenta, que teria
provocado milhares de mortos. Vimos claramente uma importante manifestação de
massas em Damasco, mas era a favor de Bachar el-Assad e abertamente hostil ao
islamismo radical e à desintegração da Síria laica em comunidades religiosas
antagónicas.
O que vimos claramente é que, se naquela época não houvesse nem manifestações de
massas significativas da oposição, nem massacre de populações indefesas, nem
guerra civil, certas forças ter-se-iam aplicado com a melhor vontade a provocá-la, na
base interconfessional, procurando suscitar confrontos entre as diferentes
comunidades religiosas que, no dia-a-dia, convivem pacificamente. Estas forças
externas e internas, entre as quais estão os Irmãos Muçulmanos, têm estado
arredadas até agora, graças à maturidade do povo sírio e à sua vontade maioritária de
unidade nacional.
Em Homs e Baniyas, especialmente, pudemos dar conta, através de testemunhos
diretos de civis, cujos entes próximos foram vítimas de raptos, e de militares feridos
pelos atiradores furtivos ou em emboscadas, como são duras e cruéis as provas por
que o povo sírio tem tido de passar. Mais de 1100 militares foram também
assassinados e a maior parte dos mortos, segundo o governo sírio, não pertencia à
oposição.
A este respeito é necessário sublinhar que o número de mortos apontado pelos
média do sistema e da ONU, parcialmente sob controlo da NATO, é
incontrolável e não tem fundamento real. A informação é fornecida de modo
arbitrário por um chamado Observatório sírio dos direitos do homem (Osdh). Este,
com sede em Londres, é um escritório controlado pelos Irmãos Muçulmanos. Esta
organização está, pública e notoriamente, em contacto direto com o Ministério dos
Negócios Estrangeiros britânico. Além disso, o Osdh é financiado pelo National
Endowment for Democracy, organização que retira, ela própria, os seus recursos do
Congresso dos Estados Unidos. Isto confirma, pois, a pertinência da observação de
um dos nossos interlocutores, a propósito do aparecimento de um islamismo
atlântico que não é, como vemos, apenas uma especialidade turca.
A população síria é alvo de ataques assassinos muito duros resultantes da
aplicação de uma estratégia de tensão destinada a desestabilizar o país. Alternada ou
paralelamente, sobretudo nas cidades sensíveis, são cometidos assassinatos
seleccionados por gangues, nos bairros onde dominam as diferentes sensibilidades
religiosas. O povo resiste e, em geral, não se deixa manipular. Um dos nossos
interlocutores dizia-nos que, segundo ele, os sírios estavam dispostos a sofrer
sacrifícios incríveis e horrendos. Estes assassinatos e agora os atentados à bomba,
como os de Damasco, são principalmente obra de bandos armados vindos do
5
exterior, infiltrados a partir de diferentes fronteiras da Síria. Estes grupos terroristas
são compostos por extremistas muçulmanos árabes, oriundos de diversos países, mas
também aí se encontram Pashtunes. Estes esquadrões da morte, a troco de dinheiro,
recrutam também assassinos no local (em particular no lumpenproletariado e
especialmente entre antigos traficantes de droga) que são pagos por cada assassinato
realizado.
Este movimento radical não foi capaz, apesar da ajuda externa,
especialmente dos turcos, de realizar o seu objetivo: criar pelo menos
uma base perto de uma fronteira, como ponto de apoio no interior da Síria.
Causa desgastes humanos e materiais consideráveis, mas situa-se agora, claramente,
numa perspetiva de marginalização provavelmente irreversível.
Em 6 de janeiro de 2012, o chamado Conselho Nacional Sírio deu mais um
passo na traição nacional, lançando um apelo à intervenção estrangeira na Síria,
em primeiro lugar à francesa, a fim de criar zonas de penetração ditas de segurança,
ou zonas tampão. O CNS apela a uma intervenção militar internacional que
começaria por uma campanha de raides aéreos preventivos, como na Líbia. Para o
CNS poderiam ser levados a cabo por aviões franceses, britânicos, turcos ou qataris.
O CNS colocou-se assim em estado de total vassalagem ao serviço dos objetivos da
NATO.
Os atentados cegos à bomba, que indicam o recurso a massacres semelhantes aos
do Iraque, não são um sinal de força e também não deveriam melhorar a imagem
desta fração do Islão, que se colocou ao serviço da estratégia geopolítica americanoocidental.
Muito pelo contrário, o radicalismo extremista em curso poderia ter como
consequência acelerar o diálogo já iniciado entre os sírios, assim como a aplicação de
reformas democráticas e sociais que eles possam desejar e que não devem relevar-se,
em princípio, na Síria como em qualquer outro país, senão da soberania nacional e
popular (soberania popular e independência de que a França hoje está privada por
causa da euroditadura).
A violência extremista, que muda de dimensão em função da estratégia da tensão e do
nível de terror pretendido, deveria também ser suscetível de estimular ainda mais a
reflexão patriótica do povo sírio e favorecer a vasta unidade popular maioritária que
se desenha.
Em julho de 2011, o parlamento sírio legalizou a existência de partidos da oposição
que não deverão assentar em bases religiosas ou tribais, terem origem num partido
ou numa organização não síria e serem obrigados a respeitar, em particular, a
Declaração Universal dos Direitos do Homem. De resto, foram libertados numerosos
prisioneiros, como exigiam especialmente os comunistas, e no domingo, 15 de
janeiro, foi anunciada uma amnistia geral.
No seu discurso de 10 de janeiro, Bachar el-Assad proclamou diversas reformas,
entre as quais a elaboração de uma nova constituição, que determinará a passagem
efetiva ao multipartidarismo e consagrará o princípio da soberania popular. Este
projeto de constituição será submetido a um referendo, imediatamente seguido de
6
eleições legislativas.
Estas mudanças da maior importância, em gestação ou já em aplicação, poderiam ser
aproveitadas pelo conjunto dos verdadeiros patriotas sírios, qualquer que seja o seu
posicionamento individual ou colectivo em relação ao governo ou à oposição não
violenta, para a procura comum de uma via de unidade nacional e de progresso
democrático e social. Esta convergência patriótica é potencialmente maioritária e
capaz de evitar, ao mesmo tempo, ao país a guerra civil e a agressão imperialista.
(1) França : O Novo Partido Anticapitalista apoia uma intervenção imperialista na
Síria.
Artigo publicado por Dragan MIRIANOVIC, em 18 de janeiro de 2012.
Questões político-ideológicas com atualidade
http://www.pelosocialismo.net
_____________________________________
Publicado em: http://www.initiative-communiste.fr/wordpress/?p=10427#more-10427
Tradução do francês de TAM
Colocado em linha em: 2012/02/06
Claude Beaulieu
[de regresso da Síria, Claude Beaulieu, do
Comité Valmy, testemunha]
Que se passa na Síria ? Algumas semanas depois da nossa visita a este país, os
franceses, nesta matéria como noutras, estão mais do que nunca dominados por uma
desinformação generalizada.
Uma permanente lavagem aos cérebros em imersão no pensamento único
ambiente, o jacto contínuo de mentiras e a falsificação da realidade síria, impostos
metodicamente ao povo da França pelos média da oligarquia no poder, tornam
impraticável, para a maioria dos cidadãos manipulados como nós somos, a
investigação crítica e o discernimento da verdade a respeito da situação política
complexa que se desenvolve neste país.
A trágica agressão, mediaticamente orquestrada, que atingiu recentemente o povo
líbio, demonstrou que, mesmo para alguns militantes que se reclamam de uma
cultura progressista e anti-imperialista, é fácil ser atingido pelos efeitos da
impregnação ideológica dominante e não resistir à pressão político-mediática da
frente americano-ocidental. A este propósito, o caso do NPA, que não é único, à
«esquerda da esquerda» em França, na sua divagação ideológica, é edificante. (1)
Desde 1945, os émulos de Goebbels realizaram imensos progressos na fabricação de
opiniões públicas, graças, em particular, ao seu domínio sobre os modernos meios de
comunicação e de propaganda.
A guerra ideológica contra os povos que o seu inimigo comum estadunidense e os
seus vassalos conduzem é desigual. Ela exige, pois, permanentemente, dos militantes
e das organizações anti-imperialistas, uma vigilância rigorosa e uma forte
mobilização, em primeiro lugar, nesta batalha de ideias. Torna urgente a reflexão
anti-imperialista individual e coletiva. A concertação e o debate militantes, assim
como a elaboração de esforços multiformes de frente unida numa escala
internacional, para fazer frente à guerra imperialista hoje permanente e que tende a
generalizar-se, tornaram-se indispensáveis e urgentes.
2
A visita à Síria e ao Líbano onde, em meados de novembro, tive ocasião de
acompanhar um grupo de jornalistas, foi muito rica em visitas a zonas sensíveis e em
possibilidades de apreciar a realidade política no local, a partir de encontros diversos
e do contributo de testemunhos preciosos. Esta experiência, se confirmou e reforçou
a minha apreciação prévia da situação na Síria, foi entretanto extremamente útil por
diferentes razões, a principal das quais foi ter-me permitido apreciar, ainda mais
concretamente, o nível sideral alcançado nos nossos dias pela estupro ideológico e
político-mediático dos povos em geral e do nosso povo francês em particular.
Reagindo à sua derrota no Iraque e àquela que se desenha no Afeganistão, Obama,
sempre obcecado pela perseguição quimérica de uma «nova aurora da liderança
americana», tal como os seus apaniguados, os verdadeiros detentores do poder na
oligarquia americano-ocidental, estão à procura de alternativas políticas susceptíveis,
segundo eles, de eternizar a sua ditadura mundializada, cujo futuro se adivinha
incerto. Escolheram especialmente desestruturar os estados-nação, que surgem como
a armadura das resistências e dos combates populares contra o imperialismo.
Esta estratégia geopolítica – que também se desenvolve entre nós em França, contra
a soberania nacional e popular, através da euroditadura atlantista e com
objetivos regionalistas, etnicista e supranacional – é paralelamente concretizada
contra os povos árabe-muçulmanos no relançamento das guerras de remodelação do
Grande Médio Oriente, já previsto pela administração de George W. Bush.
Existe um paralelismo evidente entre os objetivos supranacionais eurotransatlânticos
e a política de remodelação ocidentalista, que pretende desmembrar a Síria e outros
países árabes ou muçulmanos. Nos dois casos, o objetivo de domínio pretendido
implica a destruição das nações, muito particularmente no caso da Síria e no da
França.
No caso da Síria, trata-se de destruir uma nação que representa um obstáculo da
maior importância para os objetivos do imperialismo e da sua componente sionista. A
unidade nacional da Síria está profundamente enraizada numa história milenar
caraterizada, particularmente, por um hábito ancestral de vida em comum e de uma
aptidão para a coexistência fraterna entre sensibilidades religiosas. Segundo o
jornalista americano Webster Tarpley, que participava no nosso grupo, a sociedade
síria é a mais tolerante do Médio-Oriente.
Na sua maioria, os Sírios são patriotas convictos – independentemente das
suas pertenças religiosas – incluindo, ao que parece, os sunitas maioritariamente
favoráveis à unidade nacional. A minoria cristã está particularmente mobilizada
contra a guerra civil que poderia traduzir-se para si numa depuração confessional, a
exemplo do que aconteceu no Iraque.
É a riqueza desta realidade nacional específica, forjada num longo período histórico e
o patriotismo exemplar do povo sírio que daí decorre e que se torna percetível
concreta e permanentemente nos Sírios, que permitem um otimismo razoável em
relação ao futuro. Se o povo-nação da Síria não foi ainda manifestamente socorrido,
estou pessoalmente convencido de que, apoiando-se nas suas próprias forças
3
nacionais, culturais, progressistas e nas escolhas laicas, rejeitando o comunitarismo
confessional, triunfará no fim sobre os seus inimigos exteriores, assim como sobre os
seus agentes dos esquadrões da morte, infiltrados ou recrutados no interior. Poderá
também contar, no seu combate, com o apoio de numerosos amigos e aliados nos
estados que estão a ser conduzidos para o bloqueio da ameaça estadunidense e
ocidentalista, assim como com os povos do mundo, entre os quais a tomada de
consciência anti-imperialista progride.
Na oposição ao governo de Bachar el-Assad encontra-se logicamente uma
componente nacional, que recusa a guerra civil, a intervenção militar estrangeira e se
pronuncia a favor da independência e da soberania da Síria. É assim, por exemplo,
que Haytham Manaa, presidente da Coordenação nacional, que agrupa uma
tendência da oposição interna síria, acaba de se demarcar do Conselho nacional sírio,
vassalo da NATO. Afirmou a um jornal libanês, a propósito da Síria: «Nunca a
entregaremos à NATO, nunca ficará nas mãos dessa gente!». Existe, pois, na Síria
uma oposição que reivindica legitimamente mais liberdades democráticas. Mas que
não tem as mãos sujas de sangue e não está globalmente implicada nesta política
criminosa armada e organizada, dirigida e teleguiada do estrangeiro.
Quanto aos comunistas sírios, eles estão também no campo dos patriotas. Ao mesmo
tempo que combatem por reformas democráticas, pela recusa das privatizações e das
diretivas neoliberais do FMI, opõem-se à ingerência imperialista e aos elementos
favoráveis à guerra civil. O Partido Comunista Sírio (unificado) apelou a «juntar
forças para defender a pátria e levar a cabo as reformas necessárias».
Dois grupos distintos chegados em meados de novembro de 2011, por iniciativa de
cristãos estimulados por Agnès–Mariam de la Croix, religiosa patriota e militante
admirável da causa dos cristãos do oriente, viveram praticamente juntos esta estada
na Síria. O primeiro reunia alguns jornalistas, belgas na sua maioria, que tinham
manifestamente como missão impossível consolidar, através das suas reportagens, o
ponto de vista ocidentalista das suas redações. O segundo grupo era composto por
militantes anti-imperialistas comprometidos com a resistência à desinformação e a
busca de uma alternativa de comunicação ideologicamente rebelde à alienação
ideológica dominante. Os dois grupos beneficiaram dos contactos e do excelente
conhecimento da situação na Síria e no Líbano do militante anti-imperialista Thierry
Meyssan e da Réseau Voltaire.
A observação essencial que o nosso grupo anti-imperialista retirou desta experiência
excecional é que os dirigentes estadunidenses e os seus vassalos mais servis (como os
Juppé e Sarkozy, utilizados, de novo, com o seu alter ego, o emir do Qatar, como as
primeiras lanças da máfia americano-ocidental) não conseguiram até aqui
desencadear uma guerra civil na Síria, apesar dos seus esforços encarniçados e de
todos os milhões que eles distribuem em abundância para o conseguir.
Sublinhamos o caráter antidemocrático da desinformação praticada em
grande escala pelos média do sistema americano-ocidental e a sua utilização
metódica da mentira, incluindo a manipulação de imagens ou o travestimento do
conteúdo real de certas reportagens televisivas: não é invulgar a exibição de vídeos de
4
manifestações de massas favoráveis a Assad e apresentá-las fraudulentamente como
sendo de facto da oposição. É da mesma forma metódica que se sobreavalia a
importância das manifestações da oposição síria.
O que nós pudemos observar no local em novembro era totalmente contrário à
propaganda mediática ocidental, que martelava no tema da guerra civil, nas
manifestações de massas da oposição, na sua repressão sangrenta, que teria
provocado milhares de mortos. Vimos claramente uma importante manifestação de
massas em Damasco, mas era a favor de Bachar el-Assad e abertamente hostil ao
islamismo radical e à desintegração da Síria laica em comunidades religiosas
antagónicas.
O que vimos claramente é que, se naquela época não houvesse nem manifestações de
massas significativas da oposição, nem massacre de populações indefesas, nem
guerra civil, certas forças ter-se-iam aplicado com a melhor vontade a provocá-la, na
base interconfessional, procurando suscitar confrontos entre as diferentes
comunidades religiosas que, no dia-a-dia, convivem pacificamente. Estas forças
externas e internas, entre as quais estão os Irmãos Muçulmanos, têm estado
arredadas até agora, graças à maturidade do povo sírio e à sua vontade maioritária de
unidade nacional.
Em Homs e Baniyas, especialmente, pudemos dar conta, através de testemunhos
diretos de civis, cujos entes próximos foram vítimas de raptos, e de militares feridos
pelos atiradores furtivos ou em emboscadas, como são duras e cruéis as provas por
que o povo sírio tem tido de passar. Mais de 1100 militares foram também
assassinados e a maior parte dos mortos, segundo o governo sírio, não pertencia à
oposição.
A este respeito é necessário sublinhar que o número de mortos apontado pelos
média do sistema e da ONU, parcialmente sob controlo da NATO, é
incontrolável e não tem fundamento real. A informação é fornecida de modo
arbitrário por um chamado Observatório sírio dos direitos do homem (Osdh). Este,
com sede em Londres, é um escritório controlado pelos Irmãos Muçulmanos. Esta
organização está, pública e notoriamente, em contacto direto com o Ministério dos
Negócios Estrangeiros britânico. Além disso, o Osdh é financiado pelo National
Endowment for Democracy, organização que retira, ela própria, os seus recursos do
Congresso dos Estados Unidos. Isto confirma, pois, a pertinência da observação de
um dos nossos interlocutores, a propósito do aparecimento de um islamismo
atlântico que não é, como vemos, apenas uma especialidade turca.
A população síria é alvo de ataques assassinos muito duros resultantes da
aplicação de uma estratégia de tensão destinada a desestabilizar o país. Alternada ou
paralelamente, sobretudo nas cidades sensíveis, são cometidos assassinatos
seleccionados por gangues, nos bairros onde dominam as diferentes sensibilidades
religiosas. O povo resiste e, em geral, não se deixa manipular. Um dos nossos
interlocutores dizia-nos que, segundo ele, os sírios estavam dispostos a sofrer
sacrifícios incríveis e horrendos. Estes assassinatos e agora os atentados à bomba,
como os de Damasco, são principalmente obra de bandos armados vindos do
5
exterior, infiltrados a partir de diferentes fronteiras da Síria. Estes grupos terroristas
são compostos por extremistas muçulmanos árabes, oriundos de diversos países, mas
também aí se encontram Pashtunes. Estes esquadrões da morte, a troco de dinheiro,
recrutam também assassinos no local (em particular no lumpenproletariado e
especialmente entre antigos traficantes de droga) que são pagos por cada assassinato
realizado.
Este movimento radical não foi capaz, apesar da ajuda externa,
especialmente dos turcos, de realizar o seu objetivo: criar pelo menos
uma base perto de uma fronteira, como ponto de apoio no interior da Síria.
Causa desgastes humanos e materiais consideráveis, mas situa-se agora, claramente,
numa perspetiva de marginalização provavelmente irreversível.
Em 6 de janeiro de 2012, o chamado Conselho Nacional Sírio deu mais um
passo na traição nacional, lançando um apelo à intervenção estrangeira na Síria,
em primeiro lugar à francesa, a fim de criar zonas de penetração ditas de segurança,
ou zonas tampão. O CNS apela a uma intervenção militar internacional que
começaria por uma campanha de raides aéreos preventivos, como na Líbia. Para o
CNS poderiam ser levados a cabo por aviões franceses, britânicos, turcos ou qataris.
O CNS colocou-se assim em estado de total vassalagem ao serviço dos objetivos da
NATO.
Os atentados cegos à bomba, que indicam o recurso a massacres semelhantes aos
do Iraque, não são um sinal de força e também não deveriam melhorar a imagem
desta fração do Islão, que se colocou ao serviço da estratégia geopolítica americanoocidental.
Muito pelo contrário, o radicalismo extremista em curso poderia ter como
consequência acelerar o diálogo já iniciado entre os sírios, assim como a aplicação de
reformas democráticas e sociais que eles possam desejar e que não devem relevar-se,
em princípio, na Síria como em qualquer outro país, senão da soberania nacional e
popular (soberania popular e independência de que a França hoje está privada por
causa da euroditadura).
A violência extremista, que muda de dimensão em função da estratégia da tensão e do
nível de terror pretendido, deveria também ser suscetível de estimular ainda mais a
reflexão patriótica do povo sírio e favorecer a vasta unidade popular maioritária que
se desenha.
Em julho de 2011, o parlamento sírio legalizou a existência de partidos da oposição
que não deverão assentar em bases religiosas ou tribais, terem origem num partido
ou numa organização não síria e serem obrigados a respeitar, em particular, a
Declaração Universal dos Direitos do Homem. De resto, foram libertados numerosos
prisioneiros, como exigiam especialmente os comunistas, e no domingo, 15 de
janeiro, foi anunciada uma amnistia geral.
No seu discurso de 10 de janeiro, Bachar el-Assad proclamou diversas reformas,
entre as quais a elaboração de uma nova constituição, que determinará a passagem
efetiva ao multipartidarismo e consagrará o princípio da soberania popular. Este
projeto de constituição será submetido a um referendo, imediatamente seguido de
6
eleições legislativas.
Estas mudanças da maior importância, em gestação ou já em aplicação, poderiam ser
aproveitadas pelo conjunto dos verdadeiros patriotas sírios, qualquer que seja o seu
posicionamento individual ou colectivo em relação ao governo ou à oposição não
violenta, para a procura comum de uma via de unidade nacional e de progresso
democrático e social. Esta convergência patriótica é potencialmente maioritária e
capaz de evitar, ao mesmo tempo, ao país a guerra civil e a agressão imperialista.
(1) França : O Novo Partido Anticapitalista apoia uma intervenção imperialista na
Síria.
Artigo publicado por Dragan MIRIANOVIC, em 18 de janeiro de 2012.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
J. Edgar e o terrorismo do filme
por Jared Ball [*]
J. Edgar, o novo filme de Clint Eastwood, é um verdadeiro filme de terror, é um acto de violência, um acto de terrorismo. A cuidadosa construção do filme sobre J. Edgar Hoover, fundador do FBI, como um herói com defeitos sim mas justificáveis, em vez dum canalha a desempenhar as tarefas de uma instituição canalha atingiu as salas de cinema com a precisão rigorosa de um drone predador telecomandado e com igual intenção política.
Enquanto antigos antagonismos provocam novas e ameaçadoras reacções, enquanto surgem novas gerações que, por sua vez, fazem perguntas sérias sobre o planeta, a igualdade, a justiça e a auto-determinação, sejam ocupantes ou descolonizadores, Hoover regressa da morte para lembrar aos liberais, aos ricos, ao Branco que o seu lugar no topo da pirâmide social é legítimo e deve ser protegido a qualquer custo. E seja o que for que disserem, eles adoram-no.
E é por isso que grande parte da discussão em torno do filme está concentrada na vida sexual de Hoover, digna de um prémio de representação. Uma ignorância intencional permite que se admire uma tal monstruosidade política. Desde o início, Hoover é representado positivamente como um organizador bem necessário e severo da imposição da lei, um protegido dos ataques do advogado General Palmer, contra os violentos terroristas radicais da época.
E, em conformidade com o modo e a função dos meios de comunicação convencionais, esses dissidentes não merecem qualquer contexto, descrição ou reflexão honesta. Os bolcheviques, os anarquistas e os activistas dos movimentos laborais quase não são referidos e apenas quando necessário para legitimar o desejo de Hoover de catalogar e vigiar todos os cidadãos para depois deportar, aprisionar fraudulentamente ou assassinar aqueles que considera ameaças para a segurança nacional.
E, obviamente, apenas a violência deles é uma violência real. Claro que a violência da exploração capitalista e das guerras imperialistas não são postas em questão. Não. Só as acções dos inimigos são questionáveis. O que acaba por ficar sem ser posto em causa é a tentativa correcta, mesmo que imperfeitamente executada, do estado e de Hoover para pôr em ordem o trabalho da polícia e uma sociedade destinada por direito divino a ser acima de tudo Branca e capitalista.
Assim, o filme faz apenas uma breve e menor referência aos radicais Brancos. Os activistas negros nem sequer aparecem. E porque haviam de aparecer? Os Brancos radicais, como Emma Goldman, apenas aparecem rapidamente no ecrã para justificar a hostilidade actual para com os imigrantes e as chamadas campanhas anti-terrorismo. A deportação de Goldman e a referência de passagem aos anarquistas assassinados Sacco e Vanzetti, que nunca são referidos pelo nome mas apenas como os "dois italianos", apenas servem para conferir legitimidade a Hoover no passado e aos assassínios premeditados, detenções e políticas de imigração do presente.
Deportar aqueles que não é possível matar. Feito isso, nem sequer há necessidade de referir, por exemplo, Hubert Henry Harrison ou Marcus Garvey, ambos alvos precoces de Hoover, a quem ele chamava "chulos racistas" e "conhecidos agitadores pretos".
E, por causa duma necessidade inexplicável deste filme em se ater aos aspectos mundanos da carreira de Hoover, o filme dá-se ao luxo de pura e simplesmente esgotar o seu tempo. Assim, gasta infindáveis minutos com o rapto do bebé de Lindbergh – sem qualquer referência às crenças de Charles Lindbergh sobre a eugenia e o nazismo – juntamente com uma visão íntima sobre a vida pessoal de Hoover com a sua mãe e com o companheiro dele, o que garante ficarmos sem nada saber sobre o Partido dos Panteras Negras, ou sobre a vigilância e deportação de pessoas como Claudia Jones e C.L.R. James, ou sobre a culpabilidade nos assassínios de, digamos, Malcom X e Fred Hampton (para só falar destes). O Dr. King só aparece como antecedente pornográfico, a sua política e assassínio parecem ser irrelevantes. E a palavra "contra-informação" é referida no filme apenas uma vez mas não como o Programa de Contra Informação de Hoover e obviamente sem qualquer análise do impacto continuado desse programa. Portanto, claro que não podia existir qualquer referência ao envolvimento directo de Hoover nas tramóias incriminando negros radicais por crimes que não praticaram mas pelos quais alguns continuam encarcerados, ainda hoje, em 2011.
Muito em especial numa altura de poder policial militarista ampliado e de profundo encanto de um presidente imperialista, este filme representa um ataque violento contra a história com o objectivo de aterrorizar as audiências de hoje reforçando um medo irracional do estado ou uma justificação igualmente irracional para aquilo que o estado faz para sua própria preservação. Não se trata de um simples drama histórico, é um aviso flagrante para a actualidade. Os imigrantes e os radicais têm que ser vigiados, deportados, mortos ou aprisionados e tudo isso por uma boa razão, ou seja, os Estados Unidos.
06/Dezembro/2011
[*] Autor de Mix What I Like! A Mixtape Manifesto e é professor associado de estudos de comunicação na Morgan State University.
O original encontra-se em http://www.blackagendareport.com/content/j-edgar-and-terrorism-film . Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
J. Edgar, o novo filme de Clint Eastwood, é um verdadeiro filme de terror, é um acto de violência, um acto de terrorismo. A cuidadosa construção do filme sobre J. Edgar Hoover, fundador do FBI, como um herói com defeitos sim mas justificáveis, em vez dum canalha a desempenhar as tarefas de uma instituição canalha atingiu as salas de cinema com a precisão rigorosa de um drone predador telecomandado e com igual intenção política.
Enquanto antigos antagonismos provocam novas e ameaçadoras reacções, enquanto surgem novas gerações que, por sua vez, fazem perguntas sérias sobre o planeta, a igualdade, a justiça e a auto-determinação, sejam ocupantes ou descolonizadores, Hoover regressa da morte para lembrar aos liberais, aos ricos, ao Branco que o seu lugar no topo da pirâmide social é legítimo e deve ser protegido a qualquer custo. E seja o que for que disserem, eles adoram-no.
E é por isso que grande parte da discussão em torno do filme está concentrada na vida sexual de Hoover, digna de um prémio de representação. Uma ignorância intencional permite que se admire uma tal monstruosidade política. Desde o início, Hoover é representado positivamente como um organizador bem necessário e severo da imposição da lei, um protegido dos ataques do advogado General Palmer, contra os violentos terroristas radicais da época.
E, em conformidade com o modo e a função dos meios de comunicação convencionais, esses dissidentes não merecem qualquer contexto, descrição ou reflexão honesta. Os bolcheviques, os anarquistas e os activistas dos movimentos laborais quase não são referidos e apenas quando necessário para legitimar o desejo de Hoover de catalogar e vigiar todos os cidadãos para depois deportar, aprisionar fraudulentamente ou assassinar aqueles que considera ameaças para a segurança nacional.
E, obviamente, apenas a violência deles é uma violência real. Claro que a violência da exploração capitalista e das guerras imperialistas não são postas em questão. Não. Só as acções dos inimigos são questionáveis. O que acaba por ficar sem ser posto em causa é a tentativa correcta, mesmo que imperfeitamente executada, do estado e de Hoover para pôr em ordem o trabalho da polícia e uma sociedade destinada por direito divino a ser acima de tudo Branca e capitalista.
Assim, o filme faz apenas uma breve e menor referência aos radicais Brancos. Os activistas negros nem sequer aparecem. E porque haviam de aparecer? Os Brancos radicais, como Emma Goldman, apenas aparecem rapidamente no ecrã para justificar a hostilidade actual para com os imigrantes e as chamadas campanhas anti-terrorismo. A deportação de Goldman e a referência de passagem aos anarquistas assassinados Sacco e Vanzetti, que nunca são referidos pelo nome mas apenas como os "dois italianos", apenas servem para conferir legitimidade a Hoover no passado e aos assassínios premeditados, detenções e políticas de imigração do presente.
Deportar aqueles que não é possível matar. Feito isso, nem sequer há necessidade de referir, por exemplo, Hubert Henry Harrison ou Marcus Garvey, ambos alvos precoces de Hoover, a quem ele chamava "chulos racistas" e "conhecidos agitadores pretos".
E, por causa duma necessidade inexplicável deste filme em se ater aos aspectos mundanos da carreira de Hoover, o filme dá-se ao luxo de pura e simplesmente esgotar o seu tempo. Assim, gasta infindáveis minutos com o rapto do bebé de Lindbergh – sem qualquer referência às crenças de Charles Lindbergh sobre a eugenia e o nazismo – juntamente com uma visão íntima sobre a vida pessoal de Hoover com a sua mãe e com o companheiro dele, o que garante ficarmos sem nada saber sobre o Partido dos Panteras Negras, ou sobre a vigilância e deportação de pessoas como Claudia Jones e C.L.R. James, ou sobre a culpabilidade nos assassínios de, digamos, Malcom X e Fred Hampton (para só falar destes). O Dr. King só aparece como antecedente pornográfico, a sua política e assassínio parecem ser irrelevantes. E a palavra "contra-informação" é referida no filme apenas uma vez mas não como o Programa de Contra Informação de Hoover e obviamente sem qualquer análise do impacto continuado desse programa. Portanto, claro que não podia existir qualquer referência ao envolvimento directo de Hoover nas tramóias incriminando negros radicais por crimes que não praticaram mas pelos quais alguns continuam encarcerados, ainda hoje, em 2011.
Muito em especial numa altura de poder policial militarista ampliado e de profundo encanto de um presidente imperialista, este filme representa um ataque violento contra a história com o objectivo de aterrorizar as audiências de hoje reforçando um medo irracional do estado ou uma justificação igualmente irracional para aquilo que o estado faz para sua própria preservação. Não se trata de um simples drama histórico, é um aviso flagrante para a actualidade. Os imigrantes e os radicais têm que ser vigiados, deportados, mortos ou aprisionados e tudo isso por uma boa razão, ou seja, os Estados Unidos.
06/Dezembro/2011
[*] Autor de Mix What I Like! A Mixtape Manifesto e é professor associado de estudos de comunicação na Morgan State University.
O original encontra-se em http://www.blackagendareport.com/content/j-edgar-and-terrorism-film . Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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