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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

J. Edgar e o terrorismo do filme

por Jared Ball [*]

J. Edgar, o novo filme de Clint Eastwood, é um verdadeiro filme de terror, é um acto de violência, um acto de terrorismo. A cuidadosa construção do filme sobre J. Edgar Hoover, fundador do FBI, como um herói com defeitos sim mas justificáveis, em vez dum canalha a desempenhar as tarefas de uma instituição canalha atingiu as salas de cinema com a precisão rigorosa de um drone predador telecomandado e com igual intenção política.



Enquanto antigos antagonismos provocam novas e ameaçadoras reacções, enquanto surgem novas gerações que, por sua vez, fazem perguntas sérias sobre o planeta, a igualdade, a justiça e a auto-determinação, sejam ocupantes ou descolonizadores, Hoover regressa da morte para lembrar aos liberais, aos ricos, ao Branco que o seu lugar no topo da pirâmide social é legítimo e deve ser protegido a qualquer custo. E seja o que for que disserem, eles adoram-no.



E é por isso que grande parte da discussão em torno do filme está concentrada na vida sexual de Hoover, digna de um prémio de representação. Uma ignorância intencional permite que se admire uma tal monstruosidade política. Desde o início, Hoover é representado positivamente como um organizador bem necessário e severo da imposição da lei, um protegido dos ataques do advogado General Palmer, contra os violentos terroristas radicais da época.



E, em conformidade com o modo e a função dos meios de comunicação convencionais, esses dissidentes não merecem qualquer contexto, descrição ou reflexão honesta. Os bolcheviques, os anarquistas e os activistas dos movimentos laborais quase não são referidos e apenas quando necessário para legitimar o desejo de Hoover de catalogar e vigiar todos os cidadãos para depois deportar, aprisionar fraudulentamente ou assassinar aqueles que considera ameaças para a segurança nacional.



E, obviamente, apenas a violência deles é uma violência real. Claro que a violência da exploração capitalista e das guerras imperialistas não são postas em questão. Não. Só as acções dos inimigos são questionáveis. O que acaba por ficar sem ser posto em causa é a tentativa correcta, mesmo que imperfeitamente executada, do estado e de Hoover para pôr em ordem o trabalho da polícia e uma sociedade destinada por direito divino a ser acima de tudo Branca e capitalista.



Assim, o filme faz apenas uma breve e menor referência aos radicais Brancos. Os activistas negros nem sequer aparecem. E porque haviam de aparecer? Os Brancos radicais, como Emma Goldman, apenas aparecem rapidamente no ecrã para justificar a hostilidade actual para com os imigrantes e as chamadas campanhas anti-terrorismo. A deportação de Goldman e a referência de passagem aos anarquistas assassinados Sacco e Vanzetti, que nunca são referidos pelo nome mas apenas como os "dois italianos", apenas servem para conferir legitimidade a Hoover no passado e aos assassínios premeditados, detenções e políticas de imigração do presente.



Deportar aqueles que não é possível matar. Feito isso, nem sequer há necessidade de referir, por exemplo, Hubert Henry Harrison ou Marcus Garvey, ambos alvos precoces de Hoover, a quem ele chamava "chulos racistas" e "conhecidos agitadores pretos".



E, por causa duma necessidade inexplicável deste filme em se ater aos aspectos mundanos da carreira de Hoover, o filme dá-se ao luxo de pura e simplesmente esgotar o seu tempo. Assim, gasta infindáveis minutos com o rapto do bebé de Lindbergh – sem qualquer referência às crenças de Charles Lindbergh sobre a eugenia e o nazismo – juntamente com uma visão íntima sobre a vida pessoal de Hoover com a sua mãe e com o companheiro dele, o que garante ficarmos sem nada saber sobre o Partido dos Panteras Negras, ou sobre a vigilância e deportação de pessoas como Claudia Jones e C.L.R. James, ou sobre a culpabilidade nos assassínios de, digamos, Malcom X e Fred Hampton (para só falar destes). O Dr. King só aparece como antecedente pornográfico, a sua política e assassínio parecem ser irrelevantes. E a palavra "contra-informação" é referida no filme apenas uma vez mas não como o Programa de Contra Informação de Hoover e obviamente sem qualquer análise do impacto continuado desse programa. Portanto, claro que não podia existir qualquer referência ao envolvimento directo de Hoover nas tramóias incriminando negros radicais por crimes que não praticaram mas pelos quais alguns continuam encarcerados, ainda hoje, em 2011.



Muito em especial numa altura de poder policial militarista ampliado e de profundo encanto de um presidente imperialista, este filme representa um ataque violento contra a história com o objectivo de aterrorizar as audiências de hoje reforçando um medo irracional do estado ou uma justificação igualmente irracional para aquilo que o estado faz para sua própria preservação. Não se trata de um simples drama histórico, é um aviso flagrante para a actualidade. Os imigrantes e os radicais têm que ser vigiados, deportados, mortos ou aprisionados e tudo isso por uma boa razão, ou seja, os Estados Unidos.





06/Dezembro/2011



[*] Autor de Mix What I Like! A Mixtape Manifesto e é professor associado de estudos de comunicação na Morgan State University.



O original encontra-se em http://www.blackagendareport.com/content/j-edgar-and-terrorism-film . Tradução de Margarida Ferreira.



Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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