Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
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Publicado em: http://www.initiative-communiste.fr/wordpress/?p=10427#more-10427
Tradução do francês de TAM
Colocado em linha em: 2012/02/06
Claude Beaulieu
[de regresso da Síria, Claude Beaulieu, do
Comité Valmy, testemunha]
Que se passa na Síria ? Algumas semanas depois da nossa visita a este país, os
franceses, nesta matéria como noutras, estão mais do que nunca dominados por uma
desinformação generalizada.
Uma permanente lavagem aos cérebros em imersão no pensamento único
ambiente, o jacto contínuo de mentiras e a falsificação da realidade síria, impostos
metodicamente ao povo da França pelos média da oligarquia no poder, tornam
impraticável, para a maioria dos cidadãos manipulados como nós somos, a
investigação crítica e o discernimento da verdade a respeito da situação política
complexa que se desenvolve neste país.
A trágica agressão, mediaticamente orquestrada, que atingiu recentemente o povo
líbio, demonstrou que, mesmo para alguns militantes que se reclamam de uma
cultura progressista e anti-imperialista, é fácil ser atingido pelos efeitos da
impregnação ideológica dominante e não resistir à pressão político-mediática da
frente americano-ocidental. A este propósito, o caso do NPA, que não é único, à
«esquerda da esquerda» em França, na sua divagação ideológica, é edificante. (1)
Desde 1945, os émulos de Goebbels realizaram imensos progressos na fabricação de
opiniões públicas, graças, em particular, ao seu domínio sobre os modernos meios de
comunicação e de propaganda.
A guerra ideológica contra os povos que o seu inimigo comum estadunidense e os
seus vassalos conduzem é desigual. Ela exige, pois, permanentemente, dos militantes
e das organizações anti-imperialistas, uma vigilância rigorosa e uma forte
mobilização, em primeiro lugar, nesta batalha de ideias. Torna urgente a reflexão
anti-imperialista individual e coletiva. A concertação e o debate militantes, assim
como a elaboração de esforços multiformes de frente unida numa escala
internacional, para fazer frente à guerra imperialista hoje permanente e que tende a
generalizar-se, tornaram-se indispensáveis e urgentes.
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A visita à Síria e ao Líbano onde, em meados de novembro, tive ocasião de
acompanhar um grupo de jornalistas, foi muito rica em visitas a zonas sensíveis e em
possibilidades de apreciar a realidade política no local, a partir de encontros diversos
e do contributo de testemunhos preciosos. Esta experiência, se confirmou e reforçou
a minha apreciação prévia da situação na Síria, foi entretanto extremamente útil por
diferentes razões, a principal das quais foi ter-me permitido apreciar, ainda mais
concretamente, o nível sideral alcançado nos nossos dias pela estupro ideológico e
político-mediático dos povos em geral e do nosso povo francês em particular.
Reagindo à sua derrota no Iraque e àquela que se desenha no Afeganistão, Obama,
sempre obcecado pela perseguição quimérica de uma «nova aurora da liderança
americana», tal como os seus apaniguados, os verdadeiros detentores do poder na
oligarquia americano-ocidental, estão à procura de alternativas políticas susceptíveis,
segundo eles, de eternizar a sua ditadura mundializada, cujo futuro se adivinha
incerto. Escolheram especialmente desestruturar os estados-nação, que surgem como
a armadura das resistências e dos combates populares contra o imperialismo.
Esta estratégia geopolítica – que também se desenvolve entre nós em França, contra
a soberania nacional e popular, através da euroditadura atlantista e com
objetivos regionalistas, etnicista e supranacional – é paralelamente concretizada
contra os povos árabe-muçulmanos no relançamento das guerras de remodelação do
Grande Médio Oriente, já previsto pela administração de George W. Bush.
Existe um paralelismo evidente entre os objetivos supranacionais eurotransatlânticos
e a política de remodelação ocidentalista, que pretende desmembrar a Síria e outros
países árabes ou muçulmanos. Nos dois casos, o objetivo de domínio pretendido
implica a destruição das nações, muito particularmente no caso da Síria e no da
França.
No caso da Síria, trata-se de destruir uma nação que representa um obstáculo da
maior importância para os objetivos do imperialismo e da sua componente sionista. A
unidade nacional da Síria está profundamente enraizada numa história milenar
caraterizada, particularmente, por um hábito ancestral de vida em comum e de uma
aptidão para a coexistência fraterna entre sensibilidades religiosas. Segundo o
jornalista americano Webster Tarpley, que participava no nosso grupo, a sociedade
síria é a mais tolerante do Médio-Oriente.
Na sua maioria, os Sírios são patriotas convictos – independentemente das
suas pertenças religiosas – incluindo, ao que parece, os sunitas maioritariamente
favoráveis à unidade nacional. A minoria cristã está particularmente mobilizada
contra a guerra civil que poderia traduzir-se para si numa depuração confessional, a
exemplo do que aconteceu no Iraque.
É a riqueza desta realidade nacional específica, forjada num longo período histórico e
o patriotismo exemplar do povo sírio que daí decorre e que se torna percetível
concreta e permanentemente nos Sírios, que permitem um otimismo razoável em
relação ao futuro. Se o povo-nação da Síria não foi ainda manifestamente socorrido,
estou pessoalmente convencido de que, apoiando-se nas suas próprias forças
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nacionais, culturais, progressistas e nas escolhas laicas, rejeitando o comunitarismo
confessional, triunfará no fim sobre os seus inimigos exteriores, assim como sobre os
seus agentes dos esquadrões da morte, infiltrados ou recrutados no interior. Poderá
também contar, no seu combate, com o apoio de numerosos amigos e aliados nos
estados que estão a ser conduzidos para o bloqueio da ameaça estadunidense e
ocidentalista, assim como com os povos do mundo, entre os quais a tomada de
consciência anti-imperialista progride.
Na oposição ao governo de Bachar el-Assad encontra-se logicamente uma
componente nacional, que recusa a guerra civil, a intervenção militar estrangeira e se
pronuncia a favor da independência e da soberania da Síria. É assim, por exemplo,
que Haytham Manaa, presidente da Coordenação nacional, que agrupa uma
tendência da oposição interna síria, acaba de se demarcar do Conselho nacional sírio,
vassalo da NATO. Afirmou a um jornal libanês, a propósito da Síria: «Nunca a
entregaremos à NATO, nunca ficará nas mãos dessa gente!». Existe, pois, na Síria
uma oposição que reivindica legitimamente mais liberdades democráticas. Mas que
não tem as mãos sujas de sangue e não está globalmente implicada nesta política
criminosa armada e organizada, dirigida e teleguiada do estrangeiro.
Quanto aos comunistas sírios, eles estão também no campo dos patriotas. Ao mesmo
tempo que combatem por reformas democráticas, pela recusa das privatizações e das
diretivas neoliberais do FMI, opõem-se à ingerência imperialista e aos elementos
favoráveis à guerra civil. O Partido Comunista Sírio (unificado) apelou a «juntar
forças para defender a pátria e levar a cabo as reformas necessárias».
Dois grupos distintos chegados em meados de novembro de 2011, por iniciativa de
cristãos estimulados por Agnès–Mariam de la Croix, religiosa patriota e militante
admirável da causa dos cristãos do oriente, viveram praticamente juntos esta estada
na Síria. O primeiro reunia alguns jornalistas, belgas na sua maioria, que tinham
manifestamente como missão impossível consolidar, através das suas reportagens, o
ponto de vista ocidentalista das suas redações. O segundo grupo era composto por
militantes anti-imperialistas comprometidos com a resistência à desinformação e a
busca de uma alternativa de comunicação ideologicamente rebelde à alienação
ideológica dominante. Os dois grupos beneficiaram dos contactos e do excelente
conhecimento da situação na Síria e no Líbano do militante anti-imperialista Thierry
Meyssan e da Réseau Voltaire.
A observação essencial que o nosso grupo anti-imperialista retirou desta experiência
excecional é que os dirigentes estadunidenses e os seus vassalos mais servis (como os
Juppé e Sarkozy, utilizados, de novo, com o seu alter ego, o emir do Qatar, como as
primeiras lanças da máfia americano-ocidental) não conseguiram até aqui
desencadear uma guerra civil na Síria, apesar dos seus esforços encarniçados e de
todos os milhões que eles distribuem em abundância para o conseguir.
Sublinhamos o caráter antidemocrático da desinformação praticada em
grande escala pelos média do sistema americano-ocidental e a sua utilização
metódica da mentira, incluindo a manipulação de imagens ou o travestimento do
conteúdo real de certas reportagens televisivas: não é invulgar a exibição de vídeos de
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manifestações de massas favoráveis a Assad e apresentá-las fraudulentamente como
sendo de facto da oposição. É da mesma forma metódica que se sobreavalia a
importância das manifestações da oposição síria.
O que nós pudemos observar no local em novembro era totalmente contrário à
propaganda mediática ocidental, que martelava no tema da guerra civil, nas
manifestações de massas da oposição, na sua repressão sangrenta, que teria
provocado milhares de mortos. Vimos claramente uma importante manifestação de
massas em Damasco, mas era a favor de Bachar el-Assad e abertamente hostil ao
islamismo radical e à desintegração da Síria laica em comunidades religiosas
antagónicas.
O que vimos claramente é que, se naquela época não houvesse nem manifestações de
massas significativas da oposição, nem massacre de populações indefesas, nem
guerra civil, certas forças ter-se-iam aplicado com a melhor vontade a provocá-la, na
base interconfessional, procurando suscitar confrontos entre as diferentes
comunidades religiosas que, no dia-a-dia, convivem pacificamente. Estas forças
externas e internas, entre as quais estão os Irmãos Muçulmanos, têm estado
arredadas até agora, graças à maturidade do povo sírio e à sua vontade maioritária de
unidade nacional.
Em Homs e Baniyas, especialmente, pudemos dar conta, através de testemunhos
diretos de civis, cujos entes próximos foram vítimas de raptos, e de militares feridos
pelos atiradores furtivos ou em emboscadas, como são duras e cruéis as provas por
que o povo sírio tem tido de passar. Mais de 1100 militares foram também
assassinados e a maior parte dos mortos, segundo o governo sírio, não pertencia à
oposição.
A este respeito é necessário sublinhar que o número de mortos apontado pelos
média do sistema e da ONU, parcialmente sob controlo da NATO, é
incontrolável e não tem fundamento real. A informação é fornecida de modo
arbitrário por um chamado Observatório sírio dos direitos do homem (Osdh). Este,
com sede em Londres, é um escritório controlado pelos Irmãos Muçulmanos. Esta
organização está, pública e notoriamente, em contacto direto com o Ministério dos
Negócios Estrangeiros britânico. Além disso, o Osdh é financiado pelo National
Endowment for Democracy, organização que retira, ela própria, os seus recursos do
Congresso dos Estados Unidos. Isto confirma, pois, a pertinência da observação de
um dos nossos interlocutores, a propósito do aparecimento de um islamismo
atlântico que não é, como vemos, apenas uma especialidade turca.
A população síria é alvo de ataques assassinos muito duros resultantes da
aplicação de uma estratégia de tensão destinada a desestabilizar o país. Alternada ou
paralelamente, sobretudo nas cidades sensíveis, são cometidos assassinatos
seleccionados por gangues, nos bairros onde dominam as diferentes sensibilidades
religiosas. O povo resiste e, em geral, não se deixa manipular. Um dos nossos
interlocutores dizia-nos que, segundo ele, os sírios estavam dispostos a sofrer
sacrifícios incríveis e horrendos. Estes assassinatos e agora os atentados à bomba,
como os de Damasco, são principalmente obra de bandos armados vindos do
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exterior, infiltrados a partir de diferentes fronteiras da Síria. Estes grupos terroristas
são compostos por extremistas muçulmanos árabes, oriundos de diversos países, mas
também aí se encontram Pashtunes. Estes esquadrões da morte, a troco de dinheiro,
recrutam também assassinos no local (em particular no lumpenproletariado e
especialmente entre antigos traficantes de droga) que são pagos por cada assassinato
realizado.
Este movimento radical não foi capaz, apesar da ajuda externa,
especialmente dos turcos, de realizar o seu objetivo: criar pelo menos
uma base perto de uma fronteira, como ponto de apoio no interior da Síria.
Causa desgastes humanos e materiais consideráveis, mas situa-se agora, claramente,
numa perspetiva de marginalização provavelmente irreversível.
Em 6 de janeiro de 2012, o chamado Conselho Nacional Sírio deu mais um
passo na traição nacional, lançando um apelo à intervenção estrangeira na Síria,
em primeiro lugar à francesa, a fim de criar zonas de penetração ditas de segurança,
ou zonas tampão. O CNS apela a uma intervenção militar internacional que
começaria por uma campanha de raides aéreos preventivos, como na Líbia. Para o
CNS poderiam ser levados a cabo por aviões franceses, britânicos, turcos ou qataris.
O CNS colocou-se assim em estado de total vassalagem ao serviço dos objetivos da
NATO.
Os atentados cegos à bomba, que indicam o recurso a massacres semelhantes aos
do Iraque, não são um sinal de força e também não deveriam melhorar a imagem
desta fração do Islão, que se colocou ao serviço da estratégia geopolítica americanoocidental.
Muito pelo contrário, o radicalismo extremista em curso poderia ter como
consequência acelerar o diálogo já iniciado entre os sírios, assim como a aplicação de
reformas democráticas e sociais que eles possam desejar e que não devem relevar-se,
em princípio, na Síria como em qualquer outro país, senão da soberania nacional e
popular (soberania popular e independência de que a França hoje está privada por
causa da euroditadura).
A violência extremista, que muda de dimensão em função da estratégia da tensão e do
nível de terror pretendido, deveria também ser suscetível de estimular ainda mais a
reflexão patriótica do povo sírio e favorecer a vasta unidade popular maioritária que
se desenha.
Em julho de 2011, o parlamento sírio legalizou a existência de partidos da oposição
que não deverão assentar em bases religiosas ou tribais, terem origem num partido
ou numa organização não síria e serem obrigados a respeitar, em particular, a
Declaração Universal dos Direitos do Homem. De resto, foram libertados numerosos
prisioneiros, como exigiam especialmente os comunistas, e no domingo, 15 de
janeiro, foi anunciada uma amnistia geral.
No seu discurso de 10 de janeiro, Bachar el-Assad proclamou diversas reformas,
entre as quais a elaboração de uma nova constituição, que determinará a passagem
efetiva ao multipartidarismo e consagrará o princípio da soberania popular. Este
projeto de constituição será submetido a um referendo, imediatamente seguido de
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eleições legislativas.
Estas mudanças da maior importância, em gestação ou já em aplicação, poderiam ser
aproveitadas pelo conjunto dos verdadeiros patriotas sírios, qualquer que seja o seu
posicionamento individual ou colectivo em relação ao governo ou à oposição não
violenta, para a procura comum de uma via de unidade nacional e de progresso
democrático e social. Esta convergência patriótica é potencialmente maioritária e
capaz de evitar, ao mesmo tempo, ao país a guerra civil e a agressão imperialista.
(1) França : O Novo Partido Anticapitalista apoia uma intervenção imperialista na
Síria.
Artigo publicado por Dragan MIRIANOVIC, em 18 de janeiro de 2012.
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