Alepo
Utilizo
os tempos verbais do passado porque Alepo pouco mais é hoje do que um
aglomerado de ruínas, um imenso cemitério, tal como Beirute Ocidental
foi no início da década de oitenta do século passado, como Gaza é nos
dias que correm.
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Muitos
opinadores que até há meia dúzia de anos mal sabiam apontar a Síria num
mapa e, com alguma sorte, conheciam o nome da capital, tornaram-se,
subitamente, conhecedores e especialistas sobre a realidade em Alepo,
coisa de que jamais tinham ouvido falar.
Não têm qualquer dúvida – e ai daqueles que as têm – de que, por causa de Alepo, o governo da Síria e a Rússia têm de pagar por crimes contra a humanidade e deverão ser proscritos para todo o sempre dos polidos e democráticos corredores da ONU, onde o maior vetador da história da organização e respectivos súbditos entendem que o pior dos crimes é vetar por causa de Alepo, enquanto eles próprios fazem exactamente a mesma coisa.
A cidade de Alepo era, até há meia dúzia de anos, uma vibrante cidade de negócios, importante entreposto entre o Mediterrâneo e o Eufrates no final da histórica rota da seda asiática. Sendo uma das mais antigas cidades do mundo, Alepo era também olhada como uma capital cultural do islamismo.
Utilizo os tempos verbais do passado porque Alepo pouco mais é hoje do que um aglomerado de ruínas, um imenso cemitério, tal como Beirute Ocidental foi no início da década de oitenta do século passado, como Gaza é nos dias que correm, do mesmo modo que numerosas aldeias, vilas e cidades da Palestina, do Afeganistão, Iémen, Iraque ou Líbia – todas elas vítimas das acções benfazejas de «libertadores» chegados de fora.
Foi assim também em Alepo, na origem da grande tragédia da cidade. Um dia, replicando essa reconhecida fraude que foi a «primavera árabe», chegaram os «rebeldes» a Alepo. Diziam-se a «oposição» síria, levaram a tiracolo algumas organizações não-governamentais que alguns governos «amigos da Síria» financiam, inspirados directamente pela senhora Clinton, e fizeram de Alepo o seu bastião militar para derrubar o governo de Damasco.
A perda de Alepo pelos «rebeldes» significará um ponto de viragem no conflito não propriamente favorável aos invasores e aos que neles apostam as mais valiosas fichas diplomáticas. São esses «rebeldes» e respectivos apoiantes os principais responsáveis pela tragédia humanitária que atinge a cidade. Eles criaram o conflito e provocaram a batalha de Alepo, com todo o repugnante desfile de chacinas, vinganças e banditismo numa cidade onde cinco milhões de civis viviam em paz até chegarem os «libertadores».
Alepo é hoje uma cidade desigualmente dividida. A oeste, sob controlo de Damasco, vivem um milhão e meio de pessoas ansiando pela unificação e pelo fim do martírio, para poderem recomeçar praticamente do zero; a leste, e ao contrário do que afiança a propaganda terrorista, restam ao todo cerca de 35 mil pessoas, isto é, alguns milhares de civis sobreviventes, tornados reféns do desespero de terroristas em pânico.
O enviado do secretário-geral da ONU para a região tentou que a França incluísse na sua recente proposta de resolução do Conselho de Segurança a hipótese de os civis do leste da cidade poderem ser evacuados, numa operação que implicasse um cessar-fogo. Paris rejeitou – ao que parece depois de consultar Israel –, provando-se a sua vontade de provocar um veto russo.
Entretanto, também por ocasião do recente e fracassado cessar-fogo, os Estados Unidos foram convidados pela Rússia a salvaguardar os «rebeldes moderados», associando-os operacionalmente ao combate contra os terroristas salafitas. Passou-se o cessar-fogo e nenhum «moderado» foi encontrado – simplesmente porque eles não existem sem estar enquadrados na al-Qaida ou no Isis.
Recorda-se que a resolução 2249 do Conselho de Segurança da ONU, de Novembro de 2015, «pede aos Estados-membros que redobrem esforços e coordenem acções para prevenir e por fim aos actos de terrorismo cometidos em particular pelo Isis, igualmente conhecido por Daesh, e também pela Frente al-Nusra e todos os outros indivíduos, grupos, empresas e entidades associadas à al-Qaida».
Ao combater os terroristas no leste de Alepo, o exército sírio e a aviação russa limitam-se a aplicar as recomendações da citada resolução da ONU.
Ao recusarem introduzir no texto de um projecto de resolução uma reafirmação do objectivo central da resolução 2249, o combate ao terrorismo, neste caso em Alepo, a França, os Estados Unidos e o Reino Unido não obrigavam apenas a Rússia a vetar; estavam a revogar uma resolução antiterrorista que aprovaram há menos de um ano.
Na verdade, e para que conste quando se fala em combate ao terrorismo, os Estados Unidos, a França e o Reino Unido usaram os mecanismos da ONU para tentar poupar a al-Qaida e o terrorismo salafita a uma derrota em Alepo.
Reclamar que a Rússia e o governo sírio sejam acusados de crimes contra a Humanidade é um artifício que revela, em relação às vítimas de Alepo, uma emoção condoída e chorada com lágrimas de crocodilo. O principal objectivo das três potências ocidentais presentes em permanência no Conselho de Segurança, ou seja, da NATO, não é combater o terrorismo, mas sim acabar na Síria um trabalho de desmantelamento idêntico ao que já praticaram no Iraque e na Líbia, ao que está também em curso no Iémen, ao que desenvolvem ainda no Afeganistão, onde a única libertação alcançada até agora foi a dos grandes traficantes mundiais de heroína.
José Goulão
Não têm qualquer dúvida – e ai daqueles que as têm – de que, por causa de Alepo, o governo da Síria e a Rússia têm de pagar por crimes contra a humanidade e deverão ser proscritos para todo o sempre dos polidos e democráticos corredores da ONU, onde o maior vetador da história da organização e respectivos súbditos entendem que o pior dos crimes é vetar por causa de Alepo, enquanto eles próprios fazem exactamente a mesma coisa.
A cidade de Alepo era, até há meia dúzia de anos, uma vibrante cidade de negócios, importante entreposto entre o Mediterrâneo e o Eufrates no final da histórica rota da seda asiática. Sendo uma das mais antigas cidades do mundo, Alepo era também olhada como uma capital cultural do islamismo.
Utilizo os tempos verbais do passado porque Alepo pouco mais é hoje do que um aglomerado de ruínas, um imenso cemitério, tal como Beirute Ocidental foi no início da década de oitenta do século passado, como Gaza é nos dias que correm, do mesmo modo que numerosas aldeias, vilas e cidades da Palestina, do Afeganistão, Iémen, Iraque ou Líbia – todas elas vítimas das acções benfazejas de «libertadores» chegados de fora.
Foi assim também em Alepo, na origem da grande tragédia da cidade. Um dia, replicando essa reconhecida fraude que foi a «primavera árabe», chegaram os «rebeldes» a Alepo. Diziam-se a «oposição» síria, levaram a tiracolo algumas organizações não-governamentais que alguns governos «amigos da Síria» financiam, inspirados directamente pela senhora Clinton, e fizeram de Alepo o seu bastião militar para derrubar o governo de Damasco.
Acontece, como está provado através de fontes que a comunicação social dominante silencia, que a esmagadora maioria desses «rebeldes» armados e «moderados» não têm qualquer relação com a Síria e são terroristas mercenários oriundos principalmente da Arábia Saudita, Koweit, Tunísia, Líbia, de regiões russas como a Chechénia ou uigures chineses. Foram eles, empunhando bandeiras como as da al-Qaida, do Isis e mil e uma outras de bandos afins, que levantaram Alepo contra Damasco, transformando a cidade num símbolo de toda a guerra de agressão externa contra a Síria, e tornando-a uma chave dessa mesma guerra.«Utilizo os tempos verbais do passado porque Alepo pouco mais é hoje do que um aglomerado de ruínas, um imenso cemitério, tal como Beirute Ocidental foi no início da década de oitenta do século passado, como Gaza é nos dias que correm»
A perda de Alepo pelos «rebeldes» significará um ponto de viragem no conflito não propriamente favorável aos invasores e aos que neles apostam as mais valiosas fichas diplomáticas. São esses «rebeldes» e respectivos apoiantes os principais responsáveis pela tragédia humanitária que atinge a cidade. Eles criaram o conflito e provocaram a batalha de Alepo, com todo o repugnante desfile de chacinas, vinganças e banditismo numa cidade onde cinco milhões de civis viviam em paz até chegarem os «libertadores».
Alepo é hoje uma cidade desigualmente dividida. A oeste, sob controlo de Damasco, vivem um milhão e meio de pessoas ansiando pela unificação e pelo fim do martírio, para poderem recomeçar praticamente do zero; a leste, e ao contrário do que afiança a propaganda terrorista, restam ao todo cerca de 35 mil pessoas, isto é, alguns milhares de civis sobreviventes, tornados reféns do desespero de terroristas em pânico.
O enviado do secretário-geral da ONU para a região tentou que a França incluísse na sua recente proposta de resolução do Conselho de Segurança a hipótese de os civis do leste da cidade poderem ser evacuados, numa operação que implicasse um cessar-fogo. Paris rejeitou – ao que parece depois de consultar Israel –, provando-se a sua vontade de provocar um veto russo.
Quem «governa» o «rebelde» sector leste de Alepo? Em termos gerais é a al-Qaida, aliás al-Nusra, aliás Fateh al-Cham, tantos são os heterónimos da herança de Bin Laden. O chefe nominal é o xeique Abdullah al-Muhaysini, cujo credo recomenda o extermínio de todos os xiitas duodecimais, conceito que integra os xiitas iranianos e libaneses, mas também os drusos e os alauitas, que dizem ser o grupo dominante por detrás do governo da Síria. Al-Muhsaysini é o supremo juiz do Tribunal da Charia do Exército Conquistador (Jaish al-Fatah), uma espécie de coligação transversal do terrorismo salafita que integra elementos da al-Qaida. No recente cessar-fogo fracassado, o citado xeique condenou à morte todos os cidadãos do leste que tentassem refugiar-se no sector oeste. Atiradores de elite estrategicamente colocados cumpriram pelo menos 40 execuções.«Reclamar que a Rússia e o governo sírio sejam acusados de crimes contra a Humanidade é um artifício que revela, em relação às vítimas de Alepo, uma emoção condoída e chorada com lágrimas de crocodilo»
Entretanto, também por ocasião do recente e fracassado cessar-fogo, os Estados Unidos foram convidados pela Rússia a salvaguardar os «rebeldes moderados», associando-os operacionalmente ao combate contra os terroristas salafitas. Passou-se o cessar-fogo e nenhum «moderado» foi encontrado – simplesmente porque eles não existem sem estar enquadrados na al-Qaida ou no Isis.
Recorda-se que a resolução 2249 do Conselho de Segurança da ONU, de Novembro de 2015, «pede aos Estados-membros que redobrem esforços e coordenem acções para prevenir e por fim aos actos de terrorismo cometidos em particular pelo Isis, igualmente conhecido por Daesh, e também pela Frente al-Nusra e todos os outros indivíduos, grupos, empresas e entidades associadas à al-Qaida».
Ao combater os terroristas no leste de Alepo, o exército sírio e a aviação russa limitam-se a aplicar as recomendações da citada resolução da ONU.
Ao recusarem introduzir no texto de um projecto de resolução uma reafirmação do objectivo central da resolução 2249, o combate ao terrorismo, neste caso em Alepo, a França, os Estados Unidos e o Reino Unido não obrigavam apenas a Rússia a vetar; estavam a revogar uma resolução antiterrorista que aprovaram há menos de um ano.
Na verdade, e para que conste quando se fala em combate ao terrorismo, os Estados Unidos, a França e o Reino Unido usaram os mecanismos da ONU para tentar poupar a al-Qaida e o terrorismo salafita a uma derrota em Alepo.
Reclamar que a Rússia e o governo sírio sejam acusados de crimes contra a Humanidade é um artifício que revela, em relação às vítimas de Alepo, uma emoção condoída e chorada com lágrimas de crocodilo. O principal objectivo das três potências ocidentais presentes em permanência no Conselho de Segurança, ou seja, da NATO, não é combater o terrorismo, mas sim acabar na Síria um trabalho de desmantelamento idêntico ao que já praticaram no Iraque e na Líbia, ao que está também em curso no Iémen, ao que desenvolvem ainda no Afeganistão, onde a única libertação alcançada até agora foi a dos grandes traficantes mundiais de heroína.
José Goulão
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