Opinião
Nunca o inimigo do ser humano esteve tão definido
O
neoliberalismo tende, assim, a regressar às remotas origens políticas,
cada vez mais ciente de que o poder absoluto do mercado e os lucros
plenos não se alcançam com democracias.
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Muito
mais que um simples problema de lateralidade, o actual exercício
político dominante é um método acabado de distorção, engendrado pelos
mesmos que sentenciaram a extinção da esquerda e da direita para
sobrevivência do capitalismo selvagem à custa do sacrifício da
democracia.
Como já devem ter reparado, por esse mundo afora, com evidência especial na Europa, o centro político desvia-se aceleradamente para a direita, enquanto aquilo a que chamam oficialmente a «esquerda», quando ainda existe, e com algumas excepções, lhe segue as pisadas.
A esquerda consequente foi encafuada na «extrema-esquerda» pelo discurso oficial dominante, onde fecha o modernizado circuito político encostada à extrema-direita, como o seu reflexo num espelho. Imutável e virtuosa, só a direita permanece no seu lugar, «moderada» e «democrática», aguardando que todas as correntes se lhe juntem, convertidas, enfim, à única e verdadeira ideologia: a ideologia única, disfarçada de extinção das ideologias, vitimadas pela inutilidade.
Reordenadas assim as coisas, o mercado reinará sem sobressaltos, os partidos rodarão inofensivamente em órbita de um sistema tutelar como um Sol protector e dinamizador de uma sociedade perfeita, guiada pela convergência de todos na maximização dos lucros de cada vez menos.
Enquanto o cenário ideal não se concretiza, a direita assume o papel maternal de acolher os que andavam transviados, ou apenas fingiam, repudiando os inconvertidos, tratados como escória cuja única utilidade é a de comporem uma democracia de faz-de-conta até que a palavra e o conceito se dissolvam no anacronismo.
Como está mesmo a antever-se, um esquema assim tão logicamente elaborado será vítima da própria perfeição, que não é compatível com as coisas humanas. O que não desencoraja os seus mentores, que dele extrairão as vantagens possíveis e enquanto for tempo.
Por isso, até no meio da casta amestrada dos politólogos começam a ouvir-se considerações sobre a «direitização da política», tão evidente ela é. Na verdade, a deturpação ideológica subjacente a este fenómeno pouco ou nada tem de novo. O que agora se torna significativo é a transformação das ideias propagandísticas e manipuladoras em factos consumados no ordenamento político-partidário através da Europa.
Isto é, durante décadas e décadas do século XX, a tendência dominante entre as associações políticas reclamando-se da social-democracia ou do «socialismo democrático» foi a de estarem mais perto dos interesses patronais do que dos trabalhadores, o que se reflectiu no funcionamento em alianças políticas com a direita, como ainda hoje se observa, às escâncaras, no Parlamento Europeu.
Para tornar mais fácil e eficaz a articulação com essa denominada «esquerda», e assim consolidar a institucionalização do «arco da governação», a direita «moderada» benevolamente tratada como «conservadora» procurou evitar associações evidentes com a extrema-direita e o fascismo, beneficiada pelo facto de esses sectores terem sido residuais durante bastante tempo.
Exceptuam-se destas considerações as longas colaborações entre os «arcos de governação» das democracias representativas e regimes fascistas como o português, o espanhol ou o grego, muito bem tolerados como sistemas autoritários úteis na geoestratégia da guerra fria, mesmo que os sacrificados fossem – como sempre – a democracia e os direitos humanos.
A assimilação, cultivada pela propaganda oficial, entre as esquerda consequente e a extrema-direita como correntes marginais, é uma réplica nada inovadora da recorrente teoria manipuladora que considera o fascismo igual ao comunismo, definido como social-fascismo, de que cuja divulgação até à exaustão os estrategos ultramontanos da CIA encarregaram os agentes «maoístas» de modo a iludirem, arrastarem e desviarem massas de jovens motivados pelos ideais revolucionários. O tempo acalmou a clarificou as águas, mas nem assim os novos ideólogos abandonam as velhas receitas.
As alterações em curso não aparecem subitamente do nada. Como se prova através das semelhanças com práticas anteriores, fazem parte de um processo em andamento que encontra um momento significativo, por exemplo, na transformação thatcherista do Partido Conservador britânico em organização de extrema-direita – não assumida, é certo – viragem confirmada agora com o desplante que é a coligação com o fascismo colonialista dos unionistas dominantes no norte da Irlanda.
Bastou aos tories juntar a componente nacionalista subjacente ao Brexit com as práticas de extrema-direita para esvaziar o UKIP como organização fascista, racista e xenófoba.
O golpe dado em Itália através da liquidação dos Partidos Comunista e Socialista, para dela emergir uma nova entidade tecnocrática e mercantilista designada Partido Democrático (os agentes ciáticos baptistas foram pouco imaginativos), apresentada como a «nova esquerda», foi outro passo para a «direitização». Correspondeu, porém, a circunstâncias temporais próprias ditadas pela queda do muro de Berlim e ao facto de a Itália estar sempre na linha da frente das práticas testadas pela NATO e as agências intervencionistas norte-americanas.
As transformações actuais, contudo, têm outra amplitude. São muito mais abrangentes e consolidadas, com as características de um salto qualitativo. Como se a persistência da crise – ainda agora confessada em Sintra pelo presidente do Banco Central Europeu – a lamentada «lentidão» da privatização dos Estados e das «reformas estruturais», isto é, a liquidação dos direitos sociais, laborais e humanos, suscitassem uma maior impaciência dos impérios económicos e dos sínodos financeiros.
Nos palcos políticos são muito claros os sinais de que existe uma vontade de colher apressadamente os frutos – podres – das múltiplas gestões sociais-democratas exercidas de leste a oeste da Europa.
Os partidos responsáveis por tais práticas, com excepção dos que decidiram manter-se dentro do respeito estrito pela democracia representativa, desaparecem e transformam-se tal como sucedeu aos Partidos Socialista e Comunista italianos. Os exemplos sucedem-se: Letónia, Estónia, Hungria, Polónia, Bulgária e Roménia, Grécia, Croácia e Eslovénia, Holanda, Bélgica (flamengo), Finlândia, Suécia, Dinamarca, Holanda… Sem escalpelizar, por ora, o mimetismo das mil e uma faces submissas da social-social democracia, fenómeno triste em exibição directa e ao vivo na Grécia.
E, claro, Espanha, Alemanha e França. Por suicídio, por descrédito, por pulverização suscitada pelo desnorte ideológico total, exposto em guerras pessoais e de clãs, ou ainda pela subserviência à direita institucionalizada na gestão daquilo a que chamam «União Europeia», a hecatombe social-democrata tornou-se uma epidemia.
Alguns insistem na designação original e cada vez mais enganadora depois de terem abraçado irremediavelmente a «terceira via».
Outros, cujo exemplo mais relevante é o caso francês, assumem a ruptura com o passado. O En Marche macroniano é o paradigma da direitização actual: um ministro socialista funda um partido pessoal subsidiado por grandes banqueiros, candidata-se à presidência representando o «centro» e assume plenamente um poder absoluto, em estado de excepção, para impor as «reformas» neoliberais; de caminho convida Donald Trump, que diz criticar, como primeira figura do primeiro 14 de Julho do seu consulado presidencial.
Para completar o cenário falta lembrar que Emmanuel Macron foi eleito com o patrocínio do staff da senhora Clinton e do senhor Obama, os maiores fazedores de guerras desta década, seguidores dos mais eficazes falcões entre os republicanos.
Entretanto, o senhor Manuel Valls, ex-primeiro ministro e um dos primeiros dirigentes a defender uma mudança de nome do PS, anunciou que abandona os escombros do partido que ajudou a destruir; o ex-presidente François Hollande segue o mesmo trilho, mesmo que não o proclame, ele que há dois anos profetizou que o PS deveria «suicidar-se» para dar espaço a um «Partido do Progresso», talvez en marche.
As generalizações podem ser abusivas; a identificação de tendências, ou mesmo de mudanças qualitativas, é um exercício de base factual. Ao fim de décadas a fazer trabalhos sujos da direita ao serviço da rapina neoliberal – enquanto a direita se encostava à extrema-direita, «para lhe retirar espaço» – a social-democracia arruinou-se e está a engrossar o espaço ocupado pela direita extremada e antissocial. Assim como a emergência de Trump não é um «engano» do establishment, a direitização do cenário político europeu é a continuação de uma mudança que, assim consolidada, facilmente se tornará global.
A direita devorou a sua «esquerda» oficial, o partido único com duas faces de uma moeda tende a unificar-se mesmo. A extrema-direita, que resiste a ser assimilada pela grande direita, torna-se maldita, como exemplificou a campanha mediática contra a senhora Le Pen, e vai fazer companhia no índex à «extrema-esquerda», prova de que o novo-velho autoritarismo é tolerante, pois permite a sobrevivência de marginais, desde que silenciados e inoperantes.
Os modos como se processa a instauração deste cenário permitem, porém, importantes clarificações. A mais relevante, no momento, é o descrédito absoluto da história da Carochinha segundo a qual o fascismo político e o neoliberalismo económico-financeiro são sistemas incompatíveis. Como se os nacionalismos atrapalhassem o sistema de exploração generalizada e de opressão dos sectores sociais verdadeiramente produtivos.
Nessa já nem os mais ingénuos caem. A ligação dos conservadores britânicos ao fascismo unionista dominante no norte da Irlanda perturbará a liberalização económica total, sempre em curso no Reino Unido? Quem acredita nisso? Do mesmo modo que a primeira experiência neoliberal no terreno executada pelos Chicago Boys, no Chile, a partir de 1973, necessitou da cobertura fascista e sangrenta da ditadura de Pinochet.
Foi assim que começou a era política e económica actual, não o esqueçamos. O neoliberalismo tende, assim, a regressar às remotas origens políticas, cada vez mais ciente de que o poder absoluto do mercado e os lucros plenos não se alcançam com democracias.
Neoliberalismo económico-financeiro e fascismo político são talhados um para o outro e, pelos exemplos ao nosso dispor, constituem mesmo a única solução em perspectiva para a sobrevivência do capitalismo no seu estado supremo de exploração humana.
Nunca, como agora, o inimigo do combate pela liberdade e pela democracia, o inimigo do ser humano, esteve tão definido no nosso horizonte.
Como já devem ter reparado, por esse mundo afora, com evidência especial na Europa, o centro político desvia-se aceleradamente para a direita, enquanto aquilo a que chamam oficialmente a «esquerda», quando ainda existe, e com algumas excepções, lhe segue as pisadas.
A esquerda consequente foi encafuada na «extrema-esquerda» pelo discurso oficial dominante, onde fecha o modernizado circuito político encostada à extrema-direita, como o seu reflexo num espelho. Imutável e virtuosa, só a direita permanece no seu lugar, «moderada» e «democrática», aguardando que todas as correntes se lhe juntem, convertidas, enfim, à única e verdadeira ideologia: a ideologia única, disfarçada de extinção das ideologias, vitimadas pela inutilidade.
Reordenadas assim as coisas, o mercado reinará sem sobressaltos, os partidos rodarão inofensivamente em órbita de um sistema tutelar como um Sol protector e dinamizador de uma sociedade perfeita, guiada pela convergência de todos na maximização dos lucros de cada vez menos.
Enquanto o cenário ideal não se concretiza, a direita assume o papel maternal de acolher os que andavam transviados, ou apenas fingiam, repudiando os inconvertidos, tratados como escória cuja única utilidade é a de comporem uma democracia de faz-de-conta até que a palavra e o conceito se dissolvam no anacronismo.
Como está mesmo a antever-se, um esquema assim tão logicamente elaborado será vítima da própria perfeição, que não é compatível com as coisas humanas. O que não desencoraja os seus mentores, que dele extrairão as vantagens possíveis e enquanto for tempo.
Por isso, até no meio da casta amestrada dos politólogos começam a ouvir-se considerações sobre a «direitização da política», tão evidente ela é. Na verdade, a deturpação ideológica subjacente a este fenómeno pouco ou nada tem de novo. O que agora se torna significativo é a transformação das ideias propagandísticas e manipuladoras em factos consumados no ordenamento político-partidário através da Europa.
Isto é, durante décadas e décadas do século XX, a tendência dominante entre as associações políticas reclamando-se da social-democracia ou do «socialismo democrático» foi a de estarem mais perto dos interesses patronais do que dos trabalhadores, o que se reflectiu no funcionamento em alianças políticas com a direita, como ainda hoje se observa, às escâncaras, no Parlamento Europeu.
Para tornar mais fácil e eficaz a articulação com essa denominada «esquerda», e assim consolidar a institucionalização do «arco da governação», a direita «moderada» benevolamente tratada como «conservadora» procurou evitar associações evidentes com a extrema-direita e o fascismo, beneficiada pelo facto de esses sectores terem sido residuais durante bastante tempo.
Exceptuam-se destas considerações as longas colaborações entre os «arcos de governação» das democracias representativas e regimes fascistas como o português, o espanhol ou o grego, muito bem tolerados como sistemas autoritários úteis na geoestratégia da guerra fria, mesmo que os sacrificados fossem – como sempre – a democracia e os direitos humanos.
A assimilação, cultivada pela propaganda oficial, entre as esquerda consequente e a extrema-direita como correntes marginais, é uma réplica nada inovadora da recorrente teoria manipuladora que considera o fascismo igual ao comunismo, definido como social-fascismo, de que cuja divulgação até à exaustão os estrategos ultramontanos da CIA encarregaram os agentes «maoístas» de modo a iludirem, arrastarem e desviarem massas de jovens motivados pelos ideais revolucionários. O tempo acalmou a clarificou as águas, mas nem assim os novos ideólogos abandonam as velhas receitas.
As alterações em curso não aparecem subitamente do nada. Como se prova através das semelhanças com práticas anteriores, fazem parte de um processo em andamento que encontra um momento significativo, por exemplo, na transformação thatcherista do Partido Conservador britânico em organização de extrema-direita – não assumida, é certo – viragem confirmada agora com o desplante que é a coligação com o fascismo colonialista dos unionistas dominantes no norte da Irlanda.
Bastou aos tories juntar a componente nacionalista subjacente ao Brexit com as práticas de extrema-direita para esvaziar o UKIP como organização fascista, racista e xenófoba.
Permanecendo nas ilhas, recordo que Tony Blair aplicou a solução final de Thatcher ao Partido Trabalhista, através da famosa «terceira via»; demonstrando, contudo, a imperfeição das perfeitas esquematizações traçadas nos laboratórios neoliberais, Corbyn veio baralhar as contas através de uma coragem e de uma persistência que ninguém pode negar-lhe.«O En Marche macroniano é o paradigma da direitização actual: um ministro socialista funda um partido pessoal subsidiado por grandes banqueiros, candidata-se à presidência representando o "centro" e assume plenamente um poder absoluto, em estado de excepção, para impor as "reformas" neoliberais»
O golpe dado em Itália através da liquidação dos Partidos Comunista e Socialista, para dela emergir uma nova entidade tecnocrática e mercantilista designada Partido Democrático (os agentes ciáticos baptistas foram pouco imaginativos), apresentada como a «nova esquerda», foi outro passo para a «direitização». Correspondeu, porém, a circunstâncias temporais próprias ditadas pela queda do muro de Berlim e ao facto de a Itália estar sempre na linha da frente das práticas testadas pela NATO e as agências intervencionistas norte-americanas.
As transformações actuais, contudo, têm outra amplitude. São muito mais abrangentes e consolidadas, com as características de um salto qualitativo. Como se a persistência da crise – ainda agora confessada em Sintra pelo presidente do Banco Central Europeu – a lamentada «lentidão» da privatização dos Estados e das «reformas estruturais», isto é, a liquidação dos direitos sociais, laborais e humanos, suscitassem uma maior impaciência dos impérios económicos e dos sínodos financeiros.
Nos palcos políticos são muito claros os sinais de que existe uma vontade de colher apressadamente os frutos – podres – das múltiplas gestões sociais-democratas exercidas de leste a oeste da Europa.
Os partidos responsáveis por tais práticas, com excepção dos que decidiram manter-se dentro do respeito estrito pela democracia representativa, desaparecem e transformam-se tal como sucedeu aos Partidos Socialista e Comunista italianos. Os exemplos sucedem-se: Letónia, Estónia, Hungria, Polónia, Bulgária e Roménia, Grécia, Croácia e Eslovénia, Holanda, Bélgica (flamengo), Finlândia, Suécia, Dinamarca, Holanda… Sem escalpelizar, por ora, o mimetismo das mil e uma faces submissas da social-social democracia, fenómeno triste em exibição directa e ao vivo na Grécia.
E, claro, Espanha, Alemanha e França. Por suicídio, por descrédito, por pulverização suscitada pelo desnorte ideológico total, exposto em guerras pessoais e de clãs, ou ainda pela subserviência à direita institucionalizada na gestão daquilo a que chamam «União Europeia», a hecatombe social-democrata tornou-se uma epidemia.
Alguns insistem na designação original e cada vez mais enganadora depois de terem abraçado irremediavelmente a «terceira via».
Outros, cujo exemplo mais relevante é o caso francês, assumem a ruptura com o passado. O En Marche macroniano é o paradigma da direitização actual: um ministro socialista funda um partido pessoal subsidiado por grandes banqueiros, candidata-se à presidência representando o «centro» e assume plenamente um poder absoluto, em estado de excepção, para impor as «reformas» neoliberais; de caminho convida Donald Trump, que diz criticar, como primeira figura do primeiro 14 de Julho do seu consulado presidencial.
Para completar o cenário falta lembrar que Emmanuel Macron foi eleito com o patrocínio do staff da senhora Clinton e do senhor Obama, os maiores fazedores de guerras desta década, seguidores dos mais eficazes falcões entre os republicanos.
Entretanto, o senhor Manuel Valls, ex-primeiro ministro e um dos primeiros dirigentes a defender uma mudança de nome do PS, anunciou que abandona os escombros do partido que ajudou a destruir; o ex-presidente François Hollande segue o mesmo trilho, mesmo que não o proclame, ele que há dois anos profetizou que o PS deveria «suicidar-se» para dar espaço a um «Partido do Progresso», talvez en marche.
As generalizações podem ser abusivas; a identificação de tendências, ou mesmo de mudanças qualitativas, é um exercício de base factual. Ao fim de décadas a fazer trabalhos sujos da direita ao serviço da rapina neoliberal – enquanto a direita se encostava à extrema-direita, «para lhe retirar espaço» – a social-democracia arruinou-se e está a engrossar o espaço ocupado pela direita extremada e antissocial. Assim como a emergência de Trump não é um «engano» do establishment, a direitização do cenário político europeu é a continuação de uma mudança que, assim consolidada, facilmente se tornará global.
A direita devorou a sua «esquerda» oficial, o partido único com duas faces de uma moeda tende a unificar-se mesmo. A extrema-direita, que resiste a ser assimilada pela grande direita, torna-se maldita, como exemplificou a campanha mediática contra a senhora Le Pen, e vai fazer companhia no índex à «extrema-esquerda», prova de que o novo-velho autoritarismo é tolerante, pois permite a sobrevivência de marginais, desde que silenciados e inoperantes.
Os modos como se processa a instauração deste cenário permitem, porém, importantes clarificações. A mais relevante, no momento, é o descrédito absoluto da história da Carochinha segundo a qual o fascismo político e o neoliberalismo económico-financeiro são sistemas incompatíveis. Como se os nacionalismos atrapalhassem o sistema de exploração generalizada e de opressão dos sectores sociais verdadeiramente produtivos.
Nessa já nem os mais ingénuos caem. A ligação dos conservadores britânicos ao fascismo unionista dominante no norte da Irlanda perturbará a liberalização económica total, sempre em curso no Reino Unido? Quem acredita nisso? Do mesmo modo que a primeira experiência neoliberal no terreno executada pelos Chicago Boys, no Chile, a partir de 1973, necessitou da cobertura fascista e sangrenta da ditadura de Pinochet.
Foi assim que começou a era política e económica actual, não o esqueçamos. O neoliberalismo tende, assim, a regressar às remotas origens políticas, cada vez mais ciente de que o poder absoluto do mercado e os lucros plenos não se alcançam com democracias.
Neoliberalismo económico-financeiro e fascismo político são talhados um para o outro e, pelos exemplos ao nosso dispor, constituem mesmo a única solução em perspectiva para a sobrevivência do capitalismo no seu estado supremo de exploração humana.
Nunca, como agora, o inimigo do combate pela liberdade e pela democracia, o inimigo do ser humano, esteve tão definido no nosso horizonte.