reformismo – um exemplo
26.06.17
Pedro Miguel Lima
Fonte: enviado por mail.
No quadro do capitalismo, quando uma organização de classe lança uma palavra de ordem reivindicativa, ela tem de apontar o objetivo que é necessário alcançar e não aquele que é “possível” obter.
O PCP emitiu um comunicado sobre o problema das reformas e pensões – “Uma vida inteira a trabalhar – 40 anos de descontos – Reforma por inteiro sem penalização”
– em que critica a posição governamental e defende a sua opinião sobre a
matéria. Este documento suscita algumas reflexões que, em boa verdade,
vão muito além do tema das reformas. Portanto, estas linhas têm o
objetivo, não de tratar o problema das reformas e pensões, mas produzir
uma reflexão política a partir delas. Vamos deixá-la aqui.
Compreendemos que o comunicado trate o
específico tema das reformas antecipadas, mas pretendemos alargar a
reflexão às questões táticas de um partido de classe.
Estão em discussão medidas do governo em
relação aos moldes em que os trabalhadores se podem reformar
antecipadamente com a pensão completa. O governo não esconde e reafirma a
sua posição de aceitar as imposições da EU, das quais decorre em boa
medida a negação de direitos aos trabalhadores reformados e que querem
reformar-se. Sublinha-se que o governo aceita tais imposições, pelo que
não pode apagar a sua responsabilidade pelas consequências da sua
aceitação nem endossá-las à UE. Também têm de assumir as suas
responsabilidades os que sustentam tal governo, sabendo à partida que
essa era a sua posição. Mais ainda: os apoios foram dados nessa base
indiscutível para o PS: cumprimento dos tratados imperialistas europeus.
Todos sabiam ao que iam.
Uma reivindicação que tivesse em conta
as necessidades dos trabalhadores e não só aquilo que é eventualmente
possível, devia ser o abaixamento geral da idade da reforma
com direito a pensão completa a partir de determinada idade histórica e
socialmente adequada e de determinados anos de descontos socialmente
justos, abrindo exceção para limites mais baixos às profissões de
desgaste rápido ou de particular penosidade. O comunicado explica que
nunca foi abandonado o compromisso de defender a reforma aos 40 anos de
descontos independentemente da idade, mas parte da posição de aceitar o
aumento da idade da reforma feito pelos governos da política de direita,
sem recolocar a reivindicação do seu abaixamento. Assim sendo, há que
reivindicar o “possível”, que não vai além daquilo a que o PS
está disposto a ir, eventualmente uns cêntimos mais se sentir
contestação bastante, seja por vontade própria, seja pelas imposições da
UE, o que vem a dar no mesmo.
O comunicado em análise diz que a posição do governo “é inaceitável” e “insiste” que “é necessária uma resposta que corresponda às justas expetativas dos trabalhadores”.
Ora, dispondo apenas de 13 votos no parlamento, e recusando todos os
outros partidos a sua proposta, o PCP, no plano parlamentar, só pode
protestar mais ou menos veementemente.
Onde estará a força que pode obrigar o
governo a atender às reivindicações? Na luta dos trabalhadores,
designadamente dos reformados, na rua, na firme posição das organizações
representativas dos reformados, o MURPI e a Inter Reformados, e de todo
o movimento sindical. Mas essa palavra de ordem de luta na rua, esse
afrontamento direto do governo, fica esbatido nas ações “gerais”
como o 25 de abril ou o 1º de maio e outras ações devidamente
enquadradas, em que fica acantonado o descontentamento dos trabalhadores
de uma forma geral e muitas vezes abstrata, devidamente balizadas,
levando a água ao moinho de não pôr em causa a “posição conjunta” e a “nova fase”.
Assim sendo, o comunicado, limita-se a afirmar perentoriamente que “tudo fará para...”.
Nestas circunstâncias, o que se pode fazer no plano político é regatear
com o PS, já que não se vislumbra uma quebra dos compromissos para
salvaguardar a “atual fase”.
A luta de massas e a ação parlamentar
Um partido revolucionário não pode
reduzir a luta das classes oprimidas à luta parlamentar. Muito menos
iludir as massas acerca da eficácia da luta parlamentar. No comunicado,
não se apela à luta de massas dos reformados, afirma-se apenas que o
Partido “tudo fará para garantir que a resposta vá mais longe, trazendo justiça para o maior numero possível (realce nosso) de trabalhadores”. E os que ficam além do “possível”? Diz o comunicado com a sua omissão: lamentamos, fica para a próxima.
Como são tratados no comunicado os
restantes problemas dos reformados, como as pensões de miséria, o
aumento deslizante da idade de reforma para compensar o “fator de sustentabilidade”,
ou os cortes nas pensões e no subsídio de natal que persistem? O pecado
original situa-se claramente no Orçamento de Estado, na sua aprovação e
na posição estratégica do PS, assumida desde o início, de não pôr em
causa os tratados europeus.
O que diz ele acerca dos 12 404 €
milhões de euros que o patronato deve à segurança social (no final de
2015, considerando as provisões de cobrança duvidosa), quer dos
descontos próprios, quer do dinheiro dos trabalhadores que ele retém? –
são estas dezenas de milhares de milhões que dão fundamento ao governo
do PS e ao seu ministro Vieira da Silva para dizer que a Segurança
Social não é sustentável e justificar as pensões e os aumentos de
miséria! O que diz acerca da mobilização dos fundos da segurança social
para efeitos da engenharia do “défice”? Nada.
Num âmbito político mais geral, o
problema coloca-se na valorização que se faz da distribuição de uns
cêntimos irrisórios, na ausência de desmascaramento do PS como partido
da burguesia que é e na secundarização da luta de classe consequente
contra ele; na valorização das pequenas concessões feitas pelo PS e no
apagamento dos grandes objetivos de um partido da classe de vanguarda.
Um exemplo. Diz F. Mateus em conferência de imprensa, em 08-05-17:
“No actual quadro político, o PCP
destaca o conjunto de medidas tomadas no Orçamento do Estado para 2016,
com continuidade para 2017 que contaram com o seu empenhado contributo.
Destaca-se, por isso, o aumento extraordinário em 2017 para pensionistas
com pensões inferiores a 631,98 euros que garante no ano de 2017, mais
10 euros para os que tiveram os seus valores congelados entre 2011 e
2015 e mais 6 euros para os pensionistas com pensões mínimas que tiveram
aumento neste período (somando o aumento do início do ano com aquele
que vai ocorrer em agosto)”. – http://www.pcp.pt/direito-informacao-acesso-aos-direitos-melhores-prestacoes-sociais-diversificar-fontes-de.
Isto é: 0,4 e 0,5% de aumento! A opção
do governo do PS é uma opção de classe: corta ao povo para ajudar o
patronato a financiar as empresas.
No quadro do capitalismo, quando uma
organização de classe lança uma palavra de ordem reivindicativa, ela tem
de apontar o objetivo que é necessário alcançar e não aquele que é “possível”
obter. Estamos, portanto, na típica situação reformista em que se
reivindica o que é possível e se reduz o necessário ao possível.
Massas e vanguarda
O partido, sem as massas, nada pode. Diz o comunicado que temos vindo a referir: “O PCP tudo fará para que não sejam defraudadas as justas expectativas de milhares de trabalhadores portugueses”.
Ora, as massas não podem delegar as suas lutas no partido e o partido
não se pode substituir às massas. Um partido marxista-leninista assume o
seu papel de direção das massas.
O partido de vanguarda deve educar as massas. O “ensinamento”
que as massas retiram deste comunicado – e não só, obviamente – é que,
com o voto no PCP, resolvem os seus problemas. Por um lado, reduz-se a
luta de massas à luta parlamentar. Por outro, retirando do seu contexto
político mais vasto esta reivindicação particular, cortando-lhe a
perspetiva de que ela se deve inserir numa luta mais geral contra
exploração, reduz-se a luta política às reivindicações económicas, às
reformas dentro do sistema.
Este comunicado não está a mobilizar as
massas para lutarem pela redução da idade da reforma, o que seria um
objetivo justo, limita-se a dizer que o PCP “tudo fará para garantir que a resposta vá mais longe, trazendo justiça para o maior número possível de trabalhadores”
(realces nossos). Não se está a colocar o problema numa perspetiva de
classe, situação em que a vanguarda deveria mobilizar as massas para
arrancarem com a sua luta essa concessão ao governo e ao patronato. O
Partido coloca-se na perspetiva de uma espécie de intermediário entre a
classe e o poder burguês que a oprime. Ora, esta atitude é própria da
doutrina social pré-marxista.
Como deveria, então, ser desenvolvida a
vertente política de classe nesta reivindicação? O que deveria dizer-se
às massas para que evoluíssem na sua consciência?
Deveria apelar-se a que os trabalhadores
lutassem determinadamente pelo objetivo justo do abaixamento da idade
de reforma e pelo aumento generalizado das pensões e reformas, muitas
das quais se situam aquém do limiar da sobrevivência. Seria o governo
que assumiria as respetivas responsabilidades políticas por não
satisfazer a reivindicação. Mas como não se põe em causa, séria e
consequentemente, as dificuldades impostas pelos “constrangimentos”
europeus; como é pressuposto, a partir da aprovação do Orçamento de
Estado, que o governo continue a alimentar os oligopólios bancários com
os juros da dívida e a carne e o sangue dos trabalhadores sem dizer “Basta!” e quando se caracteriza a atual situação como “uma nova fase política”, é lógico que só se pode dizer que “tudo faremos para garantir que a resposta vá mais longe”.
Deveria ser explicado aos trabalhadores e
ao povo que as medidas draconianas impostas pelas potências europeias
se devem à posição de país dominado que Portugal ocupa no sistema
imperialista europeu, com o objetivo de fazer o capitalismo sair da
crise à custa dos trabalhadores, o que, ao mesmo tempo, implica a
centralização e concentração do capital nos grandes grupos monopolistas
que determinam a política da UE, à custa do saque das riquezas dos
países dominados. Fazendo parte de uma aliança imperialista, a UE,
Portugal é, ainda assim, vítima do imperialismo das potências mais
fortes da UE e não poderia ser doutro modo, na fase imperialista do
sistema capitalista.
Explicar-se-ia que só a saída de
Portugal dessa aliança imperialista, no quadro de uma luta pelo poder
dos trabalhadores, poderia resolver estes e os outros problemas que
atingem os trabalhadores e o povo.
Deveria ainda ser dito que não pode ser
outra a posição do governo do PS, que serve os objetivos da burguesia,
nacional e estrangeira, pelo que, as reivindicações que chocam a fundo
com esses interesses só podem ser arrancadas através da luta. Assim
seria se a luta de massas não estivesse dominada pelo espartilho
oportunista de não pôr em causa a “posição conjunta” ou “a nova fase da política nacional”, como se queira designar. Não há modo de “convencer” o PS a ter uma política de classe diferente – a burguesia não se “convence” de nada que não sejam os seus interesses de classe, só conhece a linguagem da força. Não há modo de fazer uma política “patriótica e de esquerda” com o PS. No governo ou em “posição conjunta”, o PCP só pode fazer a gestão do capitalismo com mais ou menos migalhas para o povo.
Estratégia e tática
Por último, abordamos o problema da
inserção da reivindicação parcelar pelo aumento das reformas e pensões
nos objetivos táticos e estratégicos do proletariado.
Um partido marxista-leninista deveria
dizer às massas, dos reformados neste particular, que a satisfação total
das suas reivindicações e interesses só será possível com o poder dos
trabalhadores, o socialismo; que a fonte de todos os seus males se acha
no capitalismo, nas relações de exploração, na natureza social da
produção e na apropriação privada dos meios de produção e consequente
distribuição da riqueza; que a sua luta é a luta do proletariado
português e internacional; que a luta por reivindicações parcelares,
como esta dos reformados, tendo por objetivo a minimização do sofrimento
dos explorados, se insere na tática da acumulação de forças para o
cumprimento do objetivo estratégico, a tomada do poder pelos
trabalhadores e o fim da exploração. Em suma: levar as massas e
explorados à luta pelo socialismo. Fazer propaganda da “democracia avançada” não leva à luta de massas pelo socialismo, leva ao retrocesso da luta pelo socialismo.
Não se trata de, a partir de toda e
qualquer reivindicação, remeter para a luta pelo socialismo, ou que se
deva usar esta palavra de ordem estratégica por tudo e por nada.
Trata-se de, a partir das palavras de ordem mais imediatas, das lutas do
dia a dia, de introduzir nas massas uma mundividência, uma ideologia,
que ajude à formação da consciência de classe em graus cada vez mais
elevados, em função das experiências que as massas adquirirem.
Criar as condições subjetivas
para a tomada de poder pelos trabalhadores é a tarefa do partido de
vanguarda. Dizer simplesmente que não estão criadas as condições
subjetivas para tal, no que todos concordamos, é inverter o papel do
partido em relação as massas, pô-lo a reboque das massas; é abandonar a
tarefa central do partido de vanguarda da educação das massas pela
agitação e propaganda marxista-leninista e a ação política
revolucionária tática e estrategicamente aplicada. Não o fazer é
abandonar a causa do socialismo e entregar-se nos braços do oportunismo.
Fonte: enviado por mail.
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