Após o lançamento dos ataques aéreos "limitados" contra
a Síria, dia 13 de Abril, a embaixadora dos EUA
nas Nações Unidas, Nikki Haley,
anunciou
, que o país manterá a sua presença ilegal na Síria
até que os objectivos estado-unidenses na área sejam cumpridos,
o que abre a porta para a sua ocupação indefinida.
Apesar de a presença militar dos EUA na Síria verificar-se desde
2015 – justificada como um meio de conter o Daesh (ISIS) – as tropas
estado-unidenses desde então tornaram-se uma força de
ocupação pois não se retiraram após a derrota do
Daesh no nordeste da Síria. Actualmente, os EUA ocupam aproximadamente
um terço do território sírio –
cerca de 30 por cento
– incluindo grande parte da área leste do Rio Eufrates, abarcando
grandes bocados das regiões de Deir Ezzor, Al-Hasakah e Raqqa.
Embora os EUA tenham actualmente de 2.000 a 4.000 tropas estacionadas na
Síria, anunciaram
o treino
de uma "força de fronteira de 30 mil pessoas composta por aliados
curdos e árabes na área, os quais seriam utilizados para impedir
que o nordeste da Síria ficasse sob o controle do legítimo
governo sírio. Apesar de ter recuado um pouco após a
reacção adversa da Turquia, os EUA
continuaram
a treinar "forças locais" na área.
Fontes militares russas
asseveraram que antigos membros do Daesh – aos quais foi permitido
abandonar cidades atacadas pelos EUA e seus apaniguados,
como no caso da batalha de Raqqa – devem ser incluídos nas
fileiras desta força.
Isto, juntamente com a insistência do governo dos EUA em manter a
ocupação até que o presidente sírio Bashar al-Assad
seja removido do poder, mostra que o governo estado-unidense não tem
intenção de permitir a reunificação da Síria
e continuará a ocupar a região no longo prazo.
A ocupação ilegal da Síria pelos EUA tem sido amplamente
reconhecida nos media independentes e corporativos, mas pouca
atenção têm dado na identificação das
implicações mais vastas desta ocupação e nos
principais objectivos dos EUA ao impedir o controle do governo legítimo
e democraticamente eleito da Síria. Como é frequente no caso de
ocupações dos EUA, tanto históricas como actuais, é
um esforço que decorre de dois objectivos: a aquisição de
recursos para corporações dos EUA e a
desestabilização de um governo visado para uma mudança de
regime apoiada pelos EUA.
Controle de reservas de combustíveis fósseis e trânsito das
mesmas
O nordeste da Síria é uma região importante devido aos
seus ricos recursos naturais, particularmente combustíveis
fósseis na forma de gás natural e petróleo. Na verdade,
esta área contém
95 por cento de todo o potencial sírio de petróleo e gás
– incluindo al-Omar,
o maior campo petrolífero
do país. Antes da guerra, estes recursos produziam cerca de
387 mil barris de petróleo por dia
e
7,8 mil milhões de metros cúbicos de gás natural por ano
, e eram de grande importância económica para o governo
sírio. Contudo, muito significativamente, aproximadamente todas as
reservas de petróleo sírias – estimadas em cerca de 2,5 mil
milhões de barris –
estão localizadas
na área actualmente ocupada pelo governo dos EUA.
Além do maior campo petrolífero da Síria, os EUA e seus
apaniguados no nordeste da Síria também controlam
instalação de gás da Conoco
, a
maior do país
. A instalação, que
pode produzir
cerca de 50 milhões de pés cúbicos de gás [1,42
milhões de metros cúbicos] por dia, foi originalmente
construída pela gigante ConocoPhillips estado-unidense, a qual
operou a instalação
até 2005, quando as sanções da
era Bush tornaram difícil operar na Síria. Outras companhias
estrangeiras de petróleo, como a Shell,
também deixaram a Síria
devido a estas sanções.
Com os EUA agora a ocuparem a área, o petróleo e gás
produzido nesta região já está a beneficiar
corporações estado-unidenses de energia às quais Trump e
sua administração têm
numerosas ligações
. Segundo
Yeni Safak
, os EUA, juntamente com responsáveis sauditas, egípcios e turcos
efectuaram reuniões onde foram tomadas decisões para extrair,
processar e comercializar os combustíveis fósseis obtidos na
região, sendo dados aos curdos uma fatia atraente dos lucros. A partir
de 2015 diz-se que os curdos estão a ganhar
mais de US$10 milhões
por mês.
O Curdistão da Síria exporta o seu petróleo para o
Curdistão do Iraque, com o qual partilha uma fronteira, e ele é
então refinado e vendido à Turquia. Embora não haja
corporações envolvidas publicamente, o negócio entre
curdos sírios e iraquianos
foi intermediado
por "peritos em
petróleo" e "investidores" não identificados. Os
curdos na Síria e no Iraque nem mesmo assinaram o acordo pessoalmente.
Eles foram posteriormente "informados" do acordo pelos Estados Unidos
e instruídos para supervisionarem da operação.
Uma fonte do Governo Regional do Curdistão (GRC) disse à
NOW News
que "em relação ao Curdistão sul, era uma companhia
e não o GRC que assinava o acordo e é essa economia que manuseia
directamente as quantias em cash a cada mês". Considerando que mais
80 companhias estrangeiras estão envolvidas no comércio de
petróleo do GRC, a maior parte delas com sede nos EUA, podemos
seguramente assumir que muitos dos mesmos actores também estão
envolvidos no desenvolvimento do comércio de petróleo do
Curdistão sírio.
Grandes interesses corporativos
Numerosas conexões da administração Trump à
indústria petrolífera tornam clara esta aliança. O antigo
secretário de Estado Rex Tillerson, que foi despedido em Março,
era anteriormente o executivo de topo da ExxonMobil, uma companhia de
petróleo que
intermediou unilateralmente
um acordo petrolífero com curdos iraquianos por trás das costas
do governo do Iraque e manifestou interesse em desenvolver o petróleo
sírion na parte do país actualmente ocupadas pelos EUA.
A ExxonMobil também tinha
um grande interesse
no proposto pipeline do Qatar, cuja rejeição por Assad foi um
factor que provavelmente disparou o conflito sírio. O próprio
Trump, antes de assumir a presidência, também tinha investimentos
consideráveis na ExxonMobil – bem como em 11 outras grandes
companhias de petróleo e gás, incluindo a Total, ConocoPhillips,
BHP e Chrevron.
Além disso, muito embora Tillerson se tenha ido, seu substituto, Mike
Pompeo, é
igualmente um amigo
da indústria de petróleo e gás estado-unidense. Pompeo
é o primeiro receptor de dinheiro das indústrias Koch, a qual tem
numerosos interesses na exploração do petróleo e do
gás, perfuração, pipelines e refinação de
combustíveis fósseis.
Se bem que a ocupação estado-unidense da Síria seja sem
dúvida motivada pelo desejo de explorar para si mesmo os recursos de
petróleo e gás da região, a sua recusa em abandonar a
área também decorre da preocupação de que, se
abandonar, seu principal rival, a Rússia, pretenderia as riquezas de
petróleo e gás do nordeste da Síria. Na verdade, de acordo
com um esquema de cooperação energética assinado em
Janeiro, a Rússia terá
direitos exclusivos
para produzir petróleo e gás em áreas da Síria
controladas pelo governo sírio.
Desde 2014, os EUA tem estado
agressivamente a tentar limitar
o sector dos combustíveis fósseis da Rússia,
particularmente suas exportações para a Europa, e
substituí-las
por combustíveis fósseis produzidos nos EUA. Como
escreveu em 2014
o antigo porta-voz do Congresso, John Boehner, "A capacidade para virar
as mesas e colocar liderança russa em xeque está debaixo dos
nossos pés, na forma de vastos fornecimento de energia natural".
Permitir ao sector dos combustíveis fósseis russo que se
fortaleça, quer na Síria ou alhures, prejudicaria objectivos
estratégicos dos EUA, a razão fundamental das
corporações estado-unidenses e a visão dos EUA de manter
um mundo unipolar a qualquer custo.
Localização: mapas de pipelines e um jogo de soma zero com a
Rússia
Além dos seus recursos em combustíveis fósseis, a
localização estratégica da Síria torna-a
crucial para o fluxo regional de hidrocarbonetos
. Ter a secção nordeste da Síria sob o controle dos EUA e
dos seus apaniguados poderia ter um efeito profundo sobre
pipelines existentes e futuros
. Como
notou o New York Times
em 2013: "A localização ímpar da Síria e a
sua força tornam-na no centro estratégico do Médio
Oriente".
Por essa mesma razão, grande parte da política dos EUA quanto ao
Médio Oriente tem sido destinada à tomada de controle do
território e a pressionar pela partição de países a
fim de assegurar rotas seguras para o trânsito de petróleo e
gás. Na Síria, tais planos para a partição do
país com este objectivo remontam ao
princípio da década de 1940
, quando os interesses petrolíferos europeus no país
começaram a aumentar. Desde então, vários países
tentaram ocupar partes do norte da Síria a fim de assegurar o controle
da região para estas finalidades estratégicas, incluindo a
Turquia e o Iraque além das potências ocidentais.
Já existe um pipeline crucial no nordeste da Síria que
conecta
campos de petróleo sírio ao pipeline Ceyhan-Kirkuk. Embora esse
pipeline sofresse danos pesados em 2014, há planos para
reconstruí-lo ou construir um novo pipeline ao seu lado. Portanto, o
nordeste da Síria também tem infraestrutura exportadora de
petróleo que poderia ajudar a escoar facilmente o seu petróleo
para a Turquia e a seguir para o mercado europeu.
Além disso, o conflito na Síria – agora no seu sétimo
ano – foi, em parte, iniciado em consequência de choques sobre
duas propostas de pipeline
que precisavam garantir a sua passagem através do país. A
Síria, não muito tempo antes de a guerra por
procuração financiada pelo estrangeiro assolasse o país,
preteriu uma proposta apoiada pelos EUA que transportaria o gás natural
do Qatar para a Europa em favor de uma proposta apoiada pela Rússia que
transportaria gás natural originário do Irão.
Apesar de estes propostos pipelines já não serem de
motivação tão poderosa como chegaram a ser – em
grande parte devido à desavença do Qatar com outras monarquias do
Golfo e à
melhoria das suas relações com o Irão
– a parte nordeste da Síria continua como chave para os objectivos
dos EUA. De acordo com a publicação alemã
Deutsche Wirtschafts Nachrichten
, os EUA
desenvolveram planos
para construir um novo pipeline a partir do Golfo Pérsico até o
norte do Iraque e para dentro da Turquia através do nordeste da
Síria, com o objectivo final de abastecer petróleo à
Europa. A Rússia, pelo seu lado, opôs-se a este plano, pois
procura manter suas próprias lucrativas exportações de
combustíveis fósseis para a Europa.
Terra e água
Além de combustíveis fósseis e pipelines, o nordeste da
Síria possui várias outras vantagens chave em termos de recursos.
A principal delas é a água – um recurso de primeira
importância no Médio Oriente. A porção da
Síria controlada pelos EUA abriga
os três maiores reservatórios de água do país
, os quais são alimentados pelo Rio Eufrates.
Um destes reservatórios, agora controlado pelos EUA e seus apaniguados,
o Lago Assad, é a maior albufeira de água do país e
abastece Aleppo, mantida pelo governo
, com a maior parte da sua água potável. Este reservatório
também abastece a cidade com grande parte da sua energia
eléctrica, a qual é gerada pela central da Barragem Tabqa,
também localizada no território ocupado. Outra central
hidroeléctrica chave está localizada na Barragem Tishrin e
também é
controlada
por forças apaniguadas dos EUA.
Além dos seus abundantes recursos aquíferos, o nordeste da
Síria também possui
cerca de 60 por cento
das terras férteis do país, um recurso chave em termos de
sustentabilidade e independência alimentar. Antes do conflito, a
Síria
investiu fortemente
em infraestruturas de irrigação naquela área a fim de
permitir a agricultura ali mesmo com uma seca regional severa. Grande parte da
infraestrutura de irrigação é alimentada pela ocupada
Barragem Tabqa, a qual controla a água da irrigação de
640 mil hectares
de terra agrícola.
Plano de jogo para a ocupação: a partição
Ao contrário dos recursos fósseis do nordeste, os EUA não
estão à espera de ganho financeiro com os recursos de água
e agrícolas da região. Ao invés disso, o interesse
é estratégico e serve dois objectivos principais.
Em primeiro lugar, o controle sobre aqueles recursos – particularmente a
água e o fluxo do Eufrates – dá aos EUA uma vantagem chave
que poderia utilizar para desestabilizar a Síria. Exemplo: os EUA
poderiam facilmente cortar água e electricidade a partes da Síria
mantidas pelo governo através do fechamento ou desvio de electricidade e
água das barragens a fim de pressionar o governo sírio e a
população civil.
Embora acções tendo civis como alvos constituam um crime de
guerra, os EUA já utilizaram tais tácticas na Síria
anteriormente, como na batalha de Raqqa quando
cortaram o abastecimento de água à cidade
enquanto os seus apaniguados assumiam da cidade em poder do Daesh (ISIS).
Outros países,
como a Turquia
, também cortaram o caudal do Eufrates em duas ocasiões durante o
conflito sírio, a fim de ganhar uma vantagem estratégica.
Ao controlar grande parte da água e da terra agrícola do
país – sem mencionar os seus recursos fósseis – a
ocupação dos EUA não cumprirá apenas o seu
objectivo de desestabilizar o governo sírio privando-o da sua receita;
ele também abre caminho para um conflito mais vasto da Síria e
seus aliados, os quais estão ansiosos para evitar outra
ocupação a longo prazo dos EUA no Médio Oriente e
recuperar o território para a Síria.
Outro modo como os EUA tem o poder para desestabilizar a Síria
através da sua ocupação do nordeste é o seu plano
para ter os sauditas a
reconstruírem grande parte da área
. Apesar de os EUA inicialmente aliarem-se aos curdos no nordeste sírio,
a oposição da Turquia levou Washington a centrar-se mais no
trabalho com árabes naquela área, particularmente aqueles aliados
com ou anteriormente partes de grupos wahabitas aliados dos sauditas, a rime de
criar um enclave controlado pela Arábia Saudita
que poderia ser utilizado para desestabilizar áreas controladas pelo
governo sírio durante anos. A área está destinada a
tornar-se a algo como a província de Idlib, a qual é basicamente
um enclave de terroristas wahabitas.
O plano dos EUA para criar um enclave wahabita no nordeste da Síria foi
mencionado explicitamente num relatório de 2012 da Defense Intelligence
Agency (DIA).
Aquele relatório declarava
:
Apesar da derrota do Daesh, a sua presença do no nordeste sírio,
como revela a DIA, foi cultivada para dar um pretexto para o controle
estrangeiro da região.
O xadrez da partição: pensar dois movimentos à
frente
Se os sauditas ou os curdos acabarão finalmente por dominar a parte da
Síria actualmente ocupada pelos Estados Unidos não vem agora ao
caso. O propósito principal dos EUA ao ocupar a porção
nordeste da Síria é seu objectivo de longo prazo de dividir o
país em partes, separando com isso de modo permanente o nordeste do
país do restante.
No decorrer do conflito sírio o governo dos EUA tentou repetidamente
vender ao público a ideia da partição, argumentando que
está é
a "única" solução
para o conflito "sectário" na Síria. Contudo, este
sectarismo foi cinicamente engendrado e alimentado por potências
estrangeira precisamente para provocar o actual conflito na Síria e em
última análise justificar a partição.
A
WikiLeaks revelou
que a CIA esteve envolvida na instigação anti-Assad e em
manifestações "sectárias" já em
Março de 2011.
Documentos desclassificados da CIA
mostram que o plano para pressionar pela partição engendrando o
sectarismo directamente a fim de enfraquecer o Estado sírio remonta a
pelo menos a década de 1980. A ideia da partição foi
também
reiteradamente apregoada
pela administração Obama, a qual declarou em várias
ocasiões que "pode ser demasiado tarde" para manter a
Síria como um todo.
Embora a administração Obama tenha chegado e partido, a
administração Trump também está na linha de
pressionar pela partição, graças à recente
nomeação de John Bolton para a posição de
Conselheiro de Segurança Nacional. Como
informou recentemente a MintPress
, Bolton advoga há muito a combinação do nordeste
Sírio com o noroeste do Iraque a fim de criar um novo país, ao
qual Bolton chamou de "Suninistão", que dominaria os recursos
de combustíveis fósseis dos dois países e contaria com os
recursos chave da água e da agricultura da região para sustentar
a população. Bolton pediu aos estados do Golfo Árabe, como
a Arábia Saudita, que financiassem a criação daquele
estado – portanto as tentativas recentes da administração
Trump para
negociar um "acordo"
com os sauditas pelo qual eles tomam o controle da parte ocupada pelos EUA na
Síria se concordarem em pagar US$4 mil milhões pela
reconstrução.
Visando o Irão
Embora tenha controle de recursos chave para dividir a Síria e
desestabilizar o governo em Damasco, o principal objectivo dos EUA na
ocupação do nordeste sírio, rico em petróleo e
água, visa não a Síria mas sim o Irão.
Como a firma de inteligência
Stratfor
, com sede nos EUA, notou em 2001, tomar o controle do nordeste da Síria
complicaria muitíssimo a rota terrestre entre a Síria e o
Irão bem como a rota terrestre entre o Irão e o Líbano. Em
Janeiro, Tillerson deixou claro este objectivo. Ao falar na Universidade de
Stanford,
Tillerson observou
eu "diminuir" a influência do Irão na Síria era
um objectivo chave para os EUA e uma grande razão para a sua
ocupação do nordeste.
Com o corte da estrada entre Teerão e Damasco, os EUA desestabilizariam
e enfraqueceriam muitíssimo o "eixo de resistência" da
região e, assim, os EUA – juntamente com seus aliados regionais
– seria capazes de aumentar muito sua influência e controle
regional. Dada a aliança entre a Síria e o Irão, bem como
seu acordo de defesa mútua, a ocupação é
considerada necessária a fim de enfraquecer ambos os países e um
precursor chave para
planos da administração Trump
para isolar e travar guerra contra o Irão.
Com informações internas a advertirem da
posição declínante dos EUA
como "única super-potência mundial", os EUA não
têm intenção de abandonar a Síria, pois está
a tornar-se cada vez mais desesperador manter sua influência na
região e manter também a influência das
corporações que mais se beneficiam com o império
estado-unidense.