A espuma das palavras

Translate

quinta-feira, 23 de junho de 2022

MICHAEL HUDSON

 OutrasPalavras e Resistir.info

Crise Civilizatória
Por Michael Hudson
Publicado 12/03/2021 às 20:01
Atualizado 07/04/2021 às 12:20

Por Michael Hudson | Tradução: Resistir.info, com revisão de Outras Palavras | Imagem: William Gropper

MAIS:
Esta é a primeira parte de um artigo é baseado no Capítulo 1 de:
Cold War 2.0 – The Geopolitical Economics of Finance Capitalism vs. Industrial Capitalism
(Dresden, ISLET, no prelo)
O original em inglês pode ser lido aqui. A parte 2, aqui

Boletim Outras Palavras

Receba por email, diariamente, todas as publicações do site

.

Marx e muitos dos reformadores menos radicais que lhe foram contemporâneos viam o papel histórico do capitalismo industrial como sendo o de remover a herança do feudalismo – os latifundiários, banqueiros e monopolistas que extraíam renda econômica (ou renta) sem produzir valor real. Mas aquele movimento de reforma fracassou. Hoje o setor das Finanças, Seguros e Imobiliário (FIRE, em inglês, pelas iniciais de Finance, Insurance, Real Estate recuperou o controle do Estado, criando economias neo-rentistas.

O objetivo deste capitalismo financeiro pós-industrial é o oposto daquele do capitalismo industrial bem conhecido dos economistas do século XIX. Ele busca riqueza primariamente através da extração de renda econômica, não da formação de capital industrial. O favorecimento fiscal para o setor imobiliário, a privatização do petróleo e da extração mineral, os bancos e os monopólios de infraestrutura aumentam o custo de vida e da atividade empresarial. O trabalho está sendo explorado crescentemente pela dívida aos bancos, dívida estudantil, dívida do cartão de crédito, ao passo que a habitação e outros preços são inflacionados com o crédito, deixando menos rendimento para gastar em bens e serviços quando as economias sofrem deflação da dívida.

A Nova Guerra Fria de hoje é um combate para internacionalizar este capitalismo rentista pela privatização e financiarização global dos transportes, educação, cuidados de saúde, prisões e policiamento, correios e comunicações – além de outros setores que antigamente eram mantidos no domínio público – das economias europeias e americanas, de modo a manter seus custos baixos e minimizar seus custos de estrutura.

Nas economias ocidentais tais privatização reverteram o movimento do capitalismo industrial para minimizar custos de produção e distribuição socialmente desnecessários. Além dos preços de monopólio para serviços privatizados, os administradores financeiros estão canibalizarando a indústria pela alavancagem da dívida e elevados desembolsos de dividendos para aumentar preços de ações.


As economias neo-rentistas de hoje obtêm riqueza principalmente por meio da busca de renta. A financeirização converte a renda imobiliária e monopólica em empréstimos bancários, ações e títulos. Este processo tem sido alimentado desde 2009 pelo Quantitative Easing (“Flexibilização Quantitativa”) dos bancos centrais dos EUA. União Europeia, Inglaterra, Japão e outros. [Significa emitir volumes maciços de dólares, euros, libras ou ienes e despejá-los nas mãos de mega-especuladores, recebendo em troca títulos públicos que têm em seu poder. A inundação de dinheiro espalha-se por todo o mundo, refletindo, por exemplo, na super-valorização dos preços dos imóveis (Nota de Outras Palavras)]

Famílias e empresas afundam em dívida, devendo renda e serviço de dívida aos setores FIRE. Esta sobrecarga rentista deixa menos rendimento de salários e lucros para gastar em bens e serviços, provocando o fim dos 75 anos de expansão vividos pelos EUA e Europa a partir o término da II Guerra Mundial em 1945.

Estas dinâmicas rentistas são o oposto do que Marx descreveu como leis do movimento do capitalismo industrial. A banca alemã, à época, financiava a indústria pesada sob Bismarck, em associação com o Reichsbank e os militares. Mas em outros lugares o empréstimo bancário raramente financiou novos meios de produção tangíveis. Aquilo que prometia ser uma dinâmica democrática e em última análise socialista degradou-se em direção ao feudalismo e à servidão da dívida, com a classe financeira de hoje desempenhando o papel que a classe dos senhores da terra tinha em tempos pós-medievais.

A visão de Marx do destino histórico do capitalismo:
Libertar economias do feudalismo

O capitalismo industrial que Marx descrevia no Volume 1 do Capital está sendo desmantelado. Ele considerava que o destino histórico do capitalismo era libertar as economias do legado do feudalismo: uma classe hereditária de senhores da guerra que impunha uma renda da terra (por meio de tributos) e da banca (via juros). Ele pensava que na medida em que o capitalismo industrial evoluísse rumo a uma administração esclarecida, e na verdade rumo ao socialismo, a finança usurária, predatória, seria eliminada, suprimindo-se o rendimento rentista, economicamente e socialmente desnecessário: renda da terra, juros financeiros e taxas relativas a crédito improdutivo. Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill, Joseph Proudon e seus companheiros economistas clássicos analisaram este fenômeno e Marx resumiu sua discussão nos Volume II e III do Capital e no seu livro paralelo Teorias da mais-valia, que trata da renda econômica e da matemática do juro composto, o qual leva a que a dívida cresça exponencialmente a uma taxa mais alta do que o resto da economia.

Entretanto, Marx dedicou o Volume I do Capital à característica mais óbvia do capitalismo industrial: o impulso para obter lucros por meio do investimento em meios de produção para empregar trabalho assalariado a fim de produzir bens e serviços para vender com uma margem superior ao que se pagava ao trabalho. Analisando o valor excedente pelo ajustamento das taxas de lucro para levar em conta gastos com a fábrica, equipamento e materiais (a “composição orgânica do capital”), Marx descreveu um fluxo circular no qual patrões capitalistas pagam salários aos seus trabalhadores e investem seus lucros na fábrica e em equipamentos com o excedente não pago aos empregados.

O capitalismo financeiro corroeu este núcleo da circulação entre trabalho e capital industrial. Grande parte do meio-oeste dos Estados Unidos [uma região antes intensamente industrializada] transformou-se num “cinturão de ferrugem”. Ao invés de o setor financeiro evoluir para financiar investimento de capital na manufactura, a indústria está sendo financeirizada. A obtenção de ganhos econômicos por via financeira, primariamente pela alavancagem da dívida, ultrapassa de longe os lucros alcançados pela contratação de empregados para produzir bens e serviços.

A aliança do capitalismo dos bancos com a indústria
para promover reforma política democrática

O capitalismo nos dias de Marx ainda continha muitas sobrevivências do feudalismo, mais notavelmente uma classe hereditária de senhores da terra que viviam de rendas da terra, a maior parte das quais era gasta improdutivamente com serviçais e luxos, não para obter lucro.

Estas rendas tinham tido origem num imposto. Vinte anos após a Conquista Normanda, Guilherme o Conquistador ordenou a compilação do [censo territorial] Domesday Book em 1086 para calcular o rendimento (yield) que podia ser extraído como imposto das terras inglesas que ele e os seus companheiros haviam capturado. Como resultado das exigências fiscais prepotentes do Rei João, a Revolta dos Barões (1215-17) e a sua Carta Magna permitiram aos principais senhores da guerra obter grande parte desta renda para si próprios. Marx explicou que o capitalismo industrial era politicamente radical ao procurar libertar-se do fardo de ter de suportar esta classe privilegiada de senhores da terra, a receber rendimentos sem qualquer base no valor de custo ou do próprio empreendimento.

Os industriais procuravam ganhar mercados através de cortes de custos abaixo daqueles dos seus competidores. Aquele objecivo exigia libertar toda a economia das “faux frais” [falsas despesas] de produção, encargos socialmente desnecessários embutidos no custo de vida e de fazer negócio. A renda econômica clássica era definida como o excesso de preço acima do valor de custo intrínseco, este último sendo em última análise redutível aos custos do trabalho. O trabalho produtivo era definido como aquele empregado para criar um lucro, em contraste com os serviçais e criados (cocheiros, mordomos, cozinheiros, etc.), com os quais os senhores da terra gastavam grande parte da sua renda.

A forma paradigmática de renda econômica era a renda de terra paga à aristocracia hereditária da Europa. Como explicou John Stuart Mill, os senhores da terra colhiam rendas (e aumentos dos preços da terra) “durante o sono”. Ricardo havia apontado (no capítulo 2 dos seus Princípios de Economia Política e Tributação, de 1817) uma forma parecida de renda diferencial em renda de recursos naturais. Decorria da capacidade dos proprietários de minas com teores de minério de alta qualidade venderem a sua produção mineral, de baixo custo, aos mesmos preços estabelecidos pelas minas de alto custo. Finalmente, havia uma renda monopolista paga aos proprietários de pontos de estrangulamento na economia, onde podiam extrair rendas [como, por exemplo, pedágios] sem base em qualquer desembolso de custos. Tais rendas logicamente incluíam juros financeiros, taxas e penalidades.

Marx via o ideal capitalista como o de libertar as economias da classe dos senhores da terra que controlavam a Câmara dos Lordes na Grã-Bretanha, assim como legislativos superiores em outros países. Tal objetivo exigiu reforma política do Parlamento na Grã-Bretanha, em última análise para substituir a Câmara dos Lordes pela Câmara dos Comuns (Commons), de modo a impedir os senhores da terra de protegerem seus interesses especiais às custas da economia industrial britânica. A primeira grande batalha neste combate contra o interesse dos proprietários de terra foi vencida em 1846 com a revogação das Leis do Milho. A luta para limitar o poder dos proprietários de terra sobre o Estado culminou com a crise constitucional de 1909-10, quando os Lordes rejeitaram o imposto fundiário imposto pelos Comuns. A crise foi resolvida por uma decisão de que os Lordes nunca mais poderiam rejeitar uma lei de arrecadação fiscal aprovada pela Câmara dos Comuns.

O lobbies dos bancos contra o setor imobiliário (1815-1846)

Pode parecer irônico hoje que o setor dos bancos britânicos estivesse de corpo e alma por trás do primeiro grande combate para minimizar a renda da terra. Tal aliança verificou-se depois de acabarem as Guerras Napoleônicas em 1815, que encerraram o bloqueio francês contra o comércio marítimo britânico e reabriram o mercado da Grã-Bretanha a importações de cereais com preços mais baixos. Os senhores da terra britânicos exigiam tarifas protetoras, de acordo com as Leis do Milho – para elevar o preço da comida, de modo a aumentar a receita e portanto o valor do arrendamento de suas posses territoriais. Mas isso resultava em economia de alto custo. Uma economia capitalista com êxito teria de minimizar estes custos a fim de ganhar mercados estrangeiros e, na verdade, defender seu próprio mercado interno. A ideia clássica de um mercado livre era um mercado livre de renta econômica – do rendimento do rentista na forma de renda da terra.

Esta renda – um quase-imposto, pago aos herdeiros dos bandos de senhores da guerra que haviam conquistado a Grã-Bretanha em 1066, e bandos vikings semelhantes que haviam conquistado outros reinos europeus – ameaçava reduzir o comércio exterior. Era uma ameaça para as classes banqueiras da Europa, cujo mercado era o financiamento do comércio através de letras de câmbio. A classe banqueira ascendeu quando a economia da Europa foi reanimada pelo vasto saque do ouro monetário de Constantinopla pelos Cruzados. Aos banqueiros foi permitida uma escapatória, para evitar a proibição aos cristãos de cobrar juros. Seu ganho assumiu a forma de ágio, uma taxa pela conversão de moeda de uma divisa para outra, ou de um país para outro. Mesmo o crédito interno podia utilizar esta escapatória do “câmbio fictício” (“dry exchange”), cobrando ágio em transacões internas camufladas como transferência de moeda estrangeira, da mesma forma que as grandes corporações modernas utilizam hoje “centros bancários offshore” para fingir que ganham os seus rendimentos em países que não cobram impostos

Se àquela época a Grã-Bretanha se tornasse a fábrica do mundo, isto se seria altamente lucrativo para a classe dos banqueiros de Ricardo. Ele era o seu porta-voz parlamentar; hoje, diríamos lobista). A Grã-Bretanha beneficiava-se de uma divisão internacional do trabalho em que exportava manufaturas e importava alimentos e matérias-primas de outros países, especializados em commodities primárias e dependentes dos produtos industriais britânicos. Mas para isto acontecer, a Grã-Bretanha precisava de um trabalho operário a baixo preço. Isso significava baixos custos alimentares, que naquele tempo eram as maiores itens nos orçamentos familiares dos trabalhadores assalariados. Isso, por sua vez exigia acabar com o poder da classe dos senhores da terra de proteger o seu “almoço gratuito” da renda da terra e o de todos os beneficiários de tais “rendimentos não merecidos”.

Hoje é difícil imaginar industriais e banqueiros de mãos dadas, promovendo uma reforma democrática contra a aristocracia. Mas aquela aliança foi necessária no princípio do século XIX. Naturalmente, a reforma democrática naquela época só ia até o ponto de remover a classe dos proprietários de terra, não de proteger os interesses do trabalho.

A retórica democrática vazia da classe industrial e banqueira tornou-se evidente nas revoluções da Europa de 1848. Então, os interesses estabelecidos uniram-se contra a extensão da democracia à população em geral, logo depois que esta ajudou a acabar com a proteção das rendas dos proprietários de terra.

Naturalmente, foram os socialistas que retomaram o combate político depois de 1848. Marx mais tarde recordou a um correspondente que o primeiro ponto do Manifesto Comunista era socializar a renda da terra, mas divertia-se com os críticos da renda no “livre mercado”, que se recusavam a reconhecer que existia uma exploração semelhante à do rentista no emprego industrial da mão-de-obra assalariada. Tal como os proprietários de terra obtinham uma renda da terra superior ao custo de produzir as suas culturas (ou arrendamentos de habitação), também os empregadores obtinham lucros através da venda dos produtos do trabalho assalariado com uma margem de lucro. Para Marx, isso em princípio tornava os industriais parte da classe dos rentistas, embora o sistema econômico geral do capitalismo industrial fosse muito diferente do dos rentistas pós-feudais, senhores da terra e banqueiros.

A aliança dos bancos com os proprietários de imóveis
e outros setores, em busca de renda

Ao observar como o capitalismo industrial evoluía nos dias de Marx, é possível compreender que ele foi otimista demais, quando enxergou o impulso dos industriais para se desfazerem de todos os custos de produção desnecessários – todos os encargos que aumentavam o preço sem aumentar o valor. Nesse sentido, ele estava plenamente em sintonia com o conceito clássico de mercados “livres” – da renda da terra e de outras formas de renta.

A teoria econômica convencional de hoje reverteu este conceito. Numa distorção orwelliana de duplipensar, os direitos adquiridos (vested interests) definem um mercado livre como sendo “livre” para a proliferação de várias formas de renda da terra, chegando ao ponto de dar benefícios fiscais especiais ao investimento imobiliário ausente, a indústrias de petróleo e mineração (renda sobre recursos naturais) e acima de tudo à alta finança (a ficção contabilística dos “direitos adquiridos”, uma expressão obscura para arbitragem especulativa a curto prazo).

O mundo de hoje na verdade libertou as economias do fardo do arrendamento de terras hereditárias. Quase dois terços das famílias norte-americanas são proprietárias das suas próprias casas (embora o índice de propriedade da casa própria tenha decrescido de 68% para 62%, desde os Grandes Despejos de Obama. Eles foram um subproduto da crise das hipotecas podres e dos salvamentos (bailouts) de bancos adotados pelo presidente entre 2009 a 2016. Na Europa, as taxas de propriedade imobiliária atingiram 80% na Escandinávia e taxas elevadas caracterizam todo o continente. A propriedade da casa própria – e também a oportunidade de comprar bens imobiliários comerciais – foi de fato democratizada.

Mas foi democratizada a crédito. Este é o único modo de os assalariados obterem habitação, porque do contrário teriam de gastar a poupança de toda a vida para comprar uma casa. Após o término da II Guerra Mundial, em 1945, os bancos forneceram o crédito para a compra de casas (e para especuladores comprarem propriedades comerciais), concedendo-lhes crédito hipotecário a ser liquidado ao longo de 30 anos, a provável vida de trabalho do jovem comprador do imóvel.

O segmento imobiliário é, em muitos países, o maior do mercado bancário. Os empréstimos hipotecários representam cerca de 80% do crédito bancário estadunidense e britânico. Eles desempenhava um papel menor em 1815, quando os bancos se concentravam no financiamento do comércio e nas transações internacionais. Hoje podemos falar da Finança, Seguros e Imobiliário (FIRE) como o setor rentista dominante da economia. Esta aliança dos bancos com a propriedade imobiliária levou os primeiros a se tornarem os principais lobistas da proteção dos proprietários imobiliários. Opuseram-se ao imposto territorial que parecia ser a onda do futuro em 1848, face às crescentes campanhas para tributar toda a valorização e as rendas da terra, e constituir a base tributária proposta por Adam Smith, ao invés de tributar o trabalho e os consumidores ou os lucros. De fato, quando o imposto sobre a renda começou a ser cobrado nos EUA, em 1914, ele incidia apenas sobre os mais ricos: 1% dos norte-americanos, cujo rendimento tributável consistia quase inteiramente em propriedades e direitos financeiros.

O século passado reverteu aquela filosofia fiscal. Em muitos países, os bens imóveis passaram a pagar quase zero de imposto desde a II Guerra Mundial, graças a dois benefícios. O primeiro é a “depreciação fictícia”, por vezes denominada de “super-depreciação” (“over-depreciation”). Os proprietários podem fingir que seus edifícios perdendo valor, alegando que se desgastam a taxas ficticiamente elevadas. (É por isso que Donald Trump diz adorar depreciação). Mas de longe a maior dádiva é que os pagamentos de juros são dedutíveis nos impostos. Os bens imóveis são tributados localmente, com certeza, mas tipicamente apenas a 1% da sua valorização avaliada, o que é menos de 7 a 10% da renda real do terreno1.

A razão básica por que os bancos apoiam o favorecimento fiscal dos proprietários é que tudo a que o arrecadador fiscal renunciar fica disponível para ser pago como juro. Banqueiros hipotecários acabam ficando com a vasta maioria da renda da terra nos Estados Unidos. Quando uma propriedade é posta à venda e os proprietários disputam uns contra os outros para comprá-la, o ponto de equilíbrio é aquele em que o vencedor está disposto a pagar ao banqueiro o valor pleno da renda para conseguir uma hipoteca. Investidores comerciais também se dispõem a pagar todo o rendimento como rendas, para conseguirem uma hipoteca, porque se beneficiam do ganho de “capital” – ou seja, o aumento do preço da terra.

A posição política dos chamados socialistas ricardianos na Grã-Bretanha e dos seus homólogos na França (Proudhon e outros) era a de que o Estado cobrasse a renda econômica da terra como a sua principal fonte de receitas. Mas os ganhos de “capital” de hoje verificam-se principalmente no setor imobiliário e financeiro e são virtualmente isentos de impostos para os proprietários de terras. Os proprietários não pagam impostos sobre a valorização à medida que os preços imobiliários sobem. E quando os proprietários morrem, toda a responsabilidade fiscal é extinta.

As indústrias petrolífera e mineira também estão notoriamente isentas do imposto sobre suas rendas de recursos naturais. Durante muito tempo, o subsídio por esgotamento (depletion allowance) permitiu-lhes um crédito fiscal para o petróleo que era vendido, permitindo-lhes comprar novas propriedades produtoras de petróleo (ou o que quisessem) com a sua suposta perda de ativos, definida como o valor para recuperar o que quer que tivessem esgotado. Não havia perda real, é claro. O petróleo e os minérios são fornecidos pela natureza.

Estes setores também se tornam isentos de impostos sobre os seus lucros e rendas no exterior, pois utilizam-se de centros bancários off-shore. Este estratagema permite-lhes reivindicar a realização de todos os seus lucros no Panamá, Libéria ou outros países que não cobram um imposto sobre o rendimento e muitas vezes não têm moeda própria, mas utilizam o dólar para poupar às corporações qualquer risco com câmbios estrangeiros.

No setor petrolífero e mineiro, tal como no imobiliário, o sistema bancário tornou-se simbiótico com os beneficiários do rendas, incluindo as empresas que extraem renda monopolista. Já no final do século XIX, o setor bancário e segurador era reconhecido como “a mãe dos trusts”, financiando a sua criação para extrair rendas monopolistas acima das taxas de lucro normais.

Estas mudanças tornaram a extração de renda muito mais remuneradora do que a busca do lucro industrial – exacamente o oposto do que os economistas clássicos insistiam e esperavam que viesse a ser a trajetória mais provável do capitalismo. Marx esperava que a lógica do capitalismo industrial libertasse a sociedade do seu legado rentista e criasse investimento público em infra-estruturas a fim de reduzir o custo de produção em toda a economia. Ao minimizar as despesas de mão-de-obra que os empregadores tinham de cobrir, este investimento público colocaria em funcionamento a rede organizacional que, a seu tempo (e certamente por meio de uma revolução) se tornaria uma economia socialista.

Embora os bancos tenham se desenvolvido ostensivamente para servir o comércio externo das nações industriais, eles tornaram-se uma força em si mesma, minando o capitalismo industrial. Em termos marxistas, ao invés de financiar a circulação M-C-M’ (dinheiro investido em capital para produzir lucro e, portanto, ainda mais dinheiro), a alta finança abreviou o processo para M-M’, ganhando dinheiro puramente com dinheiro e crédito, sem investimento de capital tangível.

A pressão rentista sobre os orçamentos:
Deflação da dívida como subproduto da inflação dos preços

A democratização da propriedade habitacional significou que as casas já não eram possuídas principalmente por proprietários ausentes que extraíam renda, mas por seus próprios ocupantes. À medida em que a propriedade das casas se difundia, novos compradores passaram a apoiar o esforço rentista para bloquear a tributação da terra – não percebendo que a renda não tributada seria paga aos bancos como juros, para absorver a renda de arrendamento até então paga a senhorios ausentes.

Os preços imobiliários subiram em consequência da alavancagem da dívida. O processo torna ricos os investidores, especuladores e seus banqueiros, mas eleva o custo da habitação (e da propriedade comercial) aos novos compradores, os quais são obrigados a assumir mais dívida a fim de obter habitação segura. Esse custo é também transferido para os inquilinos. E os empregadores, em última análise, são obrigados a pagar à sua força de trabalho o suficiente para que esta cubra estes custos financeirizados de habitação.

A deflação da dívida tornou-se a característica distintiva das economias atuais desde na América do Norte e Europa, impondo “austeridade” à medida em que o serviço da dívida absorve uma parte crescente do rendimento pessoal e empresarial, deixando menos para gastar em bens e serviços. Os 90% dos sujeitos econômicos endividados veem-se obrigados a pagar cada vez mais juros e taxas financeiras. O setor empresarial, e agora também os poderes estatal e local, são igualmente obrigados a pagar uma parte crescente das suas receitas aos credores.

Os investidores estão dispostos a pagar a maior parte dos seus rendimentos de rendas como juros ao setor bancário, porque esperam vender a sua propriedade em algum momento por um ganho de “capital”. O capitalismo financeiro moderno centra-se nos “retornos totais”, definidos como rendimentos correntes mais ganhos nos preços de ativos, sobretudo para terrenos e bens imobiliários. Na medida em que uma casa ou outra propriedade é valiosa por muito que os bancos emprestem contra ela, a riqueza é criada principalmente através de meios financeiros, pelos bancos que emprestam uma proporção crescente do valor dos ativos dados em garantia.

Variaações anuais do PIB e 
principais componentes de ganhos nos preços dos ativos 
(em bilhões de dólares)


O fato de que os ganhos em preços de ativos são amplamente financiados pela dívida explica por que o crescimento econômico está se reduzindo nos Estados Unidos e na Europa, mesmo quando o mercado de ações e os preços imobiliários são inflacionados com crédito. O resultado é uma economia alavancada por dívida.

As alterações econômicas no valor da terra de ano para ano excedem de longe as alterações do PIB. A riqueza é obtida primariamente através de ganhos em preços de ativos (“capital”) na valorização de terras e imóveis, ações, obrigações e empréstimos de credores (“riqueza virtual”), não tanto pela poupança de rendimentos (salários, lucros e rendas). A magnitude destes ganhos de preços de ativos tende a apequenar lucros, rendimentos de arrendamentos e salários.

A tendência tem sido de imaginar que o aumento dos preços dos imóveis, ações e títulos tem tornado os proprietários mais ricos. Mas esta subida de preços é alimentada pelo crédito bancário. Uma casa ou outra propriedade é tão mais valiosa quanto mais um banco, tomando-a por garantia – e os bancos têm emprestado uma proporção cada vez maior do valor das casas, desde 1945. No caso dos bens imobiliários dos EUA, a dívida excede o capital próprio desde há mais de uma década. A alta dos preços imobiliários tornou os bancos e especuladores ricos, mas deixou os proprietários das casas e a dívida imobiliária comercial afundados em dívidas.

A economia como um todo sofreu. Os custos de habitação alimentados pela dívida nos Estados Unidos são tão elevados que se todos os norte-americanos recebessem gratuitamente os seus bens de consumo físico – a sua comida, vestuário, etc – ainda assim não poderiam competir com os trabalhadores na China ou na maior parte dos outros países. Esta é uma das principais razões pelas quais a economia dos EUA se desindustrializ.. Por isso, a política de “criação de riqueza” por meio da financeirização sabota a lógica do capitalismo industrial. 

(continua)

1Apresento os gráficos em The Bubble and Beyond (Dresden: 2012), Capítulos 7 e 8, e Killing the Host (Dresden: 2015).

Publicada por Nozes Pires à(s) quinta-feira, junho 23, 2022 Sem comentários:

Pepe Escobar explica o fim do mundo unipolar

Publicada por Nozes Pires à(s) quinta-feira, junho 23, 2022 Sem comentários:

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Partilho porque a verdade nunca é única. Contudo, nesta análise de um importante analista marxista não subscrevo um determinado radicalismo ceticista que às vezes conduz à paralisia

 

Blogue Pelo Socialismo

A QUESTÃO DA PAZ E O IMPERIALISMO

21.06.22

Greg Godels

Entender o imperialismo como um conflito entre o desenvolvimento avançado e atrasado baseado nos termos desiguais da atividade económica – uma espécie de roubo organizado – é entender mal a natureza da exploração sob o capitalismo. A intensa competição entre os atores – grandes e pequenos – por mercados, recursos, trabalho e capital são a essência do capitalismo e do imperialismo. Não há uma linha nítida entre esta competição e a guerra.

 

 

Sem Título.jpg

A guerra na Ucrânia é uma guerra de propaganda, com todos os beligerantes, patrocinadores e seus aliados produzindo – através de uma mídia abjetamente subserviente – amontoados de mentiras e desinformação. Nesse sentido, eles assemelham-se a outras guerras, mas com uma dose adicional de falta de vergonha.

 

Por essa razão, é difícil discernir como a guerra está a ser conduzida ou quem tem a vantagem militar a qualquer momento. Como todas as guerras modernas, as histórias de atrocidades são abundantes e as perdas são exageradas.

 

Mas o que separa esta guerra das guerras do passado recente, e não tão recente, é a quase ausência de um movimento antiguerra organizado. É mais do que uma curiosa estranheza que existam poucas ações nas ruas ou campanhas de influência ou resistência para parar o caos desta guerra brutal. Claro, há apelos genéricos para cortar orçamentos militares ou  a  opor filosoficamente à guerra, mas pouca ação para parar esta guerra em particular.

 

Apesar do chamado “nevoeiro” da guerra, todos sabem que soldados e civis estão a morrer em número significativo, que há corpos dilacerados, casas destruídas e pessoas desalojadas de suas casas. Nenhum “nevoeiro”  mais ou menos denso pode esconder isto.

 

Claro, existem algumas vozes proeminentes – Papa Francisco, até Henry Kissinger – que pediram a cessação dos combates e negociações. E comunistas e sindicalistas na Itália, Grécia e Turquia bloquearam os carregamentos de armas da NATO, organizaram manifestações e fizeram piquetes em embaixadas.

 

Mas, na maioria das cidades, Estados e países há poucas ações direcionadas contra a guerra na Ucrânia. E o mais surpreendente é que as pessoas de esquerda na Europa e nas Américas, que geralmente lideram o caminho contra a guerra, estão em grande parte silenciosos. Eles não exigiram minimamente que os seus próprios países fiquem de fora dessa guerra.

 

Em vez disso, eles aliaram-se tácita ou abertamente a um ou outro beligerante. Escrevi e falei em diferentes ocasiões contra tomar partido no conflito. Além disso, procurei colocar a guerra no contexto do imperialismo clássico e sugeri que o apoio da esquerda tanto aos beligerantes quanto aos seus patrocinadores  está errado, semelhante ao colapso da oposição de esquerda no início da Primeira Guerra Mundial. Naquele caso, esquerda sucumbiu aos apelos nacionalistas estreitos.  Neste caso, a esquerda está a sucumbir a um conceito confuso de imperialismo e anti-imperialismo. 

 

Em vez de repetir o argumento, pode ser útil analisar como e por que as pessoas de esquerda justificam o seu apoio a um lado ou outro e se abstêm de acrescentar a sua voz à causa da paz na Ucrânia.

 

É fácil descartar aqueles que apoiam a Ucrânia de forma acrítica. Além dos nacionalistas raivosos da multidão “Glória à Ucrânia”, que dão as boas-vindas ao conflito e esperam atrair os países capitalistas ocidentais para uma cruzada contra a Rússia, há aqueles que veem a guerra de forma simplista como uma agressão pura e sem história. Por ignorância da história pós-soviética ucraniana de corrupção, reação, intromissão e agressão ocidentais, ou por colaboração voluntária com as intrigas dos EUA e da NATO esses novos  soldados da Guerra Fria procuram uma derrota russa e não têm interesse num acordo pacífico imediato ou preocupação com o caos.

 

Contra eles estão os camaradas mais comedidos que, lembrando o impasse da Guerra Fria entre os EUA e os seus aliados e a União Soviética e seus aliados, confundem a Rússia de hoje com a União Soviética. Eles reconhecem como a União Soviética constituiu um polo de resistência que se opôs e às vezes reverteu os desígnios da aliança imperialista da Guerra Fria sobre o mundo. O imperialismo dos EUA, a potência imperialista dominante na época, foi efetivamente controlado pela União Soviética de 1945 até o fim da União Soviética em 1991.

Esses anti-imperialistas veem a Rússia, na sua guerra contra a Ucrânia, como um polo emergente semelhante contra  o imperialismo dos EUA  e veem a invasão da Rússia como uma expressão de uma rutura do domínio militar e económico absoluto dos EUA sobre o mundo estabelecido após a queda da União Soviética. Para eles, um mundo multipolar está a nascer.

 

Há fragmentos de verdade nessa visão, mas a Rússia não é a União Soviética. Não compartilha a sua ideologia; em vez disso, os seus motivos substituem o internacionalismo soviético por um aspirante ao nacionalismo de grande potência. Enquanto explora as brechas na hegemonia global dos EUA, não oferece uma visão alternativa ou assistência incondicional às vítimas do capitalismo e do imperialismo. Nesse sentido, a Rússia também não é Cuba.

 

A política externa da Rússia é o oportunismo capitalista: amigos da Turquia ou de Israel num momento, em conflito no momento seguinte. A Rússia alinha-se com a Arábia Saudita quando é economicamente lucrativa, ao mesmo tempo que luta contra os representantes sauditas na Síria. Não há princípios consistentes que a orientem. Nem pode haver, para um país que rejeitou o socialismo a favor do capitalismo. Aqueles que veem a política externa e as alianças russas como progressistas são muito seletivos nos seus exemplos.

Os líderes da Rússia prontamente abraçam os valores capitalistas e rejeitam o projeto soviético, embora apelem, quando necessário, aos símbolos e tradições soviéticas quando úteis.

 

Pode ser verdade que a invasão russa acabe por atingir os objetivos almejados pela sua classe dominante. E pode ser verdade que esses ganhos venham à custa do imperialismo dos EUA e da sua classe dominante, mas como é que isso nos aproxima de um mundo de paz e justiça social? As rivalidades permanecem, os objetivos das respetivas classes dominantes permanecem incertos e instáveis, apesar das suas proclamações de amantes da paz que procuram  a democracia; e o perigo de conflito permanece alto ou ainda maior.

 

Há outros que veem a guerra – na medida em que a Rússia está a desafiar o poder dos EUA – como um golpe a favor daqueles que estão no fundo do que podemos imaginar como a “pirâmide” imperialista – os países em desenvolvimento. Jenny Clegg, por exemplo, ao escrever no The Morning Star , vê o desenvolvimento de “concorrentes”  ao domínio dos EUA como o estabelecimento dos primeiros passos em direção a um mundo multipolar. Ela observa corretamente que a multipolaridade “não é uma política, mas uma tendência objetiva emergente…”

Além disso, ela vê  a troca desigual entre os países altamente desenvolvidos e os países em desenvolvimento como a principal contradição – a contradição que define o imperialismo e o anti-imperialismo.

 

Embora essa distinção centro-periferia fosse popular e influente entre os “marxistas” ocidentais independentes na época em que as classes trabalhadoras do centro – do Ocidente – eram geralmente domadas pelo oportunismo social-democrata, não era particularmente interpretativa nem de relevância contínua.

 

Marx fez um grande esforço para mostrar que a troca, sob as relações capitalistas de produção, não era geralmente desigual – valores trocados por valores. Mas essas mesmas relações de produção produzem  sempre e reproduzem a desigualdade. O âmago da desigualdade – a exploração capitalista – está embutido no sistema capitalista, não no roubo da troca desigual.

 

Como Lenine mostrou, o desenvolvimento desigual é uma característica das relações entre pessoas, instituições sociais, empresas da mesma indústria, entre indústrias e entre países e até continentes. Não é a troca desigual que explica o desenvolvimento desigual, mas as diferenças no ritmo de desenvolvimento, práticas culturais e sociais, instituições políticas e outras e, mais importante, especialmente na época do imperialismo, os efeitos atrofiadores do colonialismo, do neocolonialismo, e o seu legado.

 

No último meio século, os desenvolvimentos tecnológicos libertaram os capitalistas para movimentarem, acederem e empregarem as forças produtivas materiais – fábricas, redes de transporte, recursos – a fim de obter acesso a mercados de trabalho anteriormente inacessíveis, tornando mais barato o trabalho em geral. Ao mesmo tempo, esse desenvolvimento criou padrões de vida crescentes em alguns países em desenvolvimento, enquanto os reduzia em alguns países capitalistas avançados.

 

Consequentemente, alguns países capitalistas – como Índia, Turquia, Brasil, Indonésia – tornaram-se poderosos rivais das grandes potências do final do século XX.

O conceito de troca “desigual” como explicação para a desigualdade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento (e para a diferença entre imperialismo e anti-imperialismo) falha porque implica que, se as trocas se igualassem, essa mesma desigualdade entre os estados evaporar-se-ia. Ainda mais importante, sugere que a troca igualitária – e não o fim do capitalismo – sinalizaria o fim do imperialismo.

 

Entender o imperialismo como um conflito entre o desenvolvimento avançado e atrasado baseado nos termos desiguais da atividade económica – uma espécie de roubo organizado – é entender mal a natureza da exploração sob o capitalismo. A intensa competição entre os atores – grandes e pequenos – por mercados, recursos, trabalho e capital são a essência do capitalismo e do imperialismo. Não há uma linha nítida entre esta competição e a guerra.

 

Clegg quer que acreditemos que, num mundo multipolar, com o poder dos EUA diminuído, o estabelecimento de trocas iguais trará um período de competição civilizada, bem-comportada e respeitosa. Ela insiste que esse contraste com o mundo perigoso de hoje é explicado pela distinção entre competição e rivalidade, uma distinção que acho que poucos acharão satisfatória. Num aparte, ela explica: “competição não é o mesmo que rivalidade – imaginem competir numa corrida em vez de passarem rasteiras deliberadamente ao rival nessa corrida”. Pensar que a competição desportiva não evolui comummente para um conflito sem limites e para a violência está certamente fora de sintonia com a história do desporto e da política internacional no século XX.

 

Da confiança na escolha racional ou teoria dos jogos, agora intelectualmente em moda e proeminente, aplicada ao comportamento das empresas capitalistas, desde a constante disputa de fronteiras, rotas marítimas e águas territoriais até o estabelecimento de alianças militares e económicas, há pouca evidência de que os países capitalistas  lutem num campo de jogo económico justo com regras fixas, transparentes e respeitadas. O “todos ganham” não faz parte do vocabulário capitalista.

 

Clegg escreve sobre “o antigo poder hegemónico dos EUA” como tendo “estado em relativo declínio” e como se o “novo – uma distribuição mais igualitária de riqueza e poder” se estivesse a desenvolver, embora lentamente. Apesar de se poder admitir alegremente que aspetos do poder e da influência dos EUA foram desafiados e atenuados, embora se possa acrescentar que os EUA mostram muitos sinais de declínio económico, político e social, isso não significa, nem é provável, que qualquer “ nova distribuição de riqueza e poder” seja mais equitativa ou justa. E o mais importante, mesmo que a riqueza e o poder fossem distribuídos de forma mais equitativ entre os  países, há poucas razões para acreditar que seriam distribuídos de forma mais equitativa dentro desses países. A multipolaridade de Clegg não pode fazer tais promessas às classes laboriosas.

 

Finalmente, há aquelas pessoaas de esquerda que lutaram ao longo da vida contra o imperialismo dos EUA e só podem ver um inimigo do nosso inimigo como nosso amigo. Existem poucas pessoas  verdadeiramente de esquerda que ainda estejam vivas, que se possam lembrar de uma época em que os EUA não eram a grande potência líder e a âncora da aliança capitalista contra o socialismo, o socialismo como uma corrente política legítima, como um rival do capitalismo global e como um polo reunindo as forças do anti-imperialismo.

 

Portanto, é difícil imaginar que o mundo não beneficie do desamparo do imperialismo norte-americano, da sua queda como grande potência. Nenhum grande poder bo nosso tempo causou danos mais mortais. Mas isso certamente mostra uma compreensão fraca do capitalismo e dos seus estágios de desenvolvimento.

 

Havia líderes nacionalistas em vários países sob a bota do imperialismo britânico no período entre guerras que saudaram a ascensão de Hitler e Tojo1, agradecendo-lhes como possíveis salvadores de centenas de anos de repressão pelo Império Britânico, o principal imperialista da época.

 

Subhas Chandra Bose, por exemplo, um líder nacionalista indiano que já foi presidente do Congresso Nacional Indiano, estava tão profundamente comprometido em derrubar o domínio britânico na Índia que colaborou ativamente e sem desculpas com os nazis e japoneses na Segunda Guerra Mundial. Essa miopia é uma versão extrema das palas usadas por muitos anti-imperialistas que não conseguem entender a lógica do imperialismo e o seu vínculo inquebrável com o capitalismo.

 

A luta contra o imperialismo norte-americano, como a luta contra o seu predecessor, o Império Britânico, acabará por ser resolvida em casa quando o povo finalmente se recusar a continuar a pagar o preço pelos grandes projetos dos seus governantes. É claro que os oprimidos pelo imperialismo desempenham um papel igualmente importante, o de resistentes; embora o imperialismo como a ferrugem, nunca dorme. É um imperativo, uma   exigência  da acumulação capitalista – se for derrotada num lugar, certamente encontrará outro lugar para satisfazer a sua luxúria. Essa dinâmica só termina quando o nosso mundo encontrar o socialismo. O pensamento piedoso de um capitalismo benigno com todos os participantes pacificamente num campo de jogo equilibrado é apenas isso – um pensamento piedoso.

 

A multipolaridade – uma noção discutida pela primeira vez por académicos burgueses em busca de ferramentas para entender a dinâmica das relações globais – foi adotada por um segmento da esquerda anti-imperialista. Embora certamente descreva uma tendência real emergente, como Jenny Clegg reconhece, muitas vezes tem sido apresentada como um estádio anti-imperialista mudando o equilíbrio de forças mundial na direção de um mundo melhor.

 

Tenho dito que iste é um recuo em relação ao imperialismo clássico como foi entendido por V.I. Lenine e os seus seguidores. No contexto de um mundo instável em desordem ideológica e sofrendo crises incalculáveis, não há garantias de que os polos que emergem ou desafiam o superpolo pós-Guerra Fria estejam um passo à frente ou um passo atrás simplesmente porque são polos alternativos. Sem dúvida, qualquer resistência que enfraqueça a assimetria de poder que os EUA detêm deve ser bem-vinda. Mas não devemos presumir que todo oponente se tornará uma força de estabilidade, justiça e paz. Saber o que sabemos sobre a história do capitalismo desde a  sua primeira era expansionista, acumulando capital humano involuntário para explorar as riquezas do novo mundo, deve moderar as nossas expectativas sobre novos rivais do imperialismo norte-americano.

 

Com a queda da União Soviética como pano de fundo e a incerteza deixada no seu rasto, devemos ser cautelosos ao enaltecer quaisquer novos candidatos ao papel de arquirrival não apenas do imperialismo dos EUA, mas de todo o imperialismo, bem como a sua génese, o capitalismo.

 

Enquanto a esquerda disputa futilmente a vítima e o vitimizador, os trabalhadores estão a morrer desnecessariamente, a padecer sofrimentos horríveis, falta de habitação e desespero – todos os produtos da guerra moderna. As vidas da classe operária não devem ser reféns em debates ideológicos. Os acontecimentos decidirão quem tem o entendimento correto do imperialismo, mas a história não será gentil com aqueles que falharem, entretanto, em   opor-se à guerra e procurar uma solução pacífica.

1Hideki Tojo (1884 - 1948) foi um  general do Exército Imperial Japonês  e criminoso de guerra condenado, que serviu como primeiro-ministro do Japão  durante a maior parte da Segunda Guerra Mundial. Assumiu vários outros cargos, incluindo Chefe do Estado Maior do Exército Imperial antes de ser retirado em julho de 1944. Durante os seus anos no poder, a sua  ação política foi marcada pela extrema violência perpetrada pelo Estado em nome do ultranacionalismo japonês.

 

Fonte: https://mltoday.com/the-peace-question-and-imperialism/, publicado e acedido em 06.06.2022

 

Tradução de TAM

Publicada por Nozes Pires à(s) quarta-feira, junho 22, 2022 Sem comentários:

"L'armée ukrainienne se fait littéralement hacher sur place !" - La chro...

Publicada por Nozes Pires à(s) quarta-feira, junho 22, 2022 Sem comentários:

Importantíssimo texto

 

Porque é tão difícil acabar com o nazismo?

18.06.22

O crescente pacto de suicídio da NATO ameaça incendiar o mundo

 

Matthew Ehret

Este crescimento [do nazismo] não está apenas a tomar a forma de uma renovação do sol negro tatuado com suásticas neonazis dos Azov, C14, Svoboda e Aidar na Ucrânia hoje em dia, mas também uma reescrita completa da história da Segunda Guerra Mundial que deu um mergulho acelerado na irrealidade durante os 30 anos desde o colapso da União Soviética.

 

É possível que a guerra que pensávamos ter vencido em 1945 fosse apenas uma batalha dentro de uma guerra maior pela civilização cujo resultado ainda está para se ver?

A decisão recentemente expressa pelos governos finlandês e sueco de aderir ao pacto de suicídio coletivo da NATO não deve ser uma grande surpresa para quem tem prestado atenção ao crescimento do nazismo nos últimos 77 anos.

Este crescimento não está apenas a tomar a forma de uma renovação do sol negro tatuado com suásticas neonazis dos Azov, C14, Svoboda e Aidar na Ucrânia hoje em dia, mas também uma reescrita completa da história da Segunda Guerra Mundial que deu um mergulho acelerado na irrealidade durante os 30 anos desde o colapso da União Soviética.

Em todo o espectro de membros pós-Pacto de Varsóvia absorvidos pela NATO, como a Lituânia, Estónia, Albânia, Eslováquia e Letónia, os colaboradores nazis da Segunda Guerra Mundial foram glorificados com estátuas, placas públicas, monumentos e até escolas, parques e ruas com nomes de nazis. Celebrar os colaboradores nazis enquanto desmontam monumentos pró-soviéticos quase se tornou uma pré-condição para qualquer nação que deseje ingressar na NATO.

Na Estónia, que se juntou à NATO em 2004, a Erna Society, financiada pelo Ministério da Defesa, celebrou o grupo nazi Erna Saboteur que trabalhou com as Waffen SS na Segunda Guerra Mundial, tendo a Guarda avançada Erna sido elevada a herói nacional oficial. Na Albânia, o primeiro-ministro Edi Rama reabilitou o colaborador nazi Midhat Frasheri, que deportou milhares de judeus do Kosovo para campos de extermínio.

Na Lituânia, o líder pró-nazi da Frente Ativista Lituana Juozas Lukša, que cometeu atrocidades em Kaunas, foi homenageado como herói nacional por um ato do Parlamento que aprovou uma resolução apelidando “o ano de 2021 como o ano de Juozas Luksa-Daumantas”. Na Eslováquia, o 'Nosso Partido Popular da Eslováquia', liderado pelo neonazi Marián Kotleba, passou do seu estatuto de força marginal para a visibilidade dos principais partidos, conquistando 10% dos assentos parlamentares em 2019.

Esqueletos nazis na Finlândia e armários da Suécia

Enquanto a Finlândia gosta de comemorar o facto de que a sua guerra de 1941-1944 com a Rússia não teve nada a ver com a Segunda Guerra Mundial, mas foi simplesmente uma aliança defensiva com a Alemanha contra a malvada União Soviética, e enquanto a Suécia gosta de comemorar o facto de ter permanecido neutra durante a Segunda Guerra Mundial, os factos contam uma história muito diferente.

Não apenas ambas as nações desempenharam papéis agressivos na guerra contra a União Soviética durante a Operação Barbarossa e para além dela, mas ambas as nações também forneceram vastos empréstimos e outros apoios económicos de 1940 a 1945.

Num nível puramente militar, a Suécia “neutra” liderada pelo rei Gustavo V e o primeiro-ministro social-democrata Per Albin Hannson garantiu que os seus territórios fossem disponibilizados aos nazis durante a Batalha de Narvik em 1940, que resultou na queda da Noruega. Quando a Operação Barbarossa foi lançada um ano depois, a Alemanha foi autorizada a usar o território sueco, ferrovias e redes de comunicação para invadir a União Soviética via Finlândia. Soldados alemães e equipamentos de batalha foram transportados de Oslo para Haparanda, no norte da Suécia, em preparação para ataques à Rússia.

Na frente económica, 37% das exportações suecas ao longo da guerra foram para a Alemanha, o que incluía 10 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, bem como a maior produção de rolamentos de esferas, vitais para a máquina de guerra nazi que eram exportados através dos portos da Noruega ocupada pelos nazis. A família pró-fascista von Rosen desempenhou um dos papéis mais importantes na promoção da ideologia nazi na Suécia tendo  Eric von Rosen co-fundando o Partido Nacional Socialista da Suécia e fornecido acesso à camada superior da nobreza sueca ao alto comando alemão durante a década de 1920-1930.

Além disso, o conde Hugo von Rosen atuou como diretor da filial americana do banco sueco Enskilda e da SKF Bearing, que geria o fluxo de fundos e rolamentos de esferas (fabricados em Filadélfia) para a Wehrmacht durante toda a guerra.

O historiador Douglas Macdonald escreveu : “Os rolamentos de esferas da SKF eram absolutamente essenciais para os nazis. A Luftwaffe não podia voar sem rolamentos de esferas, e tanques e carros blindados não podiam rolar sem eles. Canhões nazis, miras, geradores e motores, sistemas de ventilação, U-boats [submarinos], ferrovias, máquinas de mineração e dispositivos de comunicação não poderiam funcionar sem rolamentos de esferas. Na verdade, os nazis não poderiam ter combatido na Segunda Guerra Mundial se a SKF de Wallenberg não lhes tivesse fornecido todos os rolamentos de esferas de que precisavam”.

Hugo era primo em segundo grau de Goering por casamento e o seu primo Eric terá um papel importante nesta história em breve.

Avaliação da herança nazi da Finlândia

Ao contrário da Suécia, a Finlândia nunca tentou fingir neutralidade e, nesse sentido, pode pelo menos ser aplaudida por evitar a hipocrisia dos seus primos suecos. Compartilhando uma fronteira de 1.340 km com a Rússia,  a 40 km de alcance da atual São Petersburgo, a Finlândia era um imóvel de alto valor para os nazis.

Durante a guerra, 8.000 soldados finlandeses lutaram diretamente ao lado dos nazis contra os russos, e muitos serviram nas divisões nazis da SS Panzer entre 1941-1943. Um escandaloso relatório de 248 páginas publicado pelo governo finlandês em 2019 revelou que nada menos que 1.408 voluntários finlandeses serviram diretamente na divisão SS Panzer realizando atrocidades em massa, incluindo o extermínio de judeus e outros crimes de guerra.

A causa da aliança da Finlândia com os nazis durante a guerra também é muito mais sombria do que os livros de história higienizados deixam transparecer.

Os líderes soviéticos estavam a observar a construção da máquina de guerra nazi em direção à Rússia como uma colisão de comboios em câmara lenta desde o momento em que o Acordo de Munique de 1938 foi alcançado, determinando a destruição da Checoslováquia e o crescimento de um monstro de Frankenstein no coração da Europa.

No seu brilhante  'The Shocking Truth About the 1938 Munich Agreement' [A Verdade Chocante sobre o Tratado de Munique de 1938 (NT)] , Alex Krainer demonstra que a diplomacia secreta britânica garantiu que, desde a tomada da Áustria por Hitler até a invasão da Polónia em setembro de 1939, a política de apaziguamento da Grã-Bretanha apenas fingiu oposição ao nazismo, ao mesmo tempo em que facilitou o seu implacável crescimento, como um monstro Frankenstein, no coração da Europa.

A corrida para proteger o centro vital e a viragem nazi da Finlândia

Sabendo que um ataque era inevitável, a Rússia assinou o Pacto Molotov-Ribbentrop em agosto de 1939 para ganhar tempo, enquanto tentava estabelecer uma zona tampão entre o regime nazi expansionista e ela mesma.

Durante essa pequena janela, estava em andamento uma corrida  para consolidar esferas de interesse, com a Rússia agindo defensivamente para proteger o seu  baixo-ventre antes que a inevitável guerra quente fosse lançada. Enquanto isso, a Alemanha correu para  levar  o calor com as operações militares que espalharam o Reich por toda a Europa.

A Rússia conquistou várias vitórias diplomáticas estratégicas importantes ao assinar pactos de assistência mútua com a Letónia, Lituânia e Estónia. No entanto, a Finlândia, sob o controle do marechal de campo Carl Gustaf Mannerheim e do primeiro-ministro Risto Ryti, rejeitou a oferta da Rússia.

No abortado Tratado de Segurança Mútua Rússia-Finlândia, a Rússia cedia a Carélia do Sul, no norte, em troca da deslocação da fronteira soviética para o oeste no istmo da Carélia e da permissão para estacionar bases russas na Finlândia. O governo pró-alemão de Ryti e Mannerheim estava publicamente a aproximar-se dos alemães durante a década de 1930 e grande parte da aristocracia da Finlândia tinha visões delirantes de expansionismo juntamente com os seus colegas suecos pró-nazis acreditando que uma grande parte do noroeste da Rússia, chamada Karelia do Leste, tinha aparentemente um povo nórdico “puro” não contaminado pelo sangue eslavo e escandinavo.

A rejeição da Finlândia do acordo de cooperação resultou na decisão da Rússia de a invadir em novembro de 1939, resultando na perda de 20.000 soldados finlandeses, 11% do seu território, representando 1/3 de seu potencial económico e um ego  feito em cinzas. Esta “Guerra de Inverno” de quatro meses terminou em março de 1940 com uma Finlândia reduzida e humilhada ansiando por vingança.

Sem Título.jpg

O Marechal de campo Mannerheim e o Primeiro Ministro Ryti eram crentes devotos no mito da 'grande Finlândia'. Mannerheim proclamava em voz alta aos seus soldados, na véspera do acordo da Finlândia para dar as mãos aos nazis, que “em 1918 durante a guerra de libertação [contra a Rússia], eu declarei aos carelianos finlandeses e vienenses que não colocaria a minha espada na bainha antes de a Finlândia e a Carélia Oriental serem livres”. Esse discurso tornou difícil manter a noção de que a aliança da Finlândia com os nazis era simplesmente 'defensiva'.

Embora seja comummente alegado por historiadores revisionistas que Herman Göring enviou um mensageiro pessoal a Helsínquia pedindo licença para usar o território da Finlândia em troca de armas e apoio, em agosto de 1940, a deposição de 1945 do Coronel da SS Horst Kitschmann – que estava a par dessas trocas, testemunhou que foi o próprio Mannerheim o primeiro a entrar em contacto com Göring sugerindo que esse arranjo fosse feito.

Documentado em 'Finland's War of Choice' de Henrik Lunde, Kitschmann testemunhou:“Durante essas conversas, von Albedill [major alemão do estado-maior do adido que informou Kitschmann] disse-me que já em setembro de 1940, o major-general Roessing, agindo por ordem de Hitler e do Estado-Maior alemão, tinha organizado a visita do major-general Talwel, plenipotenciário do marechal Mannerheim, ao quartel-general do Führer em Berlim. Durante esta visita, foi alcançado um acordo entre os estados-maiores alemães e finlandeses para os preparativos conjuntos para uma guerra de agressão e a sua execução contra a União Soviética. A esse respeito, o general Talwel disse-me, durante uma conferência no quartel-general do seu estado-maior em Aunosa, em novembro de 1941, que ele, agindo sob ordens pessoais do marechal Mannerheim, já tinha sido , em setembro de 1940, um dos primeiros a entrar em contacto com o alto comando alemão com vistas à preparação conjunta de um ataque alemão e finlandês à União Soviética”.

Em setembro de 1940 foi aprovado um tratado secreto de trânsito finlandês-alemão e o descarrilamento que seria a operação Barbarossa foi posto em movimento.

Em 16 de junho de 1941, Mannerheim convocou 16% da população finlandesa para lutar ao lado da Wehrmacht em preparação para este ataque.

Quando a operação Barbarossa foi lançada oficialmente em 22 de junho de 1941, havia 400.000 tropas finlandesas e alemãs na Finlândia, pois os aeródromos finlandeses foram entregues aos bombardeiros nazis. O pacto de Mannerheim com o diabo resultou em vitórias iniciais, pois o seu sonho de uma “Grande Finlândia”, finalmente ganhou vida quando vastos territórios de Murmansk ao Lago Onegia  cairam para a ocupação finlandesa ao longo de 1941-1944. Durante esse período, pessoas de etnia russa e judeus na Finlândia foram enviados para campos de trabalhos forçados, onde muitos foram exterminados.

O relatório finlandês de 2019 afirmou: “As subunidades e homens da divisão SS Wiking mobilizados durante a marcha para a União Soviética e a passagem pela Ucrânia e pelo Cáucaso estiveram envolvidos em inúmeras atrocidades… Os diários e lembranças dos voluntários finlandeses mostram que praticamente todos eles deviam, desde o início, estar cientes das atrocidades e massacres”.

À medida que a SS Wiking Division finlandesa avançava pelo oeste da Ucrânia entre julho e agosto de 1941, mais de 10.000 civis foram mortos em Lviv e Zhytomyr e mais de 600.000 foram mortos na região desde o início da operação Barbarossa até março de 1942.

O estranho caso da suástica duradoura da Finlândia

Uma palavra agora deve ser dita sobre o peculiar logotipo oficial da força aérea da Finlândia, criado em 1919, e que durou até 2020, quando foi retirado de aviões, bandeiras e uniformes (embora ainda mantido nas paredes da academia da força aérea).

Aqui, estou a referir-me, é claro, à estranha suástica que uma Finlândia pós-1945 não achou sensato remover dos seus aviões ou uniformes militares, apesar da queda dos seus aliados nazis.

Sem Título.jpg

Livros de história higienizados são rápidos em dissipar esse estranho fetiche com um século dizendo que a suástica é uma coincidência total não tendo nada a ver com os nazis devido ao facto de o partido nazi ter adotado o símbolo um ano inteiro depois do governo finlandês. No entanto, como a maioria de nossas narrativas históricas oficiais, esta também se desfaz à menor pressão.

Segundo a história, o conde da Suécia Eric von Rosen da Suécia legou ao Exército Branco da Finlândia como presente uma aeronave Thulin Tipo D decorada com suásticas, em 1918, que caracterizou  a força aérea finlandesa com a suástica tornando-se o seu logotipo oficial. Como von Rosen já estava a usar a suástica como emblema pessoal desde a primeira vez que a viu em ruínas antigas quando frequentava o liceu, conclui-se que as suásticas militares finlandesas e as suas contrapartes nazis não poderiam ter nenhuma conexão.

Essa afirmação ignora completamente o facto de que ambos os irmãos von Rosen, Eric e Clarence, serem aristocratas que orgulhosamente defendiam a causa nazi, patrocinavam a eugenia sueca através do Instituto Sueco de Biologia Racial da Universidade de Uppsala (c. 1922), faziam lóbi a favor de leis de esterilização e apresentavam Hitler à nata da elite da Suécia. Em 1933, Eric von Rosen tornou-se membro fundador do Nationalsocialistiska Blocket (também conhecido como “O Partido Nacional Socialista da Suécia”).

O vigoroso apoio aos nazis (que incluiu a influência de von Rosen sobre o Enskilda Bank e a SKF da Suécia) também muda a forma como devemos interpretar o relacionamento próximo que Clarence, Eric e Hugo von Rosen tiveram com o seu cunhado Hermann Göring, que trabalhou como piloto pessoal para Eric von Rosen após a Primeira Guerra Mundial.

Foi durante uma estadia prolongada no Castelo Rockelstad de von Rosen, em 1920, que Göring tomou contacto pela primeira vez com 1) as suásticas de von Rosen que decoravam o castelo e o pavilhão de caça adjacente, 2) a paixão de von Rosen pela conservação da natureza que Göring compartilhava, tornando-se mais tarde o primeiro nazi Ministro da floresta  e da conservação do Reich na década de 1930 e 3) a cunhada de Eric von Rosen, Carin von Kantzow, que logo se tornou a esposa de Goring e apelidada por Hitler de “Primeira Dama do Partido nazi”.

Sem Título.jpg

Foto de Birgitta, Mary, Hermann Göring e Eric von Rosen em Rockelstad na Suécia

 

Eric e Clarence von Rosen eram seguidores de uma seita ocultista chamada Ariosophism, liderada por um poeta místico obcecado por ruínas chamado Guido von List, que simplesmente tomou a teosofia1 de Madame Blavatsky e  juntou uma  entorse de superioridade racial ariana com um foco elevado nos mitos de Wotan. Nesta seita, a suástica e outros símbolos rúnicos2 como a runa Othala, runa Ehlaz/vida, runas Sig (mais tarde usadas pela SS) e wolfsangle foram tratadas como imagens sagradas dotadas de poder mágico.

Guido von List organizou a sua seita num núcleo interno e externo com os “eleitos” que aprendiam uma interpretação secreta das runas sob uma sociedade oculta de elite chamada Alta Ordem Armanen, onde o próprio von List serviu como Grão-Mestre.

Esse arianismo oculto racista com seu objetivo teosófico de infundir o misticismo hindu e budista numa nova era pós-cristã tornou-se um fenómeno extremamente popular entre as famílias nobres da Europa durante esse período. O objetivo era usar uma interpretação perversa do espiritualismo oriental desprovida de substância e criar uma nova ordem baseada numa “Era do Aquário”3 que substituiria a obsoleta “Era dos Peixes”3 que representava o obsoleto da razão exemplificado por Sócrates, Platão e Cristo.

Fora da Alta Ordem Armanen logo cresceu outra organização oculta secreta chamada Sociedade Thule, que teve Rudolf Hess, Hans Frank, Hermann Goring, Karl Haushofer e o  mentor de Hitler, Dietrich Eckart, como membros principais.

Um facto desconfortável deve agora ser confrontado

É um facto incómodo da história que esses mesmos poderes que deram origem ao fascismo nunca foram punidos nos Julgamentos de Nuremberga. Aqueles industriais e financeiros de Wall Street que forneceram fundos e suprimentos à Alemanha antes e durante a guerra foram punidos… mas não o foram os financeiros britânicos do Banco da Inglaterra que garantiram que os cofres nazis estivessem repletos de saques confiscados à Áustria, Checoslováquia ou Polónia.

A era do pós-guerra assistiu a uma vasta reorganização de assassinos fascistas na forma da Operação Gladio orquestrada pela CIA/NATO e sabemos que Allan Dulles supervisionou diretamente a reintegração do chefe da inteligência de Hitler, Reinhard Gehlen, na estrutura de comando da Inteligência da Alemanha Ocidental juntamente com toda a sua rede. Nazis ucranianos como Stefan Bandera e Mikola Lebed foram prontamente absorvidos por esse mesmo aparelho onde Bandera trabalhou com Gehlen, de 1956 até à sua morte em 1958, enquanto Lebed foi absorvido pela inteligência americana comandando uma organização de fachada da CIA chamada Prolog.

Como Cynthia Chung descreveu recentemente no seu Sleepwalking into Fascism [ Marcha Sonâmbula em direção ao Fascismo], nada menos que dez ex-nazis de alto nível desfrutaram de vasto poder dentro da estrutura de comando da NATO durante os anos sombrios da Operação Gládio4. Cynthia escreve: “De 1957 a 1983, a NATO teve pelo menos um, senão vários “ex” nazis de alto escalão no comando total de vários departamentos dentro da NATO… Forças Aliadas da Europa Central – AFCENT foi uma posição preenchida EXCLUSIVAMENTE por “ex” nazis durante 16 ANOS   SEGUIDOS, de 1967-1983.”

Durante esses anos, os participantes na operação Gládio organizaram uma corrente de terrorismo contra a população da Europa usando grupos de fachada nominalmente 'marxistas' ou realizando ataques a alvos de alto valor como Dag Hammarskjold, Enrico Mattei, Aldo Moro ou Alfred Herrhausen quando necessário. Estadistas que não jogaram pelas regras do Grande Jogo, infelizmente, não  duraram muito neste mundo.

A autoproclamada imagem da NATO como precursora da 'ordem internacional baseada em regras liberais' é mais do que superficial quando se consideram as alianças crivadas de nazis que muitos filiados da NATO no Conselho do Atlântico podem desejar que sejam esquecidas. Esta história também deve levar-nos a reavaliar as verdadeiras causas para a criação da NATO em 1949, que serviu como um prego no caixão para a visão de Franklin Roosevelt de uma aliança EUA-Rússia-China que ele esperava que moldasse a era pós  Segunda Guerra Mundial.

O crescimento da NATO em torno do perímetro da Rússia desde 1998 e as atrocidades em massa lideradas pela NATO com os bombardeamentos na Bósnia, Afeganistão e Líbia também devem ser reavaliados tendo em mente esta ascendência nazi.

Por que razão a NATO postou imagens de um soldado ucraniano claramente brandindo um sol negro do ocultismo da sociedade Thule no seu uniforme em homenagem ao 'Dia da Mulher' este ano? Por que razão os nazis ucranianos ativos estão a servir nos batalhões   Aidar e Azov sendo sistematicamente encobertos pelos meios de propaganda da NATO ou pela grande média, apesar dos casos comprovados de atrocidades em massa no leste de Donbass desde 2014? Por que é que os movimentos nazis estão a ter um grande renascimento em todo o espaço do Leste Europeu - especialmente nos países que estão sob a influência da NATO desde o colapso da União Soviética?

É possível que a guerra que pensávamos que os aliados venceram em 1945 fosse apenas uma batalha dentro de uma guerra maior pela civilização cujo resultado ainda está para ser visto? Certamente os patriotas da Finlândia e da Suécia devem pensar muito profundamente sobre as tradições sombrias que correm o risco de serem revividas quando se juntam a uma nova Operação Barbarossa no século XXI.

(O autor fez recentemente uma apresentação sobre este tema que pode ser vista aqui.)

1  Teosofia. Doutrina religiosa que tem por objeto a união com a divindade    

2 . Runa: cada um dos carateres dos mais antigos alfabetos germânicos e escandinavos. Escrita que utiliza esses  carateres.

 

3  Da astrologia. Designação de setores do zodíaco

 

4  Ver artigo publicado por “Pelo Socialismo  em: https://pelosocialismo.blogs.sapo.pt/search?q=Cynthia+Chung&x=9&y=4.

Fonte: https://www.strategic-culture.org/news/2022/06/02/why-is-it-so-hard-finnish-nazism-nato-growing-suicide-pact-threatens-to-light-the-world-on-fire/, publicado e acedido em 02.06.22

 

Tradução de TAM

 

Print Friendly and PDF
Publicada por Nozes Pires à(s) quarta-feira, junho 22, 2022 Sem comentários:

domingo, 19 de junho de 2022

 Wook.pt - O Método Jacarta

Publicada por Nozes Pires à(s) domingo, junho 19, 2022 Sem comentários:

Uma excelente entrevista e um livro recomendável (Agradeço ao PÚBLICO)

(Assinante do PÚBLICO agradeço )
O PÚBLICO não é compatível com o Internet Explorer 10 ou versões inferiores. Por favor, actualize o seu browser.
Exclusivo
Entrevista com Vincent Bevins

“Na Indonésia, o extermínio de um milhão de pessoas ainda borbulha à superfície”

No seu primeiro livro, O Método Jacarta, o jornalista norte-americano Vincent Bevins sugere um reenquadramento da Guerra Fria. No centro da história põe o extermínio de comunistas no chamado “Terceiro Mundo”, na segunda metade do século XX, para analisar a forma como esses massacres moldaram o passado e continuam a moldar o presente.

Luís Filipe Rodrigues
19 de Junho de 2022, 7:48
Partilhar notícia
  • 1
  • Partilhar no Facebook
  • Partilhar no WhatsApp
  • Partilhar no Messenger
  • Partilhar no Twitter
  • Comentar
    • Partilhar no Messenger
    • Partilhar no LinkedIn
    • Partilhar no Pinterest
    • Enviar por email
    • Guardar
    • Comentar
    • Oferecer artigo
Foto
Bettmann/Getty Images

Magdalena Kastinah era uma rapariga como tantas outras. Filha de camponeses, era muçulmana como a maior parte dos habitantes da ilha de Java, na Indonésia; gostava de ouvir música como qualquer adolescente. Mas, quando tinha apenas 15 anos, a mãe morreu e teve de começar a trabalhar. Um ano mais tarde, incapaz de juntar dinheiro na aldeia onde vivia, mudou-se para a capital, Jacarta. Dizia-se que era mais fácil encontrar emprego lá. E era.

Passado pouco tempo, Kastinah começou a trabalhar numa fábrica de camisolas. As condições eram boas, graças em grande parte à SOBSI, a maior rede sindical do país, afiliada ao Partido Comunista Indonésio (PKI). Apesar de nunca se ter interessado por política, juntou-se ao sindicato. “Eles apoiavam-nos, protegiam-nos e a sua estratégia funcionava”, disse. “Funcionava mesmo. Era o que sabíamos.” Kastinah não imaginava que, anos mais tarde, em Outubro de 1965, o facto de pertencer a um sindicato a poria atrás das grades. Nem que os polícias, supostamente encarregados de protegê-la, a fossem violar apenas por ser sindicalizada e, na cabeça deles, uma bruxa comunista. Muito menos que ainda hoje, com mais de 70 anos, fosse uma pária, sem família, nem uma rede de apoio.

Magdalena é uma das personagens reais que povoam O Método Jacarta – A cruzada anticomunista de Washington e o programa de assassínio maciço que moldou o nosso mundo, o primeiro livro do jornalista norte-americano Vincent Bevins e o resultado de um trabalho de campo empático e de uma pesquisa metódica e bem documentada — mais de 30 páginas são ocupadas por notas bibliográficas. À medida que viramos as suas folhas, acompanhamos as histórias de cidadãos anónimos e de líderes mundiais, e viajamos da Indonésia à Guatemala, passando pelo Congo, o Brasil ou o Chile, mas também por capitais europeias e centros de decisão norte-americanos.

A história começa em 1945, quando está a despontar “uma nova era americana”, e desenrola-se ao longo da Guerra Fria. Contudo, o que interessa ao autor não é o embate ideológico entre o capitalismo ocidental e o comunismo soviético. O que lhe importa é o que se passou no chamado “Terceiro Mundo” (um termo que, originalmente, não tinha quaisquer conotações negativas; era sinónimo de esperança e emancipação), nas antigas colónias, onde milhões morreram em conflitos quentes durante a suposta Guerra Fria.

Foto
Manifestação de estudantes muçulmanos em Jacarta, em Outubro de 1965, na qual se exigia o fim do Partido Comunista da Indonésia na sequência do golpe de Estado falhado na noite de 30 de Setembro daquele ano Carol Goldstein/Keystone/Getty Images

Um desses confrontos — se é que podemos chamar “confronto” ao assassínio e aprisionamento de milhões de pessoas que não pegaram em armas para combater os seus algozes — teve lugar na Indonésia, em meados da década de 60. E, para Vincent Bevins, foi um dos momentos-chave da Guerra Fria, apesar de hoje, no Ocidente, pouca gente saber o que se passou no arquipélago e menos ainda que essa onda de violência inspirou e foi replicada, de forma cirúrgica, por várias ditaduras na América Latina nos anos e décadas seguintes.


“A violência que ocorreu no Brasil e na Indonésia, e em 21 outros países por todo o mundo, não foi acidental, nem incidental, para os principais acontecimentos da história mundial”, escreve, na introdução do livro. “As mortes não foram ‘a sangue-frio e sem sentido’, apenas erros trágicos que não mudaram nada. Foram precisamente o oposto. A violência foi efectiva, uma parte fundamental de um processo mais alargado. Sem uma perspectiva global da Guerra Fria e dos objectivos dos EUA em todo o mundo, os acontecimentos são inacreditáveis, ininteligíveis, ou muito difíceis de processar.”

Na Indonésia, entre 1965 e 1966, depois de uma revolta militar falhada, a chamada “Operação Jacarta” exterminou pelo menos um milhão de pessoas (comunistas, sobretudo). Talvez até três milhões, nas contas de um militar próximo do ditador Suharto. Muitas mais foram presas e torturadas. “E esses assassinatos foram apoiados a cada passo pelos EUA”, sublinha Vincent Bevins. Em poucos meses, o Partido Comunista Indonésio, até então o terceiro maior do mundo e a principal força política daquele país, tinha desaparecido.

Alguns anos mais tarde, em Santiago do Chile, começou a ler-se nas paredes grafitos que anunciavam “Jacarta vem aí”. E veio: a 11 de Setembro de 1973, os militares liderados por Augusto Pinochet derrubaram o Governo socialista de Salvador Allende. Nas semanas seguintes, milhares de esquerdistas morreram no Chile. Nos anos seguintes, no Chile e nos outros países do Cone Sul do continente americano envolvidos na Operação Condor, uma campanha de repressão política e terror estatal, com a bênção dos Estados Unidos, terão morrido quase 100 mil.

Foto
Soldado do Exército do Chile vigia prisioneiros que foram sendo levados para o Estádio Nacional de Santiago, em Santiago do Chile, na sequência do golpe militar liderado por Augusto Pinochet que derrubou o Presidente Salvador Allende, em 11 de Setembro de 1973 Bettmann/Getty Images

Para o autor, contar estas histórias, e mostrar como estes acontecimentos moldaram o nosso mundo e ajudaram a garantir a vitória do bloco capitalista na Guerra Fria, era importante. Tão importante que se despediu do reputado The Washington Post para se dedicar a tempo inteiro a um livro que ainda nem sabia que forma ia tomar. “Só sabia que ia ser um projecto muito vasto, que me ia ocupar muito e que precisava de me dedicar a isso a tempo inteiro durante um bom bocado.”

Hoje, não parece arrepender-se dessa decisão. Apesar de não ter sido um grande sucesso comercial, O Método Jacarta foi considerado um dos melhores títulos de 2020 por meios de comunicação social como o britânico Financial Times ou a rádio norte-americana NPR, e continuam a vender-se tantas cópias, passados dois anos, como na altura em que foi publicado. Além disso, já foi traduzido para “seis ou sete línguas” — a edição portuguesa, com a chancela da Temas e Debates, é a mais recente — e Bevins garante que há pelo menos mais seis traduções confirmadas, inclusive para indonésio. “Uma grande editora, a maior do país, fez uma oferta pelos direitos de edição. Decidimos não os vender, porque achámos que estavam só a adquirir os direitos para enterrarem o livro”, explica. “Mas, entretanto, a Marjin Kiri, uma pequena editora, vai traduzi-lo.”

 

O Método Jacarta – A cruzada anticomunista de Washington e o programa de assassínio maciço que moldou o nosso mundo

Autoria: Vincent Bevins 
Editora: Temas & Debates
416 págs., 17,91€​
COMPRAR

O que o levou a escrever O Método Jacarta?
Trabalhei durante seis anos como correspondente [do LA Times] no Brasil, entre 2010 e 2016. E em 2017 fui morar para Jacarta, para cobrir o Sudeste asiático para o The Washington Post. Achava que ia concentrar-me na actualidade, mas percebi duas coisas muito depressa. Primeiro, que era impossível contar a história da Indonésia contemporânea, e da maior parte do Sudeste asiático, sem abordar o que se passou em 1965. O extermínio de aproximadamente um milhão de pessoas continuava a borbulhar à superfície. E, em segundo lugar, que aquela história tinha ligações com outras partes do mundo onde tinha trabalhado, com países como o Brasil e o Chile. Porém, a maior parte do mundo não estava familiarizada com ela, especialmente nos Estados Unidos e nos países do Atlântico Norte — aquilo a que chamamos “o Ocidente”.

E muitas pessoas que estavam familiarizadas com os massacres ouviram falar neles pela primeira vez há cerca de dez anos, no documentário O Acto de Matar, de Joshua Oppenheimer. Como é possível que mais de um milhão de pessoas tenha morrido e isso tenha sido apagado da memória e dos livros de História ocidentais?
Acho que para explicar completamente uma lacuna tão grande na nossa memória histórica é necessário ter em consideração diferentes factores. Um deles foi o racismo. Havia a ideia de que a vida valia menos na Ásia, de que esse tipo de coisas estava sempre a acontecer lá. Só que isso é absolutamente errado. Nunca tinha acontecido uma coisa assim.

Quais são as outras explicações?
O segundo factor que explica este esquecimento é o sucesso da operação levada a cabo pelo Estado de que o general Suharto se apoderou. Com a ajuda dos Estados Unidos e também do Reino Unido, ele espalha a história de que o Partido Comunista Indonésio tinha sido o responsável pela violência e que o que aconteceu depois foi apenas uma espécie de erupção espontânea de confrontos entre as pessoas no terreno, e toda a gente acredita. Outra coisa que tem de ser entendida é que, na concepção liberal norte-americana da história mundial, um país pender para o campo ocidental é visto como natural e positivo. A Indonésia fez o que todos no Ocidente, subconscientemente, achavam que o Sul global devia fazer, que era alinhar-se com os Estados Unidos. Portanto, não era preciso fazer mais perguntas. A quarta razão é que o Vietname começa logo a seguir. Os soldados americanos estão a morrer, está a ser um desastre. A guerra torna-se uma grande questão política doméstica e ofusca tudo o que acontece no Sudeste asiático. Isto, apesar de, ao nível da política externa, a Indonésia ser uma peça mais importante do puzzle na Ásia do que o Vietname.

Foto
Estudante chinês tenta proteger-se de agressões, na sequência de um ataque a uma universidade em Jacarta, no dia 15 de Outubro de 1965. Este ataque ocorreu poucos dias depois do golpe de Estado falhado que ditou a perseguição e exterminío de militantes do Partido Comunista da Indonésia Bettmann/Getty Images

Quando diz que Suharto convenceu as pessoas de que a culpa era dos comunistas, está a aludir ao golpe de 30 de Setembro de 1965, certo? Ainda hoje há dúvidas sobre o que se passou. O livro avança algumas teorias, mas em qual acredita?
É importante, em primeiro lugar, dizer que não podemos chegar a uma conclusão fundamentada sobre o que realmente foi o Movimento 30 de Setembro. Não podemos sequer fazer suposições educadas sobre a sua natureza e as suas intenções, sem termos acesso a documentos classificados pela CIA e pelos militares indonésios. Não quero estar a especular. O que posso fazer é explicar o contexto em que as coisas aconteceram.

E que contexto é esse?
Depois de uma revolução bem sucedida que impediu a Holanda de reconquistar o país entre 1945 e 1949, o Partido Comunista Indonésio integrou-se na democracia multipartidária nos primeiros anos da Indonésia. Era um partido moderado, sem armas, nem uma teoria de luta armada. Acreditava em ganhar eleições democraticamente. Os arquivos da CIA e do MI-6 indicam que, a partir de 1958, em qualquer eleição justa, o PKI teria obtido o primeiro lugar. Mas havia uma rivalidade entre os comunistas e os militares. Hoje sabemos que, de uma forma ou de outra, os serviços secretos ocidentais estavam a tentar fomentar uma altercação entre esses dois grupos, em 1964 e 1965, sabendo muito bem o que acontece quando um grupo desarmado enfrenta um grupo armado. Mas não sabemos a relação entre esses esforços para gerar um confronto e as motivações das pessoas que sequestraram seis generais [indonésios] a 30 de Setembro; nem quem tomou as decisões que culminaram na sua morte. Contudo, sabemos que as potências ocidentais estavam a tentar fomentar um confronto que lhes seria favorável, e foi exactamente isso que aconteceu.

Também sabemos que, por acaso, o general Suharto não foi raptado. E que era próximo de alguns dos militares envolvidos no Movimento 30 de Setembro...
Suharto conhecia bem os cabecilhas do Movimento 30 de Setembro. E tinha uma história complicada com algumas pessoas que morreram e foram afastadas da liderança nessa data. Porém, qualquer tentativa de explicar o que foi o Movimento 30 de Setembro e quais eram os seus objectivos gera novas perguntas. Por isso tento não me aventurar por aí. Por exemplo, John Roosa, um grande académico, avança uma teoria, baseada numa investigação profunda e num estudo cuidadoso dos materiais existentes. Mas, mais uma vez, há muitas perguntas às quais ele não responde. O que fez em concreto o Movimento 30 de Setembro? Quem eram eles? Quais eram os seus planos? Como é que os generais morreram?

Não sabemos.
Pois. E, por isso, tentei concentrar-me tanto quanto possível naquilo que podemos afirmar com base nos documentos a que temos acesso depois de 56 anos de investigações levadas a cabo por pessoas que percebem muito mais do assunto do que eu, e contar uma história global baseada em provas sólidas, que mostrasse ao leitor comum como estes acontecimentos moldaram não só a história da Indonésia, mas de todo o século XX.

Foto  
 
 
 
Literatura anti-Partido Comunista da Indonésia a culpar esta formação política pelo golpe de 30 de Setembro de 1965 Davidelit/Wikimedia Commons 
Uma coisa difícil de explicar é como é que o Partido Comunista Indonésio deixa de ser o mais popular do país — uma em cada quatro pessoas estava ligada ao partido — para, em pouco tempo, se tornar irrelevante. Como se dá uma mudança tão monumental?

Essa é uma pergunta fantástica. Acho que as respostas estão no livro. Todavia, compreendo que não seja fácil assimilar uma reviravolta tão chocante, tão extrema. No início de 1965, um quarto do país, ou mais, identificava-se muito explicitamente com a esquerda comunista. Um ou dois anos depois, quase ninguém admite que um dia pensou assim. Acho que há duas explicações para isto, de um modo algo simplista. A primeira prende-se com a propaganda, e a segunda com os desaparecimentos. A partir de Outubro de 1965, todos os meios de comunicação do país são controlados por Suharto e reproduzem a narrativa oficial sobre o Partido Comunista ser profundamente pérfido, quase satânico. E o facto de essa narrativa ser aceite pelos governos e meios de comunicação ocidentais muda por completo a maneira como as pessoas pensam e podem falar sobre o que aconteceu. É assim que repressão funciona, e que é reproduzida em tantos países da América Latina nos anos seguintes. É verdade que morreram quase um milhão de pessoas — um militar gabou-se de que tinham matado três milhões. Mas mesmo três milhões é menos do que 20 ou 25 milhões, que era o número de pessoas ligadas ao Partido Comunista Indonésio.

Muito menos. É isso que não encaixa bem.
É aí que entram os desaparecimentos, uma coisa que é terrível de enfrentar. Passei muito tempo a falar sobre esse processo psicológico com as pessoas que passaram por este trauma... Quando se mata o pai e o irmão de alguém, essa pessoa sabe que eles estão mortos e pode querer vingar-se. Mas se o pai e o irmão se entregarem, supostamente para um interrogatório, e nunca mais ninguém tiver notícias deles, as pessoas ficam paralisadas pelo medo. Porque acham que, se fizerem algo, se disserem algo, o pai e o irmão podem morrer. Ao mesmo tempo que isto acontece, todas as pessoas que perderam familiares e amigos e que de alguma forma simpatizavam com o Partido Comunista Indonésio começaram a ouvir, todos os dias, que o partido era satânico. Em última análise, tornou-se terrivelmente claro que Suharto tinha vencido. Podia aceitar-se a nova realidade ou ser devorado por ela.

Foto
Vincent Bevins: "Sabemos que as potências ocidentais estavam a tentar fomentar um confronto [na Indonésia] que lhes seria favorável, e foi exactamente isso que aconteceu" Martinus Rimo

Um dos relatos que mais impressiona no livro é a história da Magdalena, que foi violada e torturada na prisão e hoje continua a ser tratada como uma pária. Parece que os indonésios ainda não sabem o que realmente aconteceu. Como é possível?
Só depois da estreia de O Acto de Matar [2012, de Joshua Oppenheimer] é que houve um interesse renovado em tentar contar esta história, apesar de existirem dezenas de milhões de vítimas no país; familiares e amigos de pessoas que morreram ou foram presas e torturadas. Mesmo os activistas que muito corajosamente me ajudaram ainda hoje não podem admitir que o avô era comunista e que o mataram. Isso pode causar-lhes problemas, quando forem à procura de trabalho ou podem ser elas próprias consideradas comunistas. Como se o comunismo fosse um traço genético. Dizer que alguém é um simpatizante comunista ainda é uma táctica muito útil. Assisti a isto quando estava no país, em 2017. Um grupo de investigadores que estava a tentar visitar foi cercado e ameaçado de morte durante uma noite inteira. Isto é algo que nunca foi resolvido. É muito diferente do que se passou em países como o Chile e a Argentina, que passaram por um processo de reconciliação nacional e análise histórica. Entristece-me muito dizer isto, mas provavelmente os indonésios só vão confrontar-se com a sua própria história depois de a maioria dos sobreviventes, das vítimas, ter morrido.

O comunismo continua a ser criminalizado na Indonésia?
É ilegal.

Mas, por exemplo, um membro do Partido Comunista Português pode ir à Indonésia. Não?
Se for à praia, por exemplo em Bali, e tiver vestida uma T-shirt com a foice e o martelo pode ser preso. Ou deportado.

Então e se só tiver o cartão de membro do partido na carteira?
É melhor não mostrar a carteira a ninguém, porque pode ser preso.

Parece inacreditável.
Sim. O Eduardo Bolsonaro, talvez o mais ideologicamente coerente dos filhos do [Presidente brasileiro Jair] Bolsonaro, apresentou um projecto-lei para criminalizar o comunismo no Brasil, e um dos países que deu como exemplo foi a Indonésia. Esta lei entrou em vigor em 1966 e ainda pode causar-me sarilhos – porque contar a verdade sobre o que passou em 1965 pode ser considerado uma apologia do marxismo-leninismo pelos juízes. Se alguém apresentasse queixa de mim, é muito possível que me acontecesse alguma coisa. Quer dizer, eu sou dos Estados Unidos, posso sempre abandonar o país. Mas isto torna a vida muito difícil para os activistas e investigadores indonésios, que são muito mais corajosos do que eu e estão há mais tempo a denunciar o que se passou.

O Método Jacarta centra-se muito nas pessoas, nas vítimas. Há um esforço para as humanizar e contar as suas histórias. Por alguma razão em particular?
Não queria escrever um livro salaz, obcecado com tortura e violência e sangue. E também não queria escrever sobre decisões ocidentais e as massas desumanizadas que são destruídas por elas. Quis dar a conhecer pessoas que eram optimistas, que tinham fé no futuro e acreditavam na reconstrução do sistema global. E deixar claro que foi isso que levou ao seu extermínio, porque essa é uma parte muito importante desta história. As pessoas têm de perceber que a vasta maioria das vítimas foi morta por aquilo em que acreditava, e perceber no que é que acreditava – porque isso torna esta história muito mais chocante. E fundamental para perceber o mundo que ganhou forma posteriormente.

Uma grande parte do livro prende-se com a globalização do chamado “método Jacarta”, que foi reproduzido em todo o mundo. E isso levanta uma questão: em Portugal e em Espanha, por exemplo, os comunistas foram alvo de violência, prisão, tortura e morte muito antes de isso ocorrer no Sul global. O que distingue a violência de Jacarta da repressão anticomunista do Estado Novo ou do franquismo?
Os leitores espanhóis fizeram a mesma pergunta: porque é que eu não falei do fascismo na Península Ibérica? Da violência anticomunista cometida na primeira metade do século XX? E de facto os esquadrões da morte indonésios inspiraram-se muito no fascismo europeu. Eles achavam que estavam a reproduzir a repressão anticomunista da Europa ocidental. Começo o livro em 1945 para me focar na construção de uma ordem global liderada pelos Estados Unidos, na Guerra Fria e as suas consequências. Porém, se tivesse mais espaço, e tivesse sabido desde o início que o livro ia sair em Espanha e Portugal, teria começado a história umas décadas antes – porque houve realmente um processo de aprendizagem, de partilha de tácticas e ideologias entre os países, e isso começou antes de 1945.

Mas em Portugal, apesar da repressão, o Partido Comunista nunca desapareceu. Antes pelo contrário, todos os anos ganhava novos membros, na clandestinidade. Não é por acaso que os chilenos ou os brasileiros falam em Jacarta, apesar da maior proximidade de Espanha e Portugal. Porque é que isso acontece?
Porque, embora Espanha e Portugal estivessem longe de ser países ricos na primeira metade do século XX, os níveis de violência na Europa eram muito diferentes do que era aceitável no mundo colonial ou pós-colonial, onde os países no topo do sistema global podiam facilmente ignorar a violência. Como referiu, a esquerda em Portugal e em Espanha não foi dizimada da mesma maneira que foi na América do Sul. Ou na Indonésia, onde hoje ninguém admite que alguma vez foi comunista. Quer dizer, admitem, mas só se te conhecerem muito bem. Tive de entrevistar as pessoas durante meses até se sentirem à vontade para admtir isso. E mesmo assim, muitas nunca quiseram admitir certas coisas.

Foto
 
 
 
Populares junto ao palácio presidencial La Moneda em Santiago do Chile, depois do golpe militar de Augusto Pinochet que derrubou Salvador Allende HORACIO VILLALOBOS/Getty Images 
Uma das teorias mais interessantes avançadas pelo livro é que a Guerra Fria não foi um conflito entre os Estados Unidos e a Rússia, mas uma luta pelo Terceiro Mundo.

Se olharmos para a política como uma disputa pelo poder, e para a geopolítica como a disputa entre os Estados mais poderosos a competirem pela supremacia global, faz sentido categorizar a Guerra Fria como uma batalha entre o Primeiro e o Segundo Mundo, como um confronto entre Washington e Moscovo. No entanto, se acreditarmos que todas as vidas são igualmente importantes, se acreditarmos em valores e direitos humanos universais, se acreditarmos que todas as partes do globo são dignas de consideração, quando se avaliam épocas históricas, faz mais sentido afirmar que a Guerra Fria se disputou entre o Primeiro e o Terceiro Mundo. E essa não é uma conclusão à qual chegam apenas pensadores radicais ou marxistas-leninistas. O historiador Odd Arne Westad, de Harvard, defende que “num sentido histórico, e especialmente na perspectiva do Sul [global], a Guerra Fria foi uma continuação do colonialismo por meios ligeiramente diferentes”. É essa a história que acho que deve ser contada, e que conto no livro.

Quão determinante para o desfecho da Guerra Fria foi o extermínio indonésio?
Há uma narrativa muito simples, e que não está errada: os Estados Unidos e os seus aliados ganharam a Guerra Fria, porque a União Soviética, acidentalmente, se autodestruiu e desabou. Mas para explicar a forma que a ordem global assumiu, e o mundo em que vivemos hoje, os golpes de Estado de 1964, no Brasil, e 1965, na Indonésia, foram muito importantes. E afectaram mais pessoas do que o colapso da União Soviética em 1991.

Publicada por Nozes Pires à(s) domingo, junho 19, 2022 Sem comentários:
Mensagens mais recentes Mensagens antigas Página inicial
Subscrever: Mensagens (Atom)

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.

Acerca de mim

A minha foto
Nozes Pires
Ver o meu perfil completo

Translate

Contos

  • Conto

Encontros com a Filosofia

  • Encontros com a Filosofia

Viagens Extraordinárias - Novela

  • VIAGENS EXTRAORDINÁRIAS-NOVELA UTÓPICA DE FICÇÃO C...

Na hora da nossa morte - Novela

  • http://nahoradanossamorte-novela.blogspot.com

experimentalidades

experimentalidades

Seguidores

Desde 24.10.2009

Arquivo do blogue

  • ►  2009 (197)
    • ►  março (9)
    • ►  abril (12)
    • ►  maio (15)
    • ►  junho (5)
    • ►  julho (15)
    • ►  agosto (19)
    • ►  setembro (17)
    • ►  outubro (38)
    • ►  novembro (31)
    • ►  dezembro (36)
  • ►  2010 (390)
    • ►  janeiro (41)
    • ►  fevereiro (30)
    • ►  março (45)
    • ►  abril (49)
    • ►  maio (42)
    • ►  junho (43)
    • ►  julho (41)
    • ►  agosto (18)
    • ►  setembro (25)
    • ►  outubro (14)
    • ►  novembro (23)
    • ►  dezembro (19)
  • ►  2011 (245)
    • ►  janeiro (25)
    • ►  fevereiro (27)
    • ►  março (29)
    • ►  abril (15)
    • ►  maio (27)
    • ►  junho (26)
    • ►  julho (22)
    • ►  agosto (17)
    • ►  setembro (17)
    • ►  outubro (18)
    • ►  novembro (15)
    • ►  dezembro (7)
  • ►  2012 (142)
    • ►  janeiro (6)
    • ►  fevereiro (8)
    • ►  março (10)
    • ►  abril (17)
    • ►  maio (13)
    • ►  junho (12)
    • ►  julho (16)
    • ►  agosto (12)
    • ►  setembro (16)
    • ►  outubro (13)
    • ►  novembro (9)
    • ►  dezembro (10)
  • ►  2013 (130)
    • ►  janeiro (6)
    • ►  fevereiro (10)
    • ►  março (13)
    • ►  abril (7)
    • ►  maio (7)
    • ►  junho (11)
    • ►  julho (19)
    • ►  agosto (15)
    • ►  setembro (11)
    • ►  outubro (8)
    • ►  novembro (10)
    • ►  dezembro (13)
  • ►  2014 (204)
    • ►  janeiro (10)
    • ►  fevereiro (18)
    • ►  março (19)
    • ►  abril (19)
    • ►  maio (15)
    • ►  junho (21)
    • ►  julho (16)
    • ►  agosto (10)
    • ►  setembro (15)
    • ►  outubro (19)
    • ►  novembro (22)
    • ►  dezembro (20)
  • ►  2015 (275)
    • ►  janeiro (25)
    • ►  fevereiro (25)
    • ►  março (30)
    • ►  abril (17)
    • ►  maio (18)
    • ►  junho (23)
    • ►  julho (25)
    • ►  agosto (9)
    • ►  setembro (18)
    • ►  outubro (18)
    • ►  novembro (37)
    • ►  dezembro (30)
  • ►  2016 (219)
    • ►  janeiro (24)
    • ►  fevereiro (15)
    • ►  março (27)
    • ►  abril (23)
    • ►  maio (19)
    • ►  junho (20)
    • ►  julho (19)
    • ►  agosto (19)
    • ►  setembro (14)
    • ►  outubro (11)
    • ►  novembro (14)
    • ►  dezembro (14)
  • ►  2017 (206)
    • ►  janeiro (25)
    • ►  fevereiro (7)
    • ►  março (10)
    • ►  abril (21)
    • ►  maio (20)
    • ►  junho (19)
    • ►  julho (16)
    • ►  agosto (27)
    • ►  setembro (23)
    • ►  outubro (21)
    • ►  novembro (13)
    • ►  dezembro (4)
  • ►  2018 (209)
    • ►  janeiro (20)
    • ►  fevereiro (14)
    • ►  março (21)
    • ►  abril (16)
    • ►  maio (16)
    • ►  junho (8)
    • ►  julho (14)
    • ►  agosto (20)
    • ►  setembro (18)
    • ►  outubro (22)
    • ►  novembro (17)
    • ►  dezembro (23)
  • ►  2019 (264)
    • ►  janeiro (21)
    • ►  fevereiro (23)
    • ►  março (19)
    • ►  abril (12)
    • ►  maio (20)
    • ►  junho (27)
    • ►  julho (22)
    • ►  agosto (26)
    • ►  setembro (23)
    • ►  outubro (18)
    • ►  novembro (29)
    • ►  dezembro (24)
  • ►  2020 (307)
    • ►  janeiro (32)
    • ►  fevereiro (39)
    • ►  março (26)
    • ►  abril (26)
    • ►  maio (37)
    • ►  junho (24)
    • ►  julho (33)
    • ►  agosto (15)
    • ►  setembro (17)
    • ►  outubro (17)
    • ►  novembro (18)
    • ►  dezembro (23)
  • ►  2021 (310)
    • ►  janeiro (24)
    • ►  fevereiro (29)
    • ►  março (34)
    • ►  abril (21)
    • ►  maio (28)
    • ►  junho (19)
    • ►  julho (20)
    • ►  agosto (28)
    • ►  setembro (23)
    • ►  outubro (20)
    • ►  novembro (32)
    • ►  dezembro (32)
  • ▼  2022 (327)
    • ►  janeiro (17)
    • ►  fevereiro (9)
    • ►  março (26)
    • ►  abril (51)
    • ►  maio (45)
    • ▼  junho (18)
      • Globalistas - Derretimento do gelo: OTAN mostra si...
      •   Pelo Socialismo Annie...
      • Refugiados nazis recebidos pelos EU-CIA
      •  
      • ÉTICA - Prolegómenos
      • Geopolítica, com Pepe Escobar: que "civilização" q...
      •  Carlos Matos GomesJun 14·4 min read
      •   ...
      • Jean Starobinski
      • China: A Fábrica do Futuro fica em Shenzhen | Expr...
      •  Isto da Estratégia (1) “Los conflictos se resue...
      • Uma excelente entrevista e um livro recomendável (...
      •  
      • Importantíssimo texto
      • "L'armée ukrainienne se fait littéralement hacher ...
      • Partilho porque a verdade nunca é única. Contudo, ...
      • Pepe Escobar explica o fim do mundo unipolar
      • MICHAEL HUDSON
    • ►  julho (42)
    • ►  agosto (27)
    • ►  setembro (29)
    • ►  outubro (22)
    • ►  novembro (27)
    • ►  dezembro (14)
  • ►  2023 (181)
    • ►  janeiro (17)
    • ►  fevereiro (13)
    • ►  março (11)
    • ►  abril (19)
    • ►  maio (17)
    • ►  junho (7)
    • ►  julho (17)
    • ►  agosto (19)
    • ►  setembro (12)
    • ►  outubro (12)
    • ►  novembro (13)
    • ►  dezembro (24)
  • ►  2024 (205)
    • ►  janeiro (16)
    • ►  fevereiro (14)
    • ►  março (13)
    • ►  abril (11)
    • ►  maio (23)
    • ►  junho (8)
    • ►  julho (21)
    • ►  agosto (19)
    • ►  setembro (28)
    • ►  outubro (23)
    • ►  novembro (9)
    • ►  dezembro (20)
  • ►  2025 (71)
    • ►  janeiro (7)
    • ►  fevereiro (19)
    • ►  março (19)
    • ►  abril (10)
    • ►  maio (15)
    • ►  junho (1)

Obras de Nozes Pires publicadas em

Entre Outras:
150 Anos Do Manifesto Do Partido Comunista, o Manifesto e o seu Tempo, Lisboa, 2000, Ed. Colibri.
Léger-Marie Deschamps, Un Philosophe entre Lumières et Oubli, 2001, Ed. L'Harmattan.
Renascimento e Utopias, Actas da Academia de Ciências, 1997
Revista «Vértice», vários números.
Revista «espaço público», 1.
José Félix Henriques Nogueira, Revista editada pela Escola Sec. de Henriques Nogueira, 2008.
Jornal «A Batalha», vários números.
Semanários: Badaladas, FrenteOeste.


Livro "Não Olhes para Trás- Lembras-te?", editora Chiado, Lisboa, 2024

Discursando

Discursando
No 2º Congresso Republicano de Aveiro, 1969, em nome dos estudantes universitários do Porto
Tema Janela desenhada. Com tecnologia do Blogger.