ÉTICA - Prolegómenos

 

ÉTICA- Prolegómenos

Sobre a “natureza humana”

As condições sócio-naturais do mal e do bem

O bom e o mau

 

1. As principais caraterísticas ou comportamentos que consideramos compor o Mal foram assim considerados por todos os povos e civilizações  e tal significa que se desenvolveram somente a partir de condições idênticas ou semelhantes. Essas condições, pensou Marx e outros com ele ou depois dele (algumas antes dele) foram a criação da propriedade privada, o valor-trabalho produtivo e a divisão social do trabalho.

2. Anteriormente as sociedades nómadas-recoletoras não conheciam esses sentimentos ou se alguem deles quisesse apropriar-se mais do que lhe cabia, era censurado ou ostracizado em casos graves ou comportamentos que pareciam repetir-se. A discriminação era positiva: eram os doentes, crianças, mulheres grávidas, idosos, que mereciam os maiores cuidados. Os mais engenhosos receberiam consideração e seriam procurados mais que outros para essas funções ou com eles trocados produtos, porém não exerceriam poder de vida e de morte sobre os membros do seu grupo -tribo ou famílias alargadas. Nada nas condições em que viviam tornava necessário determinado comportamento nem vantajosa instituições permanentes de poder.

3. A descoberta da agricultura e da domesticação de animais que sucedeu apenas em determinadas regiões do planeta não determinou imediatamente a tendência para comportamentos que classificamos “maus”, ou seja : a guerra, o saque, o estupro, o rapto, a escravatura. Porém, foi nesses territórios que, lenta e gradualmente (a agricultura foi com certeza uma muito lenta invenção composta de muitos passos, assim como a recolha de alimentos e resguardos que os animais domesticados ofereciam) se foi instalando o poder da força e a força do poder. Dos pequenos lugarejos de sedentários foram surgindo as cidades, os Estados e as religiões justificativas, a submissão pelo medo, o trabalho forçado, a violência.

4. A guerra (não o ato isolado violento ou agressivo) tornou-se guerra ofensiva, guerra defensiva, guerra preventiva, Forma de apropriação de força de trabalho, de recursos excedentes (roubo de alimentos). Aldeias mortificadas pela fome derivada de fatores naturais (secas, chuvas e inundações) atacava outras aldeias com alimentos que a agricultura permitia armazenar; Aldeias com territórios áridos ou menos férteis ou mais atrasados nos melhoramentos na domesticação de plantes novas ou de animais, cobiçavam o produto de aldeias próximas ou remotas. Algumas verificaram as vantagens do saque e organizaram-se em tribos guerreiras. Tribos que precisavam de chefes permanentes, escolhidos entre os mais dotados. A violência sistemática forjou ideologias de guerra, com os seus mitos e religiões, forjou instituições duradouras de poder, construções de defesa que exigiram novas divisões do trabalho, chefes e hierarquias.

5. Deste modo foram formando-se as divisões sociais, as classes sociais. Simultaneamente (por vezes antes, por vezes depois ou durante) formaram-se novas formas de consciência : mitos pata justificar a guerra, mitos para censurá-la.

6. A guerra (a violência organizada para determinados fins deliberados) não surgiu espontaneamente e naturalmente. Se antes era desconhecida, significa que não era vantajosa. Requereu determinadas condições sociais.

7. Pode-se dizer outro tanto dos comportamentos agressivos, com uma ressalva: é provável que nas sociedades de nómadas-recoletores se verificassem comportamentos agressivos, na medida em que na espécie humana existem distúrbios, tendências ou inclinações, predisposições, resultantes de um sistema nervoso altamente complexo. Esse sistema nervoso, porém, foi evoluindo no decurso de centenas de milhar de anos (a nossa espécie terá surgido há 300 mil anos mas apenas há 60 ou 50 mil anos emigrou de África, encontrando o continente euroasiático já povoado). O que nos torna agressivos, a causa de algum comportamento agressivo, nas civilizações contemporâneas não depende exclusivamente das condições da civilização em que se vive. Depende também do nosso sistema nervoso, e os indivíduos nascem com constituições diferenciadas uns dos outros. Sempre assim terá sido desde há dezenas de milhar de anos : os humanos eram diferenciados pela hereditariedade e pela sua constituição própria. A agressividade era, além disto, uma resposta vantajosa para a espécie e terá sido o comportamento superior que os tornou dominantes e altamente adaptáveis aos territórios e aos climas. Para bem caçar era necessária a agressividade e este comportamento teria sido elogiado e cultivados nas horas livres. Caçar terá sido  o conteúdo de todas as histórias e dos ensinamentos que os mais novos recebiam.

8. É portanto necessário articular as duas fontes da violência : bio-psíquicas (sistema nervoso) e sociais.

9. Vantajoso para os grupos de recoletores seriam com certeza comportamentos de entreajuda intra-familiar (fermento de sentimentos amorosos e do culto pelos antepassados) e formar-se-iam provavelmente encontros amigáveis entre diferentes grupos de famílias. Origem das festas comuns e das “orgias”. Mais tarde formar-se-iam as tribos (grupos com laços de parentesco no começo) e os clãs onde tanto podiam predominar os anciãos como as mulheres (matriarcado), dependendo das tradições e, estas, das condições dos ambientes naturais. As relações de metabolismo entre a espécie e o ambiente constituem as primeiras e as determinantes sempre. Ainda que nas sociedades modernas as relações entre os seus membros pareçam depender exclusivamente das condições sociais que encontram ou constituem, na verdade as relações metabólicas entre os humanos e os ambientes são determinantes em última instância. O facto desses ambientes serem já ambientes formados (transformados) pelos seres humanos não invalida a afirmação anterior, a qual significa simplesmente que para viver necessitamos de comer.