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sexta-feira, 28 de julho de 2023

 

Partidos Comunistas y Obreros envían carta abierta al Presidente Nicolás Maduro

Publicado:

Caracas, 26-07-2023 (Redacción TP) 40 partidos comunistas y obreros de todo el mundo publicaron una carta abierta al Presidente Nicolás Maduro Moros para exigir el «cese inmediato de todas las acciones que socavan e intervienen en los asuntos internos del Partido Comunista de Venezuela».

El pasado 10 de julio, un grupo de mercenarios bajo las órdenes del Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), solicitó al Tribunal Supremo de Justicia la intervención del PCV.

El Buró Político del partido del Gallo Rojo alertó al Tribunal Supremo de Justicia de este montaje y reiteró que “este grupo de mercenarios que no militan en el PCV y, por tanto, no tienen ninguna cualidad jurídica para interponer acciones legales ante el TSJ en nombre del partido o de militantes”.

A continuación, reproducimos la carta enviada al jefe de Estado venezolano:

Excelentísimo Señor Nicolás Maduro Moros

Presidente de la República Bolivariana de Venezuela,

Presidente del Partido Socialista Unido de Venezuela,

Nuestros partidos condenan consecuentemente la agresión imperialista y las sanciones de EE.UU y de sus aliados contra Venezuela y expresan su firme solidaridad con el pueblo venezolano.

Desde hace meses venimos siguiendo con gran preocupación el curso de escalada de la intervención en los asuntos internos del Partido Comunista de Venezuela, un proceso que se apoya abiertamente incluso por cuadros de su partido. Ya decenas de partidos se han pronunciado en comunicados conjuntos y otras iniciativas rechazando estas acciones.

Con esta carta abierta exigimos el cese inmediato de todas las acciones que socavan e intervienen en los asuntos internos del Partido Comunista de Venezuela que carecen totalmente de fundamentos.

Expresamos nuestra solidaridad con el Partido Comunista de Venezuela y sus luchas por la defensa de los intereses y los derechos de la clase obrera y del pueblo de Venezuela.

Atentamente,

  • Communist Party of Albania
  • Communist Party of Armenia
  • Party of Labour of Austria
  • Communist Party of Britain
  • Socialist Workers Party of Croatia
  • Communist Party of Bohemia & Moravia
  • Communist Party of Denmark
  • Egyptian Communist Party
  • German Communist Party
  • Communist Party of Greece
  • Tudeh Party of Iran
  • Communist Party of Kurdistan Iraq
  • Iraqi Communist Party
  • Workers Party of Ireland
  • Communist Party of Ireland
  • Socialist Movement of Kazakhstan
  • Lebanese Communist Party
  • Communist Party of Malta
  • Communist Party of Mexico
  • New Communist Party of the Netherlands
  • Communist Party of Pakistan
  • Palestinian Communist Party
  • Palestinian People Party
  • Paraguayan Communist Party
  • Philippines Communist Party [PKP 1930]
  • Communist Party of Poland
  • Russian Communist Workers Party
  • Communists of Serbia
  • Communist Party of the Workers of Spain
  • Communist Party of the Peoples of Spain
  • Communist Party of Swaziland
  • Communist Party of Sweden
  • Swiss Communist Party
  • Syrian Communist Party
  • Communist Party of Turkiye
  • Communist Party of Ukraine
  • Union of Communists of Ukraine
  • Communist Party of Venezuela
  • Communist Revolutionary Party of France

quinta-feira, 27 de julho de 2023

 

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Por BERNARD HORSTMANN*

Existe apenas um país no mundo que pode garantir a paz na Ucrânia e a segurança de suas fronteiras. E esse país é a Rússia

Uma questão importante para a Ucrânia desde que se tornou um Estado independente era quem ou o que poderia garantir sua segurança. Nos primeiros anos após 1991, o governo ucraniano acreditou que poderia se proteger. O país havia herdado algumas armas nucleares soviéticas e tentou torná-las operacionais. Mas não conseguiu contornar as travas de segurança que os engenheiros russos haviam integrado às ogivas nucleares.

De outra parte, os Estados Unidos também pressionaram para que se livrasse daqueles dispositivos, uma vez que a Ucrânia à época já era prolífica na venda de suas armas soviéticas para atores obscuros os mais variados em todo o mundo. A Ucrânia, junto com a Bielorrússia e o Cazaquistão, foi pressionada a ingressar no Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

Em troca obteve, em 1994, uma débil promessa de não interferência, por meio do Memorando de Budapeste Sobre Garantias de Segurança: “Os memorandos, assinados no Patria Hall, no Centro de Convenções de Budapeste, com a presença do embaixador dos Estados Unidos, Donald M. Blinken, entre outros, proibiam a Federação Russa, o Reino Unido e os Estados Unidos de ameaçar ou usar força militar ou coerção econômica contra a Ucrânia, Bielorrússia e Cazaquistão, ‘exceto em legítima defesa ou em outra forma prescrita pela Carta das Nações Unidas’. Como resultado de outros acordos e do Memorando, entre 1993 e 1996, a Bielorrússia, o Cazaquistão e a Ucrânia desistiram de suas armas nucleares”.

Valem aqui duas notas colaterais sobre o trecho acima: (i) o embaixador Donald M. Blinken é o pai do atual Secretário de Estado Anthony Blinken; (ii) formalmente, a Rússia não quebrou o Memorando de Budapeste na sua atual campanha militar contra a Ucrânia: primeiro ela reconheceu as Repúblicas de Lugansk e Donietsk como Estados independentes, firmou com elas acordos de segurança e, só então, passou a participar abertamente das ações militares que já estavam em andamento no território ucraniano desde 2014, sob abrigo do artigo 51(legítima defesa comum) da Carta das Nações Unidas. Os juristas poderão debater essa situação por anos, mas o caso não é diferente do argumento que a OTAN usou para justificar a violenta dissolução da Iugoslávia.

Depois que o Memorando de Budapeste foi assinado, as armas nucleares soviéticas que a Ucrânia e as outras duas nações do tratado ainda possuíam foram enviadas para a Rússia.

Em meados da primeira década deste século, a Rússia tinha, em boa medida, se recuperado dos choques que se seguiram ao desmembramento da União Soviética. Enquanto isso, a Ucrânia naufragara ainda mais. A população diminuíra drasticamente, suas indústrias quebraram e a corrupção generalizada devorava o que havia restado das riquezas do país. Seu próprio exército, teoricamente ainda bem armado, não era mais capaz de defender o território, o que por então não era ruim, já que ninguém se interessava realmente em ameaçá-lo.

No entanto, a OTAN, quebrando as promessas que fizera à Rússia, expandiu-se em direção às fronteiras ucranianas. Novamente em Budapeste, mas agora em 2008, os Estados Unidos aproveitaram uma cúpula da OTAN para pressionar os outros países da aliança a oferecer à Ucrânia um Plano de Ação para Adesão. Não se fixou, entretanto, uma data para a realização dessa promessa.

Em 2013, a União Europeia pressionou a Ucrânia a assinar um acordo de livre comércio com ela. A Rússia, que era o maior parceiro comercial da Ucrânia, fez uma contraproposta financeiramente mais interessante e politicamente menos restritiva. O presidente ucraniano Victor Yanukovych rejeitou então o acordo da União Europeia. Os Estados Unidos, juntamente com o serviço secreto alemão BND, tinham laços de longa data com os grupos de extrema direita da Ucrânia ocidental; herdeiros da antiga cooperação local com as forças militares de ocupação da Alemanha nazista. A CIA reativou esses grupos e instigou uma violenta revolução colorida em Kiev em 2014.

O golpe de Estado que se produziu levou a uma guerra civil, pois a grande maioria dos russos étnicos na Ucrânia oriental rejeitou o novo regime, instalado por uma minoria política do outro extremo do país. Assim, mesmo que aqueles primeiros tenham perdido o controle sobre a maioria de seus territórios tradicionais, logo derrotariam o que restava do exército ucraniano. E o fizeram duas vezes consecutivas.

Desde 2015 o conflito permanecia apenas latente. Firmaram-se os acordos de Minsk, pelos quais a Ucrânia deveria se federalizar, mas o novo regime impediu de fato sua implementação. Enquanto isso, Estados Unidos e Grã-Bretanha usaram esse tempo para restaurar e reaparelhar o exército ucraniano.

Em 2021, a Ucrânia estava pronta para atacar as Repúblicas Populares de Lugansk e Donietsk. A Rússia mobilizou seu exército e alertou que se via obrigada a interferir em tais planos. O ataque ucraniano, já então iminente, foi cancelado. No início de 2022, no entanto, os Estados Unidos deram luz verde ao regime ucraniano para operar tal como havia planejado. A Rússia se antecipou, e a guerra atual começou.[1]

Os planos dos Estados Unidos por trás da guerra supunham que as sanções econômicas ocidentais pré-coordenadas que se seguiriam arruinassem a Rússia, que esse país se tornasse um pária no mundo e que uma derrota militar do exército russo conduzisse a uma mudança de regime em Moscou. O regime ucraniano, por sua vez, esperava que, após vencer a guerra contra seus separatistas internos, se tornasse imediatamente membro da OTAN. Completamente irrealistas, ambas as expectativas se viram frustradas.

A Ucrânia está agora muito obviamente sendo derrotada. Em breve poderia vir a assinar uma capitulação, como primeiro passo para um cessar-fogo com a Rússia. A questão, no entanto, é: quem ou o que poderia servir de garante para tal espécie de acordo?

A adesão à OTAN já não é uma opção. Em 11 de julho, a cúpula do Conselho do Atlântico Norte em Vilnius declarou que a Ucrânia não teria que seguir o Plano de Ação de Adesão formal. Mas então o Conselho substituiu as condições formais desse Plano por uma formulação muito mais vaga: “Estaremos em posição de convidar a Ucrânia a aderir à Aliança quando os aliados concordarem e as condições forem cumpridas”. O secretário-geral da OTAN foi ainda mais explícito: “a menos que a Ucrânia ganhe esta guerra, não há nenhuma adesão a ser discutida”. Na prática, não haverá adesão à OTAN nem garantias de segurança da OTAN para a Ucrânia, nem agora nem nunca.

Uma garantia de segurança total direta, de Washington a Kiev, também é impossível. Ela tornaria muito grande a probabilidade de uma guerra direta entre os Estados Unidos e a Rússia, que logo se transformaria em conflito nuclear. Os Estados Unidos parecem não querer arriscar isso.

Assim, durante os preparativos para a cúpula de Vilnius, quando ficou claro que os aliados não aceitariam a adesão da Ucrânia, o presidente norte-americano Joe Biden esboçou uma alternativa: “os Estados Unidos estão dispostos a oferecer a Kiev uma espécie de acordo de segurança nos moldes do atualmente oferecido a Israel, em vez da adesão à OTAN – disse o presidente Joe Biden à CNN em uma entrevista no dia 7 de julho. ‘Não acho que [ela] esteja pronta para ingressar na OTAN’, disse Joe Biden sobre a Ucrânia. ‘Não acho que haja unanimidade na OTAN sobre trazer ou não a Ucrânia para a sua família agora, no meio de uma guerra. E uma das coisas que sugeri é que os Estados Unidos estariam prontos para fornecer, enquanto o processo segue em andamento (e isso vai demorar um pouco) segurança como a que oferecemos a Israel: fornecer o armamento de que precisam e a capacidade de se defenderem’ – disse Joe Biden, acrescentando: ‘Se houver um acordo, se houver um cessar-fogo, se houver um acordo de paz’”.

Isso, porém, é ainda mais irrealista do que ser membro da OTAN. Como argumentou convincentemente Geoffrey Aronson na revista National Interest: “A pertinência do modelo israelense sugerido por Biden para a segurança da Ucrânia está profundamente comprometida, seja em termos conceituais, seja em termos práticos. (…) Operacionalmente, o modelo israelense não é aplicável para a situação em que a Ucrânia se encontra e dificilmente seria um bom modelo sobre o qual se possa construir a desejada relação de segurança entre os Estados Unidos, a OTAN e a Ucrânia. Em termos conceituais, não há muito mais que uma comparação superficial entre Jerusalém e Kiev para que um conceito como esse possa ser viável”.

“(…) Os vínculos de segurança entre Estados Unidos e Israel nasceram de três fundamentos: (a) a extensão da Guerra Fria ao Oriente Médio; (b) a esmagadora vitória de Israel em junho de 1967; e (c) o desenvolvimento sub-reptício por Israel de armamento nuclear a partir da década de 1950. É quase impossível que a Ucrânia seja capaz de sair de sua guerra com a Rússia com o tipo de vitória total que forneceu a base para os laços entre Estados Unidos e Israel após junho de 1967”.

“(…) Assim, pode muito bem haver aqueles na Ucrânia (mas esperamos que não em Washington) que vejam o modelo de Israel como sugestivo: o de criar a alternativa de uma dotação nuclear ambígua associada à manutenção do fornecimento de armas convencionais por parte de Washington. (…) Mas ainda aqui a realidade se intromete. A barganha norte-americana com Israel visa explicitamente assegurar a superioridade de Israel em armas convencionais contra qualquer associação de inimigos árabes/iranianos. Com essa finalidade, o orçamento fiscal de 2020 dos Estados Unidos destinou a Israel 146 bilhões de dólares em financiamento militar, econômico e de defesa antimísseis (em 2018 foram 236 bilhões de dólares)”.

“(…) No primeiro ano da guerra atual, a Ucrânia recebeu 77 bilhões de dólares de Washington, correspondente à metade da assistência militar, econômica e humanitária despendida. Na melhor das hipóteses, o apoio militar norte-americano no nível atual proporcionou a Kiev um impasse militar. A Ucrânia, fora (o mais provável) ou dentro da OTAN, nunca desfrutará de uma vantagem militar consistente sobre Moscou, ao estilo israelense, nem será capaz de comandar a agenda estratégica ou de segurança na região, como Israel faz no Oriente Médio”.

O poder militar russo torna qualquer tentativa de garantia de segurança para a Ucrânia, pretensamente análoga à oferecida a Israel, algo excessivamente caro para os Estados Unidos e, portanto, simplesmente impossível.

Existe apenas um país no mundo que pode garantir a paz na Ucrânia e a segurança de suas fronteiras. E esse país é a Rússia. Qualquer garantia que este último país possa oferecer será evidentemente condicionada. Ou a Ucrânia aceita isso ou nunca estará a salvo da interferência externa. Esse é simplesmente um fato da vida, com o qual a Ucrânia teve e terá que conviver.

*Bernhard Horstmann é editor da mídia independente norte-americana Moon of Alabama.

Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel.

Publicado originalmente em Moon of Alabama.

Nota do Tradutor


[1] Hoje, tem-se por consagrada, entre os analistas geopolíticos, a interpretação de que o interesse da OTAN (em especial dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha) no avanço militar do regime de Kiev incidia sobre o controle militar do Mar Negro (e o subsequente bloqueio do programa econômico/geopolítico chinês “Cinturão e Estrada” ‒ ou Belt and Road Iniciative ‒ BRI), por meio do domínio territorial da Crimeia, com o desalojamento da base militar russa de Sebastopol.

    in A Terra é Redonda

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Thierry Meyssan

 

Rede Voltaire

Todos os impérios são mortais, o « império americano » também

Na semana passada, eu interrogava-me sobre a realidade da rivalidade entre os Estados Unidos e a China. Talvez a « armadilha de Tucídides » não seja mais que uma cortina de fumo que mascara a desintegração iminente do « império americano ». No presente artigo, eu resumo o seu percurso, o qual os Ocidentais não apreenderam, e apelo à reflexão naquilo que poderá advir quando ele tiver desaparecido.

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Colapsará o império americano ?
Ilustração de Calvin Shen

A URSS afundou-se sobre si própria, não a partir da guerra do Afeganistão (1979-89), mas a partir da catástrofe de Chernobyl (26 de Abril de 1986). De repente os Soviéticos deram-se conta que o Estado já não dominava a situação. Os membros do Pacto de Varsóvia, que Leonid Brejnev havia tornado vassalos, revoltaram-se. As Igrejas, as Juventudes Comunistas e os Gays da Alemanha de Leste fizeram cair o Muro de Berlim [1]. Não apenas a URSS não reagiu, como abandonou os seus aliados fora da Europa, nomeadamente Cuba. O Primeiro Secretário do partido, Mikhail Gorbachev, transformou-se de reformador em liquidatário. A URSS implodiu, criando muitos novos Estados independentes. Depois foi a descida aos infernos. Alguns « Russos Novos » apropriaram-se dos bens colectivos e encetaram uma guerra à metralhadora nas ruas de Moscovo (Moscou-br) e de São Petersburgo. A produção colapsou. Tornou-se difícil encontrar comida em muitas regiões russas. Numa quinzena de anos a esperança de vida caiu brutalmente. A queda foi tão brutal que ninguém teria pensado então que o país se ergueria rapidamente.

Simultaneamente, os Estados Unidos imaginam o que poderiam fazer sem rival. O Presidente George H. Bush Sr dirigindo-se ao Congresso, reunido em sessão solene em 11 de Setembro de 1990, lança a ideia de uma «Nova Ordem Mundial». Ele acaba de encenar uma guerra no Golfo à qual quase todos os Estados do mundo se juntam. Antes mesmo da dissolução da URSS, os Estados Unidos tornaram-se a hiperpotência que ninguém contesta [2]. O straussiano Paul Wolfowitz elabora uma doutrina visando prevenir a emergência de um novo competidor, que poderia ocupar o lugar da União Soviética. Sem hesitar, ele designa o projecto político de François Mitterrand e de Helmut Köhl, a União Europeia, como o inimigo a abater. Esta é minada, desde o início, com a obrigação de incluir todos os Estados do Pacto de Varsóvia e da antiga URSS até que as suas instituições se tornassem incapazes e a inscrição no Tratado de Maastricht da defesa da UE por Washington.

O Pentágono está tão seguro de não mais ter adversário à altura que desmobiliza 1 milhão de homens assim que o Iraque é esmagado. As unidades de pesquisa e desenvolvimento das Forças Armadas são dissolvidas. O Presidente Bush Sr acredita que esta guerra é a última e que se inicia uma era de prosperidade.

Embora ninguém ameace a supremacia dos EUA, estes sentem, no entanto, que o seu equilíbrio interno é frágil. Os empregos são deslocalizados e a sua economia repousa mais na internacionalização da moeda, o dólar, do que na riqueza que produzem.

Em 2001, os straussianos montam os atentados do 11-de-Setembro [3] e adoptam a doutrina Rusmfeld / Cebrowski [4]. Em casa suspendem as liberdades fundamentais com o USA Patriot Act (Lei Patriota- ndT) e lançam uma « guerra sem fim » que devasta o « Médio-Oriente Alargado ».

No entanto, a Rússia não pensa dessa forma. Num discurso pronunciado em 11 de Fevereiro de 2007, na Conferência de Segurança de Munique [5], o Presidente Vladimir Putin denuncia a Nova Ordem Mundial dos Bush que ele qualifica de «unipolar». Segundo ele, seria mais correcto descrevê-la como «monopolar». Ele constata que longe de trazer a paz, ela semeia a desgraça.

Durante a crise do “subprime”(a crise do imobiliário-ndT), o intelectual russo Igor Panarin, que trabalha então para os Serviços Secretos, estuda a hipótese segundo a qual o dólar irá entrar em colapso e a população norte-americana se irá dividir de acordo com uma base étnica, de modo que a prazo o país se fragmentará [6] Erradamente, interpreta-se então o seu trabalho como uma réplica da hipótese da Francesa Helène Carrère d’Encausse que havia imaginado o desmembramento da União Soviética, igualmente numa base étnica [7]. Nada disso se passou, tal como a minha hipótese segundo a qual o « império americano » não sobreviveria ao « império soviético » não se verificou.

Que se passou então ?

Durante os 15 anos que se seguiram ao discurso de Munique, a Rússia preocupou-se prioritariamente em reconstruir o seu poderio. Em 2012, ela promete à Síria protegê-la dos jiadistas apoiados pelos Anglo-Saxões (a chamada «Primavera Árabe»), mas espera dois anos antes de intervir. Quando sai da sombra dispõe de uma quantidade de armas armas. No campo de batalha, ela aprende a servir-se delas e forma o seu pessoal que renova a cada seis meses. Se durante o seu discurso em Munique, Vladimir Putin havia designado o Brasil, a Índia e a China como seus parceiros privilegiados para a edificação de um mundo multipolar, não deixou de esperar longamente antes de selar uma relação privilegiada com Pequim. A China, que continua parcialmente em vias de desenvolvimento, exerce uma forte pressão demográfica sobre a Sibéria russa, no entanto ela compreendeu que, para sair da « ditadura monopolar », deve ser aliada da Rússia. Os dois países foram vítimas dos Ocidentais e vivenciaram as suas mentiras. Eles não têm futuro um sem o outro.

A derrota ocidental na Ucrânia deveria abrir os olhos aos Norte-Americanos. As tensões examinadas por Igor Panarin ressurgem. Os atentados do 11-de-Setembro e a « guerra sem fim » não passaram de distrações. Terão dado um balão de oxigénio ao « império americano », mas nada mais que isso.

Durante os 35 anos que se seguiram ao colapso da URSS, os Estados Unidos persuadiram-se erradamente que haviam vencido o seu rival. Na realidade, foram os próprios Soviéticos que a derrubaram. Eles convenceram-se que os Russos precisariam de um século para recuperar das suas fraquezas. Na prática, tornaram-se a primeira potência militar do mundo. Certo, os Estados Unidos conseguiram vassalizar a Europa Ocidental e Central, mas têm hoje de enfrentar todos os Estados que abusaram, liderados pela Rússia e a China.

Durante este período, os Republicanos e os Democratas deram lugar a duas novas correntes de pensamento: os Jacksonianos, em torno de Donald Trump, e os Wokistas, os puritanos sem Deus. Assiste-se actualmente a uma intensificação dos movimentos da população nos EUA. Especialistas eleitorais constatam que muitos Norte-Americanos deixam as regiões “woke” e migram para as “jacksonianas” [8]. Segundo as empresas de mudanças, os seus clientes deixam as grandes cidades para se instalar nas mais pequenas onde a vida é mais barata e mais agradável. No entanto, todas salientam que os seus clientes citam cada vez mais um novo motivo : eles mudam-se para juntar a uma parte da família. Esta explicação corresponde ao que Colin Woodard havia observado há uma década [9] : Os Norte-Americanos reagrupam-se por comunidade de origem. Os promotores imobiliários observam a multiplicação de bairros seguros (os Gated Comunities-condomínios fechados). Os seus clientes juntam-se com pessoas como eles, herdeiros da mesma cultura e pertencendo à mesma classe social. Com frequência, eles estão inquietos pela subida da insegurança e evocam uma possível guerra civil.

Não continuemos cegos. Todos os impérios são mortais. O « império americano » também.

Tradução
Alva

sábado, 22 de julho de 2023

O capital de Marx – notas dissonantes do segundo violino

 

O capital de Marx – notas dissonantes do segundo violino

Por FRANCISCO TEIXEIRA & RODRIGO CAVALCANTE DE ALMEIDA*

Considerações sobre as três edições que compõem O Capital

     “Deixar o erro sem refutação é estimular a imoralidade intelectual” (Karl Marx).

     “Durante toda a minha vida tenho feito aquilo para que fui talhado: ser um segundo violino – e creio que me tenho saído muito bem nesta função. Eu sou feliz por ter tido um maravilhoso primeiro violino: Marx” (Friedrich Engels).

A produção do mais-valor e a troca justa

Dos três livros que compõem O Capital de Karl Marx, apenas o primeiro volume foi publicado quando seu autor ainda era vivo; uma primeira edição em 1867, uma segunda, em 1872. Os livros II e III, editados por Engels, só viriam a público muito tempo depois. O livro II, em 1885; o livro III ainda teve de esperar por quase de 10 anos: surge em 1894.

Numa carta dirigida a Siegfried Meyer, de abril de 1867, Marx parecia bastante animado, como deixa transparecer nessa correspondência, na qual fala sobre o estado em que se encontrava seu trabalho. É com ironia que se desculpa pelo tempo que passou para responder ao amigo. “Por que não lhe respondi?”, pergunta Marx, para, em seguida, se justificar: “Porque durante todo esse período eu estava com o pé na cova (…). Rio-me das pessoas pretensamente ‘prática’ e da sua sabedoria. Se se deseja comportar-se como um animal, pode-se evidentemente voltar as costas aos tormentos da humanidade e preocupar-se apenas com a própria pele”. Isso que Marx acaba de expressar é apenas para dizer a Meyer que “se consideraria realmente como não prático se morresse sem ter terminado meu livro, pelo menos o manuscrito”.

No parágrafo seguinte, informa ao seu interlocutor que “o volume I da obra aparecerá dentro de algumas semanas, pela editora de Otto Maissner, de Hamburgo. Seu título: O Capital. Crítica da Economia Política. Para trazer pessoalmente o manuscrito, vim à Alemanha, onde estou passando alguns dias em casa de um amigo, em Hannover, a caminho para Londres” (MARX, 2020, p.199).

Marx tinha esperança de que “dentro de um ano, a obra toda [estaria] publicada”, isto é, os três livros de O Capital, mais um quarto volume dedicado à pesquisa das teorias sobre Economia Política e que veio a público somente no começo do século XX, com o título Teorias da Mais-Valia.

A expectativa de Marx não se concretizou. Que Pena! Contra a sua vontade, não “morreu como um homem prático”. Mas isso por imposição de certas circunstâncias. A primeira delas, é a de que o autor de O Capital não teve tempo para dar um acabamento final aos outros dois livros (II e III). Seu agudo senso estético lhe exigia que somente deveria entregar seus escritos à impressão, quando os tivesse como um todo artístico acabado, como assim demonstra a feitura do Livro I, cuja elegância do estilo fazem dele uma verdadeira obra literária.[i] Uma segunda razão é de natureza histórico-empírica. No apagar das luzes da década dos anos 70, do século XIX, Marx dizia que só poderia publicar o livro II e III, quando a crise da indústria inglesa atingisse seu ponto culminante. E por fim, uma razão de natureza fisiológica, sua precária e debilitada saúde recorrentemente interrompia o seu trabalho.

Mesmo assim, Marx deixou um amontoado de manuscritos, que Engels, após a morte de seu querido Mouro, utilizou-os para editar os livros II e III. Infelizmente, não pôde aplicar a esses dois livros o estilo e a beleza estética do livro I, por razões que serão conhecidas mais adiante.

Uma comparação entre os livros I e os outros dois (livros II e III) daria ao leitor uma boa ideia das diferenças que separam essas três obras. Mas um cotejo dessa natureza está fora de cogitação. Aqui não há espaço para uma empresa de tamanha monta. No entanto, valeria a pena ousar esboçar, em linhas gerais, o conjunto do livro I, deixando para o leitor a tarefa de, posteriormente, investigar e confrontar o resultado dessa ousadia com a arquitetura dada por Engels aos dois restantes livros da obra em seu todo.

Sem dúvida, trata-se de uma tarefa nada fácil para quem não tem conhecimento da totalidade de O Capital em seus momentos diferenciados e de como eles se entrelaçam num todo organicamente articulado. Contra essa desvantagem nada se pode fazer, a não ser prevenir o leitor de quão árduo é o trabalho que impõe a ciência a todos aquele que a ela se dedicam. De posse dessa advertência, não há mais o que esperar…

 

Conversão das leis de produção de mercadorias em leis de apropriação capitalista

O livro I expõe o processo de produção do capital em sua totalidade, isto é, como unidade de dois momentos diferentes: aparência e essência. A aparência, como é de todos conhecidos, é a esfera da circulação, o mundo no qual os indivíduos existem uns para os outros apenas como “possuidores de mercadorias”.

Se os indivíduos só existem como proprietários, a sociedade onde vivem se lhes apresenta como “o melhor dos mundos possíveis”, pois a percebem como o reino exclusivo da liberdade, da igualdade, da propriedade e de Bentham. “Liberdade, pois os compradores e vendedores de uma mercadoria, por exemplo, da força de trabalho, são movidos apenas por seu livre-arbítrio. Eles contratam como pessoas livres, dotadas dos mesmos direitos (…). Igualdade, pois eles se relacionam um com o outro apenas como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade, pois cada um dispõe apenas do que é seu. Bentham, pois cada um olha somente para si mesmo. A única força que os une e os põe em relação mútua é a de sua utilidade própria, de sua vantagem pessoal, de seus interesses privados. E é justamente porque cada um se preocupa apenas consigo mesmo e nenhum se preocupa com o outro que todos, em consequência de uma harmonia preestabelecida das coisas ou sob os auspícios de uma providência todo-astuciosa, realizam em conjunto a obra de sua vantagem mútua, da utilidade comum, do interesse geral” (MARX, 2017a, p.250-251).

É assim que as pessoas percebem esse mundo de todos os dias, não só porque se trata de um conhecimento adquirido sensorialmente (ver, sentir, tocar), mas porque esse é o aspecto fenomênico da realidade, produto espontâneo da práxis cotidiana. Com efeito, quando alguém fala do dinheiro, por exemplo, a única coisa que lhe vem à cabeça é que se trata de uma matéria, uma quantidade de papel ou moeda metálica, que lhe serve para adquirir os bens necessários à sua sobrevivência. Nem por um instante desconfia que o dinheiro é, antes de tudo, uma categoria econômica e social que expressa uma forma de relacionamento entre os homens e que, por isto, não é simplesmente matéria, é também uma forma social e, como tal, expressão de diversas relações de classes inseridas num modo de produção determinado.

O dinheiro utilizado por um capitalista, por exemplo, para contratar trabalhadores, é muito diferente do dinheiro que os trabalhadores despendem para comprar os bens e serviços de que necessitam. No primeiro caso, o dinheiro é capital, pois o seu proprietário o gastou, pagando salários, para poder ganhar mais dinheiro; trata-se, portanto, de uma relação de exploração entre duas classes: capitalistas e trabalhadores. Por sua vez, o dinheiro que o trabalhador gasta na compra de roupa, calçados, comida, etc., é apenas um simples meio de troca com o qual adquire o que necessita para viver.

Disto ninguém sabe nem tampouco está preocupado em conhecer. É-lhe suficiente saber que o dinheiro é uma coisa útil porque dele todos os indivíduos se valem para comprar os produtos de que necessitam em seu dia a dia. Isso basta, é tudo que precisam saber! E é assim porque o mundo que se lhe apresenta ao pensamento lhe aparece como se fora a realidade tal como verdadeiramente ela o é. Por isso, ao final do capítulo IV, do livro I, Marx convida o leitor, para juntos “[abandonarem][ii] essa esfera da circulação simples ou da troca de mercadorias, de onde o livre-cambista vulgaris [vulgar] extrai noções, conceitos e parâmetros para julgar a sociedade do capital e do trabalho assalariado, já podemos perceber uma certa transformação, ao que parece, na fisionomia de nossas dramatis personae [personagens teatrais]. O antigo possuidor de dinheiro se apresenta agora como capitalista, e o possuidor de força de trabalho, como seu trabalhador. O primeiro, com um ar de importância, confiante e ávido por negócios; o segundo, tímido e hesitante, como alguém que trouxe sua própria pele ao mercado e, agora, não tem mais nada a esperar além da… esfola. (MARX, 2017a, p.251).

E assim, o leitor é levado por Marx a abandonar aquela “esfera rumorosa, onde tudo se passa à luz do dia, ante os olhos de todos, e [acompanhar]os possuidores de dinheiro e de força de trabalho até o terreno oculto da produção, em cuja entrada se lê: No admittance except on business [Entrada permitida apenas para tratar de negócios]. Aqui se revelará não só como o capital produz, mas como ele mesmo, o capital, é produzido. O segredo da criação de mais-valor tem, enfim, de ser revelado” (MARX, 2017a, p.250).

No entanto, o segredo da criação do mais-valor, que começa a ser desvelado a partir do capítulo V, só será plenamente conhecido quando o leitor chegar ao capítulo XXII, do livro I. Somente aí, aquele mundo onde reinava exclusivamente liberdade, igualdade e propriedade, converte-se em seu contrário direto: a liberdade se transforma em não liberdade; a igualdade, em não igualdade; a propriedade, no direito de se apropriar do trabalho alheio não-pago.

Mas essa conversão não anula as garantias constitucionais, segundo as quais todos são iguais perante a lei e como tais lhes são garantidos a inviolabilidade do direito à liberdade, à igualdade e à propriedade, como regem todas as constituições burguesas?

A resposta é um rotundo não! Para Marx, a propriedade não é um roubo. E não o é porque “a lei da troca só exige igualdade entre os valores de troca das mercadorias que são alienadas reciprocamente. Ela exige até mesmo, desde o início, a desigualdade de seus valores de uso, e não guarda nenhuma relação com seu consumo, que só começa depois de o negócio estar concluído” (MARX, 2017a, p.660).

A justiça burguesa não é sequer arranhada com a produção do mais-valor, pois as transações que se realizam entre os agentes da produção derivam das leis de produção de mercadorias como uma consequência natural, como melhor será elucidado mais adiante. “As formas jurídicas”, diz Marx, “nas quais essas transações econômicas aparecem como atos de vontade dos envolvidos, como exteriorizações de sua vontade comum e como contratos cuja execução pode ser imposta às partes contratantes pelo Estado, não podem determinar, como meras formas que são, esse conteúdo. Elas podem apenas expressá-lo. Quando corresponde ao modo de produção, quando lhe é adequado, esse conteúdo é justo; quando o contradiz, é injusto. A escravidão, sobre a base do modo de produção capitalista, é injusta, assim como a fraude em relação à qualidade da mercadoria” (MARX, 2017c, p.386-387).

Por isso, Marx tem de explicar a produção do mais-valor sem que, para tanto, o capitalista tenha de se valer de trapaças ou do roubo no sentido corrente da palavra. Muito pelo contrário, o mais-valor nasce como produto da troca como um ato perfeitamente legal, sem abolir as leis guardadas pelo direito penal, como se mostra a partir daqui.

 

O negativo da acumulação de capital

Marx inicia o primeiro capítulo do livro I, abrindo as portas do mundo capitalista com o que há de mais conhecido de todas as pessoas: a mercadoria, como forma elementar em que aparece a riqueza de uma sociedade, na qual todos indivíduos se reconhecem mutuamente como donos de coisas das quais delas só abrem mão em troca de outras de igual valor. Num mundo assim, todos se julgam como iguais, pois se relacionam uns com os outros como proprietários de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Como proprietários, cada um dispõem apenas do que é seu e, assim, sentem-se livres para permutar entre si os produtos de seus trabalhos. É o verdadeiro Jardim do Éden dos direitos inatos do homem!

Se nesse Paraíso terrestre a compra e a venda da força de trabalho, como qualquer outro tipo de intercâmbio comercial, obedecem ao princípio da equivalência, como se explica, então, o lucro e, consequentemente, o enriquecimento dos capitalistas? Não seria o lucro uma recompensa pelo suor que cada capitalista derramou, ao longo de várias gerações, para amealhar o seu valioso patrimônio? Aceitar tal pressuposto é o mesmo que imaginar que os trabalhadores também poderiam ter acumulado seu patrimônio da mesma forma como supostamente fizeram aqueles, para quem hoje vendem sua força de trabalho. Não é, pois, valendo-se desse tipo de argumento, cuja analogia com o mito da maldição bíblica é patente, que Marx explica a origem do lucro.

Tampouco supondo que a troca entre capital e trabalho não obedece ao princípio da equivalência. Nada disso! Não é burlando o princípio de que a troca é sempre troca de valores iguais, que o autor de O Capital demonstra que o salário se torna cada vez mais num meio miserável de ganhar a vida, se comparado com os lucros, que aumentam quanto mais gastam os capitalistas com a compra de meios de produção e de força de trabalho. Aí estão dadas as condições do problema. Hic Rhodus, Hic Salta!

A origem do lucro aparece para a economia política clássica (EPC) como um verdadeiro enigma. Essa ciência, na figura de seus maiores expoentes – Adam Smith e David Ricardo –, viu-se confrontada com uma problemática que lhe aparecia sem solução: como explicar a troca entre capital e trabalho sem ferir o princípio da equivalência e, ao mesmo tempo, dessa igualdade, demonstrar como se origina o mais-valor, ou, em sua expressão fenomênica, o lucro.

Smith e Ricardo descobriram que a produção do mais-valor nasce da troca entre capital e trabalho. No entanto, não puderam compatibilizar essa troca com o princípio da equivalência. Mas isso, como diria Marx, é consequência necessária do método analítico com que empreenderam a crítica da economia (MARX, 1980c, p.1548).

Coube o autor de O Capital realizar o que a economia política clássica jamais conseguiu decifrar: como da igualdade, da troca de valores iguais, surge a desigualdade, isto é: o mais-valor. É dessa aporia, em que se viram enredados Smith e Ricardo, que parte Marx para explicar a origem do mais-valor. Para tanto, não contrapõe àquela ciência uma teoria simplesmente diferente. Muito pelo contrário, divide com os economistas clássicos o mesmo pressuposto por eles assumido, isto é, de que o direito de propriedade se funda sobre o trabalho próprio. E tinha que se valer de tal pressuposição, pois, num mundo onde todos os indivíduos só existem como proprietários de mercadorias, cada um só poderá se apropriar das coisas alheias, mediante a alienação da sua própria propriedade. Por isso, diz Marx, de início: “esse suposto tinha de ser admitido, porquanto apenas possuidores de mercadorias com iguais direitos se confrontavam uns com os outros, mas o meio de apropriação da mercadoria alheia era apenas a alienação [Veräußerung] de sua mercadoria própria, e está só se podia produzir mediante o trabalho” (MARX, 2017a, p.659).

Mas, então, como demonstrar que a troca entre capital e trabalho se dá de acordo com o princípio da equivalência e que dessa igualdade nasce a desigualdade na apropriação da riqueza social? A resposta que se encontra em Marx estar na exposição que ele faz da dialética interna do processo de acumulação. Essa dialética se encarrega de transformar aquele princípio (equivalência) em seu contrário direto; qual seja: a troca de não-equivalência. E isso acontece, nunca é demasiado ressaltar, sem que, nem por um instante, sejam anuladas as leis da troca de mercadorias, isto é, o referido princípio da equivalência.

Marx expõe esse revolucionamento da dialética interna das trocas de mercadorias nos capítulos XXI e XXII do Livro I de O Capital. Pressupondo a ideia, tão cara à filosofia liberal, de que, num passado remoto, a classe capitalista adquiriu sua propriedade com o suor do seu próprio rosto, Marx se pergunta o que aconteceria quando esse patrimônio é utilizado recorrentemente para pagar os salários dos trabalhadores? Resposta: ao cabo de certo tempo, todo esse patrimônio se constituirá de trabalho alheio não-pago. É o que mostra o autor de O Capital valendo-se de um exemplo. Imagina que a classe capitalista, depois de muitas gerações de trabalho, acumulou uma riqueza de 1.000 unidades de dinheiro e que, agora, pode dispor dela para contratar trabalhadores assalariados.

Em seguida, supõe que esse capital gera anualmente um mais-valor de 200 unidades de dinheiro, destinadas ao consumo dos capitalistas. Que acontece quando esse capital é recorrentemente empregado para assalariar trabalhadores? Simples! Se a cada ano é gerado um mais-valor de 200 unidades monetárias, ao cabo do quinto ano, o mais-valor total, produzido e consumido integralmente pela classe capitalista, será de 1000 unidades. E o que é mais importante: a classe capitalista ainda dispõe dessas 1000 unidades de capital para reiniciar, no ano seguinte, a contratação de novos trabalhadores.

Ora, se a partir do quinto ano todo o patrimônio da classe capitalista, que ela supostamente amealhou com o suor de seu próprio rosto, foi totalmente pago, como sustentar que tudo isso aconteceu sem ferir o princípio da equivalência? Com mais razão ainda se se considerar que a partir do sexto ano, a troca entre capital e trabalho converteu-se numa não-troca, uma vez que todo o patrimônio da classe capitalista é, agora, constituído integralmente de mais-valor, isto é, de trabalho não-pago, de mais-valor capitalizado.

Se a dialética interna do processo de acumulação transforma a troca entre capital e trabalho numa não-troca, isso não anula o princípio da equivalência que exige que todo ato de troca seja uma troca de valores iguais? Não! Que Marx explique então como se resolve essa aparente aporia. Concedendo-lhe a palavra, ele mostra que, “na medida em que cada transação isolada obedece continuamente à lei da troca de mercadorias, segundo a qual o capitalista sempre compra a força de trabalho e o trabalhador sempre a vende – e, supomos aqui, por seu valor real –, é evidente que a lei da apropriação ou lei da propriedade privada, fundada na produção e na circulação de mercadorias, transforma-se, obedecendo a sua dialética própria, interna e inevitável, em seu direto oposto. A troca de equivalentes, que aparecia como a operação original, torceu-se ao ponto de que agora a troca se efetiva apenas na aparência, pois, em primeiro lugar, a própria parte do capital trocada por força de trabalho não é mais do que uma parte do produto do trabalho alheio, apropriado sem equivalente; em segundo lugar, seu produtor, o trabalhador, não só tem de repô-la, como tem de fazê-lo com um novo excedente. A relação de troca entre o capitalista e o trabalhador se converte, assim, em mera aparência pertencente ao processo de circulação, numa mera forma, estranha ao próprio conteúdo e que apenas o mistifica. (MARX, 2017a, p.659).

Por isso, em consequência desse contínuo e ininterrupto processo de acumulação, acrescenta Marx, em seguida, “a propriedade aparece, [agora], do lado do capitalista, como direito a apropriar-se de trabalho alheio não pago ou de seu produto; do lado do trabalhador, como impossibilidade de apropriar-se de seu próprio produto. A cisão entre propriedade e trabalho torna-se consequência necessária de uma lei que, aparentemente, tinha origem na identidade de ambos”. (MARX, 2013a, p.659).

Cai assim por terra a ideia rasteira e, ao mesmo tempo tão cara à concepção liberal de mundo, de que a propriedade capitalista é fruto do trabalho pessoal. E tudo isso ocorre em consonância com a lei da troca de mercadorias, que somente exige a igualdade entre os valores permutados, quando cada ato de troca é visto fora de sua conexão com outros atos de troca. Quanto a isso, Marx não deixa nenhuma dúvida. Depois de expor a dialética interna da troca de mercadorias, ele demonstra que a contínua e ininterrupta compra e venda da força de trabalho não altera em nada a lei geral da produção de mercadorias. “A quantia de valor adiantada para pagar os salários dos trabalhadores, não ressurge no produto pura e simplesmente, mas sim aumentada de um mais-valor”.

Esse mais-valor, diz Marx, em seguida, “não resulta de que se tenha ludibriado o vendedor, pois este recebeu efetivamente o valor de sua mercadoria, mas do consumo dessa mercadoria pelo comprador. A lei da troca só exige igualdade entre os valores de troca das mercadorias que são alienadas reciprocamente (…) A transformação original do dinheiro em capital consuma-se, portanto, na mais rigorosa harmonia com as leis econômicas da produção de mercadorias e com o direito de propriedade delas derivado. Mas, apesar disso, ela tem por resultado: (i) que o produto pertence ao capitalista, e não ao trabalhador; (ii) que o valor desse produto, além do valor do capital adiantado, inclui um mais-valor, o qual, embora tenha custado trabalho ao trabalhador e nada ao capitalista, torna-se propriedade legítima deste último; (iii) que o trabalhador conservou consigo sua força de trabalho e pode vendê-la de novo, sempre que encontrar um comprador. A reprodução simples não é mais do que repetição periódica dessa primeira operação; volta-se, sempre de novo, a transformar dinheiro em capital. A lei não é, pois, violada; ao contrário, ela apenas obtém a oportunidade de atuar duradouramente (MARX, 2017a, p.660).

E assim Marx desvenda o segredo da produção do mais-valor; este aparece não como produto de um roubo, mas como uma troca perfeitamente legal, no sentido do direito penal. A exploração não se confunde com o roubo, porque na produção de mercadorias confrontam-se, independentes um do outro, apenas o vendedor e o comprador, “suas relações recíprocas chegam ao fim quando do vencimento do contrato concluído entre eles. Se o negócio se repete, é em consequência de um novo contrato, que não guarda nenhuma relação com o anterior e no qual somente o acaso reúne novamente o mesmo comprador e o mesmo vendedor (MARX, 2017a, p.662).

Por conseguinte, enquanto em cada ato de troca – tomado isoladamente – são conservadas as leis da troca, “o modo de apropriação pode sofrer um revolucionamento total sem que o direito de propriedade adequado à produção de mercadorias se veja afetado de alguma forma. Esse mesmo direito segue em vigor tanto no início, quando o produto pertencia ao produtor, e este, trocando equivalente por equivalente, só podia enriquecer mediante seu próprio trabalho, como também no período capitalista, quando a riqueza social se torna, em proporção cada vez maior, a propriedade daqueles em condições de se apropriar sempre de novo do trabalho não pago de outrem”(MARX, 2017a, p.662).

 

Engels, editor do segundo e terceiro livros de O capital

Marx anuncia no prefácio à primeira edição de O Capital, em julho de 1867, que “o segundo volume deste escrito tratará do processo de circulação do capital (Livro II) e das configurações do processo global (Livro III); o terceiro (Livro IV), da história da teoria. Todos os julgamentos fundados numa crítica científica serão bem-vindos. Diante dos preconceitos da assim chamada opinião pública, à qual nunca fiz concessões, tomo por divisa, como sempre, o lema do grande florentino: Segui il tuo corso, e lascia dir le genti!”[iii] (MARX, 2017a, p.81).

Não é difícil daí inferir que O Capital é uma obra que articula a inteligibilidade do sistema do modo de produção capitalista a partir de uma concepção de totalidade, como unidade do processo de produção e processo de circulação de mercadorias. Não é por menos a relutância de Marx de não publicar O Capital enquanto não os tivesse, diante seus olhos, os três livros (I, II, III) em sua versão completa. Numa carta dirigida a Engels, de 31 de julho de 1865, ele confessa que ainda restavam “três capítulos por escrever para terminar a parte teórica (os três primeiros livros)”. Em seguida acrescenta que “depois, virá um quarto livro, dedicado à história e às fontes; resolvidas nos três primeiros livros; este último será sobretudo uma repetição sob forma histórica”.

Nessa mesma carta, Marx justifica essa sua resistência. Considera tal dificuldade como sendo a maior vantagem de seus escritos, pois estes “constituem um todo artístico e não posso chegar a este resultado senão graças a meu sistema de não dar nunca à impressão enquanto não os tiver completos diante de mim (MARX, 2020, .p.186).

Mas esse não é o único cuidado alegado por Marx. Em abril de 1879, muito tempo depois daquela carta dirigida a Engels, ele escreve a Nikolai Frantsevich Danielson dando-lhe conta que não poderia publicar o segundo volume de O Capital enquanto continuar, na Alemanha, “o regime vigente (…) com seu rigor atual”. Marx refere-se aí às leis de exceção contra os socialdemocratas, promulgadas por Bismarck em outubro de 1878.

Mas essa não era a principal causa que o impedia de editar o segundo volume de O Capital. Dentre outras razões, ele alegava que não “publicaria o segundo volume antes que a atual crise industrial inglesa alcançasse seu ponto culminante” (MARX, 2020, p.331).

Marx morreu sem ver publicados os três volumes de O Capital. Seu esmero estético e sua preocupação com as condições históricas da época, além de sua precária condição de saúde e miséria financeira, impediram-no de concluir sua principal obra.

Coube a Engels o trabalho de publicação dos livros II e III de O Capital. Mas este encargo iria lhe custar mais de vinte anos de trabalho. Uma das possíveis razões desse desafio, Engels confessa, numa carta dirigida a August Bebel, datada de 30 de agosto 1883, que a partir de então se dedicaria a publicação do livro II. No entanto, espanta-se com o material que encontra. Uma verdadeira montanha de rascunhos, com centenas de citações empilhadas, à espera de um trabalho posterior. Naquela carta assevera que “tu [Bebel] me perguntas como foi possível que ele [Marx] me tenha ocultado, justamente de mim, o estado do material? Muito simples: se eu soubesse, tê-lo-ia assediado dia e noite até que a obra estivesse acabada e impressa. E [Marx] sabia disso melhor que ninguém; e sabia também que, na pior das eventualidades, que ocorreu agora, o manuscrito poderia ser editado por mim conforme o seu espírito – coisa, aliás, que já dissera a Tussy” (MARX, 2020, p.368-369).

O desconhecimento do espólio deixado por Marx iria demandar, da parte de Engels, um esforço excessivo; quase sobre-humano. E ele sabia disso. Mais do que ninguém, tinha consciência das dificuldades que iria encontrar em seu trabalho de editoração. No prefácio ao livro II, confessa que “Preparar para a impressão o segundo livro de O capital, e de maneira que, de um lado, ele aparecesse numa forma coerente e o mais acabada possível e, de outro, como obra exclusiva do autor, e não do editor, não foi um trabalho fácil”. Ele explica as razões dessa dificuldade: “O grande número de versões existentes, a maioria delas fragmentária, dificultou a tarefa. Apenas uma dessas versões (o manuscrito IV[a]), quando muito, fora revisada e preparada para a impressão, mas a maior parte dela também se tornou obsoleta, devido a reelaborações posteriores. Parte do material, embora acabada quanto ao conteúdo, não o estava com relação à forma; fora redigida na linguagem em que Marx costumava elaborar suas anotações: num estilo descuidado, repleto de expressões coloquiais, frequentemente sarcásticas, além de termos técnicos ingleses e franceses e, muitas vezes, frases e até páginas inteiras em inglês; as ideias pousavam sobre o papel da forma como iam se desenvolvendo no cérebro do autor. Se boa parte do conteúdo fora exposta em detalhes, outra parte, de igual importância, estava apenas esboçada; os fatos que servem de ilustração ao material estavam reunidos, mas pouco ordenados, e muito menos elaborados; muitas vezes, no fim de um capítulo, na pressa do autor de passar ao capítulo seguinte, não havia mais do que algumas sentenças fragmentárias, a indicar o desenvolvimento ali deixado incompleto; por fim, havia a notória caligrafia, que às vezes nem o próprio autor lograva decifrar” (MARX, 2017b, .p.79).

Para a editoração do livro II, Engels utilizou os manuscritos enumerados de “I a IV pelo próprio Marx. Destes, o manuscrito I (150 páginas), presumivelmente escrito em 1865 ou 1867, é a primeira elaboração separada, porém mais ou menos fragmentária, do Livro II em sua composição atual. Também desse texto nada pôde ser utilizado. O manuscrito III é, em parte, uma compilação de citações e referências aos cadernos de excertos de Marx – a maioria deles referente à primeira seção do Livro II – e, em parte, elaborações de pontos específicos, sobretudo uma crítica das teses de Adam Smith sobre o capital fixo e o capital circulante e sobre a fonte do lucro; além disso, contém uma exposição da relação entre a taxa de mais-valor e a taxa de lucro, pertencente ao Livro III. As referências ofereciam poucos elementos novos, e muitas versões tanto para o Livro II como para o III, tornadas obsoletas por redações posteriores, foram descartadas em sua maior parte (MARX, 2013b, p.81).

De todo esse material, Engels esclarece que “o manuscrito IV é uma versão pronta para a impressão da seção I e dos primeiros capítulos da seção II do Livro II, e o utilizamos quando adequado. Embora soubéssemos que esse material fora redigido anteriormente ao manuscrito II, ele pôde – por sua forma mais acabada – ser utilizado com vantagens para a parte correspondente deste livro; foi preciso apenas complementá-lo com algumas passagens do manuscrito II. Este último data de 1870 e constitui a única elaboração de algum modo completa do Livro II. As anotações para a redação final, que mencionarei em seguida, dizem expressamente: “A segunda versão deve ser usada como base” (MARX, 20137, p.81).

A luta de Marx para finalizar os escritos sobre os livros II e III é travada por seguidos períodos intercalados entre diversas moléstias que o acometiam e breves, muito breves períodos de recuperação e saúde. Em fins dos anos 1870, Marx, afirma Engels, “já parecia ter clareza de que, sem uma reviravolta completa em seu estado de saúde, jamais ele conseguiria produzir uma versão plenamente satisfatória dos Livros II e III. Com efeito, os manuscritos V a VIII frequentemente evidenciam as marcas de uma luta violenta contra as doenças que o mortificavam. O conteúdo mais difícil da seção I foi novamente desenvolvido no manuscrito V; o restante da seção I e a seção II inteira (com exceção do capítulo XVII) não apresentavam grandes dificuldades teóricas; em contrapartida, Marx considerava que a seção III, dedicada à reprodução e à circulação do capital social, carecia prioritariamente de uma reelaboração.

De fato, no manuscrito II a reprodução fora estudada, num primeiro momento, sem levar em conta a circulação monetária que lhe serve de mediação e, em seguida, levando-a em consideração. Isso tinha de ser eliminado, e a seção inteira precisava ser reelaborada para ajustar-se ao campo de visão ampliado do autor. E assim surgiu o manuscrito VIII, um caderno de apenas setenta páginas inquarto; mas a quantidade de material que Marx foi capaz de comprimir em espaço tão exíguo fica demonstrado quando se compara esse manuscrito com a seção III, impressa, depois de eliminados os fragmentos inseridos do manuscrito II (MARX, 20137, p.82-83).

Eis aí o material do qual Engels lançou mão para publicar o Livro II. Para editoração do livro III, ele contou com a primeira versão manuscrita de Contribuição à crítica da economia política, dos fragmentos supramencionados do manuscrito III e de algumas curtas anotações ocasionais espalhadas por vários cadernos de excertos”. Além disso, usou os seguintes materiais: “o citado manuscrito in-fólio de 1864-1865, elaborado aproximadamente com o mesmo grau de acabamento que o manuscrito II do Livro II, e um caderno de 1875, “A relação entre a taxa de mais-valor e a taxa de lucro”, que aborda o assunto matematicamente (em equações). A elaboração desse livro para a impressão avança rapidamente. Na medida em que já posso emitir um juízo sobre esse trabalho, creio que, com exceção de algumas seções muito importantes, ele apresentará fundamentalmente dificuldades de caráter técnico (MARX, 2013b, p.83).

Em geral, o trabalho de editoração de Engels exigiu dele intervir na redação dos manuscritos naqueles pontos que lhe pareciam carente de elucidação. Somente nas páginas dos manuscritos onde não encontrava elemento correspondente, ele alterava e completava independentemente. Suas modificações, como assim revela a excelente pesquisa de Regina Roth, “compreendem padronização e ajuste de conceitos, notações, exemplos numéricos, várias transposições, a inclusão de notas de rodapé no texto principal, a adição de títulos, introduções e transições, além disso, formação e supressão de parágrafos, omissões, atualizações e dispensa de ênfases, demonstrações de contas, explicitação, complemento e tradução de citações, assim como modificações de estilo (MARX; ENGELS, 2003, pp.407-427).[iv]

*Francisco Teixeira é professor da Universidade Regional do Cariri (URCA). Autor, entre outros livros, de Pensando com Marx: Uma leitura crítico-comentada de O Capital (Ensaio).

Rodrigo Cavalcante de Almeida é professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE).

Notas


[i] Importante ressaltar que mesmo o livro I não deixou seu autor completamente satisfeito. Ele acrescentou um apêndice, ainda em 1867, sobre a seção I, a pedido de Engels, com o objetivo de deixar a leitura mais clara para um público não acostumado com a dialética. Fez modificações substanciais para a segunda edição de 1872; reviu e modificou a tradução francesa que, após as modificações, atribuiu a esta edição uma autonomia que deveria ser lida como obra à parte. Noutras palavras, se mesmo o livro I, que teve um acabamento final de Marx para a impressão, sofreu diversas alterações, o que dirá dos livros II e III que foram editados por Engels e que, portanto, não contaram com o esmero crítico do seu autor.

[ii] O tempo verbal foi por nós alterado.

[iii] Segue o teu curso e deixa a gentalha falar!

[iv] A segunda parte do presente texto será apresentada noutro artigo, que começa com as alterações que Engels introduziu nos manuscritos deixado por Marx parapublicação dos livros II e III. Em seguida, os autores apresentarão a leitura que Engels faz de O Capital, para assim submetê-la à crítica.

terça-feira, 18 de julho de 2023

Esperança?

    Solução este ano

A Ucrânia nacionalista, agressiva e nazificada, foi derrotada. E nem sequer foi pelo fracasso da chamada (pela propaganda) contra-ofensiva (a segunda ou a terceira?). Isto é, o ocidente imperialista foi derrotado. A Ucrânia (do oeste) não possui forças materiais e forças humanas muito menos (miúdos e velhos). Os refugiados de Kiev mais abastados (as classes médias e altas) querem regressar. Os oligarcas que não ganham com a guerra querem retomar os seus negócios (comerciais sobretudo, porque a indústria que estava quase toda a leste já pertence à Rússia, como sempre pertenceu). A recusa para a entrada da Ucrânia na OTAN pelos EUA é, no mínimo, de bom senso. De prudência. E significa que a fação mais realista da administração vai convencendo as chefias do Partido Democrático de que Trump ganhará as eleições com a promessa de acabar com a guerra na Europa e passá-la para os mares da China. E Trump fará tal qual, porque foi assim o seu anterior mandato. Trump pode ser tudo, mas é mais inteligente ou menos ideólogo que as chefias do Partido Democrático. Realizou um mandato cem vezes melhor que o deste sonâmbulo zombie ou da ala extremista (neocons) do Partido Democrático. É uma possibilidade bem real a preparação para negociações Ucrânia-Rússia. Provavelmente já se auscultam mutuamente. O impasse em que o confronto se encontra somente os russos o poderão quebrar, rompendo em direção a Odessa. E os militares norte-americanos sabem disso e que os F16 ou bombas de fragmentação não alteram coisa nenhuma. Os pilotos a curto prazo dos primeiros só podem ser polacos, e a resposta dos russos com superiores bombas de fragmentação vão despovoar o que resta da Ucrânia.

  Para as negociações de paz em que cederão os russos? nas áreas ocupadas e já declaradas russas, ou que vierem a ocupar (região sul até Odessa e provavelmente a ligação com a Transnístria) não. Aceitarão tranquilamente a pertença da Ucrânia à UE e a permanência do regime. 

NP- 18/07/2023

Erros de política interna e excessos criminosos não são por aqui justificáveis. O modo como a NEP foi interrompida brusca e coercivamente gerou um descontentamento camponês s que se prolongou durante o decurso da invasão nazi e reforçou, por isso, a quinta coluna. Atualmente assim como há uma esquerda que coloca a raiz dos males no mercado (e absolve a produção), há outra que vê na China o modelo desde século. Aprecio muito o atual programa de reformas do PC da China, porém cada um deve encontrar o seu próprio caminho. Se este século chegar ao seu termo (nada o garante) será o século do fim do im+erio norte-americano e de uma multipolaridade de socialismos revolucionários.

 

A superação do anti-stalinismo

Uma importante condição para a reconstrução do movimento comunista enquanto movimento marxista-leninista

17.07.23

 in Pelo Socialismo blogspot.com


 

Para os marxistas não é de forma nenhuma surpresa que o fim da União Soviética e dos estados europeus socialistas tenha trazido consigo o regresso da guerra à Europa e o início de uma ofensiva geral do capital contra a classe trabalhadora e todo o povo trabalhador.
Esta brutal ofensiva do capital só pode ser rechaçada com uma defesa conjunta, unitária, de todos os atingidos. Só por isto é urgentemente necessária a reconstrução de um movimento comunista unido, já para não falar da tarefa de acabar com o domínio do imperialismo. Infelizmente, porém, o movimento comunista ainda está muito longe de ser
um movimento unido.
A mim, pelo menos, parece-me que o principal obstáculo à reconstrução da unidade dos comunistas reside menos nas diferenças de opinião sobre as tarefas do presente, do que nas opiniões contraditórias sobre a avaliação do carácter e da política dos países socialistas, em especial da União Soviética, no passado.
Alguns estão convictos de que a URSS e os outros países socialistas da Europa (excluindo a Albânia) não eram países socialistas desde o XX Congresso, mas sim países capitalistas de Estado e consideram como revisionistas todos os que não concordam com este ponto de vista, com os quais não pode haver nada em comum.
Outros – como lhes tem sido contado desde o XX Congresso e desde Gorbatchov com crescente intensidade – vêem em Stáline o destruidor do socialismo, por isso declaram que com os «stalinistas» não pode haver nada em comum.
Nesta posição encontra-se a maior parte das organizações que se formaram a partir das ruínas resultantes da decadência dos partidos comunistas e, com efeito, não só aqueles que se assumem abertamente como partidos sociais-democratas, mas também a maioria dos que se consideram partidos comunistas, incluindo o PDS que manobra entre estes dois.
O anti-stalinismo é hoje, realmente, o maior obstáculo à unificação dos comunistas, como foi ontem o factor principal da destruição dos partidos comunistas e dos estados socialistas.
Quero introduzir só duas testemunhas para esta afirmação, que estão longe de qualquer suspeita de «stalinismo».
A primeira é o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros americano, John Foster Dulles, a segunda, ninguém menos do que Gorbatchov.
Dulles, extremamente cheio de esperança, expressou-se assim depois do XX Congresso do PCUS: «A campanha anti-Stáline e a liberalização do seu programa provocaram uma reacção em cadeia, que a longo prazo é imparável.» (1)
Gorbatchov caracterizou acertadamente o anti-stalinismo – e assim involuntariamente também o conteúdo principal da sua acção – quando respondeu a uma pergunta sobre o «stalinismo» na URSS, durante uma entrevista para o jornal do PCF, l'Humanité, em 4 de Fevereiro de 1986: «Stalinismo é um conceito que os adversários do comunismo inventaram e que é usado amplamente para difamar a União Soviética e o socialismo no seu conjunto.» (Ninguém pode, portanto, afirmar que Gorbatchov não sabia o que fazia com a sua campanha anti-Stáline.)
O elemento do anti-stalinismo de longe com mais efeito é a apresentação de Stáline como um déspota ávido de poder, como um assassino de milhões de inocentes sedento de sangue.
Haveria muito a dizer sobre isto. Aqui, resumidamente, só as seguintes notas:
Primeiro: pode lamentar-se profundamente, mas é um facto que, ainda, nunca uma classe dominada deitou fora o jugo da classe dominante, sem que a sua luta de libertação revolucionária e defesa das tentativas de restauração contra-revolucionárias tenha custado a vida de muitos inocentes.
Segundo: a contra-revolução sempre usou este facto para rotular os revolucionários, aos olhos das massas, como criminosos detestáveis, como assassinos e sedentos de sangue:
Thomas Müntzer, Cromwell, Robespierre, Lénine, Liebknecht, Luxemburg.
Terceiro: só o preconceito cego pode não ver ou negar a relação causal entre o assumir do poder pelo fascismo alemão, assim como o armamento e expansão para Leste, apoiados com simpatia pelas potências vencedoras ocidentais, e os processos de Moscovo, assim como as medidas repressivas contra os estrangeiros, imigrantes incluídos. Bertolt Brecht viu muito bem esta relação quando afirmou: «Os processos são um acto de preparação da guerra». Formulado de forma ainda mais exacta: foram uma resposta à preparação fascista-imperialista para o assalto à União Soviética.
Sem a certeza do assalto, mais tarde ou mais cedo, à União Soviética – não há nem processos de Moscovo, nem «depurações» draconianas para impedir uma 5ª Coluna no país.
Quarto: só politicamente cegos ou muito ingénuos podem ignorar que nem Khruchov, nem Gorbatchov foram conduzidos por sentimentos de repulsa perante a injustiça e a desumanidade na sua denúncia de Stáline; se tivesse sido assim então teriam atacado o imperialismo e os seus expoentes, pelo menos com a mesma implacabilidade com que atacaram Stáline. Mas o contrário foi o caso: o traço característico das suas políticas foi o ganhar a confiança do imperialismo, apesar dos seus crimes sanguinários contra Humanidade!
Quinto: em completa contradição com esta posição está o facto de que mesmo o representante diplomático da principal potência imperialista, o embaixador dos EUA, Joseph A. Davies, fez uma avaliação positiva de Stáline, mas esta e outras avaliações nesse sentido de testemunhas contemporâneas sobre a URSS foram censuradas na URSS desde o XX Congresso.
Por isso, primeiro, algumas apresentações sobre os processos de Moscovo.
Em primeiro lugar, excertos do livro de J. E. Davies, publicado em 1943, em Zurique, Embaixador americano em Moscovo. Relatórios autênticos e confidenciais sobre a URSS até Outubro de 1941.
Davies acompanhou, como todos os diplomatas que o desejaram, os processos de Moscovo como testemunha ocular (era jurista de profissão).
Telegrafou a sua impressão sobre o processo contra Bukharine e outros para Washington em 17 de Março de 1938. Seguem-se excertos do telegrama: «Apesar do preconceito (…) depois da observação diária das testemunhas e da sua forma de depor, por causa da confirmação inconsciente que resultou (…) cheguei à conclusão de que, no que diz respeito aos réus políticos, se provou um número suficiente dos delitos contra a lei soviética enumerados no libelo acusatório e que se encontram fora de dúvida para o pensamento racional, para justificar a averiguação de culpa de traição à pátria e a
respectiva condenação com a pena prevista na lei criminal soviética. A opinião dos diplomatas que assistiram regularmente às sessões foi, no geral, que o processo revelou a realidade de um complot seriíssimo e veementemente político, que esclareceu aos diplomatas muitos dos até agora incompreensíveis acontecimentos dos últimos seis meses na URSS.» (2)
Davies já tinha acompanhado o processo contra Radek e outros e informado, em 17 de Fevereiro de 1937, o secretário de Estado dos EUA. Neste relatório escreve, entre outras coisas:
«Observação objectiva…levou-me (contudo) com repugnância à conclusão de que o Estado provou realmente a sua acusação (pelo menos na medida em que foi posta fora de dúvida a existência, entre dirigentes políticos, de uma conspiração alargada e intrigas secretas contra o Governo soviético e, de acordo com as leis existentes, os supostos crimes do libelo acusatório foram cometidos e são puníveis). Falei com muitos, com quase todos os membros do Corpo Diplomático e, talvez com uma única excepção, todos foram da opinião de que as sessões provaram claramente a existência de um plano secreto político e uma conspiração com o objectivo de derrubar o Governo.» (3). No seu diário, Davies anotou, em 11 de Março de 1937, o seguinte episódio significativo: «um outro diplomata fez-me ontem uma observação muito elucidativa. Falávamos sobre os processos e ele afirmou que os réus eram sem dúvida culpados; todos os que assistiam às sessões estavam de acordo sobre isso. Pelo contrário, o mundo parecia pensar de acordo com os relatos do processo, que o processo era pura encenação (chamou-lhe de fachada); ele sabia, na verdade, que não era justo, mas todavia talvez fosse melhor assim, que o mundo adoptasse esta [opinião]» (4). Davies relatou também sobre as muitas prisões e falou das «depurações» com o ministro soviético dos Negócios Estrangeiros, Litvinov, em 4 de Julho de 1937. Sobre as exposições de Litvinov relatou: «Litvinov (...) declarou que através destas depurações se tinha de ganhar a segurança de que não existia mais nenhuma traição com a possibilidade de trabalho conjunto com Berlim ou Tóquio. Um dia, o mundo compreenderia que o acontecido tinha sido  necessário para proteger o seu Governo “da traição ameaçadora”. Sim, na verdade prestavam um serviço a todo o mundo, já que quando se protegiam do perigo do domínio mundial dos nazis e de Hitler, a União Soviética tornava-se num poderoso baluarte contra a ameaça nacional-socialista. Chegaria o dia em que o mundo deveria reconhecer que homem excepcional era Stáline.» (5).
Elucidativa é também a descrição de Davies da sua conversa com Stáline, numa carta à sua filha de 9 de Junho de 1938. Bastante impressionado com a personalidade de Stáline, escreveu: «Se consegues imaginar uma personalidade que em todos os aspectos é completamente o contrário do que o adversário de Stáline mais furioso conseguiu imaginar, então tens a imagem deste homem. As condições, que eu sei que aqui existem, e esta personalidade afastam-se tanto como dois pólos. A explicação naturalmente está em que as pessoas estão dispostas a fazer pela sua religião ou “causa”, o que nunca fariam
sem isso.» (6). Depois do assalto dos fascistas à URSS, Davies resumiu as suas opiniões, em 1941, notando que os processos de lesa-pátria tinham «dado o golpe de misericórdia à 5ª coluna de Hitler na Rússia». (7). Já em 1936 tinha decorrido o processo contra Zinoviev e outros. O renomado advogado britânico D. N. Pritt teve a oportunidade de o observar. Relatou as suas impressões no seu livro de memórias, From Right to Left, publicado em Londres em 1965: «A minha impressão foi de (...), que o processo foi conduzido em geral de forma justa e que os réus eram culpados (…) A impressão de todos os jornalistas com quem pude falar foi também a de que o processo foi justo e os réus culpados e certamente todos os observadores estrangeiros, os quais na sua maioria eram diplomatas, pensavam o mesmo…Ouvi um deles dizer: naturalmente que são culpados. Mas temos de negá-lo por razões de propaganda.» (8) Resulta, portanto, que depois do juízo competente de tais especialistas burgueses em direito, como Davies e Pritt, os réus dos processos de Moscovo de 1936, 1937 e 1938 foram condenados justamente e foram provados os crimes de que eram acusados. Neste contexto devem ser lembradas, mais uma vez, as considerações de Bertolt Brecht, nesse tempo, sobre estes perturbantes processos; escreveu por exemplo sobre a concepção dos réus: «A falsa concepção conduziu-os profundamente ao isolamento e ao crime comum.
Toda a escória do país e do estrangeiro, todo o parasitismo, o espiolhar, a criminalidade profissional aninharam-se neles. Tinham o mesmo objectivo com toda esta escumalha.
Estou convencido que esta é a verdade e estou convencido que esta verdade certamente tem de soar plausível também na Europa Ocidental aos leitores inimigos (…) O político a quem só a derrota ajuda [a chegar] ao Poder, é pela derrota. O que quer ser “salvador”, introduz uma situação na qual pode salvar, ou seja, uma má situação. (…) Trotski viu, em primeiro lugar, o perigo da derrocada do Estado dos trabalhadores numa guerra, mas depois ela própria tornou-se, cada vez mais, na condição prévia da sua actuação prática.
Se a guerra chegar, a construção “precipitada” desabará, o aparelho isolar-se-á das massas, terá de ceder ao exterior a  Ucrânia, Sibéria Oriental e etc., fazer concessões no interior, regressar a formas capitalistas, reforçar os kulakes ou deixar que se reforcem; mas tudo isto é simultaneamente a condição prévia de um novo procedimento, do regresso de Trotski.
Os centros anti-stalinistas descobertos não têm a força moral para apelar ao proletariado, não tanto porque esta gente é cobarde, mas sim porque não têm realmente bases organizadas nas massas, não podem oferecer nada, não têm tarefas para as forças produtivas do país. Assim é de confiar que eles confessam a mais do que a menos.» (9). Se partirmos do princípio que Davies e Pritt (e Brecht) tinham razão na sua análise dos processos de Moscovo, então surge necessariamente a pergunta: Os que – como Khruchov e Gorbatchov – declararam posteriormente vítimas inocentes os condenados nos processos, não o terão feito porque simpatizavam com eles ou até eram seus cúmplices secretos e queriam completar a sua causa fracassada na altura?
E quando, então, observamos mais pormenorizadamente a sua acção política (de Khruchov, Gorbatchov e seus iguais) temos de constatar que as confissões dos acusados dos processos de Moscovo, sobre as suas intenções e objectivos e os métodos utilizados para os atingir, são como um guião para Khruchov e especialmente Gorbatchov. Isto sugere-nos uma dupla conclusão.
Quanto a uma, desde o XX Congresso do PCUS que os processos de Moscovo podem servir como chave para o esclarecimento e decifração do que conduziu a União Soviética, outros países socialistas e o movimento comunista ao percurso difícil. Quanto à outra, a acção de Khruchov e Gorbatchov e os seus resultados demonstram que os processos de
Moscovo não se trataram de uma encenação espectacular, mas sim que neles foram descobertos e frustrados complots do mesmo género dos que foram planeados com o mesmo fim e puderam ser finalmente conduzidos por Gorbatchov, porque já nenhum processo de Moscovo lhes pôs termo. Se a descrição de Stáline como um déspota ávido de sangue e o «seu» regime como o inferno na terra serviram para paralisar a resistência contra a contra-revolução de Khruchov-Gorbatchov, a descrição de Stáline como um adulterador dos princípios leninistas aspirava ao desarmamento teórico e ideológico do movimento comunista e de todos os socialistas. A maior parte deste género de munições tem origem no arsenal do
trotskismo. Quero apresentar alguns poucos exemplos.


1. A questão da vitória do socialismo num só país


O desmoronamento dos países socialistas europeus e principalmente da URSS é apresentado como prova da correcção da tese trotskista sobre a impossibilidade da construção do socialismo num só país, em que normalmente é silenciado que foi Lénine
quem pela primeira vez, em 1915, escreveu sobre a possibilidade do socialismo num só país.
É conhecido o que Lénine afirmou no artigo, Sobre a Palavra de Ordem dos Estados Unidos da Europa (10): «A desigualdade do desenvolvimento económico e político é uma lei absoluta do capitalismo. Daqui decorre que é possível a vitória do socialismo primeiramente em poucos países ou mesmo num só país capitalista tomado por separado.» Trotski, desde há anos adversário encarniçado de Lénine, contestou de imediato com a afirmação de que era inútil acreditar «que por exemplo uma Rússia revolucionária podia (...) impor-se perante uma Europa conservadora.» (11).
Stáline, que de acordo com os trotskistas actuais é o suposto inventor da tese da possibilidade da construção do socialismo num país, defendeu, na verdade, a tese leninista contra Trotski.
«Que significa a possibilidade da vitória do socialismo num só país?
Significa a possibilidade de resolver as contradições entre proletariado e campesinato através das forças internas no nosso país, a possibilidade da tomada do poder pelo proletariado e da utilização deste poder para a construção da sociedade socialista no nosso país, com a simpatia e apoio do proletariado de outros países, mas sem a vitória prévia da revolução proletária noutros países.
(…)
Que significa a impossibilidade da vitória completa, final, do socialismo num só país sem a vitória da revolução noutros países? Significa a impossibilidade de uma total garantia contra a intervenção e, consequentemente, contra a restauração da ordem burguesa, sem a vitória da revolução, pelo menos, numa série de países.» (12)
Mas Stáline não se limitou a defender a tese de Lénine. Sob a sua direcção o PCUS forneceu a prova da justeza da tese leninista através da construção do socialismo e a afirmação da URSS contra os agressores fascistas.
Pelo contrário, Trotski foi tão frequentemente desmentido pela História, como quando previu o desmoronamento da URSS, e isto acontecia mais do que uma vez por ano. Numa das suas últimas previsões do género, publicada em 23 de Julho de 1939, garante que «o regime político não sobreviverá a uma guerra». (13)
O desejo é indubitavelmente o pai desta profecia!
Isto transpirava tão claramente de todas as afirmações de Trotski nesses anos, que o escritor burguês alemão, Lion Feuchtwanger, tirou daí a seguinte conclusão: «O que sobreviveu então de todos estes anos de deportação, qual é hoje o objectivo principal de Trotski? Regressar de novo ao país, chegar ao poder a qualquer preço.» Mesmo ao preço
do trabalho conjunto com os fascistas: «Se Alcíbiades se passou para os persas, porque não Trotski para os fascistas?». (14) (Também Feuchtwanger foi testemunha ocular de um dos processos de Moscovo, o segundo, contra Radek, Piatakov e outros, Janeiro 1937.)


2. Stáline e a Nova Política Económica


Uma das acusações de Gorbatchov contra Stáline consistia na afirmação de que Lénine, nos seus últimos trabalhos de aperfeiçoamento da «Nova Política Económica», apontou um novo caminho para a construção da nova sociedade socialista, que Stáline abandonou. Esta censura é aproveitada por anti-stalinistas de todas as cores, na qual se afirma que Stáline substituiu a concepção de Lénine da NEP (15) por um «rumo monopolista de Estado» e assim arruinou o socialismo.
O núcleo da Nova Política Económica consistia, segundo Lénine, no alicerçar da união política da classe trabalhadora e do seu Estado com largas camadas do campesinato através da união económica com a economia rural. «Quando derrotarmos o capitalismo e estabelecermos a união com a economia rural, então seremos uma força invencível», disse no XI Congresso do PCR(B) em 1922 (16). Stáline compreendia exactamente assim a NEP e continuou-a depois da morte de Lénine:
«A NEP é a política da ditadura do proletariado, que está dirigida para a subjugação dos elementos capitalistas e a construção da economia socialista através da utilização do mercado, mediante o mercado, mas não através da troca directa dos produtos sem mercado, sob a exclusão do mercado. Podem os países capitalistas, pelo menos os mais desenvolvidos entre eles, dispensar a NEP na passagem do capitalismo para o socialismo?
Penso que não. Neste ou naquele grau, a Nova Política Económica com as suas relações de mercado, no período da ditadura do proletariado, é absolutamente imprescindível para qualquer país [de economia] capitalista.
Entre nós há camaradas que contestam esta tese. Mas o que significa contestar esta tese?
Significa, em primeiro lugar, partir do princípio de que nós, imediatamente a seguir à tomada do poder pelo proletariado, já disporíamos de aparelhos, cem por cento prontos, de distribuição e abastecimento intermediários das trocas entre cidade e campo, entre indústria e pequena produção, que permitem a imediata troca directa de produtos sem mercado, sem transacções de compra e venda, sem o estabelecimento de um economia monetária. Só é preciso colocar esta questão para compreender como seria absurda tal hipótese.
Significa, em segundo lugar, partir do princípio de que a revolução proletária, depois da tomada do poder pelo proletariado, percorre o caminho da expropriação da pequena e média burguesia e tem de se impor o fardo de fornecer trabalho aos milhões de novos desempregados criados artificialmente e cuidar do seu sustento. Só é preciso colocar esta
questão para compreender como seria disparatada e insensata uma tal política da ditadura proletária.» (17).
Porquê uma citação tão pormenorizada sobre um tema tão pouco actual?
Primeiro, porque estamos convencidos que este tema – a política económica para a construção do socialismo – só está arredado temporariamente da ordem do dia na Europa (e de forma nenhuma noutros lugares); segundo, porque é necessário lembrar que existe uma extraordinária riqueza em conhecimentos teóricos e experiências práticas sobre construção socialista bem sucedida, mas que foi colocada no Index como «stalinismo» pelos sucessores de Lénine e Stáline, para que caísse no esquecimento; finalmente, terceiro, porque entre a esquerda anticapitalista se divulga uma tese de pseudo-esquerda, cujo mais conhecido divulgador é Robert Kurz, segundo a qual a raiz de todo o mal não é o capitalismo mas sim a produção de mercadorias; o socialismo desmoronou-ser porque manteve a produção de mercadorias em vez de passar directamente para a troca directa de produtos. Perante tais teses a citação acima é até muito actual!
Por que pôde o revisionismo destruir os resultados de décadas de construção socialista?
Naturalmente existem muitas razões. Uma muito importante, na minha opinião, é: o revisionismo apresentou-se durante muito tempo permanentemente como antirevisionismo, como defesa do leninismo contra a sua suposta falsificação por Stáline. Só quando a sua obra destruidora estava praticamente concluída é que Gorbatchov retirou a
máscara do comunista, do leninista e se declarou publicamente simpatizante da socialdemocracia, ou seja anticomunista e antileninista.
Mas o anti-stalinismo foi, desde o início, de acordo com o núcleo da sua natureza, antileninismo, antimarxismo e anticomunismo.
No entanto, mesmo agora, muitos do campo comunista não reconhecem ainda isto, porque se encontram ainda sob a influência de décadas de propaganda de ódio antistalinista dos secretários-gerais anticomunistas do PCUS desde o XX Congresso, que compararam Stáline a Hitler – precisamente aquele Stáline que – como Ernst Thälmann
previu – partiu o pescoço a Hitler!
Temos de tornar claro que, na luta contra o anti-stalinismo, só se trata à primeira vista da pessoa de Stáline, mas que na sua essência se trata da questão da existência do movimento comunista: mantemo-nos – como Marx, Engels, Lénine e Stáline – firmemente no fundamento da luta de classes ou vamos – como os anti-stalinistas Khruchov, Gorbatchov e seus iguais – para o terreno da conciliação com o imperialismo? Esta é a questão, de cuja resposta depende o destino do movimento comunista. E como esta questão só pode ser correctamente respondida quando se eliminar o veneno revisionista em todas as suas manifestações, será preciso também vencer o anti-stalinismo nas suas fileiras.

 

Notas:

  1. In: Arquivo do Presente, de 11 de Julho de 1956.
  2. J. E. Davies, Embaixador em Moscovo, p. 209. 
  3. Idem, p. 33 e segs.
  4. Idem, p. 86.
  5. Idem, p. 128.
  6. Idem, p. 209.
  7. Idem, p. 209.
  8. N. Pritt, From Right to Left, Londres, 1965, p. 110 e seg.

  9. Bertold Brecht, Escritos sobre Política e Sociedade, Vol. I, 1919-1941, Aufbauverlag, Berlim e Weimar, 1968, p. 172 e seg.

  10. Lénine, Obras Escolhidas em 3 Tomos, Edições Avante!, Lisboa, 1977 Vol 1, p. 570 [N. do Ed.].
  11. Trotski, Escritos, Vol III, parte I, p. 89 e seg.
  12. Stalin, Obras, Vol. 8, p. 58.
  13. Leo Trotski, La lutte antibureaucratique en URSS, Paris, 1976, p. 257, cit. por: Ludo Martens, Un autre Regard sur Staline, Version non-définitive, Bruxelles, 1993, p. 133.
  14. Lion Feuchtwanger, Moscovo, 1937. Um relato de Viagem Para os Meus Amigos, publicado pela primeira vez na Ed. Querido, México, 1937; Nova edição na Aufbau-Taschenbuch-Verlag, Berlim, 1993, p. 89.
  15. NEP- Sigla de Novaia Ekonomitcheskaia Politika (Nova Política Económica). (Nota do editor).
  16. Lénine, Obras, Vol. 33, p.272. 17 Stalin, Obras, Vol. 11, p. 128 e seg.

 

Publicado em: Para a História do Socialismo - www.hist-socialismo.net

Documento retirado de www.kurt-gossweiler.de
Tradução do alemão de PG, revisão e edição de AN, 26.06.08

 

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