A superação do anti-stalinismo
Uma importante condição para a reconstrução do movimento comunista enquanto movimento marxista-leninista
in Pelo Socialismo blogspot.com
Para
os marxistas não é de forma nenhuma surpresa que o fim da União
Soviética e dos estados europeus socialistas tenha trazido consigo o
regresso da guerra à Europa e o início de uma ofensiva geral do capital
contra a classe trabalhadora e todo o povo trabalhador.
Esta brutal
ofensiva do capital só pode ser rechaçada com uma defesa conjunta,
unitária, de todos os atingidos. Só por isto é urgentemente necessária a
reconstrução de um movimento comunista unido, já para não falar da
tarefa de acabar com o domínio do imperialismo. Infelizmente, porém, o
movimento comunista ainda está muito longe de ser
um movimento unido.
A
mim, pelo menos, parece-me que o principal obstáculo à reconstrução da
unidade dos comunistas reside menos nas diferenças de opinião sobre as
tarefas do presente, do que nas opiniões contraditórias sobre a
avaliação do carácter e da política dos países socialistas, em especial
da União Soviética, no passado.
Alguns estão convictos de que a URSS e
os outros países socialistas da Europa (excluindo a Albânia) não eram
países socialistas desde o XX Congresso, mas sim países capitalistas de
Estado e consideram como revisionistas todos os que não concordam
com este ponto de vista, com os quais não pode haver nada em comum.
Outros
– como lhes tem sido contado desde o XX Congresso e desde Gorbatchov
com crescente intensidade – vêem em Stáline o destruidor do socialismo,
por isso declaram que com os «stalinistas» não pode haver nada em comum.
Nesta
posição encontra-se a maior parte das organizações que se formaram a
partir das ruínas resultantes da decadência dos partidos comunistas e,
com efeito, não só aqueles que se assumem abertamente como partidos
sociais-democratas, mas também a maioria dos que se consideram partidos
comunistas, incluindo o PDS que manobra entre estes dois.
O
anti-stalinismo é hoje, realmente, o maior obstáculo à unificação dos
comunistas, como foi ontem o factor principal da destruição dos partidos
comunistas e dos estados socialistas.
Quero introduzir só duas testemunhas para esta afirmação, que estão longe de qualquer suspeita de «stalinismo».
A
primeira é o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros americano, John
Foster Dulles, a segunda, ninguém menos do que Gorbatchov.
Dulles,
extremamente cheio de esperança, expressou-se assim depois do XX
Congresso do PCUS: «A campanha anti-Stáline e a liberalização do seu
programa provocaram uma reacção em cadeia, que a longo prazo é
imparável.» (1)
Gorbatchov caracterizou acertadamente o
anti-stalinismo – e assim involuntariamente também o conteúdo principal
da sua acção – quando respondeu a uma pergunta sobre o «stalinismo» na
URSS, durante uma entrevista para o jornal do PCF, l'Humanité, em 4
de Fevereiro de 1986: «Stalinismo é um conceito que os adversários do
comunismo inventaram e que é usado amplamente para difamar a União
Soviética e o socialismo no seu conjunto.» (Ninguém pode, portanto,
afirmar que Gorbatchov não sabia o que fazia com a sua campanha
anti-Stáline.)
O elemento do anti-stalinismo de longe com mais efeito
é a apresentação de Stáline como um déspota ávido de poder, como um
assassino de milhões de inocentes sedento de sangue.
Haveria muito a dizer sobre isto. Aqui, resumidamente, só as seguintes notas:
Primeiro:
pode lamentar-se profundamente, mas é um facto que, ainda, nunca
uma classe dominada deitou fora o jugo da classe dominante, sem que a
sua luta de libertação revolucionária e defesa das tentativas de
restauração contra-revolucionárias tenha custado a vida de muitos
inocentes.
Segundo: a contra-revolução sempre usou este facto para
rotular os revolucionários, aos olhos das massas, como criminosos
detestáveis, como assassinos e sedentos de sangue:
Thomas Müntzer, Cromwell, Robespierre, Lénine, Liebknecht, Luxemburg.
Terceiro:
só o preconceito cego pode não ver ou negar a relação causal entre o
assumir do poder pelo fascismo alemão, assim como o armamento e expansão
para Leste, apoiados com simpatia pelas potências vencedoras
ocidentais, e os processos de Moscovo, assim como as medidas repressivas
contra os estrangeiros, imigrantes incluídos. Bertolt Brecht viu muito
bem esta relação quando afirmou: «Os processos são um acto de preparação
da guerra». Formulado de forma ainda mais exacta: foram uma resposta à
preparação fascista-imperialista para o assalto à União Soviética.
Sem
a certeza do assalto, mais tarde ou mais cedo, à União Soviética – não
há nem processos de Moscovo, nem «depurações» draconianas para impedir
uma 5ª Coluna no país.
Quarto: só politicamente cegos ou muito
ingénuos podem ignorar que nem Khruchov, nem Gorbatchov foram conduzidos
por sentimentos de repulsa perante a injustiça e a desumanidade na sua
denúncia de Stáline; se tivesse sido assim então teriam atacado
o imperialismo e os seus expoentes, pelo menos com a mesma
implacabilidade com que atacaram Stáline. Mas o contrário foi o caso: o
traço característico das suas políticas foi o ganhar a confiança do
imperialismo, apesar dos seus crimes sanguinários contra Humanidade!
Quinto:
em completa contradição com esta posição está o facto de que mesmo
o representante diplomático da principal potência imperialista, o
embaixador dos EUA, Joseph A. Davies, fez uma avaliação positiva de
Stáline, mas esta e outras avaliações nesse sentido de testemunhas
contemporâneas sobre a URSS foram censuradas na URSS desde o XX
Congresso.
Por isso, primeiro, algumas apresentações sobre os processos de Moscovo.
Em
primeiro lugar, excertos do livro de J. E. Davies, publicado em 1943,
em Zurique, Embaixador americano em Moscovo. Relatórios autênticos e
confidenciais sobre a URSS até Outubro de 1941.
Davies acompanhou,
como todos os diplomatas que o desejaram, os processos de Moscovo como
testemunha ocular (era jurista de profissão).
Telegrafou a sua
impressão sobre o processo contra Bukharine e outros para Washington em
17 de Março de 1938. Seguem-se excertos do telegrama: «Apesar
do preconceito (…) depois da observação diária das testemunhas e da sua
forma de depor, por causa da confirmação inconsciente que resultou (…)
cheguei à conclusão de que, no que diz respeito aos réus políticos, se
provou um número suficiente dos delitos contra a lei soviética
enumerados no libelo acusatório e que se encontram fora de dúvida para
o pensamento racional, para justificar a averiguação de culpa de traição
à pátria e a
respectiva condenação com a pena prevista na lei
criminal soviética. A opinião dos diplomatas que assistiram regularmente
às sessões foi, no geral, que o processo revelou a realidade de um
complot seriíssimo e veementemente político, que esclareceu aos
diplomatas muitos dos até agora incompreensíveis acontecimentos dos
últimos seis meses na URSS.» (2)
Davies já tinha acompanhado o
processo contra Radek e outros e informado, em 17 de Fevereiro de 1937, o
secretário de Estado dos EUA. Neste relatório escreve, entre
outras coisas:
«Observação objectiva…levou-me (contudo) com
repugnância à conclusão de que o Estado provou realmente a sua acusação
(pelo menos na medida em que foi posta fora de dúvida a existência,
entre dirigentes políticos, de uma conspiração alargada e
intrigas secretas contra o Governo soviético e, de acordo com as leis
existentes, os supostos crimes do libelo acusatório foram cometidos e
são puníveis). Falei com muitos, com quase todos os membros do Corpo
Diplomático e, talvez com uma única excepção, todos foram da opinião de
que as sessões provaram claramente a existência de um plano secreto
político e uma conspiração com o objectivo de derrubar o Governo.»
(3). No seu diário, Davies anotou, em 11 de Março de 1937, o seguinte
episódio significativo: «um outro diplomata fez-me ontem uma observação
muito elucidativa. Falávamos sobre os processos e ele afirmou que os
réus eram sem dúvida culpados; todos os que assistiam às sessões estavam
de acordo sobre isso. Pelo contrário, o mundo parecia pensar de acordo
com os relatos do processo, que o processo era pura encenação
(chamou-lhe de fachada); ele sabia, na verdade, que não era justo, mas
todavia talvez fosse melhor assim, que o mundo adoptasse esta [opinião]»
(4). Davies relatou também sobre as muitas prisões e falou das
«depurações» com o ministro soviético dos Negócios Estrangeiros,
Litvinov, em 4 de Julho de 1937. Sobre as exposições de Litvinov
relatou: «Litvinov (...) declarou que através destas depurações se tinha
de ganhar a segurança de que não existia mais nenhuma traição com a
possibilidade de trabalho conjunto com Berlim ou Tóquio. Um dia, o mundo
compreenderia que o acontecido tinha sido necessário para proteger o
seu Governo “da traição ameaçadora”. Sim, na verdade prestavam um
serviço a todo o mundo, já que quando se protegiam do perigo do domínio
mundial dos nazis e de Hitler, a União Soviética tornava-se num poderoso
baluarte contra a ameaça nacional-socialista. Chegaria o dia em que o
mundo deveria reconhecer que homem excepcional era Stáline.» (5).
Elucidativa
é também a descrição de Davies da sua conversa com Stáline, numa carta
à sua filha de 9 de Junho de 1938. Bastante impressionado com a
personalidade de Stáline, escreveu: «Se consegues imaginar uma
personalidade que em todos os aspectos é completamente o contrário do
que o adversário de Stáline mais furioso conseguiu imaginar, então tens a
imagem deste homem. As condições, que eu sei que aqui existem, e esta
personalidade afastam-se tanto como dois pólos. A explicação
naturalmente está em que as pessoas estão dispostas a fazer pela sua
religião ou “causa”, o que nunca fariam
sem isso.» (6). Depois do
assalto dos fascistas à URSS, Davies resumiu as suas opiniões, em
1941, notando que os processos de lesa-pátria tinham «dado o golpe de
misericórdia à 5ª coluna de Hitler na Rússia». (7). Já em 1936 tinha
decorrido o processo contra Zinoviev e outros. O renomado
advogado britânico D. N. Pritt teve a oportunidade de o observar.
Relatou as suas impressões no seu livro de memórias, From Right to Left,
publicado em Londres em 1965: «A minha impressão foi de (...), que o
processo foi conduzido em geral de forma justa e que os réus eram
culpados (…) A impressão de todos os jornalistas com quem pude falar foi
também a de que o processo foi justo e os réus culpados e certamente
todos os observadores estrangeiros, os quais na sua maioria eram
diplomatas, pensavam o mesmo…Ouvi um deles dizer: naturalmente que são
culpados. Mas temos de negá-lo por razões de propaganda.» (8) Resulta,
portanto, que depois do juízo competente de tais especialistas burgueses
em direito, como Davies e Pritt, os réus dos processos de Moscovo de
1936, 1937 e 1938 foram condenados justamente e foram provados os crimes
de que eram acusados. Neste contexto devem ser lembradas, mais uma vez,
as considerações de Bertolt Brecht, nesse tempo, sobre estes
perturbantes processos; escreveu por exemplo sobre a concepção dos
réus: «A falsa concepção conduziu-os profundamente ao isolamento e ao
crime comum.
Toda a escória do país e do estrangeiro, todo o
parasitismo, o espiolhar, a criminalidade profissional aninharam-se
neles. Tinham o mesmo objectivo com toda esta escumalha.
Estou
convencido que esta é a verdade e estou convencido que esta verdade
certamente tem de soar plausível também na Europa Ocidental aos leitores
inimigos (…) O político a quem só a derrota ajuda [a chegar] ao Poder, é
pela derrota. O que quer ser “salvador”, introduz uma situação na qual
pode salvar, ou seja, uma má situação. (…) Trotski viu, em primeiro
lugar, o perigo da derrocada do Estado dos trabalhadores numa guerra,
mas depois ela própria tornou-se, cada vez mais, na condição prévia da
sua actuação prática.
Se a guerra chegar, a construção “precipitada”
desabará, o aparelho isolar-se-á das massas, terá de ceder ao exterior
a Ucrânia, Sibéria Oriental e etc., fazer concessões no interior,
regressar a formas capitalistas, reforçar os kulakes ou deixar que se
reforcem; mas tudo isto é simultaneamente a condição prévia de um novo
procedimento, do regresso de Trotski.
Os centros anti-stalinistas
descobertos não têm a força moral para apelar ao proletariado, não tanto
porque esta gente é cobarde, mas sim porque não têm realmente bases
organizadas nas massas, não podem oferecer nada, não têm tarefas para as
forças produtivas do país. Assim é de confiar que eles confessam a mais
do que a menos.» (9). Se partirmos do princípio que Davies e Pritt (e
Brecht) tinham razão na sua análise dos processos de Moscovo, então
surge necessariamente a pergunta: Os que – como Khruchov e Gorbatchov –
declararam posteriormente vítimas inocentes os condenados nos processos,
não o terão feito porque simpatizavam com eles ou até eram seus
cúmplices secretos e queriam completar a sua causa fracassada na altura?
E
quando, então, observamos mais pormenorizadamente a sua acção política
(de Khruchov, Gorbatchov e seus iguais) temos de constatar que as
confissões dos acusados dos processos de Moscovo, sobre as suas
intenções e objectivos e os métodos utilizados para os atingir, são como
um guião para Khruchov e especialmente Gorbatchov. Isto sugere-nos uma
dupla conclusão.
Quanto a uma, desde o XX Congresso do PCUS que os
processos de Moscovo podem servir como chave para o esclarecimento e
decifração do que conduziu a União Soviética, outros países socialistas e
o movimento comunista ao percurso difícil. Quanto à outra, a acção de
Khruchov e Gorbatchov e os seus resultados demonstram que os processos
de
Moscovo não se trataram de uma encenação espectacular, mas sim que
neles foram descobertos e frustrados complots do mesmo género dos que
foram planeados com o mesmo fim e puderam ser finalmente conduzidos por
Gorbatchov, porque já nenhum processo de Moscovo lhes pôs termo. Se a
descrição de Stáline como um déspota ávido de sangue e o «seu» regime
como o inferno na terra serviram para paralisar a resistência contra a
contra-revolução de Khruchov-Gorbatchov, a descrição de Stáline como um
adulterador dos princípios leninistas aspirava ao desarmamento teórico e
ideológico do movimento comunista e de todos os socialistas. A maior
parte deste género de munições tem origem no arsenal do
trotskismo. Quero apresentar alguns poucos exemplos.
1. A questão da vitória do socialismo num só país
O
desmoronamento dos países socialistas europeus e principalmente da URSS
é apresentado como prova da correcção da tese trotskista sobre a
impossibilidade da construção do socialismo num só país, em que
normalmente é silenciado que foi Lénine
quem pela primeira vez, em 1915, escreveu sobre a possibilidade do socialismo num só país.
É
conhecido o que Lénine afirmou no artigo, Sobre a Palavra de Ordem dos
Estados Unidos da Europa (10): «A desigualdade do desenvolvimento
económico e político é uma lei absoluta do capitalismo. Daqui decorre
que é possível a vitória do socialismo primeiramente em poucos países ou
mesmo num só país capitalista tomado por separado.» Trotski, desde há
anos adversário encarniçado de Lénine, contestou de imediato com a
afirmação de que era inútil acreditar «que por exemplo uma
Rússia revolucionária podia (...) impor-se perante uma Europa
conservadora.» (11).
Stáline, que de acordo com os trotskistas
actuais é o suposto inventor da tese da possibilidade da construção do
socialismo num país, defendeu, na verdade, a tese leninista contra
Trotski.
«Que significa a possibilidade da vitória do socialismo num só país?
Significa
a possibilidade de resolver as contradições entre proletariado e
campesinato através das forças internas no nosso país, a possibilidade
da tomada do poder pelo proletariado e da utilização deste poder para a
construção da sociedade socialista no nosso país, com a simpatia e apoio
do proletariado de outros países, mas sem a vitória prévia da revolução
proletária noutros países.
(…)
Que significa a impossibilidade da
vitória completa, final, do socialismo num só país sem a vitória da
revolução noutros países? Significa a impossibilidade de uma
total garantia contra a intervenção e, consequentemente, contra a
restauração da ordem burguesa, sem a vitória da revolução, pelo menos,
numa série de países.» (12)
Mas Stáline não se limitou a defender a
tese de Lénine. Sob a sua direcção o PCUS forneceu a prova da justeza da
tese leninista através da construção do socialismo e a afirmação da
URSS contra os agressores fascistas.
Pelo contrário, Trotski foi tão
frequentemente desmentido pela História, como quando previu o
desmoronamento da URSS, e isto acontecia mais do que uma vez por ano.
Numa das suas últimas previsões do género, publicada em 23 de Julho de
1939, garante que «o regime político não sobreviverá a uma guerra». (13)
O desejo é indubitavelmente o pai desta profecia!
Isto
transpirava tão claramente de todas as afirmações de Trotski nesses
anos, que o escritor burguês alemão, Lion Feuchtwanger, tirou daí a
seguinte conclusão: «O que sobreviveu então de todos estes anos de
deportação, qual é hoje o objectivo principal de Trotski? Regressar de
novo ao país, chegar ao poder a qualquer preço.» Mesmo ao preço
do
trabalho conjunto com os fascistas: «Se Alcíbiades se passou para os
persas, porque não Trotski para os fascistas?». (14) (Também
Feuchtwanger foi testemunha ocular de um dos processos de Moscovo, o
segundo, contra Radek, Piatakov e outros, Janeiro 1937.)
2. Stáline e a Nova Política Económica
Uma
das acusações de Gorbatchov contra Stáline consistia na afirmação de
que Lénine, nos seus últimos trabalhos de aperfeiçoamento da «Nova
Política Económica», apontou um novo caminho para a construção da nova
sociedade socialista, que Stáline abandonou. Esta censura é aproveitada
por anti-stalinistas de todas as cores, na qual se afirma que Stáline
substituiu a concepção de Lénine da NEP (15) por um «rumo monopolista de
Estado» e assim arruinou o socialismo.
O núcleo da Nova Política
Económica consistia, segundo Lénine, no alicerçar da união política da
classe trabalhadora e do seu Estado com largas camadas do campesinato
através da união económica com a economia rural. «Quando derrotarmos o
capitalismo e estabelecermos a união com a economia rural, então seremos
uma força invencível», disse no XI Congresso do PCR(B) em 1922 (16).
Stáline compreendia exactamente assim a NEP e continuou-a depois da
morte de Lénine:
«A NEP é a política da ditadura do proletariado, que
está dirigida para a subjugação dos elementos capitalistas e a
construção da economia socialista através da utilização do mercado,
mediante o mercado, mas não através da troca directa dos produtos
sem mercado, sob a exclusão do mercado. Podem os países capitalistas,
pelo menos os mais desenvolvidos entre eles, dispensar a NEP na passagem
do capitalismo para o socialismo?
Penso que não. Neste ou naquele
grau, a Nova Política Económica com as suas relações de mercado, no
período da ditadura do proletariado, é absolutamente imprescindível
para qualquer país [de economia] capitalista.
Entre nós há camaradas que contestam esta tese. Mas o que significa contestar esta tese?
Significa,
em primeiro lugar, partir do princípio de que nós, imediatamente a
seguir à tomada do poder pelo proletariado, já disporíamos de aparelhos,
cem por cento prontos, de distribuição e abastecimento intermediários
das trocas entre cidade e campo, entre indústria e pequena produção, que
permitem a imediata troca directa de produtos sem mercado, sem
transacções de compra e venda, sem o estabelecimento de um
economia monetária. Só é preciso colocar esta questão para compreender
como seria absurda tal hipótese.
Significa, em segundo lugar, partir
do princípio de que a revolução proletária, depois da tomada do poder
pelo proletariado, percorre o caminho da expropriação da pequena e média
burguesia e tem de se impor o fardo de fornecer trabalho aos milhões de
novos desempregados criados artificialmente e cuidar do seu sustento.
Só é preciso colocar esta
questão para compreender como seria disparatada e insensata uma tal política da ditadura proletária.» (17).
Porquê uma citação tão pormenorizada sobre um tema tão pouco actual?
Primeiro,
porque estamos convencidos que este tema – a política económica para
a construção do socialismo – só está arredado temporariamente da ordem
do dia na Europa (e de forma nenhuma noutros lugares); segundo, porque é
necessário lembrar que existe uma extraordinária riqueza em
conhecimentos teóricos e experiências práticas sobre construção
socialista bem sucedida, mas que foi colocada no Index como «stalinismo»
pelos sucessores de Lénine e Stáline, para que caísse no esquecimento;
finalmente, terceiro, porque entre a esquerda anticapitalista se divulga
uma tese de pseudo-esquerda, cujo mais conhecido divulgador é Robert
Kurz, segundo a qual a raiz de todo o mal não é o capitalismo mas sim a
produção de mercadorias; o socialismo desmoronou-ser porque manteve a
produção de mercadorias em vez de passar directamente para a troca
directa de produtos. Perante tais teses a citação acima é até muito
actual!
Por que pôde o revisionismo destruir os resultados de décadas de construção socialista?
Naturalmente
existem muitas razões. Uma muito importante, na minha opinião, é:
o revisionismo apresentou-se durante muito tempo permanentemente como
antirevisionismo, como defesa do leninismo contra a sua suposta
falsificação por Stáline. Só quando a sua obra destruidora estava
praticamente concluída é que Gorbatchov retirou a
máscara do
comunista, do leninista e se declarou publicamente simpatizante da
socialdemocracia, ou seja anticomunista e antileninista.
Mas o anti-stalinismo foi, desde o início, de acordo com o núcleo da sua natureza, antileninismo, antimarxismo e anticomunismo.
No
entanto, mesmo agora, muitos do campo comunista não reconhecem ainda
isto, porque se encontram ainda sob a influência de décadas de
propaganda de ódio antistalinista dos secretários-gerais anticomunistas
do PCUS desde o XX Congresso, que compararam Stáline a Hitler –
precisamente aquele Stáline que – como Ernst Thälmann
previu – partiu o pescoço a Hitler!
Temos
de tornar claro que, na luta contra o anti-stalinismo, só se trata à
primeira vista da pessoa de Stáline, mas que na sua essência se trata da
questão da existência do movimento comunista: mantemo-nos – como Marx,
Engels, Lénine e Stáline – firmemente no fundamento da luta de classes
ou vamos – como os anti-stalinistas Khruchov, Gorbatchov e seus iguais –
para o terreno da conciliação com o imperialismo? Esta é a questão, de
cuja resposta depende o destino do movimento comunista. E como esta
questão só pode ser correctamente respondida quando se eliminar o veneno
revisionista em todas as suas manifestações, será preciso também vencer
o anti-stalinismo nas suas fileiras.
Notas:
- In: Arquivo do Presente, de 11 de Julho de 1956.
- J. E. Davies, Embaixador em Moscovo, p. 209.
- Idem, p. 33 e segs.
- Idem, p. 86.
- Idem, p. 128.
- Idem, p. 209.
- Idem, p. 209.
N. Pritt, From Right to Left, Londres, 1965, p. 110 e seg.
Bertold Brecht, Escritos sobre Política e Sociedade, Vol. I, 1919-1941, Aufbauverlag, Berlim e Weimar, 1968, p. 172 e seg.
- Lénine, Obras Escolhidas em 3 Tomos, Edições Avante!, Lisboa, 1977 Vol 1, p. 570 [N. do Ed.].
- Trotski, Escritos, Vol III, parte I, p. 89 e seg.
- Stalin, Obras, Vol. 8, p. 58.
- Leo Trotski, La lutte antibureaucratique en URSS, Paris, 1976, p. 257, cit. por: Ludo Martens, Un autre Regard sur Staline, Version non-définitive, Bruxelles, 1993, p. 133.
- Lion Feuchtwanger, Moscovo, 1937. Um relato de Viagem Para os Meus Amigos, publicado pela primeira vez na Ed. Querido, México, 1937; Nova edição na Aufbau-Taschenbuch-Verlag, Berlim, 1993, p. 89.
- NEP- Sigla de Novaia Ekonomitcheskaia Politika (Nova Política Económica). (Nota do editor).
- Lénine, Obras, Vol. 33, p.272. 17 Stalin, Obras, Vol. 11, p. 128 e seg.
Publicado em: Para a História do Socialismo - www.hist-socialismo.net
Documento retirado de www.kurt-gossweiler.de
Tradução do alemão de PG, revisão e edição de AN, 26.06.08
Sem comentários:
Enviar um comentário